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Propostas para melhorar a escola

Ramiro Marques

1. Gestão escolar
Um dos maiores erros do nosso sistema educativo é olhar para a escola
primária (1º CEB), para a escola média (2º e 3º CEB) e para a escola
secundária como se fossem três realidades pedagógicas semelhantes. A
realidade pedagógica da escola primária (primeiros 4 anos de escolaridade) é
muito diferente da realidade pedagógica da escola secundária. Em tudo
diferem: regime de docência, organização curricular e disciplinar, objectivos
educativos, sistema de avaliação, etc. É um enorme erro juntar jardins-de
-infância e escolas primárias com escolas secundárias. Os mega-agrupamentos
representam um erro pedagógico de dimensões colossais. Os prejuízos que daí
vêm são enormes: mais indisciplina, mais violência, anonimato,
despersonalização e incapacidade para gerir tanta complexidade. O que está
certo é juntar jardins-de-infância e escolas primárias na mesma unidade de
gestão, juntar os 2º e o 3º ciclos noutra unidade de gestão e, por fim, a escola
secundária noutra unidade de gestão.

Os 3 tipos de unidade de gestão, tal como foram definidos no parágrafo


anterior, permitiriam tratar de forma desigual aquilo que é diferente e
poriam fim à complexidade e à confusão administrativa e pedagógica.

À medida que se passa do jardim de infância para o nível seguinte aumenta a


complexidade. A escola secundária é o nível de maior complexidade: o
currículo está organizado por disciplinas, há exames nacionais e há uma
grande diversidade de cursos com planos de estudos distintos.

A forma mais correcta de gerir a diversidade das unidades de gestão seria


respeitar as diferenças e ajustar os órgãos de gestão à crescente
complexidade dos níveis.

Assim, os jardins de infância e as escolas primárias deviam ter uma gestão a


cargo de um órgão executivo colegial ou unipessoal. A opção pela
colegialidade ou unipessoalidade ficaria a cargo de cada conselho geral.

As escolas com 2º e 3º CEB - que podiam levar o nome de escolas médias -


seriam geridas por um conselho directivo ou director eleito pelos professores,
funcionários e pais. O mesmo para as escolas secundárias.

Desta forma, seria possível reduzir a complexidade e garantia-se a


democraticidade na gestão escolar

As avaliações feitas ao modelo dos conselhos directivos e dos conselhos


executivos apontaram para a existência de benefícios na colegialidade e

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democraticidade do órgão executivo da escola: menos conflitualidade, maior
sentido de pertença, resolução fácil dos conflitos e maior envolvimento dos
professores nos processos de tomada de decisões.

Outra medida a considerar tendo em vista a melhoria do clima da escola e a


redução da conflitualidade seria o regresso à eleição dos coordenadores de
departamento.

2. Formação contínua
Há mais de cinco anos que o ME tem vindo a reduzir a liberdade de escolha na
formação contínua. Essa redução da liberdade de cada docente escolher os
conteúdos que pretende ver actualizados ou aprofundados é o resultado da
desconfiança face aos professores.
O ME tem uma ideia paternalista do que é a formação de professores e uma
visão única do pedagogicamente correcto.
Nem sempre foi assim. Há quinze anos atrás, cada docente escolhia
livremente as acções de formação contínua que mais lhe interessavam de
entre um vasto leque de cursos creditados pelo Conselho Científico-
Pedagógico da Formação Contínua. Sei do que falo porque fiz parte do CCPFC
no princípio da década de 90 do século passado. Nessa altura, o sistema de
formação contínua funcionava na perfeição e sem ingerências do ME. Acabei
por me demitir, não por objecções ao funcionamento do CCPFC, mas por falta
de tempo. As reuniões eram em Braga e o meu local de trabalho é Santarém.
Maria de Lurdes Rodrigues levou ao extremo a desconfiança face aos docentes
e criou 3 grandes planos de formação completamente centralizados no
Gabinete da Ministra e na DGIDC: os Planos da Matemática, das Ciências e do
Português. O pouco dinheiro que havia para a formação contínua esgotou-se
nos 3 planos, à "boa" maneira soviética dos planos quinquenais de má
memória.
Agora, parece estar a acontecer algo semelhante com as acções de formação
sobre quadros interactivos. E há coisas caricatas: docentes que foram
formadores sobre TIC antes do ano 2000 e que foram acreditados como
formadores nessa área estão a ser obrigados a fazer o curso sobre quadros
digitais para poderem obter o certificado de competências TIC. Conheço
outros casos de docentes que fizeram formação em TIC depois do ano 2000 e
que, apesar de não saberem abrir um ficheiro num email, conseguiram obter a
certificação de competências TIC.
Por seu turno, os Centros de Formação de Associações de Escolas (CFAE) estão
à míngua. Sem financiamento e sem portefólios de formação, levam uma
existência apagada. Os protocolos com as Universidades e Institutos
Politécnicos, outrora em vigor, assumem hoje carácter excepcional.

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A revitalização da formação contínua de professores passa pela criação de
protocolos entre os CFAE e as Universidades e Institutos Politécnicos e a
liberdade de os professores escolherem o seu portefólio de formação de entre
a oferta disponível sem dirigismos do ME.

3. Avaliação de desempenho dos professores


Correndo o risco de impopularidade, reafirmo que os professores ganharam
um estatuto da carreira docente razoável, tendo em conta os tempos de crise,
e um modelo de avaliação de desempenho que merece o caixote do lixo.

Logo que o ciclo político do PS chegue ao fim - e tudo leva a crer que assim
será em final de 2011 - o novo Governo só pode fazer uma coisa: suspender o
actual modelo de avaliação de desempenho e iniciar um processo de
negociação tendo em vista a sua substituição por um novo modelo assente nas
seguintes directrizes:

Ciclo avaliativo de 4 anos


Introdução de uma componente externa na avaliação
Observação de aulas com peso de 75% na classificação final
Restantes 25% distribuídos pela assiduidade e cumprimento do serviço
distribuído

A observação de aulas deve estar a cargo de professores que pertençam ao


mesmo grupo de recrutamento do avaliado e possuam, sempre que possível,
formação específica em supervisão pedagógica.

4. Liderança escolar

Há duas condições que estão associadas com uma boa liderança escolar:

O director ou o conselho directivo da escola/agrupamento deve ter alguma


intervenção no processo de recrutamento e de renovação dos contratos dos
docentes. Isso acontece em todas as instituições de ensino superior. A
proposta de abertura de concurso e de renovação de contrato cabe ao
director mas essa proposta carece de aprovação em conselho científico. No
caso das escolas básicas e secundárias, isto significaria que, embora o director
tenha o poder de fazer a proposta de abertura de concurso ou de renovação
do contrato, o Conselho Pedagógico tem o poder de a aprovar ou rejeitar. É
evidente que este poder tem de respeitar os limites, os direitos e os deveres
que constam do estatuto da carreira docente e da legislação sobre os
concursos.

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O director ou o conselho directivo da escola/agrupamento deve ter o poder de
fixar e reforçar as normas de conduta, ou seja, o conjunto de regras
indispensáveis à manutenção de um ambiente favorável ao ensino e à
aprendizagem. Não basta o director ter poderes disciplinares sobre os alunos.
É preciso que os pais dos alunos lhe reconheçam autoridade para aplicar esses
poderes.

Sem a presença destas duas condições é muito difícil haver uma boa liderança
escolar.

5. Autonomia pedagógica
Nunca percebi por que razão tem de ser o ME a determinar que a aula tem de
ter 90 minutos, 60, 50 ou 45. Essa é uma das matérias que deve ficar ao
critério de cada escola. O ME só tem de fixar cargas horárias lectivas máximas
e mínimas para cada área curricular/disciplina e deixar a cada escola a
determinação da arrumação e calendarização das cargas lectivas anuais.

Um ensino eficaz exige um certo nível de autonomia pedagógica da escola e


dos professores sob pena de ser impossível ajustar os programas e o ensino à
realidade cultural de cada comunidade educativa.

Um ensino eficaz integra sempre estas 3 modalidades: aquisição organizada


de informação e conhecimentos (feita através de métodos de instrução
directa), desenvolvimento de competências cognitivas, afectivas, sociais e
psicomotoras (feita através da prática supervisionada e treino) e o
alargamento da compreensão dos fenómenos, teorias e valores (feita através
de debates, seminários, criação artística e experimentação científica).

Ora, cada uma destas modalidades exige uma arrumação e calendarização


diferente das cargas lectivas. Manda o bom senso que essa arrumação seja
deixada ao critério de cada escola.

6. Qualidades do director

A liderança escolar depende, em primeiro lugar, do director. Um bom líder


faz uma boa organização. Para se ser um bom director é preciso possuir várias
qualidades humanas:

Saber ouvir os outros


Respeitar os outros
Mostrar firmeza quando necessário
Não desistir às primeiras contrariedades
Ser consistente e coerente nas decisões
Ser educado
Ser tolerante

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Mas também é necessário possuir experiência de ensino e qualidades
pedagógicas.

Gerir uma escola é muito diferente de gerir uma empresa. A escola é uma
organização que trabalha com pessoas e produz bens intangíveis. Uma escola
é eficaz quando é um local apropriado para transmitir conhecimentos. A
escola não vende produtos que se possam medir e quantificar.

O director deve ser sempre um professor com larga experiência de ensino. A


história profissional do director deve ter sido marcada pela excelência no
ensino. Infelizmente, nem sempre isso acontece: há casos de directores que o
são porque eram maus professores e quiseram fugir da sala de aula.

O director nunca deve abandonar por completo o ensino. Volta e meia deve
partilhar aulas com colegas. O contacto do director com a sala de aula nunca
deve ser quebrado. Os ingleses têm uma bela expressão para designar o
director: head teacher. Ou seja, o líder dos outros professores.

7. O problema do ensino da Matemática elementar


Há um grave défice no ensino da Aritmética e da Geometria nos primeiros
quatro anos de escolaridade. Estou cada vez mais convencido de que esse
défice se deve, em parte, à fraca preparação matemática da maioria dos
professores do 1º CEB. Estamos perante um ciclo vicioso: professores mal
preparados ensinam pouco e mal a matemática elementar e, mais tarde, os
alunos que aprenderam pouco matemática vão ensinar matemática e assim se
perpetua a degradação do ensino da matemática elementar.

Digo isto por duas razões: Para entrar nos cursos de formação de professores
do 1º CEB não é preciso ter tido matemática no ensino secundário e as médias
de acesso rondam os 10 valores.

O que fazer?

Em primeiro lugar, exigir aos candidatos aos cursos de formação de


professores do 1º CEB que tenham feito a matemática no ensino secundário.

Em segundo lugar, recrutar professores que tenham uma licenciatura em


matemática para leccionarem a área curricular da Matemática no 1º CEB,
fazendo par pedagógico com o professor titular da turma.

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O Reino Unido tomou esta medida. Há cada vez mais professores, formados
em matemática, que leccionam a disciplina de matemática, na escola
elementar, fazendo par pedagógico com o professor titular da turma.

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