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Classe: Representação

Processo: 2005.015366-7
Relator: Maria do Rocio Luz Santa Ritta
Data: 05/07/2006

Representação n. 2005.015366-7, de Joaçaba.

Relator:a: Desa. Maria do Rocio Luz Santa Ritta.

REPRESENTAÇÃO. INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO JUDICIAL CONTRA


JUIZ DE DIREITO. PRERROGATIVA INSCULPIDA NO ART. 33,
PARÁGRAFO ÚNICO, DA LOMAN . LC 35/79. DELIBERAÇÃO DO TRIBUNAL
PLENO COMO PRESSUPOSTO DE PROCEDIBILIDADE. PRERROGATIVA
ÍNSITA AO CARGO, INTEGRANTE DA CLÁUSULA DO DUE PROCESS OF
LAW, SUBSTANCIADA NA GARANTIA DE NÃO SER INVESTIGADO,
PROCESSADO E CONDENADO SEM QUE SE OBSERVEM AS
RESTRIÇÕES IMPOSTAS PELA ORDEM JURÍDICA À PERSECUÇÃO
PENAL DO ESTADO. SUPOSTOS CRIMES DE PREVARICAÇÃO (ART. 319,
DO CP), DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA (ART. 339, DO CP), CALÚNIA E
DIFAMAÇÃO (ARTS. 139 E 139 DO CP). NECESSIDADE, PARA O INÍCIO
DAS INVESTIGAÇÕES, DA AFERIÇÃO, IN STATU ASSERTIONIS, DA
PERTINÊNTICA DOS ELEMENTOS NORMATIVOS, OBJETIVOS E
SUBJETIVOS, CONSTITUTIVOS DA CONDUTA DELITUOSA EM TESE.
PREVARICAÇÃO. RENITÊNCIA NA EXPEDIÇÃO DE MANDADO JUDICIAL,
ATO INSERTO NA ESFERA DE ATRIBUIÇÕES FUNCIONAIS, PARA O
CUMPRIMENTO DE MEDIDA LIMINAR DEFERIDA EM AÇÃO CIVIL
PÚBLICA, CONFIRMADA PELA CORTE ESTADUAL, NO SENTIDO DE
INTERDITAR CASA NOTURNA (CONDUTA TÍPICA OMISSIVA). POSTERIOR
DEFERIMENTO DE LIMINAR EM MANDADO DE SEGURANÇA
CONTRARIANDO DECISÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (CONDUTA TÍPICA
COMISSIVA). FATO TÍPICO, EM TESE, CONFIGURADO, PENDENTE A
INVESTIGAÇÃO DOS DOLOS GENÉRICO E ESPECÍFICO. CRIME DE
DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. REPRESENTAÇÃO CONTRA PROMOTOR DE
JUSTIÇA DIRIGIDA À CORREGEDORIA-GERAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
FALSIDADE ENQUANTO ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO PENAL.
AUSÊNCIA QUE IMPLICA ATIPICIDADE. CARÊNCIA DO DOLO ESPECÍFICO
DE FALSEAR IMPUTAÇÃO CRIMINAL PARA VER INJUSTAMENTE
INSTAURADO PROCEDIMENTO DE INVESTIGAÇÃO. FALTA DE JUSTA
CAUSA SUMARIAMENTE DIAGNOSTICADA. ESTANCAMENTO DA
REPRESENTAÇÃO, SOB PENA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL.
CALÚNIA. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. CONDUTA ATÍPICA, EM NÃO SE
AFIGURANDO PERJÚRIA A IMPUTAÇÃO E À MÍNGUA DE DOLO
ESPECÍFICO. DIFAMAÇÃO E INJÚRIA. IMUNIDADE JUDICIÁRIA COMO
EXCLUDENTE DOS CRIMES. ART. 142, III, DO CP. REPRESENTAÇÃO
PARCIALMENTE RECEBIDA, RELATIVAMENTE AO CRIME DE
PREVARICAÇÃO. REMESSA DOS AUTOS PARA A CORREGEDORIA-
GERAL DE JUSTIÇA PARA A IGNIÇÃO DAS INVESTIGAÇÕES.

1. Prerrogativa dos magistrados, conseqüência da condição de membros do


Poder Judiciário, o parágrafo único, do art. 33, da Lei Orgânica da Magistratura
Nacional (LOMAN . LC 35/79), prescreve: .Quando, no curso da investigação,
houver indício da prática de crime por parte do magistrado, a autoridade
policial, civil ou militar, remeterá os respectivos autos ao Tribunal ou Órgão
Especial competente para o julgamento, a fim de que prossiga na
investigação.. Ao Plenário da Corte incumbe autorizar ou coarctar o início ou o
prosseguimento das investigações, conforme exista ou não, em juízo sumário,
justa causa para o procedimento criminal.

2. Essa manifestação prévia do Tribunal de Justiça se subleva à categoria de


elemento integrante da cláusula do due process of law (art. 5o, LIV, da CF),
substanciada, dentre outros, na garantia de não ser investigado, processado e
condenado sem que se observem as restrições impostas pela ordem jurídica à
persecução penal do Estado.

3. Crime contra a Administração Pública, a prevaricação consiste em .Retardar


ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra
disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.
(art. 319, CP). Em face dessa compleição normativa, comprovado nos autos
que Juiz de Direito, no exercício das atribuições funcionais, se absteve de
expedir mandado judicial para o cumprimento de medida liminar referendada
pela Corte Estadual (omissão), oferecendo resistência injustificada à
implementação prática do provimento jurisdicional, e que posteriormente
deferiu medida de encontro às determinações da Corte (comissão), reúnem-se,
em tese, os elementos normativos constitutivos da conduta delituosa,
autorizando o início das investigações para a aferição do dolo em duplo
aspecto (genérico e específico) requestado pelo tipo penal.

4. A figura delitual da denunciação caluniosa reside no .Dar causa à


instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de
investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade
administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente. (art.
399, CP). Para efeito desse delito, a imputação deve ser objetiva e
subjetivamente falsa, e o elemento subjetivo do tipo somente existe enquanto
dolo direto, não eventual. Não existe crime, sequer em tese, se os fatos
imputados realmente ocorreram e possuem autoria incontroversa, por isso que
ausente o requisito primacial da falsidade, e se os termos da comunicação à
autoridade arredam, de plano, o dolo direto do agente de falsear imputação
criminal para instaurar-se injustamente procedimento de investigação.

5. Conquanto, em linha de princípio, um juízo de valor sobre o caráter


moralmente ofensivo das verberações refuja à essência do juízo de prelibação
de que se consolida o exame de admissibilidade das investigações, a verdade
é que, em sede dele, a falta de justa causa para a ação penal deve ser
reconhecida quando, de plano, à míngua de incursões profundas no plexo
probatório, denotar-se a atipicidade do fato, a extinção da punibilidade, a
existência de imunidade ou a ausência de condição específica de
procedibilidade exigida pela lei, hipóteses em que o só processamento
materializa, em si, constrangimento ilegal.

6. A denunciação caluniosa é um plus em relação ao minus de que se


consolida a calúnia. Esta, que tem a falsidade, igualmente, como elemento
normativo do tipo, representa uma etapa da conduta daquela. Incide no caso o
princípio da consunção, de sorte que a alegação de calúnia, por identidade de
razões, fica absorvida na inexistência da denunciação. Ademais disso, os
termos da representação fazem clara, primus ictus oculi, a ausência de
elemento subjetivo do tipo, necessariamente caracterizado, na calúnia, pela
vontade consciente de depreciar a honra da vítima.

7. Supostas difamação, atingindo o complexo de predicados que conferem à


vítima consideração social (honra objetiva), e injúria, veiculando qualidade
negativa do ofendido de forma a denegrir a estima própria (honra subjetiva), se
vêem, no caso, acobertados pela excludente dos crimes representada pela
imunidade judiciária (art. 142, III, do CP).

8. Recebimento parcial da representação, com a remessa dos autos à


Corregedoria-Geral de Justiça para fins de investigação, adstrita a atuação do
relator aos atos que demandem cunho jurisdicional (quebra de sigilo, escuta
telefônica, etc.), sob pena de se aglutinar numa mesma figura as atribuições de
investigador e julgador, fusão incompatível com o sistema penal acusatório,
não inquisitivo.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de representação n. 2005.015366-7,


de Joaçaba (1a Vara Cível), em que é representante o Procurador-Geral de
Justiça do Estado de Santa Catarina, sendo representado E.G.:

ACORDAM, em Tribunal Pleno, por votação unânime, receber parcialmente a


representação ofertada pelo d. Procurador-Geral de Justiça, delimitando ao
crime de prevaricação (art. 319, do Código Penal) o espectro da investigação a
levar-se a efeito pela d. Corregedoria-Geral de Justiça, e, por extensão, da
persecução criminal do magistrado representado.

Custas legais.

I - RELATÓRIO:
Tratam os autos, em resumo, de representação ofertada pelo d. Procurador-
Geral de Justiça tencionando a instauração de inquérito judicial no sentido de
apurar a responsabilidade criminal de Edemar Gruber, Juiz de Direito titular da
1a Vara Cível da Comarca de Joaçaba, em decorrência de atos supostamente
tipificados enquanto crimes de prevaricação (art. 319, CP), denunciação
caluniosa (art. 339, CP), calúnia e difamação (arts. 138 e 139, CP).

A representação tem por sustento os seguintes fatos:

.Segundo se infere dos autos n. 33.834.1/SGMP, originários da representação


do Promotor de Justiça Miguel Lotário Gnigler, ora vítima, oferecida contra o
Juiz de Direito Edemar Gruber, ora representado, na Comarca de Joaçaba, em
06 de abril de 2004, o Ministério Público aforou ação civil pública contra a
empresa `Terra Brazilis., objetivando o embargo de suas atividades noturnas,
dado que o empreendimento encontrava-se estabelecido em área
predominantemente residencial e operando sem adequado tratamento acústico
nem Licença Ambiental de Operação.

Dessarte, no dia 7 de abril do mesmo ano, foi deferida medida liminar, na


referida ação civil pública, pelo Juiz da 2a Vara Cível da Comarca de Joaçaba
(fls. 179/180), cujo provimento restou mantido pelo e. Tribunal de Justiça (fls.
384 e 349), que determinou, em liminar de efeito mandamental, a interdição do
estabelecimento, estabelecendo prazo de 15 (quinze) dias para sua realização
e multa cominatória no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), a cada dia de atraso.
Ocorre que o empreendedor, conforme se infere dos autos, teria descumprido a
ordem judicial desde aquela data.

Em 26 de novembro de 2004, após inúmeros pedidos do Ministério Público não


conhecidos ou indeferidos por meros despachos, o Juiz da 2a Vara Cível deu-
se por `impedido, por foro íntimo., conforme Despacho da fl. 183, passando a
atuar, na ação civil pública, o Juiz de Direito da 1a Vara Cível da Comarca de
Joaçaba, Edemar Gruber, ora representado.
Em razão da falta de efetividade da medida liminar, o Promotor de Justiça
Miguel Lotário Gnigler, na condição de Curador de Defesa do Meio Ambiente
da referida Comarca, requisitou, pelo Ofício n. 118/04/1PJ/JOA (fls. 243 a 245)
dirigido à Polícia Ambiental, o cumprimento da decisão judicial, expedida pelo
Juízo de Direito de 1o Grau, cuja cópia encontra-se nas fls. 179 e 180,
confirmada pelo e. Tribunal de Justiça em agravo de instrumento, conforme se
extrai da cópia das fls. 348 e 349. Deu-se, assim, a interdição da atividade do
empreendimento poluidor, pela Polícia Militar Ambiental local, que prontamente
cumpriu as referidas decisões (do Juízo e do Tribunal).

Inconformado com o embargo da atividade, o `Terra Brazilis Produções


Marketing Ltda.. impetrou mandado de segurança com pedido liminar, o qual foi
prontamente acolhido pelo Representado, como Juiz de Direito da 1a Vara
Cível, determinando a suspensão do ato de interdição do estabelecimento (fls.
263 e 268), contrariando a decisão liminar do e. Tribunal de Justiça de Santa
Catarina.

O Ministério Público, por sua vez, além de propor exceção de suspeição contra
esse mesmo Juiz de Direito (fls. 103 a 113), interpôs agravo de instrumento
com pedido de efeito suspensivo contra a medida liminar concedida no
mandado de segurança (fl. 259), o qual foi apreciado e concedido pelo e.
Tribunal de Justiça (fls. 271 a 274).

Entretanto, mesmo diante da liminar concedida no agravo de instrumento


interposto no mandado de segurança, que determinou a interdição do
empreendimento `Terra Brazilis., o Representado entendeu que aquela não
havia tido o alcance almejado pelo Ministério Público, deixando de cumpri-la.

No mesmo dia, o Promotor de Justiça Miguel Lotário Gnigler requereu, em


caráter de urgência, o cumprimento da interdição das atividades desenvolvidas
pela referida empresa, nos termos da liminar concedida pelo e. Tribunal de
Justiça no agravo de instrumento interposto no mandado de segurança (fls. 277
e 278). O Representado, no entanto, em simples despacho, negou o pleito,
fundamentando, superficialmente, que a liminar não tinha o alcance pretendido
pelo Ministério Público. Assim, o Promotor de Justiça Miguel Lotário fez
comunicação ao Desembargador Relator do agravo de instrumento acerca da
negação, por parte do Representado, em expedir a ordem de interdição e
embargo, concedida no despacho antecipatório, conforme documento da fl.
279.

Não obstante a comunicação, o Promotor de Justiça Miguel Lotário Gnigler


requereu ao próprio Tribunal de Justiça do Estado a modificação da medida
liminar concedida no agravo de instrumento, a fim de que fosse aumentado o
quantum da multa cominatória para que se lograsse êxito na interdição e no
embargo da atividade causadora de poluição sonora (fls. 39 a 43). O Tribunal,
por meio do r. Despacho da fl. 285, do Exmo Senhor Desembargador Dionísio
Jenczak, novamente determinou: `oficie-se ao magistrado a quo, para que
cumpra integralmente o despacho que concedeu a antecipação da tutela
recursal, com a conseqüente interdição e embargo das atividades da ora
agravada., despacho esse proferido em 30 de dezembro de 2004, cujo
cumprimento ocorreu somente aos 7 dias do mês de janeiro de 2005,
consoante auto de interdição de fl. 296, após despacho proferido pelo Juiz
Substituto da 1a Vara Cível Maycon Rangel Favareto, conforme o documento
da fl. 287.

Contrariado pela atuação do Promotor de Justiça Miguel Lotário Gnigler,


sobretudo por esse ter obtido o cumprimento das ordens do Juízo e do
Tribunal, o Representado formulou representação, no dia 21 de dezembro de
2004, à Corregedoria-Geral do Ministério Público contra o Promotor de Justiça
Miguel Lotário Gnigler, imputando-lhe a prática de abuso de autoridade
(Documento de fl. 81). Na ocasião, o Representado encaminhou à
Corregedoria-Geral do Ministério Público cópia dos Autos da Exceção de
Suspeição n. 037.04.001078-0/001.

No mesmo dia, o referido Juiz de Direito expediu ofício à mesma Corregedoria-


Geral, que se constitui em nova representação, afirmando que:
`O Promotor de Justiça ofende e constrange com assiduidade, os servidores do
Juízo local, mormente em relação aos Oficiais de Justiça, Comissárias da
Infância e Juventude e Policiais Militares encarregados da guarda do Fórum,
extrapolando suas funções. (fl. 61).

Instaurado, pela Corregedoria-Geral do Ministério Público, procedimento de


investigação administrativa, por meio de Pedido de Explicações . Procedimento
n. 1387.1 ., foi o Promotor de Justiça Miguel Lotário Gnigler notificado a
manifestar-se, tendo, em suma, alegado o seguinte: a) que o Juiz de Direito
Edemar Gruber, ora Representado, atribuiu a prática de crimes de abuso de
autoridade, coação moral e ameaça, ciente da inocorrência dos fatos típicos
narrados e da sua inocência; b) que o Ministério Público estava coberto de
razão ao determinar a interdição da Danceteria, afinal, a medida liminar obtida
na ação civil pública (fls. 348 e 349) confirmou a decisão judicial obtida em
primeiro grau (fls. 179 e 180), decretando expressamente o embargo e a
interdição da atividade; c) que o Representado vinha negando eficácia às
liminares concedidas pelo e. Tribunal de Justiça no sentido da interdição do
estabelecimento; d) o Promotor de Justiça Miguel Lotário Gnigler requereu o
arquivamento da representação e a cópia integral dos autos a esta
Procuradoria-Geral de Justiça, para as providências que entendesse cabíveis
em relação ao Representado.

Além dos esclarecimentos prestados pelo Promotor de Justiça Miguel Lotário


Gnigler, os fatos narrados na nova representação contra o referido Promotor
mostraram-se inverídicos também em face das declarações prestadas pelos
próprios funcionários, acostadas às fls. 30, 70, 71 e 72, que excluíram a
ocorrência de qualquer ameaça, constrangimento ilegal ou injúria contra
qualquer serventuário de justiça ou policial.

A representação oferecida pelo Juiz de Direito Edemar Gruber contra o


Promotor de Justiça Miguel Lotário Gnigler, por prática de abuso de autoridade,
foi arquivada pela Corregedoria-Geral do Ministério Público, pois essa
entendeu que a requisição ministerial à Polícia Ambiental, no sentido do
cumprimento das decisões judiciais de ofício, realmente se mostrava imperiosa
para a efetivação da liminar já concedida nos autos da ação civil pública.

Do mesmo modo, esta Procuradoria-Geral de Justiça determinou o


arquivamento da representação contra o citado Promotor de Justiça diante do
convencimento de que este, na sua atuação, não foi além do cumprimento de
suas atribuições constitucionais e institucionais cometidas ao Ministério
Público.

Não contente, o Representado, em exceção de pré-executividade aforada pela


empresa `Terra Brazilis. Ltda.. (fl. 5 a 12), negou a força de título executivo às
liminares concedidas às fls. 348 e 349, 271 e, após, 285 e 286, pelo e. Tribunal
de Justiça. Ainda, desqualificou o Promotor de Justiça Miguel Lotário Gnigler
como `exemplo negativo. de representante do Ministério Público imputando-lhe
`conduta indigna, maliciosa, prepotente e arbitrária., na sua atuação na Ação
Civil Pública.

Em decorrência da superveniência da representação oferecida pelo Promotor


de Justiça Miguel Lotário Gnigler contra esse mesmo Juiz de Direito, em 28 de
março de 2005, e, por haver conexão entre os fatos descritos na representação
e aqueles mencionados nas informações prestadas nos autos n. 13.843.7, foi
juntada cópia integral desses aos presentes autos, para análise.

Vislumbra-se, nos autos, a possível prática, pelo Juiz de Direito Edemar


Gruber, ora representado, das condutas típicas de prevaricação, denunciação
caluniosa, calúnia e difamação contra funcionário público, previstas,
respectivamente, nos artigos 319, 339, 138 c/c 142, todos do Código Penal, no
decurso do processo de ação civil pública..

Em atenção à prerrogativa insculpida no parágrafo único, do art. 33, da LOMAN


(LC 35/79), o pedido é submetido à apreciação plenária.

II . VOTO:
1. Procedimento.

Prerrogativa institucional dos magistrados, conseqüência da condição de


membros do Poder Judiciário, o parágrafo único, do art. 33, da Lei Orgânica da
Magistratura Nacional (LOMAN . LC 35/79), prescreve: .Quando, no curso da
investigação, houver indício da prática de crime por parte do magistrado, a
autoridade policial, civil ou militar, remeterá os respectivos autos ao Tribunal ou
Órgão Especial competente para o julgamento, a fim de que prossiga na
investigação.. A instauração ou prossecução de procedimento investigatório
contra Juiz de Direito, assim, não prescinde da deliberação prévia do Tribunal
Pleno a que vinculado. Ao Plenário da Corte incumbe autorizar ou coarctar a
ignição ou o prosseguimento das investigações, conforme vislumbre ou não a
existência, in statu assertionis, de conduta constitutiva de crime em tese (cf.
Inquérito n. 2005.013051-1, declaração de voto vencedor, Des. Cesar Abreu).
Tal particularidade, por evidente, não consubstancia sinônimo de privilégio à
figura dos juízes. Cuida-se de prerrogativa ínsita ao cargo, permitindo, se for o
caso, se refreiem procedimentos criminais temerários envolvendo membros do
Poder Judiciário, em contenção às projeções negativas daí invariavelmente
decorrentes.

Sublevada à categoria de elemento integrante da cláusula do due process of


law (art. 5o, LIV, CF), substanciada na garantia de não ser investigado,
processado e condenado sem que se observem as restrições impostas pela
ordem jurídica à persecução penal do Estado, essa manifestação do Tribunal
Pleno, por conseguinte, assume contornos de pressuposto de procedibilidade,
à míngua da qual atos concretos de investigação, sem que haja justa causa,
implicam constrangimento ilegal. Essa a orientação perfilhada pelo Supremo
Tribunal Federal, em precedente da lavra do Min. Marco Aurélio:

.INVESTIGAÇÃO DE DENÚNCIA. ENVOLVIMENTO DE MAGISTRADO.


FORMALIDADE. A teor do disposto no parágrafo único, do art. 33, da Lei
Orgânica da Magistratura Nacional . Lei Complementar n. 35, de 14 de março
de 1979, a continuidade de investigação, a remessa do processo ao Ministério
Público e o oferecimento, ou não, de denúncia, pressupõe, uma vez envolvido
magistrado, a manifestação prévia do tribunal ou do órgão especial a ele
integrado. A condição é essencial à valia de qualquer dos atos referidos, não
se podendo cogitar de preclusão decorrente de já haver sido recebida a
denúncia. (HC n. 77.355-8/RS):

Em face da ontologia própria dos procedimentos criminais enredando


magistrados, a persecução, assim, se subdivide em estágios. A) Recebida a
notitia criminis, cumpre ao Tribunal, em juízo de prelibação, realizar o exame
de admissibilidade da instauração das investigações. B) Caso reconhecida, em
tese, a incursão do indiciado em conduta típica, é legitimada a ignição ou
prosseguimento de atos concretos de investigação, presidida, nesse caso, pela
Corregedoria-Geral de Justiça (art. 383, III, CODJESC). Nesse estágio do
procedimento, a função do Relator é adstrita aos atos de natureza jurisdicional
(quebra de sigilo, escuta telefônica, etc.), sob pena de se aglutinar numa
mesma figura, inadvertidamente, as atribuições de investigador e julgador
(Representação n. 2003.007873-8, Des. Luiz Cesar Medeiros), fusão
incompatível com o sistema penal acusatório, não inquisitivo, vigente no Estado
Constitucional brasileiro. C) Ultimadas as investigações, são os autos
remetidos ao Ministério Público, instituição com competência privativa para
promover a ação penal pública (art. 129, I, da CF), oportunidade em que, no
exercício do juízo de formação da opinio delicti, deve ser oferecida denúncia,
adotados os institutos despenalizantes acaso pertinentes (art. 74, parágrafo
único, art. 76 e §§, e art. 89 da Lei 9.099/95), ou requerido o arquivamento (art.
1o, Lei 8.038/90). D) Ofertado o libelo, o Relator pedirá dia para que o Tribunal
delibere sobre o recebimento ou a rejeição da denúncia, ou, em adentrando no
mérito, sobre a improcedência sumária da acusação (art. 6o, Lei 8.038/90). E)
Por fim, recebida a denúncia o trâmite segue na forma da lei 8.038/90. Essa,
em gênero, a tônica do procedimento, consectário da cláusula constitucional
dodue process of law.

Precedente recente do Tribunal Pleno desta Casa não derrui tal conclusão.
Deveras. Cumpre observar que, no julgamento da Representação
n.2003.007873-8, relatada pelo Des. Luiz Cézar Medeiros, o Plenário da Corte
deliberou remeter os autos do procedimento investigatório ao Procurador-Geral
de Justiça, membro do Estado-acusador, titular do dominis litis, com
competência para determinar o arquivamento em sede penal (art. 29, VII, da
Lei Orgânica do Ministério Público), excluída, por maioria de votos, a incidência
da apreciação Plenária nesse momento da persecução. O caso, contudo, tem
contornos diversos, competindo ao Tribunal Pleno determinar ou não o início
das investigações, sob pena de tornar morta a letra do art. 33, par. ún., da
LOMAN.

Cabem alguns apontamentos. Não cuida, a aplicação da prerrogativa, de


condicionar a atuação do Ministério Público, titular da ação penal pública, à
aquiescência do Tribunal de Justiça. É que não se está submetendo ao crivo
do Plenário da Corte o juízo exercido quando do oferecimento da denúncia
propriamente dita, impedindo seja ela apresentada. Está-se diante da
instauração ou prossecução das investigações judiciais. O denunciar ou não é
coisa subseqüente. Nos termos do art. 33, par. ún. da LOMAN, à Corte é lícito,
uma vez evidente a inexistência de justa causa, estancar as investigações, sob
pena de constrangimento ilegal do magistrado a inibir, muita vez, o livre
exercício do ofício jurisdicional. O escopo do dispositivo é proteger o Juiz nas
investigações. Em se afigurando dispensáveis, contudo, essas investigações,
ou recebendo o Ministério Público diretamente a notícia-crime com elementos
suficientes, é possível que o Estado-acusador ofereça desde logo a denúncia,
cabendo ao Tribunal, então, recebê-la ou rejeitá-la. Nessa hipótese é viável o
exercício da ação penal pelo titular sem interferência da Corte. Não obstante,
em estimando o membro do parquet necessária a investigação sobre um crime
não configurado sequer em tese, não há por que não possa o Tribunal, na
forma do art. 33 da LOMAN, trancar desde logo o procedimento, como é
possível, em hipóteses excepcionais, trancar o próprio inquérito policial (STJ.
RHC 13701/PB). Por outro lado, sendo as investigações necessárias e
havendo crime em tese, o Pleno da Corte se vê vinculado a apurar e remeter o
resultado ao Procurador-Geral de Justiça, a quem compete, aí sim, em juízo
próprio, a formação da opinio delicti e o oferecimento da denúncia ou o
arquivamento do inquérito. Como se vê, as atribuições institucionais do
Ministério Público não são incompatíveis com o disposto no art. 33, par. ún., da
LOMAN, havendo forma de harmonização.
Essa a interpretação dada pelo Min. Nelson Jobim, em voto exarado no corpo
do habeas corpus n 77.355-8/RS, com ementa supra transcrita:

.No caso específico, ocorreram os fatos e foram representados ao Relator. Não


havia necessidade de prosseguir em investigações. Aqui, não se condiciona
que o oferecimento da denúncia por parte da autoridade competente seja
dependente de uma autorização do Tribunal, o que se quer proteger é o Juiz na
investigação civil ou militar, no sentido de que ele prossiga sendo investigado.
Agora, se não há necessidade de haver investigação, e foi esse o Juízo que o
relator teria emitido, ele remeteu para o órgão competente para oferecer a
denúncia. Não há nenhuma possibilidade de o Tribunal impedir seja feita a
denúncia, salvo por motivo de outra natureza.

A lei diz que o Tribunal autoriza o prosseguimento da investigação. Ora, se


determinada autoridade, perante elementos judiciais, envia ao Ministério
Público e o mesmo entende que é necessária investigação complementar,
dirige-se ao Tribunal. Agora, se o Ministério Público, com o material recebido,
entende de oferecer denúncia, não há necessidade de um juízo do Tribunal.
Oferece a denúncia e o Tribunal, então, vai examiná-la quando a receber..

Na hipótese, assim, em estágio inicial do séqüito de persecução, insta perquirir


se os fatos narrados comportam ou não a instauração de inquérito judicial para
a investigação do Magistrado. A análise das condutas, em face das
capitulações penais que lhes são correlatas, segue em sub-tópicos.

2. Prevaricação.

Em retrospecção, é bem de ver que o representante do Ministério Público,


Promotor de Justiça Miguel Lotário Gnigler, aforou uma ação civil pública
objetivando embargar as atividades da casa noturna `Terra Brazilis., causadora
de poluição sonora à população circunvizinha. Logrou, em tal ação, liminar de
interdição deferida pelo Juiz Ademir Wolf, titular da 2a Vara Cível (fls. 197/198),
mantida pelo Tribunal de Justiça em sede de agravo de instrumento (AI n.
2004.008979-1, Des. Silveira Lenzi, fls. 348/349). Em face dessa situação, o
Promotor de Justiça peticionou ao juízo de origem requerendo a efetivação da
medida liminar, alcançando, não obstante, um efusivo silêncio como resposta.

Na seqüência, após a protocolização de inúmeras petições insistindo no pedido


de expedição de mandado para o cumprimento da interdição, o Juiz de Direito
da 2a Vara Cível de Joaçaba deu-se por impedido, por razões de foro íntimo (fl.
201). Assumiu a direção do processo, então, o Juiz de Direito titular da 1a Vara
Cível, Edemar Gruber, a quem se dirige a representação. Referido magistrado,
de igual forma, furtou-se a promover a interdição visada.

Como não efetivada, embora transcorridos cerca de 07 (sete) meses do


deferimento originário do pedido, a medida de embargo liminar, inerte o órgão
jurisidicional na análise do requerimento de implementação, o Promotor de
Justiça, por conta própria, expediu ofício requisitando à Polícia Ambiental que
interditasse o estabelecimento `Terra Brazilis. (fls. 261/263). Tal ofício restou
imediatamente cumprido pela Polícia Ambiental competente para atuar na área.

Irresignados com a paralisação das atividades, os representantes da casa


`Terra Brazilis. impetraram mandado de segurança apontando como autoridade
coatora o Comandante do 13o Pelotão da Polícia de Proteção Ambiental. O
Juiz Edemar Gruber, perscrutando a impetração, deferiu medida liminar
suspendendo a interdição do estabelecimento (fl. 282/287), emato projetado de
encontro aos provimentos jurisdicionais exarados na ação civil pública, tanto
pelo juiz que funcionara anteriormente no feito quanto pela Corte.

Diante desse quadro, o Promotor de Justiça Miguel Lotário Gnigler, além de


opor exceção de suspeição do magistrado (fls. 121/130), interpôs agravo de
instrumento. Em apreciação liminar, o Tribunal concedeu o efeito suspensivo
colimado pelo parquet (fl. 290/293), cassando, com isso, os efeitos da decisão
que autorizara o novo funcionamento da casa noturna. A providência, na
prática, implicou uma segunda interdição, constando da decisão,
expressamente: .concedo o efeito pretendido para determinar a interdição e
embargo das atividades da agravada, até julgamento final do presente recurso.,
sob pena de multa, para o caso de descumprimento, no valor de R$ 5.000,00.

Tal decisão incitou o Promotor de Justiça a requerer, na origem, a expedição


de um mandado judicial autorizando nova interdição do local. O Juiz Edemar
Gruber, contudo, negou a providência requestada, sob o fundamento de que,
em virtude da exceção de suspeição, o processo quedava suspenso, e
entendendo, ademais, que a liminar deferida pela Corte não tinha .o alcance
almejado pelo requerente. (fl. 295). Negou-se a interditar a danceteria.

Ato contínuo, o Promotor de Justiça levou o descumprimento da decisão ao


conhecimento do Tribunal, ocasião em que consignou a Corte: .oficie-se ao
magistrado a quo, para que cumpra integralmente o despacho que concedeu a
antecipação da tutela recursal, com a conseqüente interdição e embargo das
atividades da ora agravada.. Em vista disso, o Juiz Substituto da 1a Vara Cível,
Maycon Rangel Favareto, enfim determinou a interdição (fl. 306).

Crime contra a Administração Pública, a prevaricação consiste em .Retardar ou


deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição
expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal. (art. 319, CP).
O tipo penal, em termos de conduta, se desdobra nas formas omissiva e
comissiva. Na primeira delas o agente, indevidamente, posterga ou não leva a
efeito ato relacionado ao dever do ofício, entendido enquanto o inserto na
esfera de suas atribuições funcionais, superpondo ao interesse público de que
se consolida a atuação eficiente enquanto funcionário do Estado interesses ou
sentimentos pessoais. Na segunda, o agente, em ato comissivo movido por
esses mesmos sentimentos pessoais, obra contra expressa previsão de lei,
representando espécie de norma penal em branco, cuja aplicação depende do
haver norma proibitiva preexistente.

Damásio de Jesus, sobre a prevaricação, afirma:


.Prevaricação consiste no fato de o funcionário público `retardar ou deixar de
praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa
de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal. (CP, art. 319).

Na prática do fato o funcionário se abstém da realização da conduta a que está


obrigado, ou a retarda ou a concretiza contra a lei, com a destinação específica
de atender a sentimento ou interesse próprios.

É um delito que ofende a Administração Pública, causando dano ou


perturbando o normal desenvolvimento da sua atividade. O funcionário não
mercadeja a sua função, o que ocorre na corrupção passiva, mas a degrada ao
violar dever de ofício para satisfazer objetivos pessoais.

(...)

Ato de ofício é aquele que se encontra dentro da competência do funcionário,


nos moldes das atribuições da função por ele exercida.

O retardamento e a omissão da realização do ato de ofício devem ser


indevidos, o que constitui o primeiro elemento normativo do tipo. A realização
do ato, na última figura típica, deve ser contra expressa disposição de lei (o
segundo elemento normativo do tipo). (Direito Penal. 13a ed. 4o Vol. . Parte
Especial. São Paulo: Saraiva, págs. 175/176).

Em sua compleição normativa, ademais, a configuração da conduta típica não


dispensa o dolo, em duplo aspecto (genérico e específico), do funcionário
público. É mister, assim, que o agente externe a vontade livre e consciente de
protrair ou menoscabar a realização do ato, e que tenha ciência de que essa
posição se afigura ilegal. Necessário, portanto, tenha conhecimento de que a
conduta implica infringência a dever de ofício (dolo genérico). Mas não é só. A
caracterização do delito supõe, ainda, a existência de dolo do funcionário
público traduzido na finalidade alternativa de satisfazer interesse ou sentimento
pessoal (dolo específico). .Interesse é a vantagem pretendida pelo funcionário,
seja moral ou material. Sentimento diz respeito ao afeto do funcionário para
com as pessoas, como simpatia, ódio, vingança, despeito, dedicação, caridade
etc. (Damásio de Jesus, ob. e pág. cits.). O sentimento é do agente público,
embora o benefício resultante da ação ou omissão possa recair sobre a pessoa
de terceiro.

Acerca do dolo específico, Celso Delmanto anota:

.O interesse ou sentimento pessoal é essencial à tipificação (STF, RT727/439,


RTJ 111/289; STJ Cesp, Inq. 44, DJU 17.5.93, p. 9262, in RBCCr 3/258; TRF
da 4a R., Inq. 59.991, DJU 14.4.96, p. 25005, in RBCCr 15/410; TJSP Pleno,
RT 537/269; TACrSP, RJDTACr 11/196). A prevaricação exige `dolo
específico., sendo necessário que a prova revele que a omissão decorreu de
afeição, ódio, contemplação, ou satisfazer interesse, e não por erro ou dúvida
de interpretação do agente (TRF, RCr 895, DJU 14.10.82, p. 10363). (...) Além
do dolo específico, é necessária a consciência de que o ato praticado contraria
expressa disposição legal (...). (Código Penal Comentado. 6a ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2002, p. 638).

Pois bem. Exame do caso, em cognição in statu assertionis, denota a


possibilidade de incursão nas tipificações do art. 319 do CP. Note-se que o
magistrado titular da 1a Vara Cível da Comarca de Joaçaba, após assumir a
condução do processo, malgrado a protocolização de diversas petições pelo
representante do Ministério Público se absteve de expedir o mandado judicial
permitindo a efetivação da liminar deferida na ação civil pública (conduta
omissiva). Posteriormente, interditada a casa noturna por iniciativa conjunta do
Promotor de Justiça e das forças policiais, o aludido magistrado concedeu, em
mandado de segurança, nova medida liminar, desta vez contrariando a decisão
da Corte de Justiça hierarquicamente superior (conduta comissiva). Em termos
de conduta, assim, teoricamente existe a figura delitual em foco. Por outro lado
o dolo genérico, ou seja, o conhecimento de que o ato escapa à legalidade,
consta, em princípio, in re ipsa na indiferença às manifestações do Tribunal,
cuja prevalência hierárquica não é desconhecida por um Juiz de Direito.
Eventual interpretação errônea quanto ao alcance das decisões da Corte,
circunstância excludente do dolo, supõe, primeiramente, se procedam às
investigações e à análise em concreto dos fundamentos da defesa, devendo tal
possibilidade ser verificada a propósito do recebimento, rejeição ou
improcedência da denúncia (art. 6o, Lei 8.038/90), ou mesmo quando do
julgamento final da ação penal. Por fim, a apuração do dolo específico, isto é,
da inclinação da conduta à satisfação pessoal do agente, requer, igualmente, a
existência de dados concretos angariados em sede de investigação, à falta dos
quais, sendo o caso, é lídima a posterior rejeição da denúncia (art. 6o, Lei
8.030/90) ou improcedência da ação.

Havendo crime em tese, resta autorizada, assim, a ignição das investigações


criminais. Com efeito. Guardadas as devidas adaptações quanto à fase
procedimental, decidiu o Superior Tribunal de Justiça: .Sea denúnciaimputaao
pacienteaadoçãodeconduta omissaque,emtese,configurao crimede
prevaricação,é descabidoopleitodetrancamento da ação penal. Habeas-corpus
denegado. (HC 18095/RJ, Rel. Min. Vicente Leal).

3. Denunciação caluniosa.

Em 21 de dezembro de 2004, o Juiz Edemar Gruber formulou representação,


endereçada à Procuradoria-Geral do Ministério Público, contra o Promotor
Miguel Lotário Gnigler. A exposição visava levar ao conhecimento do órgão
correicional, para as providências cabíveis, conduta supostamente abusiva por
parte do Promotor, tendo em vista que este, no episódio da interdição da casa
noturna `Terra Brazilis., .Ao invés de tomar as medidas adequadas ante o
indeferimento, resolveu afrontar o Poder Judiciário, e, exigir, mediante
requisição, a interdição do estabelecimento, levada a efeito pela Polícia
Ambiental. (fl. 99).

No mesmo dia, em petição individualizada, o Magistrado expediu nova


comunicação à Corregedoria do Ministério Público, consignando, desta vez,
que .O Promotor de Justiça ofende e constrange com assiduidade, os
servidores do Juízo local, mormente em relação aos Oficiais de Justiça,
Comissárias da Infância e Juventude e Policiais Militares encarregados da
guarda do Fórum, extrapolando suas funções. (fl. 79). Asseverou, ainda, que
.Esta direção do Fôro recebe seguidas queixas dos seus servidores, acerca de
tais fatos., acenando, novamente, para uma suposta postura de abuso de
autoridade.

Com supedâneo em tais denúncias, a Corregedoria-Geral do Ministério Público


instaurou o procedimento de investigação administrativa. Ouvido o Promotor de
Justiça, prestadas declarações pelos servidores teoricamente destratados, e
sobrevindo parecer no sentido do arquivamento do feito (ausência de infração
administrativa . fls. 350/355), adveio promoção definitiva de arquivamento (fls.
359/366) lavrada pelo Dr. Pedro Sérgio Steil, isentando o Promotor de Justiça
de responsabilização administrativa e criminal.

Nessa conjuntura, requer-se investigado delito de denunciação caluniosa por


parte do então representante Edemar Gruber.

Não é o caso. A figura delitual em estudo, conforme redação recente (Lei n.


10.028/00), reside no .Dar causa à instauração de investigação policial, de
processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou
ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que
o sabe inocente.. A conduta típica, de forma livre, consiste em provocar, por
qualquer meio, a instauração de investigações judiciais ou administrativas, civis
ou criminais, contra alguém inocente, imputando-lhe a prática de delito
objetivamente tipificado na ordenação penal. O crime é material, concebe
forma tentada e se consuma com o início das investigações, do inquérito ou da
ação.

Para efeito desse delito, o elemento subjetivo existe enquanto dolo direto. A
imputação deve ser subjetivamente falsa, no sentido de que o agente esteja
consciente de que denuncia alguém inocente. Em caso de dúvida não há
crime, porque a figura é incompatível com o dolo eventual (RT 631/605). Deve
a acusação, por igual, ser objetivamente falsa, no sentido de que encerre
imputação dolosamente divorciada da verdade conhecida dos fatos, indicando
à autoridade acontecimento não havido (fato inverídico) ou atribuindo fato
realmente ocorrido a quem sabe não o haver praticado (autoria inverídica).
Sobre o tipo subjetivo da denunciação caluniosa, Júlio Fabbrini Mirabete anota
que .O dolo do crime de denunciação caluniosa é a vontade de provocar a
investigação policial, o processo judicial, a instauração de investigação
administrativa, o inquérito civil ou a ação de improbidade administrativa,
exigindo-se que o agente saiba que imputa a alguém crime que este não
praticou. É mister, assim, que a acusação seja objetiva e subjetivamente falsa,
isto é, que esteja em contradição com a verdade dos fatos e que haja por parte
do agente a certeza na inocência da pessoa a quem se atribui a prática do
crime; sem essa certeza não se configura o crime previsto no art. 339. O
simples estado de dúvida a esse respeito afasta a tipicidade do delito; não se
configura o crime com dolo eventual. (Código Penal Interpretado. 4a ed. Atlas,
2003, p.2214).

No caso, em juízo de prelibação, não há razão para que se permita a


investigação do agente público em torno do cometimento do crime, sob pena
de travestir-se o procedimento criminal em visível forma de constrangimento.
Com efeito. A conduta do Juiz não se afeiçoa à previsão abstrata do tipo penal,
que enxerga na falsidade elemento normativo. Damásio de Jesus, com a
capacidade de sistematização que lhe é peculiar, observa que, em sede de
denunciação caluniosa, a imputação pode ser: a) de fato criminoso verdadeiro,
dirigido, contudo, a quem não o realizou e dele não participou, e b) de fato
típico que não aconteceu (cf. Direito Penal. 4o Vol. São Paulo: Saraiva, 2003,
pág. 285). Não é, evidentemente, o caso, em que o Magistrado, em sua
representação, veiculou fatos efetivamente ocorridos e de autoria
incontroversa, não havendo o pressuposto da `falsidade objetiva. na
imputação. Ocorre que não há o crime de que se cogita .se o denunciante
imputa fato verdadeiro que, porém, não caracteriza crime, não falseando a
verdade nem lhe imputando delito de que o sabe inocente. (Celso Delmanto.
ob. cit. pág. 694). Essa a hipótese, em que próprio Procurador-Geral de Justiça
reconheceu que os fatos imputados ao Promotor de Justiça, mesmo havidos,
são, contudo, atípicos.
Sobreleva notar, ademais disso, que o Magistrado cria na veracidade dos fatos
representados à Corregedoria-Geral de Justiça, e, nos termos da
representação, entendia pudessem eles render conseqüências ao Promotor de
Justiça. Não lhos imputava, ciente de que perjúrios e irrelevantes. Nestes
termos é ausente o dolo específico requisitado pelo tipo, o elemento subjetivo
de fazer alguém responder injustamente por fato tido como criminoso. Na
primeira das representações, o Magistrado, e isso é facilmente perceptível da
redação da peça, se via convencido da atuação exorbitante do Promotor de
Justiça ao providenciar, à míngua de mandado, a interdição da casa noturna.
Na segunda delas, o Juiz apenas encaminhava à Corregedoria uma informação
prestada por servidora do foro, exprimindo que o Promotor a destratara,
constrangera e humilhara. Essa informara o fato àquele, que, diante disso, o
repassou à Corregedoria. Nesse contexto é evidente que não há crime. Não é
excesso rememorar que .o tipo subjetivo é o dolo direto, não bastando o dolo
eventual, pois o agente precisa saber, sem dúvida, que o imputado é inocente.
Se, subjetivamente, o agente acredita na imputação que faz, não haverá o
crime deste art. 339. (pág. 693). (Celso Delmanto. Ob. cit. pág. 693). Daí a
visível atipicidade da conduta, por isso que, crendo o agente na veracidade e
na seriedade das imputações, há erro de tipo, conceituado como o equívoco
incidente sobre elemento constitutivo do crime, excludente do dolo (art. 20,
CP).

Fácil é perceber, ainda, por uma série de motivos adicionais, a ausência do


dolo específico requestado para a configuração do delito. O magistrado, no
exercício regular do direito de representação a que alude o art. 1o da Lei
4.898/65, encaminhou à Corregedoria-Geral do Ministério Público uma petição
sinalizando, em termos genéricos, o exercício abusivo da função de Promotor
de Justiça. Não houve, por parte do Juiz de Direito, capitulação expressa da
atuação do representante do parquet nas condutas típicas 3o, `a. a `j., e 4, `a. a
`i., da Lei que regulamenta o abuso de autoridade. Tampouco houve pedido
expresso de responsabilização criminal. Tais particularidades denotam, em
outras palavras, que o autor da representação teve atuação circunscrita a
informar ao órgão correicional determinada postura profissional tida como
inidônea, a fim de que, sendo o caso, fossem adotas as providências de estilo
(fls. 99/79). Não subiste, nas particularidades do caso, o `dolo específico. de
imputar ao Promotor de Justiça a `prática de infração criminal., elemento
subjetivo cuja ausência serve de motejo à caracterização do delito de
denunciação. Celso Delmanto, versando sobre o art. 339 do Código Penal,
adverte que a imputação .deve tratar-se de fato determinado, objetivamente
previsto como crime em lei penal vigente. (ob. cit. p. 693), não sendo esse o
caso, em que os fatos denunciados foram tidos como atípicos pelo Procurador-
Geral de Justiça a propósito da promoção de arquivamento quando da
formação da opinio delicti.

Note-se que o só uso da expressão `abuso de autoridade., no contexto da


representação, não pode ser visto como sinonímica ao assaque do `crime de
abuso de autoridade.. O delito somente se caracteriza diante de uma previsão
legislativa expressa (nullum crimen sine lege), o que não implica, contudo, que
essa tipificação legal exaura as condutas possivelmente abusivas.

Cumpre acrescer, ainda em relação à ausência de dolo específico (elemento


subjetivo), que .Não caracteriza o crime de denunciação caluniosa a conduta
de quem solicita à polícia que apure e investigue determinado delito,
fornecendo-lhe os elementos de que dispõe, inclusive quanto à autoria. (Julio
Fabbrini Mirabete. Código Penal Interpretado. 4a ed., São Paulo: Atlas, 2003,
p. 2211). É que, ausentes sinais de má-fé, indícios do dolo no sentido de
imputar falsamente o crime a alguém, a denunciação caluniosa não se
confunde com o pedido de investigações. .Não fosse assim, sentir-se-ia o
cidadão inibido de um dever fundamental: o de levar a notícia de crime ao
conhecimento da autoridade competente, solicitando sua investigação. (RT
611/351). Nesse sentido, nem em tese, a representação veicula fato típico.

Importa, no particular, estancar a representação.

4. Calúnia e difamação.

Exprime a representação, ainda, que o Juiz Edemar Gruber, ao acolher


objeção de pré-executividade oposta em processo de execução movido pelo
Ministério Público em face da `Terra Brazilis., irrogou ofensas à honra do
Promotor de Justiça. Fê-lo, especificamente, ao reiterar as imputações
direcionadas à Procuradoria do Ministério Público em relação ao crime de
abuso de autoridade (conduta que se pretende constitutiva do delito de
calúnia . art. 138, CP). E ao anotar que .o atual titular da 1a Promotoria M.L.G..,
em contraste com o que nela atuara anteriormente, traduz exemplo negativo do
modelo paradigmático de Promotor de Justiça (conduta que se almeja
constitutiva de difamação . art. 139, CP). Registrou o magistrado que .o
presente processo foi originado em face da vindita pessoal do representante do
exeqüente em detrimento da executada, mediante deliberada, vergonhosa e
constante perseguição.. E que .causa perplexidade a conduta indigna,
maliciosa, prepotente e arbitrária de quem tem o dever constitucional e legal de
respeitar a lei e fazer observar a fiel observância à ordem jurídica., postura
inobservada pelo Promotor de Justiça, o qual, .propositada e maliciosamente.,
embasa suas pretensões recursais em normas de direito municipal revogadas
(fls. 22/29).

Em face do cenário ilustrado acima, à representação não é lídimo, por certo,


que subsista. Conquanto, em linha de princípio, um juízo de valor sobre o
caráter moralmente ofensivo das verberações refuja à essência do juízo de
prelibação de que se consolida o exame de admissibilidade das investigações,
a verdade é que, em sede dele, a falta de justa causa para a ação penal deve
ser reconhecida quando, de plano, à míngua de incursões profundas no plexo
probatório, denotar-se a atipicidade do fato, a extinção da punibilidade, a
existência de imunidade ou a ausência de condição específica de
procedibilidade exigida pela lei (CPP, art. 43, I-III e STJ. RHC 14166/RJ, Rel.
Min. Paulo Medina), hipóteses em que o processamento materializa, em si,
constrangimento ilegal.

É o caso. O tipo penal correspondente à calúnia, em tutelando o bem jurídico


da honra objetiva, projeção da imagem alheia no meio social, incrimina a
conduta de .Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como
crime. (art. 138, CP). Crime formal, que se consuma quando a imputação
chega a conhecimento de terceiro ou da vítima, a calúnia tem na falsidade do
assaque elemento normativo do tipo. Essa falsidade, presumida, admite prova
em contrário (exceção de verdade . art. 138, §3o, CP) e pode recair sobre o
fato imputado ou sobre a respectiva autoria (cf. Damásio E. de Jesus. Direito
Penal . Parte Especial. 2o Vol. 25a ed. São Paulo: Saraiva, 2003, pág. 214). É
mister que o fato seja preciso e determinado. Não má qualidade genérica.

Em perspectiva subjetiva, o dolo ínsito à calúnia é a vontade de causar dano à


honra da vítima. Segundo o escólio de Julio Fabbrini Mirabete, .O dolo
indispensável na prática do crime de calúnia é a vontade de imputar a outrem,
falsamente, a prática do crime. A certeza ou suspeita fundada, mesmo
errôneas, do agente quanto à ocorrência de crime praticado pelo sujeito
passivo, é erro de tipo, que exclui o dolo por estar o agente de boa-fé. (ob. cit.
pág. 943).

Note-se que a calúnia se distingue da denunciação caluniosa porque, nesta


última, crime complexo, a denúncia é levada a efeito perante autoridade
competente e exprime o dolo adicional de dar causa a procedimentos
investigativos ou ações judiciais contra a vítima. As figuras delituais, contudo,
são limítrofes. A denunciação, na verdade, é um plus em relação ao minus de
que se consolida a calúnia, havendo entre ambas relação de continente e
conteúdo, de todo e de parte. A calúnia representa um meio, uma etapa na
conduta da denunciação caluniosa, e, justamente por isso, .a denunciação
caluniosa absorve a calúnia, pelo princípio da consunção. (Cezar Roberto
Bittencourt. Ob. cit. p. 1.149. No mesmo sentido: Delmanto, Ob. cit. p. 649;
Mirabete. Ob. cit. p. 2.219).

No caso não há denunciação caluniosa. Por extensão dos fundamentos, no


que couber, não há calúnia. Cumpre insistir na circunstância de que o
Magistrado, em aludindo ao episódio da interdição policial da casa noturna,
veiculou fatos verdadeiros e efetivamente levados a efeito sob o comando do
Promotor de Justiça. Inaplicável, por conseguinte, o art. 138 do Código Penal,
uma vez que .Não há calúnia se o fato for verdadeiro. (Celso Delmanto. Ob. cit.
pág. 299). A falsidade, também aqui, se perfaz elemento normativo do tipo
penal.
Convém reiterar que o magistrado apenas aludiu à conduta que tinha como
abusiva (recurso às forças policiais), sem, contudo, sugerir caracterizassem
elas delitos ou mesmo detalhar as circunstâncias da infração, providência
necessária à configuração da calúnia (Celso Delmanto. Ob. cit. pág. 298). Daí
resulta, inclusive, que o dolo do Magistrado não era no sentido específico de
abalar a honra do Promotor de Justiça no meio social. Antes disso, consistia,
no contexto da discussão judicial, embora com censuráveis excessos, em
consignar como razão de decidir a atuação do membro do parquet vista como
exorbitante à respectiva esfera de atribuições. Também por isso não há dolo.

Com efeito. As circunstâncias que permeiam o caso concreto denotam a


intensa animosidade que, lamentavelmente, grassa entre o Juiz de Direito e o
Promotor de Justiça no cotidiano forense, impedindo a convivência harmônica
de profissionais cujos ofícios se inclinam, em última instância, à causa comum
da realização da Justiça e da aplicação das leis e da Constituição da
República. Diante desse quadro lúgubre, e sem embargo da impropriedade da
atuação do Juiz, a verdade é que, .Nos delitos de calúnia, difamação e injúria,
não se pode prescindir, para seu formal reconhecimento, da vontade
deliberada e positiva do agente de vulnerar a honra alheia. Não há crime contra
a honra, se o discurso contumelioso do agente, motivado por um estado de
justa indignação, traduz-se em expressões, ainda que veementes,
pronunciadas em momento de exaltação emocional ou proferidas no calor de
uma discussão. (grifo aposto. STF. DJU, 19/12/94). Esse, cum granus salis, o
caso.

Ainda sobre o elemento subjetivo, .Tem-se exigido também a consciência e a


vontade de atingir a honra do sujeito passivo (animus injuriandi vel diffamandi),
denominado de dolo específico. Fica excluído o crime se houver animus
jocandi (de gracejar, brincar), animus narrandi (de relatar singelamente o fato),
animus defendendi (de se defender em processo), animus corrigendi vel
disciplinandi (no exercício do pátrio poder, tutela, etc.), animus consulendi (na
liberdade de crítica ou no dever de informar, dar parecer), animus criticandi
(referente à crítica justa e não maliciosa) etc. Tem-se reconhecido a
inexistência do crime também quando se trata de comportamento praticado em
momento de exaltação emocional ou no calor de uma discussão. (Mirabete.
Ob. cit. p. 944), entendimento aplicável, mutatis mutandis, ao caso.

Em tese, assim, não subsiste o crime, porque não configurados os elementos


normativo (falsidade da imputação) e subjetivo (dolo específico de dano à
honra) do tipo. Ocorre, naturalmente, que .A configuração dos delitos contra a
honra não se perfaz apenas com palavras aptas a ofender, mas que sejam
proferidas com esta finalidade. (RSTJ 117/539). A propósito:

.[...] Calúnia. Elemento subjetivo. Peças de processo. Descaracterização. Se é


certo que magistrados, membros do Ministério Público, advogados e partes
devem-se respeito mútuo, não menos correto é que o crime de calúnia
pressupõe como elemento subjetivo do tipo o dolo. A veiculação de fatos em
peças judiciais, com o intuito de lograr provimento favorável, encerra o animus
narrandi a excluir a configuração do crime de calúnia.. (STF, Inq 380/DF,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio).

Relativamente à difamação, esta consiste na atribuição dolosa a outrem de fato


que, embora não definido como crime, é suficientemente ofensivo à reputação
(art. 139, CPC). Nesse caso a falsidade não é pressuposto, não importando
seja o assaque real ou perjúrio. O que adquire enlevo é a circunstância de ser
o fato certo, determinado e apto a atingir o complexo de predicados que
conferem à vítima consideração social (honra objetiva). Caso a ofensa, ao
contrário, veicule qualidade pejorativa do ofendido, denegrindo, por isso, o
conjunto de atributos morais que lhe rendem estima própria, a hipótese, em
tese, é de injúria (honra subjetiva, art. 140, CP). Não, porém, de difamação.

Registre-se que o dolo específico da difamação é comum ao dos demais


crimes contra a honra, como a injúria e a calúnia. Na hábil definição de Nelson
Hungria consubstancia-se esse dolo, verbis: .na consciência e vontade de
ofender a honra alheia (reputação, dignidade ou decoro), mediante a linguagem
falada, mímica ou escrita. Ê indispensável a vontade de injuriar ou difamar, a
vontade referida ao eventus sceleris, que é no caso, a ofensa à honra.. (Nelson
Hungria, Comentários ao Código Penal, volume VI, arts 137 ao 154, 5 ª Ed.,
Rio de Janeiro, Forense, 1982, p. 53).

Na hipótese em ocaso, ao consignar que .o presente processo foi originado em


face da vindita pessoal do representante do exeqüente em detrimento da
executada, mediante deliberada, vergonhosa e constante perseguição., e,
mais, que .causa perplexidade a conduta indigna, maliciosa, prepotente e
arbitrária de quem tem o dever constitucional e legal de respeitar a lei e fazer
observar a fiel observância à ordem jurídica., o Magistrado está imputando
fatos, condutas ao Promotor de Justiça (difamação). Por outro lado, ao anotar
que .o atual titular da 1a Promotoria M.L.G.., em contraste com o que nela
atuara anteriormente, traduz exemplo negativo do modelo paradigmático de
Promotor de Justiça, o Juiz imputa qualidade negativa (em rigor, seria injúria).

Em ambos os casos não subsiste a representação. Para além de, na forma da


fundamentação supra, não haver o dolo específico de atentar contra a honra
alheia, requisito homogêneo aos crimes dessa modalidade, senão de externar,
embora com alto grau de censurabilidade, as razões para a negativa do pedido
no calor da discussão, insta observar que o Juiz de Direito levou a efeito as
asserções enquanto imerso na imunidade decorrente do exercício de função
pública (art. 142, III, CP), declinando as razões conducentes à extinção do
processo de execução. Note-se que, conquanto reprovável, sob todos os
aspectos, a linguagem utilizada pelo Juiz de Direito, esta foi empregada em
meio ao acolhimento de um pedido desfavorável ao Ministério Público. Os
termos da decisão, na realidade, foram declinados no ato de realização do
ofício, incidindo, assim, a causa excludente de tipicidade representada pela
imunidade. É que o cumprimento do dever legal, interesse público, reclama do
agente que se manifeste com liberdade, sem que lhe circundem a atuação
temores com processos judiciais. Embora não absoluta, senão relativa, a
imunidade ainda assim é regra, e a exceção deve vir, em tese, cabalmente
caracterizada sob a forma de ofensa gratuita, pena de descabimento de
procedimento criminal. Disso decorre que não convém perdure contra o Juiz de
Direito um procedimento como o presente, à míngua de justa causa,
eventualmente o intimidando no exercício da judicatura em futuras causas
submetidas ao poder jurisdicional. Ressalte-se, não obstante, que a imunidade
não é o mesmo que impunidade, e que novos episódios desrespeitosos,
verificado o excesso, poderão ser objeto de futura censura em sede criminal.

Sobre a imunidade decorrente do exercício da função:

.A terceira hipótese, contida no art. 142, III, do Código Penal, é o conceito


desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou informação que
preste no cumprimento de dever de ofício.

Na opinião de Nelson Hungria: `O cumprimento do dever legal exige do


funcionário, nos seus relatos, opiniões, ou informes de caráter oficial, a máxima
franqueza e fidelidade. Se lhe fosse tolhida a liberdade ou sinceridade das
comunicações, observações ou pareceres a que está obrigado por específico
dever do cargo, estaria seriamente prejudicado o interesse da Administração
Pública..

Heleno Cláudio Fragoso assim se manifesta: `Deve o funcionário, no


desempenho de sua função pública, estar acobertado com a imunidade penal,
para que possa livremente emitir opiniões e prestar informações do interesse
público, sem o risco de sujeitar-se a processo penal. A concorrência do animus
infamandi é irrelevante. É indispensável que se trate de ato praticado no
cumprimento do dever funcional, ou seja, no desempenho de suas funções
legais, dentro das atribuições do funcionário..

Entendo que não poderia o legislador tratar de outra forma os atos dos
funcionários públicos, pois deve o mesmo, por dever de ofício, opinar ou
informar em caráter oficial, com a máxima franqueza, não se importando se irá
ofender alguém, pois deve prevalecer o interesse público. (Amauri Ferreira
Pinto. Calúnia, Injúria e Difamação. 2a ed. Rio de Janeiro: AIDE, 2000, pág.
95).

.CRIME CONTRA A HONRA. Injúria e difamação. Funcionário Público . O


cumprimento do dever legal exige do funcionário público, em seus relatos,
pareceres, informações, conclusões ou despachos de caráter oficial, a máxima
franqueza e a devida fidelidade, tendo em vista o interesse da Administração
Pública. Assim procedendo, está acobertado pela exclusão do crime previsto
no art. 142, III, do Código Penal, embora emitido conceito considerado
difamatório e injurioso pela querelante. Habeas corpus concedido para trancar
ação penal (TJ-DF, da Ac. da T. Crim., publ. em 03/08/94, HC 5.139/89, rel.
Des. Figueiredo Branco, Pacte. MARM, Adv. José Geraldo de Oliveira). (ob. cit.
pág. 96).

.INQUÉRITO. RESPONSABILIDADE DE PREFEITO. ATRIBUIÇÃO DA


PRÁTICA DO CRIME PREVISTO NO ART. 1º, II, DO DEC.-LEI N. 201/67.
ELEMENTO SUBJETIVO DO CRIME NÃO CONFIGURADO. CONDUTA
INSPIRADA PELO INTERESSE PÚBLICO. REJEIÇÃO DE PLANO DA
DENÚNCIA. INTELIGÊNCIA DO ART. 6º DA LEI N. 8.038/90. SOLUÇÃO QUE
PRESERVA O AGENTE PÚBLICO DOS PERCALÇOS DE UM
PROCEDIMENTO PENAL QUE SE MOSTRA, INITIO LITIS,
DESARRAZOADO. DENÚNCIA REJEITADA. (Inquérito n. 2003.007194-6, de
Tubarão. Relator Designado: Des. Cesar Abreu).

AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. QUEIXA-CRIME CONTRA


DESEMBARGADORA. CALÚNIA, DIFAMAÇÃO E INJÚRIA. FATOS
OCORRIDOS EM SESSÃO PLENÁRIA. ESCOLHA DE LISTA TRÍPLICE.
EXPRESSÕES PARA JUSTIFICAR O VOTO. INEXISTÊNCIA DE DOLO.
INDICAÇÃO APENAS VALORATIVA. DEVER DE OFÍCIO. CAUSA ESPECIAL
DE EXCLUSÃO DO CRIME. ART. 142, III, DO CP.

A conceituação dos crimes contra a honra envolve uma análise sistêmica do


ambiente no qual as expressões tidas por desonrosas foram proferidas, de
modo a evitar-se a análise individualizada e incompleta dos fatos.

Por essa razão, semanticamente, deve ser considerada a imunidade


profissional do magistrado, nos termos do art. 142, III, do Código Penal, que
em sede de votação de lista tríplice justifica sua apreensão e seu voto com
fortes indicações valorativas aos candidatos constates da lista sêxtupla objeto
de votação, cumprindo um dever de ofício e limitando-se ao contexto do
procedimento.

Queixa-crime rejeitada. (Apn 270/PA, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca).

Não convém, no tópico, perdure o procedimento criminal.

4. Conclusão.

Isto posto, o voto é pelo recebimento parcial da representação apresentada,


delimitando ao crime de prevaricação (art. 319, CP) o espectro da investigação
a levar-se a efeito pela d. Corregedoria-Geral de Justiça, e, por extensão, da
persecução criminal do magistrado representado.

III - DECISÃO:

Nos termos do voto da relatora, o Tribunal Pleno, por votação unânime, recebe
parcialmente a representação ofertada pelo d. Procurador-Geral de Justiça,
delimitando ao crime de prevaricação (art. 319, do Código Penal) o espectro da
investigação a levar-se a efeito pela d. Corregedoria-Geral de Justiça, e, por
extensão, da persecução criminal do magistrado representado.

Participaram do Julgamento os Exmos. Srs. Des. Edson Ubaldo, Cid Goulart,


Francisco Oliveira Filho, Alcides Aguiar, Amaral e Silva, Gaspar Rubik, Orli
Rodrigues, Trindade dos Santos, Souza Varella, Cláudio Barreto Dutra, Sérgio
Paladino, Solon D.Eça Neves, Volnei Carlin, Luiz Cézar Medeiros, Vanderlei
Romer, Wilson Augusto do Nascimento, Nelson Schaefer Martins, José
Volpato, Monteiro Rocha, Fernando Carioni, Torres Marques, Luiz Carlos
Freyesleben, Gastaldi Buzzi, Marcus Tulio Sartorato, Salete Silva Sommariva,
Nicanor da Silveira e Salim Schead dos Santos.

Florianópolis, 05 de julho de 2006.

Eládio Torret Rocha


Presidente

Maria do Rocio Luz Santa Ritta

Relatora

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