*entra apressado na igreja* PADRE: Não esperava Vossa Reverendíssima aqui agora, de modo que... BISPO: Deixemos isso, passons, mas há coisas que não podemos deixar de lado. PADRE: Não estou entendendo. BISPO: Pois vai entender quando eu disser o que Antônio Moraes veio me dizer. PADRE: O Major falou com o senhor?! BISPO: Falou não, reclamou do seu tratamento! PADRE: Ainda não estou entendendo. BISPO: Não vejo essa dificuldade em entender, o senhor não chamou a mulher dele de cachorra? PADRE: Como é? BISPO: Isso mesmo que o senhor ouviu. PADRE: Não, nunca, Deus me livre! Nunca chamaria a mulher do Major de cachorra. BISPO: Mas chamou! PADRE: Não chamei! BISPO: Chamou! PADRE: Chamei. BISPO: Chamou ou não chamou? PADRE: Não chamei, mas se o senhor diz que eu chamei é porque sabe mais que eu. BISPO: Então é verdade que ele veio lhe pedir para benzer o filho que está doente e você insultou o menino e a mãe dele? PADRE: O filho dele está doente? BISPO: Demais! PADRE: O grilo me disse que era o cachorro. BISPO: Grilo? Cachorro? O senhor está brincando comigo? PADRE: Não estou! João Grilo é um vagabundo amarelo que trabalha na padaria. *João Grilo e Chicó entram* JOÃO GRILO: Padre João, querido, está tudo pronto e nós estamos satisfeitos com o senhor. PADRE: João Grilo, querido, também estamos satisfeitos com o senhor. JOÃO GRILO: Bondade sua, Padre, sou só um pobre amarelo. PADRE: É mesmo bondade minha, porque o senhor não passa de um amarelo safado! JOÃO GRILO: Eu?! Por que Vossa Reverendíssima me chamou de safado? PADRE: Porque é isso que você é! JOÃO GRILO: Pois esqueceram de botar isso na minha certidão de idade! *o padre tenta agredir João Grilo e o Bispo o impede*
BISPO: Parem com isso e me expliquem essa história.
PADRE: Como você me diz que o cachorro de Antônio Moraes está doente, e me faz chamar a mulher dele de cachorra? JOÃO GRILO: Isso não é nada, pior é enterrar cachorra em latim, mas nem por isso lhe chamo de safado. BISPO: Uma cachorra? Enterrada em latim? PADRE: Enterrada latindo, senhor nunca viu? BISPO: Nunca vi cachorra depois de morta latir, que história é essa, padre João? JOÃO GRILO: É proibido? BISPO: É mais que proibido! Código Canônico, artigo 1627, parágrafo único, letra k, o padre tem que ser suspenso! JOÃO GRILO: O senhor vai suspende-lo? BISPO: Vou, é uma vergonha, uma desmoralização! E você, João Grilo, deveria se arrepender de suas brincadeiras, é uma vergonha, uma desmoralização! JOÃO GRILO: Uma vergonha! Uma cachorra daquelas ter deixado três contos de réis para a igreja, quatro para o padre e seis para o bispo. BISPO: Como é? JOÃO GRILO: Ah, essa parte nós esquecemos de contar. A cachorra tinha testamento. BISPO: Testamento? PADRE: Loucura da dona. BISPO: É por isso que digo que animal também é criatura de Deus. Que animal inteligente! Que sentimento nobre! PADRE: Para cumprir o desejo da dona, fizemos o enterro em latim. BISPO: Em latim? PADRE: Poucas palavras que eu sabia. JOÃO GRILO: Não sei o que, não sei o que, defunctorum. CHICÓ: Amém. BISPO: É um assunto que precisa de calma para se resolver, faremos uma reunião. CHICÓ: Tomara que não sobre para nós. JOÃO GRILO: Nunca vi homem tão frouxo igual você! CHICÓ: Meu reflexo. JOÃO GRILO: Apresse essa decisão seu Bispo! BISPO: É, até onde eu vejo não seria uma infração. JOÃO GRILO: E novamente, tudo em paz, na santa paz, com a cachorra enterrada em latim e todo mundo satisfeito. *Sons de tiro do lado de fora e gritos de socorro* PADRE: Que barulho é esse. BISPO: É tiro! *Dora entra desesperada* DORA: Valha-me Deus! Ai, vai morrer todo mundo agora! Socorro senhor bispo! BISPO: Mas o que é isso? DORA: É Severino do Aracaju! Entrou na cidade com um cabra e tá vindo roubar a igreja! PADRE: Ave Maria! Valha-me Nossa Senhora! BISPO: Quem é Severino do Aracaju? CHICÓ: Um homem horrível, nós vamo tudo morrer! DORA: A policia correu. BISPO: Ave Maria! Valha-me Nossa Senhora! DORA: Ai Meu Deus! EURICO: Ai Meu Deus! PADRE: E onde está Severino? SEVERINO: Aqui. Ninguém corre! O que é que esse aí faz deitado? PADRE: É bispo e é frouxo, se levante! SEVERINO: Ótimo! Nunca tinha matado bispo, essa vai ser a primeira. É bom que já entreguem tudo que vocês tem no bolso. *Todos colocam seus pertences no chão* DORA: Ai minha Nossa Senhora! SEVERINO: Me mostre tua mão. Isso é uma aliança? DORA: É, sou casada com essa peste aí. Gosto de homem valente e esse é uma vergonha. SEVERINO: Vergonha é uma mulher casada na igreja se oferecer desse jeito, ouvi dizer que a senhora engana seu marido com todo mundo. JOÃO GRILO: Chicó está aí para provar. CHICÓ: Eu? SEVERINO: A senhora sabe o que faço com esse tipo de mulher? DORA: Não. SEVERINO: Ferro na tábua do queixo. DORA: Ai! SEVERINO: E vamo logo parando de de choradeira, senhor Bispo vai ser o primeiro. Mas vá para a porta da igreja que não tenho coragem de matar dentro da casa de Deus. *Bispo sai e o tiro é disparado* PADRE: Tudo isso culpa de vocês e essas histórias de cachorra benta e enterrada. SEVERINO: Não se exalte que o senhor é o próximo! *Padre sai e o tiro é disparado* EURICO: Antes de morrer tenho um pedido. SEVERINO: Ai, qual? EURICO: Mate ela primeiro que eu quero ver. SEVERINO: Concedido, mate a mulher primeiro. DORA: Ah, desgraçado! *Saem os dois mas só um tiro é disparado* SEVERINO: Só matou um? CABRA: Não, quando disparei contra a mulher, o homem entrou na frente e morreram os dois. SEVERINO: Bom, agora chega a hora de matar os dois amarelos mais espertos dessa cidade! JOÃO GRILO: O senhor vai me agradecer pois quero lhe fazer um favor. SEVERINO: Uma gaita? Pra que vou usar isso? JOÃO GRILO: Pra nunca mais morrer de ferimento da policia. SEVERINO: Que conversa é essa? JOÃO GRILO: A gaita foi benzida por Padre Cícero, pouco antes de morrer. SEVERINO: Só acredito vendo JOÃO GRILO: Pois confie sua arma a mim que lhe mostro atirando em Chicó. CHICÓ: Em mim não! JOÃO GRILO: Deixe de besteira, Chicó, coloque a bexiga no buxo que eu atiro nela. SEVERINO: Se apresse. *João Grilo atira na bexiga e sai o sangue, Chicó cai e finge estar morto* JOÃO GRILO: Agora é só tocar! *Tocou a gaita e o homem se levantou* SEVERINO: Nossa Senhora, você não está sentindo nada? CHICÓ: Nadinha! SEVERINO: E antes? CHICÓ: Antes como? SEVERINO: Antes de João tocar a gaita. CHICÓ: Ah, eu estava morto. SEVERINO: Morto? CHICÓ: Vi Nossa Senhora e Padre Cícero. SEVERINO: Mas em tão pouco tempo? CHICÓ: Não sei, só sei que foi assim. JOÃO GRILO: Se o senhor quiser conhecer também eu dou o tiro e toco a gaita. SEVERINO: Atire! CABRA: Mas Capitão... SEVERINO: Atire! *Cabra atira e espera um tempo* CABRA: Toca a gaita. *João Grilo toca mas o homem não levanta* CABRA: Seus amarelo safado. *O cabra vai pra cima porém Chicó o segura e lhe dá uma facada* JOÃO GRILO: Solte o homem Chicó! CHICÓ: Se soltar ele mata nois. JOÃO GRILO: Solte que eu dou um jeito. *Soltou e logo saiu, porém João Grilo parou para pegar os pertences dos falecidos* CHICÓ: Se apresse, homem. JOÃO GRILO: Calma. *um tiro é disparado e mata João Grilo* CHICÓ: Ai minha Nossa Senhora, pobre do João Grilo vai morrer! João! João! Ai Meu Deus!