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❖ INTRODUÇÃO:
Toque de clarim
Toque de clarim
-Compadecida: A mulher que vai representar o papel dessa excelsa senhora, declara-
se indigna de tão alto mister. (Sem o figurino);
Toque de clarim
-Palhaço: Ao escrever está peça, onde combate o mundanismo, praga de sua igreja, o
autor quis ser representado por um palhaço, para indicar que sabe, mais que ninguém
que sua alma é um velho catre, cheio de insensatez e solércia. Ele não tinha o direito
de tocar nesse tema, mas ousou fazê-lo, baseado no espírito popular de sua gente,
porque acredita que esse povo sofre, é um povo salvo e tem direito a certas intimidades;
Toque do clarim.
-Palhaço: O auto da compadecida! o ator que vai representar Manuel, isto é, nosso
senhor Jesus Cristo, declara-se indigno de tão alto papel, mas não vem agora, porque
sua aparição constituirá um grande efeito teatral e o público seria privado desse
elemento surpresa;
Toque de clarim.
-Eurico: Para refrescar esse fogo que tu tens aí dentro, só se for! (Fala enquanto se
meche pelo corredor); João! Xicó! (Grita para chamá-los);
-João Grilo e Xicó: Sinhô? (Falam ao mesmo tempo se deslocando até o Eurico);
-Eurico: Vai chamar o padre João que eu quero que ele testemunhe essa safadeza, e
condene essa adúltera ao quinto dos infernos! (Um barulho de porta batendo, chamando
atenção do público);
-João Grilo: Já chamei padre para tudo nesse mundo, menos para passar atestado de
corno. (Os dois soltam uma risada engraçada);
-Dora: Docinho, vamos resolver isso entre nois, abre por favor... (Arranha a porta,
barulho de miado de gato);
-Eurico: Abrir?!? só se for tua cabeça, infeliz! (Diz enquanto atira um vaso na porta); eu
fui muito besta de casar com você viu, mulher bonita só serve pra botar chifre. (Fala
andando pelo corredor);
-Dora: Se você não abrir, eu me atiro na cacimba! (Anda em direção da cacimba);
-Eurico: E eu tenho essa sorte? (Grita);
-Dora: Você vai morrer de remorso de suas acusações falsas. (Grita enquanto anda);
-Eurico: Eu vou mais é soltar foguete! (Grita lá de dentro);
-Dora: E vai todo mundo pensar que você me matou por ciúmes. (Grita enquanto anda);
-Eurico: E tu lá é besta de morrer só por isso?!? (Grita lá de dentro);
-Dora: Aaaaadeus Eurico, meu único amor... (Joga a bolsa na cacimba);
-Eurico: Dorinha minha filha, não faz uma coisa dessa que eu sou doido por ti. (Atravessa
a porta desesperado);
-Dora: Isso é hora de chegar em uma casa de respeito? aqui você não entra nem pela
molesta do cachorro doido, vai dormir na rua, que é para todo perceber a qualidade de
homem cachaceiro que você é. (Grita de dentro de casa quanto joga coisas pela janela);
-Dora: Perdoou não padre, não aguento mais sentir bafo de cachaça. (Enxuga o rosto
com o lenço);
Os três vão andando para fora de cena, como se fossem para outro lugar da cidade...
❖ CENA DOIS: A morte de João Grilo
Barulho de bombinha.
-Xicó: Seja quem for o corno que invadiu essa igreja, saia aqui fora que eu vou aparar o
chifre, vai conhecer quem é um macho;
Severino sai na porta da igreja.
-Severino: Tão duas coisas que eu não sabia, que eu era corno, e que defunto falava;
Caba sai.
Os três saem
E é assim que serão dois em uma só carne.
-Palhaço: Peço desculpa ao distinto público que teve que assistir essa pequena
carnificina, mas ela era necessária ao desenrolar da história. Agora a cena vai mudar
um pouco, João, levante-se e ajude a mudar o cenário, Xicó! vá chamar os outros!;
-Xicó: Os defuntos também?;
-Palhaço: Também;
-Xicó: Senhor bispo! senhor padre! senhor padeiro!;
-Palhaço: É preciso mudar o cenário, para a cena do julgamento de vocês. Tragam o
trono de nosso senhor! agora a igreja vai servir de entrada para o céu e o purgatório. O
distinto público não se assuste ao ver, nas cenas seguintes, um demônio vestido de
vaqueiro, porque isso decorre de uma crença comum no Nordeste; agora os mortos,
quem estava morto?;
-Bispo: Eu!;
-Palhaço: deite-se ali;
-Padre João: Eu também;
-Palhaço: Deite-se ali, junto dele. Alguém mais?;
-João Grilo: Eu, padeiro, mulher do padeiro, Severino e o cabra;
-Palhaço: Deitem-se todos e morram;
-João Grilo: Um momento;
-Palhaço: Homem, morra... que o espetáculo precisa continuar;
-João Grilo: Espere, quer mandar no meu morredor?;
-Palhaço: O que é que você quer?;
-João Grilo: Já que tenho que ficar aqui morto, quero ficar longe do padre;
-Palhaço: Pois fique, que coisa! e você Xicó?;
-Xicó: Eu escapei, estava na igreja rezando pela alma de João Grilo;
-Palhaço: Então vá rezar lá fora, ande, cuide. Bom, que agora vocês vão poder
aproveitar o espetáculo Zé, espero que vocês levem com vocês as lições vistas aqui.
(Saí dançando);
-Severino: João! seu cabra safado!;
-João Grilo: Será que nem aqui o senhor me sossego, capitão?;
-Severino: Já rodei, rodei, rodei e nem sombra de meu padrinho;
-João Grilo: Pelo visto ele está com muita gente para atender;
-Severino: É mesmo. (Diz surpreso);
-João Grilo: E chegando mais, olha ali mais gente que o senhor despachou (Aponta para
os outros que chegam junto da romaria);
Romaria rezando ave Maria, com velas na mão;
-Severino: Por falar nisso, o que é que você está fazendo aqui que não está lá embaixo?;
-João Grilo: Eu estou morto, que nem você!;
-Severino: Olha o respeito falando de murrer!;
-João Grilo: O sinhô não se lembra da história da gaita?;
-Severino: É mermo! (Diz alarmado) e o que será que meu cabra está fazendo que não
toca logo a gaita para eu viver de novo?;
-João Grilo: Eita severino, você é besta, já viu gaita para reviver os zoto?;
-Padre João: Como diz Xicó, encontramos o único mal irremediável, a morte;
-Dora: e cadê Xicó?;
-João Grilo: Xicó escapou, está vivinho lá na terra, aquele mizeravi;
-Padre João: Pois então como dizia Xicó;
-João Grilo: Já vi muito vivo citar morto mas essa é a primeira vez que vejo morto citar
vivo;
-Diabo: Mas por que essas caras de espanto? por acaso, eu sou algum monstro?;
-Padre João: Não!;
-Bispo: Não de jeito nenhum, nois tamo até impressionados com sua elegância! (Dizem
enquanto se escondem atrás de severino);
-Dora: Parece até um artista;
-Deus: Eu vim assim hoje de propósito porque eu sabia que isso ia levantar comentários.
Vamos, Diabo, faça seu relatório, começando pelo Bispo;
-Diabo: (Pega um livro e abre) simonia, negociou com o Padre aprovando um enterro de
um cachorro em latim, porque o dono lhe deu seis contos, arrogância com os pequenos.
E tudo que se disser do Bispo pode ser dito sobre o Padre também;
-Deus: E o Padeiro?;
-Diabo: Ele e a mulher foram os piores patrões que Taperoá já viu, adultério da mulher
e avareza do marido e cada um era pior doque o outro;
-Deus: E Severino? fale de Severino;
-Diabo: E ainda precisa falar? matou mais de trinta;
-Deus: E você? Oque você diz em sua defesa João?;
-João Grilo: Eu vou apelar. (Levanta a mão);
-Deus: Para quem João?;
-João Grilo: Vou pedir para alguém que está mais perto de nois;
-Deus: É algum santo?;
-João Grilo: Senhor não repare bem, mas de besta só tenho a cara e meu trunfo é maior
que qualquer santo;
-Deus: Quem é?;
-João Grilo: Vala-me nossa senhora, mãe de Deus de Nazaré (Nossa senhora aparece);
-Diabo: Lá vem a compadecida, mulhé em tudo se mete!;
-Deus: Mamãe, se a senhora continuar a interceder desse jeito por todos, o inferno vai
acabar virando uma repartição pública, existe mas não funciona;
Os dois saem de cena.
Xicó caminha pelo espaço, e toma um susto quando vê João Grilo em pé e vivo, vindo
ao seu encontro.
Os dois se dão os braços e saem dançando a música tema. (Aboio) E entra o palhaço.
-Palhaço: A história da compadecida termina aqui e para encerrá-la, nada melhor do que
o verso que acaba com o romance popular em qual ela se baseou:
“meu verso acabou-se agora
minha história verdadeira
toda vez que eu canto ele,
vem dez mil-réis para a algibeira
hoje estou dando por cinco
talvez não ache quem queira”
e se não há quem queira pagar, peço pelo menos uma recompensa que não custa nada
e é sempre eficiente, seu aplauso.