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Carta à revista ÉPOCA

por Mazinho Almeida 1

“Aquele que ama seu filho, castiga-o com freqüência, para


que se alegre com isso mais tarde, e não tenha de bater à
porta dos vizinhos” (Eclesiástico 30, 1)

A o ver noticiada nos meios de informação, que o Governo encaminhou proposta de lei
que visa “criminalizar” a conduta de “correção física”, equiparando-a à tortura ou
castigo físico, foi fato suficiente para deixar-me indignado.

Não é de hoje que nós, parcela significativa da Sociedade, assistimos incólumes e atônitos,
projetos de leis que representam verdadeira “tentativa de intervenção do Estado” na
intimidade de seus cidadãos.

Cabe lembrar que vivemos um Estado Democrático de Direito, devidamente assegurado pela
Constituição Federal de 1988, promulgada democraticamente por uma Assembléia
Constituinte, após décadas de um regime ditatorial e autoritário.

O Estado existe em função dos seus cidadãos e para servi-los; e não o inverso! Quando o
governante começa a legislar, no sentido de minar as liberdades individuais, sob o pretexto de
“moralizar” ou “educar”, temos um sério candidato à Déspota.

Vale dizer: a nossa Constituição Federal, em seu artigo 5º, assegura a liberdade de pensamento
e religião. Sendo assim, não compete ao Estado intervir na forma como cada pai ou mãe educa
seu(s) filho(s), segundo o conjunto de regras morais e éticas plenamente aceitáveis pelo Bom
Senso.

A “palmada” corretiva é um traço inerente e comum à várias religiões e culturas, em todo o


mundo: cristianismo, judaísmo, islamismo... o castigo é forma, pois, de educar. De impor
limites. De incutir, através da memória sensorial-emocional, a idéia de “sanção”.

Crianças não têm discernimento para saber o que é certo ou errado, por argumentos
meramente “argumentativos”. É necessário que saibam que, a vida em sociedade, exige o
cumprimento de preceitos, de deveres. Da obediência às normas e às autoridades. E que,
diante da transgressão à esses elementos, existem punições. Isto é educar.

O pai e a mãe que castigam seus filhos, dentro dos limites da razoabilidade e bom senso, não
são algozes, nem torturadores. São educadores. E qualquer tentativa de tentar se
“criminalizar” isso é de um cinismo e hipocrisia gritantes!

Cresci ouvindo meus avôs dizendo que “uma imagem vale mais que mil palavras”. Por isso, o
simbolismo do “chinelo no bumbum” é muito mais forte do que “conversas, diálogos e castigos

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Mazinho Almeida é um agnóstico (sem religião definida), mas crê que Deus existe e rege o Universo. É advogado, bancário,
escritor e compositor.
brandos”. Meus avos batiam em meus pais; meus pais batiam em mim. Nem por isso me
tornei um assassino, serial killer ou um revoltado. Muito pelo contrário: desde muito cedo,
aprendi a respeitar os “mais velhos”: meus pais, meus avos, meus tios, meus professores...

À medida que cresci, os castigos físicos foram minando... até se tornarem desnecessários. E
aos poucos, substitui a noção de “mais velhos” por “autoridades”; de “família” por
“Sociedade”; de “regras” por “Leis”; de “mandamentos” por “deveres”; de “presente” por
“direitos”.

Hoje, o que vemos na sociedade: o banditismo atingindo TODAS as camadas sociais, é a


conseqüência de uma escolha pedagógica desastrosa e revanchista. No afã de se extirpar toda
e qualquer lembrança do período da Ditadura Militar, escolheu-se implantar uma nova
pedagogia, fundada no pensamento de Gilberto Freire – no qual, professor não deve ser
apenas professor: deve ser um “educador”.

Não precisamos dizer que o produto dessa equação foi devastador: os pais se eximiram da sua
parcela de responsabilidade, jogando nas costas do Estado e da Escola, a tarefa precípua que
têm: de EDUCAR seus filhos. Relegaram à Escola, à Televisão – e mais recentemente – à
Internet, a função de educarem sua prole.

O Estado não é Onisciente, Onipresente e Onipotente – se o fosse, não seria “Estado”; chamar-
se-ia, DEUS. E quando vemos os Governantes exorbitando suas atribuições – o Executivo
querendo legislar, enviando um Projeto de Lei como esse – refletimos, pois, se não está
abrindo-se um precedente perigoso de “quebra do pacto federativo” e do Contrato Social (que
Rousseau brilhantemente discorreu... e Montesquieu convenientemente, dividiu o Estado em
três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – independentes e harmônicos, entre si).

Retomando o ensinamento bíblico de Eclesiástico: o pai que ama, castiga seu filho hoje, para
se alegrar com ele amanhã. Se o pai não bate no filho hoje, amanhã, quem baterá? A polícia,
os marginais, as drogas? Sim... pois o pai/mãe que não castiga seu(s) filho(s), não se faz
presente na vida dele(s). E é bom lembrar que existem pessoas fora de casa, sempre prontas, à
acolher e “educar” os filhos carentes de amor, de afeto... e de disciplina. O tráfico de drogas e
a prostituição, por exemplo.

Dar palmada, definitivamente, não é crime, nem ignorância, nem covardia. É, antes de tudo,
prova de amor!

1
Mazinho Almeida é um agnóstico (sem religião definida), mas crê que Deus existe e rege o Universo. É advogado, bancário,
escritor e compositor.
Mazinho Almeida
Campo Grande/MS
Eclesiástico, 30
1
Aquele que ama seu filho, castiga-
o com freqüência, para que se
alegre com isso mais tarde, e não
tenha de bater à porta dos
vizinhos.

2
Aquele que dá ensinamentos a
seu filho será louvado por causa
dele, e nele mesmo se gloriará
entre seus amigos.

3
Aquele que educa o filho torna o
seu inimigo invejoso, e entre seus
amigos será honrado por causa
dele.

4
O pai morre, e é como se não
morresse, pois deixa depois de si
um seu semelhante.

5
Durante sua vida viu seu filho e
nele se alegrou; quando morrer,
não ficará aflito; não terá de que
se envergonhar perante seus
adversários,

6
pois deixou em sua casa um
defensor contra os inimigos,
alguém que manifestará gratidão
aos seus amigos.

7
Aquele que estraga seus filhos
com mimos terá que lhes pensar
as feridas; a cada palavra suas
entranhas se comoverão.

8
Um cavalo indômito torna-se
intratável; a criança entregue a si
mesma torna-se temerária.

9
Adula o teu filho e ele te causará
medo; brinca com ele e ele te
causará desgosto.

10. Não te ponhas a rir com ele,


para que não venhas a sofrer com
isso, e não acabes rangendo os
dentes.

11
Não lhe dês toda a liberdade na
juventude, não feches os olhos às
suas extravagâncias:

12
obriga-o a curvar a cabeça
enquanto jovem, castiga-o com
varas enquanto ainda é menino,
para que não suceda endurecer-se
e não queira mais acreditar em ti, e
venha a ser um sofrimento para a
tua alma.

13
Educa o teu filho, esforça-te (por
instruí-lo), para que te não
desonre com sua vida vergonhosa.

1
Mazinho Almeida é um agnóstico (sem religião definida), mas crê que Deus existe e rege o Universo. É advogado, bancário,
escritor e compositor.

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