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Roteiro da peça: O auto da compadecida

❖ INTRODUÇÃO:

Todos os atores entram dançando no palco

-Palhaço: (Bate as baquetas); Auto da compadecida! O julgamento de alguns canalhas,


entre os quais um bispo, um padre, para exercício da moralidade;

Toque de clarim

-Palhaço: A intervenção de Nossa Senhora no momento propício, para triunfo da


misericórdia; Auto da compadecida!;

Toque de clarim

-Compadecida: A mulher que vai representar o papel dessa excelsa senhora, declara-
se indigna de tão alto mister. (Sem o figurino);

Toque de clarim

-Palhaço: Ao escrever está peça, onde combate o mundanismo, praga de sua igreja, o
autor quis ser representado por um palhaço, para indicar que sabe, mais que ninguém
que sua alma é um velho catre, cheio de insensatez e solércia. Ele não tinha o direito
de tocar nesse tema, mas ousou fazê-lo, baseado no espírito popular de sua gente,
porque acredita que esse povo sofre, é um povo salvo e tem direito a certas intimidades;

Toque do clarim.

-Palhaço: O auto da compadecida! o ator que vai representar Manuel, isto é, nosso
senhor Jesus Cristo, declara-se indigno de tão alto papel, mas não vem agora, porque
sua aparição constituirá um grande efeito teatral e o público seria privado desse
elemento surpresa;
Toque de clarim.

-Palhaço: Auto da compadecida! uma história altamente moral e um apelo a


misericórdia!;
-João Grilo: Ele diz “à misericórdia”, porque sabe que, se fôssemos julgados pela justiça,
toda a nação seria condenada;
-Palhaço: Auto da compadecida (Cantando tombei, tombei, mandei tombar...);
-Atores: (Respondendo o canto) Perna fina no meio do mar.
-Palhaço: Oi, vou ali e volto já... Atores, saindo... Oi, cabeça de bode não tem o que
chupar; faz explicação sobre como o público deve imaginar o cenário;

Toca uma música alegre e o palhaço sai dançando

❖ Cena um: A TRAÍÇÃO

A cena começa com a Dora batendo na porta da casa.

-Dora: Abre essa porta Eurico!;


-Eurico: Isso é hora de chegar em uma casa de respeito?!?! Aqui você não entra nem
pela molesta do cachorro doido! Vai dormir é na rua, para todo mundo conhecer a
qualidade de mulher traidora que você é! (Fala enquanto arremessa coisas pela porta,
no final ele fecha a porta na cara dela mostrando a sua ira);
-Dora: Oxe?!?!? (Espantada pela reação de Eurico); Só fui dar uma voltinha para
refrescar (fala manhosa e suave);

-Eurico: Para refrescar esse fogo que tu tens aí dentro, só se for! (Fala enquanto se
meche pelo corredor); João! Xicó! (Grita para chamá-los);

João Grilo e Xicó entram na cena.

-João Grilo e Xicó: Sinhô? (Falam ao mesmo tempo se deslocando até o Eurico);
-Eurico: Vai chamar o padre João que eu quero que ele testemunhe essa safadeza, e
condene essa adúltera ao quinto dos infernos! (Um barulho de porta batendo, chamando
atenção do público);
-João Grilo: Já chamei padre para tudo nesse mundo, menos para passar atestado de
corno. (Os dois soltam uma risada engraçada);
-Dora: Docinho, vamos resolver isso entre nois, abre por favor... (Arranha a porta,
barulho de miado de gato);
-Eurico: Abrir?!? só se for tua cabeça, infeliz! (Diz enquanto atira um vaso na porta); eu
fui muito besta de casar com você viu, mulher bonita só serve pra botar chifre. (Fala
andando pelo corredor);
-Dora: Se você não abrir, eu me atiro na cacimba! (Anda em direção da cacimba);
-Eurico: E eu tenho essa sorte? (Grita);
-Dora: Você vai morrer de remorso de suas acusações falsas. (Grita enquanto anda);
-Eurico: Eu vou mais é soltar foguete! (Grita lá de dentro);
-Dora: E vai todo mundo pensar que você me matou por ciúmes. (Grita enquanto anda);
-Eurico: E tu lá é besta de morrer só por isso?!? (Grita lá de dentro);
-Dora: Aaaaadeus Eurico, meu único amor... (Joga a bolsa na cacimba);
-Eurico: Dorinha minha filha, não faz uma coisa dessa que eu sou doido por ti. (Atravessa
a porta desesperado);

Dora se aproveita da distração de Eurico e entra para dentro de casa.


Eurico percebe e bate na porta com força.

-Dora: Isso é hora de chegar em uma casa de respeito? aqui você não entra nem pela
molesta do cachorro doido, vai dormir na rua, que é para todo perceber a qualidade de
homem cachaceiro que você é. (Grita de dentro de casa quanto joga coisas pela janela);

Padre João chega junto de João Grilo e Xicó.


Dora bate à porta.

-Padre João: O que isso?!?;


-Eurico: Era eu que estava lá dentro padre João, mas aí ela se jogou na cacimba e
acabou eu vindo parar aqui fora. (Se vira para a janela) Ein Dora?;

Dora aparece na janela e joga uma bacia de água na cara de Eurico.

-Dora: Está bebinho padre, não fala coisa com coisa;


-Padre João: Minha filha, perdoe ele não sabe o que diz. (Fala enquanto enxuga o rosto
com um lenço e se aproxima da janela);
-Dora: Perdoou não padre. (Diz chorosa);
Padre entrega o lenço a Dora.

-Dora: Perdoou não padre, não aguento mais sentir bafo de cachaça. (Enxuga o rosto
com o lenço);

Padre se vira para Eurico.

-Eurico: Mas padr- (Padre corta Eurico);


-Padre João: Deise o respeito. (Tampa o nariz com a mão); o senhor é presidente da
irmandade das almas. (Diz enquanto puxa o lenço da mão de Dora);
-Eurico: Mas padre João!;
-Padre João: Peça desculpa a sua esposa meu filho, eu estou mandando. (Sai da frente
de Eurico e empurra ele para a frente de Dora);
-Eurico: Desculpe. (Pede escabreado);
-Dora: Dorinha. (Estende a mão);
-Eurico: Desculpe, Dorinha. (Beija a mão de Dora);

Dora abre a porta e Eurico entra.

-Padre João: E lembre-se meus filhos, o casamento é uma invenção de Deus;


- João Grilo: Só que o diabo acrescentou o chifre. (Sussurra pra Xicó);
-Xico: (Risada engraçada.).

Os três vão andando para fora de cena, como se fossem para outro lugar da cidade...
❖ CENA DOIS: A morte de João Grilo

Barulho de bombinha.

-Bispo: Tem certeza de que isso não é bala?;


-Padre: Não se preocupe eminência, é só bombinha que João Grilo espalhou pela
cidade;

Severino entra na igreja.

-Severino: Bença seu padre;


-Padre: Deus te abençoe meu filho. (Se tremendo de medo);
-Severino: Vim lhe pedir pra rezar um ofício de casamento;
-Padre: E cadê a noiva meu filho?;
-Severino: Tá aqui. (Aponta a arma); trouxe a morte para casar com o senhor;

Padre cai desmaiado no chão.

-Severino: O que é isso aí deitado? é um homem?;


-Bispo: Bispo;
-Severino: Ótimo, nunca tinha matado um bispo, o senhor vai ser o primeiro!;
-Severino: Se levante e deixe de chamego que comigo não pega;
-Severino: O seu reverendíssimo vai me desculpar, mas me deixe ver os bolsos;
-Bispo: Só lamento essa minha pobreza que não me permite ajudar os amigos;
-Severino: Mais pobre que o senhor, só Severino de Aracajú, que não tem ninguém por
ele;

Aponta arma pro bispo, bispo entrega dinheiro pro Severino.


Xicó chega na porta da igreja.

-Xicó: Seja quem for o corno que invadiu essa igreja, saia aqui fora que eu vou aparar o
chifre, vai conhecer quem é um macho;
Severino sai na porta da igreja.

-Severino: Tão duas coisas que eu não sabia, que eu era corno, e que defunto falava;

Xicó cai de joelhos no chão.

-Severino: Tava me desafiando? Caba safado!;


-Xicó: Eu? desafiando o sinhô?;
-Severino: Responda! Em vez de ficar perguntando, falou comigo, ou não falou?;
-Xicó: Foi engano meu patrão;
-Severino: Fosse comigo ia lhe deixar viver pela coragem, mas como não foi vai morrer
com os zoto;
-Severino: Caba!;
-Caba: Sinhô!;
Severino: Vá buscar o padeiro e a mulher;

Caba sai.

Padeiro e a Muié entram em cena.


Eles ficam fila

(Ordem da fila: Bispo, Xicó, Eurico, Fora e bispo.)


Severino vem apontando a arma pra casa da um, começando pelo Padre.

-Severino: quem é primeiro;


-Padre: Primeiro as damas;
-Dora: Primeiro as damas nada, que aqui só tem uma;
-Eurico: O sinhô podia começar por ordem de idade;
-Xicó: Primeiro os mais velhos;
-Bispo: Primeiro os mais jovens;
João grilo entra
-João grilo: Severino de Aracaju acaba de chegar;
-Dora: Oxe? e agora são dois é?;
-Caba: Eita! mas se ele é o sinhô, quem que o sinhô é?;
-Severino: Eu sou eu, quem é esse toco de amarrar jegue?;
-João Grilo: Qual?;
-Severino: Você mesmo que acenou de chegar dizendo que sou eu;
-João grilo: Ah pois acho que foi engano;
-Eurico: Como é isso em?;
-João grilo: Né nada não, é apenas uma visão, vocês tão vendo dois mas só tem ele,
tchau;
-Severino: Um momento amarelinho.
-João grilo: É que está tarde, e eu tenho coisas pra fazer, um abraço a vocês, até logo,
e muito boa viagem pra vocês;
-Severino: Venha cá! quero falar com você!;
-João grilo: Homi, eu sei a conversa que você quer ter comigo, e o dinheiro que você
quer, eu não tenho, porque a mulhe do padeiro não me pagou o dinheiro combinado pra
eu fazer xicó deitar com ela pode perguntar aí a dona Dora;
-Eurico: Então você andava mesmo me enfeitando a cabeça infeliz? isso é da conta de
gente de respeito, mas até xico?;
-Xicó: Oxe? Xicó oque?!?;
-João Grilo: Agora vamo sair Xicó, que o calor aqui tá aumentando;
-Severino: Nada disso,agora você fica e vai morrer com os outros;
vamo começar com excelentíssimo padeiro dessa cidade e que tenha a excelentíssima
honra de morrer com sua mulher.
caba: Não gosto de matar de matar muié, mas é o jeito
Dora: Pode deixar, sou mais macho que muita qualidade de homem por aí.

Os três saem
E é assim que serão dois em uma só carne.

-Xicó Fale assim não joão, é valente, safada, mais valente!;


-Severino: E agora? Bispo;
-Bispo: Pode cuidar dele primeiro;
-Padre: Nada disso, a vez é do sinhô;
-Severino: Para não haver mais discussão, vão os dois juntos;
-Bispo: Mas o sinhô disse que ia levar ele primeiro;
-Severino: Seu Bispo, seja homem, dê o exemplo a seu secretário aqui, leve os dois;
-Caba: Não gosto de matar padre e nem bispo, quem dirá os dois de uma vez;
-Severino: E você largue de sua froxura; Muito bem, qual são os nomes de vossas
sinhorias,
-Xicó: Meu nome é xicó, se for do seu agrado;
-João grilo: Minha sinhoria não tem nome nenhum, porque não existe, pobre lá tem
sinhoria? pobre só tem desgraça!;(risada)
-Severino: Diga então o nome de vossa desgracença;
-João grilo: É joão grilo;
-Severino: Pois tá muito bem, tá na hora da morte de vossa desgracença joão grilo, o
amarelo mais amarelo que já tive a honra de matar;
-João grilo: Mas antes de morrer, eu queria lhe fazer um grande favor;
-Severino: Qualé?;
-João grilo: Lhe dá essa gaita de presente, uma gaita? para que que eu quero uma
gaita?;
-João grilo: É-é-é... pra não morrer!;
-Severino: Que história é essa? já ouvi falar de chocalho bento que cura mordida de
cobra, mas gaita que cura ferimento de rifle é a primeira vez;
-João Grilo: Essa gaita foi benzida por meu padrin pade ciço, logo antes dele morrer;
-Severino: Só acredito vendo;
-João grilo: Pois não,me de seu punhal;
-Severino: Olhe lá o que você vai fazer, e agora?;
-João grilo: Agora vou da uma facada em xicó;
-Xicó: Oxe?!? na minha não;
-João grilo: Mas homi, largue de coisa, eu toco a gaita e você volta;
-João grilo: (sussurra) A bixiga, bixiga;

João grilo enfia a faca na bixiga.


xicó cai no chão.

-João grilo: Morra desgracado! Está vendo o sangue?


-Severino: Estou, e você deu a facada, disso nunca duvidei e agora quero vê você curar
o homem, toque a gaita!;
joão grilo toca a gaita;
xicó levanta dançando;

-Severino: Você não tá sentindo nada?;


-Xicó: Nadinha;
-Severino: E antes?;
-Xicó: Tava morto;
-Severino: Morto?
-Xicó: Mortinho, vi meu padrin ciço no céu;
-Severino: Mas em tão pouco tempo?;
-Xicó: Não sei, só sei que foi assim;
-Severino: E o que foi que meu padrin pade ciço te disse?;
-Xicó: Disse assim, entregue essa gaita a severino;
-Severino: João, me de essa gaita?;
-João grilo: Me solte e solte xicó;
-Severino: Não pode, vou ser injusto com os outros;
-João grilo: Posso fazer você vê seu padrinho pade ciço, seu caba te mata, e depois
toco a gaita e você revive;
-Severino: Pode ser, mas por segurança entregue a gaita a meu caba;
Caba atira em severino;
caba toca a gaita, severino não volta;
João se vira pra Xicó, caba mete a faca em João;
-Xicó: João? João? João você vai morrer?
-João Grilo: Acho que vou Xicó, estou ficando com a vista escura;
-Xicó: Oh meu Deus, o coitado do João Grilo vai morrer;
João Grilo: Deixe de besteira xicó, parece que nunca viu homem morrer;
-Xicó: João? João!?,aí meu deus, morreu o pobi de João grilo, um amarelo tão safado
morrer assim, João?!? não tem mais jeito, João Grilo morreu;
-Xicó: Tão amarelo, tão safado e morrer assim, que que eu faço em um mundo sem
João? acabou-se o grilo mais inteligente da terra e comprou sua sentença e encontrou-
se com o único mal irremediável na terra ,aquilo que é a marca do nosso estranho
destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo que é vivo em um só
rebanho de condenados, porque tudo que é vivo morre, que posso fazer agora? somente
seu enterro e rezar por sua alma
❖ Cena três: O JULGAMENTO FINAL:

Palhaço entra em cena

-Palhaço: Peço desculpa ao distinto público que teve que assistir essa pequena
carnificina, mas ela era necessária ao desenrolar da história. Agora a cena vai mudar
um pouco, João, levante-se e ajude a mudar o cenário, Xicó! vá chamar os outros!;
-Xicó: Os defuntos também?;
-Palhaço: Também;
-Xicó: Senhor bispo! senhor padre! senhor padeiro!;
-Palhaço: É preciso mudar o cenário, para a cena do julgamento de vocês. Tragam o
trono de nosso senhor! agora a igreja vai servir de entrada para o céu e o purgatório. O
distinto público não se assuste ao ver, nas cenas seguintes, um demônio vestido de
vaqueiro, porque isso decorre de uma crença comum no Nordeste; agora os mortos,
quem estava morto?;
-Bispo: Eu!;
-Palhaço: deite-se ali;
-Padre João: Eu também;
-Palhaço: Deite-se ali, junto dele. Alguém mais?;
-João Grilo: Eu, padeiro, mulher do padeiro, Severino e o cabra;
-Palhaço: Deitem-se todos e morram;
-João Grilo: Um momento;
-Palhaço: Homem, morra... que o espetáculo precisa continuar;
-João Grilo: Espere, quer mandar no meu morredor?;
-Palhaço: O que é que você quer?;
-João Grilo: Já que tenho que ficar aqui morto, quero ficar longe do padre;
-Palhaço: Pois fique, que coisa! e você Xicó?;
-Xicó: Eu escapei, estava na igreja rezando pela alma de João Grilo;
-Palhaço: Então vá rezar lá fora, ande, cuide. Bom, que agora vocês vão poder
aproveitar o espetáculo Zé, espero que vocês levem com vocês as lições vistas aqui.
(Saí dançando);
-Severino: João! seu cabra safado!;
-João Grilo: Será que nem aqui o senhor me sossego, capitão?;
-Severino: Já rodei, rodei, rodei e nem sombra de meu padrinho;
-João Grilo: Pelo visto ele está com muita gente para atender;
-Severino: É mesmo. (Diz surpreso);
-João Grilo: E chegando mais, olha ali mais gente que o senhor despachou (Aponta para
os outros que chegam junto da romaria);
Romaria rezando ave Maria, com velas na mão;
-Severino: Por falar nisso, o que é que você está fazendo aqui que não está lá embaixo?;
-João Grilo: Eu estou morto, que nem você!;
-Severino: Olha o respeito falando de murrer!;
-João Grilo: O sinhô não se lembra da história da gaita?;
-Severino: É mermo! (Diz alarmado) e o que será que meu cabra está fazendo que não
toca logo a gaita para eu viver de novo?;
-João Grilo: Eita severino, você é besta, já viu gaita para reviver os zoto?;
-Padre João: Como diz Xicó, encontramos o único mal irremediável, a morte;
-Dora: e cadê Xicó?;
-João Grilo: Xicó escapou, está vivinho lá na terra, aquele mizeravi;
-Padre João: Pois então como dizia Xicó;
-João Grilo: Já vi muito vivo citar morto mas essa é a primeira vez que vejo morto citar
vivo;

O Diabo aparece e todos se apavoram.

-Diabo: Mas por que essas caras de espanto? por acaso, eu sou algum monstro?;
-Padre João: Não!;
-Bispo: Não de jeito nenhum, nois tamo até impressionados com sua elegância! (Dizem
enquanto se escondem atrás de severino);
-Dora: Parece até um artista;

João Grilo abana o nariz com nojo do fedor do Diabo.

-Diabo: Estão vendo? o Diabo não é tão feio quanto parece;


-João Grilo: Pode até ser, mas esse cheirinho de enxofre. (Diz abanando o nariz);
-Diabo: Talvez o meu cheiro esteja incomodando vocês?;
-Todos (Menos o João Grilo): não!;
-Diabo: Vocês agora vão pagar tudo que fizeram! (Grita);
-Dora: Vixe, eu adoro um homem brabo. (Diz se tremendo);
-Diabo: Vou mandar todos para o quinto dos infernos;
-João Grilo: Pensa que é assim e pode tudo?;
-Diabo: Sim. (Risada);
-João Grilo: Que diabo de tribunal é esse que não tem apelação? (Ajoelha-se) eu apelo
para quem pode mais, o nosso senhor... Jesus Cristo;

Jesus aparece em seu trono rodeado por anjos. Todos se ajoelham.

-Diabo: Quem é? É Manuel?;


-Deus: Sim, é Manuel! venham todos, pois vão ser julgados;
-João Grilo: Eu não quero faltar com respeito a uma pessoa tão importante, mas se não
me engano, aquele sujeito (Aponta para o Diabo) acabou de chamar o senhor de
Manuel;
-Deus: Sim, foi isso mesmo, esse também é um dos meus nomes;
-João Grilo: Mas espere, o Senhor que é Jesus? (Diz surpreso);
-Deus: Sou, por quê?;
-João Grilo: Não é faltando com respeito não, mas eu pensava que o Senhor era muito
menos queimado;

João Grilo leva um beliscão do padre.

-Deus: Eu vim assim hoje de propósito porque eu sabia que isso ia levantar comentários.
Vamos, Diabo, faça seu relatório, começando pelo Bispo;
-Diabo: (Pega um livro e abre) simonia, negociou com o Padre aprovando um enterro de
um cachorro em latim, porque o dono lhe deu seis contos, arrogância com os pequenos.
E tudo que se disser do Bispo pode ser dito sobre o Padre também;
-Deus: E o Padeiro?;
-Diabo: Ele e a mulher foram os piores patrões que Taperoá já viu, adultério da mulher
e avareza do marido e cada um era pior doque o outro;
-Deus: E Severino? fale de Severino;
-Diabo: E ainda precisa falar? matou mais de trinta;
-Deus: E você? Oque você diz em sua defesa João?;
-João Grilo: Eu vou apelar. (Levanta a mão);
-Deus: Para quem João?;
-João Grilo: Vou pedir para alguém que está mais perto de nois;
-Deus: É algum santo?;
-João Grilo: Senhor não repare bem, mas de besta só tenho a cara e meu trunfo é maior
que qualquer santo;
-Deus: Quem é?;
-João Grilo: Vala-me nossa senhora, mãe de Deus de Nazaré (Nossa senhora aparece);
-Diabo: Lá vem a compadecida, mulhé em tudo se mete!;

Deus toma benção a nossa senhora.

-Compadecida: Oi você que me chamou;


-Diabo: Grande coisa esse chamego que ela faz para salvar todo mundo e termina
desmoralizando tudo;
-Severino: Você fala assim porque nunca teve mãe;
-João Grilo: Um sujeito ruim desse, só sendo fi de chocadeira;
-Compadecida: Para que você me chamou João?;
-João Grilo: É que esse fi de chocadeira quer levar a gente para o inferno, e eu só podia
me pegar com a senhora mermo;
-Compadecida: Vou ver o que eu posso fazer. (Se vira em direção de Manuel); intercedo
por esses pobres meu filho, que não tem ninguém por eles e não os condene;
-Diabo: Eu apelo para a justiça. (Grita enquanto se levanta);
-Compadecida: É preciso levar em conta a triste e pobre situação do homem, os homens
começam com medo, e acabam fazendo o que não presta, é medo;
-Diabo: Medo?!? medo de que?;
-Compadecida: Medo de muitas coisas! do sofrimento, da solidão, e no fundo de tudo o
medo da morte;
-Deus: E é a mim que você vem dizer isso? a mim que morri abandonado, até por meu
pai. (Fala calmo enquanto estende as mãos sujas de sangue pela crucificação);
-Diabo: Medo da morte todo mundo tem e nem por isso as pessoas se tornam virtuosas,
medo da morte por si só não redime os pecados. (Fala andando);
-Compadecida: Mas na hora da morte as vezes sim! na oração da virgem maria, os
homens me pedem para rogar por eles na hora da morte, eu rogo, e olho para eles
nessa hora, e vejo que muitas vezes é na hora de morrer que eles finalmente encontram
o que procuravam a vida toda;
-Deus: Estão salvos;
-Diabo: Isso é um absurdo! (Fala zangado);
-Deus: Vocês podem ir por ali. (Purgatório);
-Diabo: E João? pelo menos esse eu faço questão de levar;
-Deus: O que é que você tem a dizer em sua defesa?;
-João Grilo: Nada não sinhô;
-Deus: Como nada?;
-Compadecida: Você mentia porque precisava;
-João Grilo: Mas eu também gostava, acabei pegando o gosto de enganar aquele povo;
-Compadecida: Não, mas porque eles lhe exploravam, a esperteza é a coragem do
pobre e a esperteza era a única arma que você tinha;
-João Grilo: Agradeço sua intervenção, mas devo reconhecer que não vivi como um
santo;
-Diabo: Está se fazendo de humilde e para ela tomar as dores dele;
Compadecida se vira para jesus.
-Compadecida: João foi um pobre como nós, e teve que suportar as maiores dificuldades
de uma terra seca e morta como a nossa, pelejou pela vida desde menino, acostumou-
se a pouco pão, passava fome, e quando não podia mais, rezava, humilhado, derrotado,
mas quando via sua terra, dava graças a Deus, por ser um sertanejo pobre, mas cheio
de fé e peço muito simplesmente que não o condene;
-Deus: O caso é duro, mas tudo tem limite, eu acho que não posso salvá-lo;
-Compadecida: De a ele então outra oportunidade;
-Deus: Como?;
-Compadecida: Deixa João voltar;
-Deus: Você se dá por satisfeito?;
-João Grilo: Demais. (Fala alegre);

João Grilo vai embora.

-Deus: Mamãe, se a senhora continuar a interceder desse jeito por todos, o inferno vai
acabar virando uma repartição pública, existe mas não funciona;
Os dois saem de cena.
Xicó caminha pelo espaço, e toma um susto quando vê João Grilo em pé e vivo, vindo
ao seu encontro.

-Xicó: João? é você!;


-João Grilo: Em carne e esperteza;
-Xicó: Como é que foi isso homi?;
-João Grilo: Não sei, acho que a bala passou de raspão, a vista escureceu mas depois
acordei aqui, vivinho;
-Xicó: (Risada engraçada) Pois vamos então até a igreja, agradecer a Deus nosso
senhor por essa sorte;

Os dois se dão os braços e saem dançando a música tema. (Aboio) E entra o palhaço.

-Palhaço: A história da compadecida termina aqui e para encerrá-la, nada melhor do que
o verso que acaba com o romance popular em qual ela se baseou:
“meu verso acabou-se agora
minha história verdadeira
toda vez que eu canto ele,
vem dez mil-réis para a algibeira
hoje estou dando por cinco
talvez não ache quem queira”
e se não há quem queira pagar, peço pelo menos uma recompensa que não custa nada
e é sempre eficiente, seu aplauso.

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