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Beladona
Beladona
O cho duro e frio estava coberto por um longo tapete colorido formado de
losangos retngulos equilteros estramblicos, o problema mesmo era o
mofo que fazia seu nariz coar, mas ele no se importava, pelo menos
estava quente e poderia ouvir melhor as histrias de sua av sobre o "Povo
Fatum".
- Vejo que est animado ratinho, que histria quer que a vov lhe conte
hoje? - Seus culos de aro grosso repousaram sobre o garotinho, as lentes
aumentavam seus olhos desproporcionalmente, como se um olho fosse o de
um grande louva-a-deus comparado com o outro.
- Quero uma histria de susto vov! - Disse o garoto com a boca suja de
biscoitos.
- Voc sabe que a Cludia no gosta que eu lhe conte essas histrias
ratinho. - Ela remexia a sacola, tirando suas duas agulhas de croch.
"Meus filhos choraram de fome esta noite, de saudade, tu choraras por tua
filha".
Ela ento arrancou os prprios olhos para nunca mais chorar, e o Inverno a
presenteou com olhos de Vidro Espelhado para sempre refletir os pecados
alheios. Cortou a prpria boca para nunca mais sorrir por falsas felicidades,
e ganhou da Primavera um lindo sorriso eterno feito de linhas de cobre.
Puxou os prprios cabelos at rasgarem seu couro cabeludo, pois no queria
se parecer com a me, e do Vero ganhou belssimos cabelos de cor roxa,
iguais aos das flores venenosas. E por fim, mordeu os prprios pulsos at
dilacerar as prprias mos, pois no queria desejar abraar mais ningum
nesta vida, e o Outono lhe presenteou com mos de espinhos de bronze
para ferir a alegria dos outros. - A velha senhora interrompeu a narrativa ao
perceber os olhos marejados do neto, mas no se importou, ele precisava
ouvir tudo, precisava aprender a lio que o protegeria do Povo Farico.
- Gosto, mas no gosto dessa Beladona vov - Ele tentou se levantar ainda
trmulo, procurando o colo da av, que o abraou e sussurrou em seu
ouvido: Sempre honre seus contratos...