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EDUARDO GUIMARAES. (ORG) HISTORIA IE SENTIDO NA LINGUAGEM CAMPINAS eonres 1989 ARGUMENTACAO E “TOPOI" ARGUMENTATIVOS Oswald Ducrot Gostara de apresontar, nste texto, a teoria de argumentasio a lingua, que Jean Claude Anscombre © eu procuramos desenvolver de alguns anos para ed, e principalmente explicar os sitimos desdobra- rmentos que Ihe demos, introduzindo a nogdo de “topos” (lugar co- ‘mum ergumentatve). Mas, para isto, devo comegar por algumas con- veges terminclégicas. Parevernos nevessrio, a qualquer pesquisa de semintca lings. ica, distinguir cuidadosemente que chamarei, arbitrriamente, a fave © 0 enunciedo, © enunciado um segmento de discurs. Ele tem, pois, como 0 discurso, um luget © uma dats, um produtor & (geralmente) um ou vérios ouvintes. Bum fendmeno empirco, um observével,e, a este titulo, nfo se repete, Se digo duas vezes segue os uma coisa que € habitualmente transcrita "O tempo esté bom", produzo dois enunciador diferentcy, ¢irto somente porque © momen. to de sua enunciagfo é diferente. Isto nio impede que a maior parte os lingistas veja noses dois ennciados a realizagio (diel ainds, com © mesmo sentido, a manifestagio) da. mesma frase portugues Ainsisto sobre 0 fato de que esta decisio habitual dos lingdists cons- ‘iui uma hipétese, que deve ser justificada por seu poder explicativ, no pode valerse de nenhuma evidéncia. Especialmente, cla nz pode apoiarse sobre 0 fato de que, pate citar, no meu texto, of dois enuneiadot em questo, vtlize’ duas vezes & mesma seqléncla de palavras “O tempo esti bom"). A frase, no sentido em que tomo este 1B fermo, & uma estrutura absrata, ou seja, algo absolutamente dife rente de wma seqiéncia de palavras escrte. A distingao entre frase © enunciado levarme a distngui, igual mente, os valores seménticos atribuidos a uma © 8 out. Por con venglo chamo de "sentido" o valor semintioo do enunciado, © de *signifcagdo” o da frase. E fécl © habitual mostrar como o seatido 4do enunciado & sobredeterminado em relagio & sinificasio da frase {que realiza: nem o valor referenial, nem 0 valor ilocutGrio do entn- siado, por exemplo, podem deduzirse diretamente da signficacio da fraye, Mat geralmente concebe-se esta diferenga entre sentido e sign fleagio como uma dlferenca de grau: haveria no sentido tudo © que |é na signifcagdo mais um certo nimero de detalhes ou expeifica Ges. Pare mim, a0 contrério, a diferenga é de natorera. A. signifi agio no se encontra no’ sentido como parte sua: ela é, no esencial pelo menos, consttuida de diretivas, ov ainda de instrugies, de ee nas, pare decodificar 0 sentido de seus enunciados. A frase nos diz © que € necessirio fazer quando se tem que interpreter seus enun- clades, especitica especialmente o tipo de indiios que & necessirio procurar no context. Ene estas instruges, eu me intereso patti fulermente por aquelss apresentadas pelo que chamo as "variiveis argumentativas", Elas indicam ao intéprete do enunciado que ele deve consttvit, © atrbuir ao loeutor (fundamentandose no que ele conhece da stuapo de discurso), uma estratégia argumentativa de ‘erminada, Seja, por exemplo, 0 caso de dessrever, no que die respeito aos valores apresentados pelo morfema "demais”, as frases da esrutura ‘x € P demais", onde “x” designa um objeto, e “P* uma proprie- dade. Direi que elas impiem a reconsttuigio, de uma estatégia de representao, 2 peso que produe um enuncado seu. Tratas, pos, para o intérpreic, de imaginar uma proposigio r, que 0 locutor pro- curariarefutar dizendo que x é P demnis, A proposigio r deve ser tal que segundo o sujelto falante, ela seria ov aceitével, ou mesmo Traduza top poe demas. As eferesas, ea fants, ete op, por um Ind, ers e Beaucoup, pot eu, nie crtesponcem ts ernst eae emt « muito em porta. lg, no enti, qu 4 Wado ag Te e eigui para'o que agl se pe (do T) 1“ Justficads, se a Pidade de x estiver abaixo de um certo limite, tor nando-e inacetivel qusndo x ultrapassase este imi. Assim, dizendo a propésito de uma mercadoria que ela é cara demas, nodose visar, por exemplo, wma proposigio do tipo “P ne cessvio compréla", © declarar que seu prego & superior a um certo valor absixo' do quel a compra se toraria possvel, mas acima do gual tona-se impossivel Com “x tem um prego bom demais", podese ter, em certas sitwapses, a mesma proposicio + "€ necessitio compréla*. A nica dliferenga com 0 ca80 anterior € que absixo do limite a compra é apreseniada néo somente como possivel, mas como justifcada (0 bom prep dferentemente do prego alto, seado visto como uma raxSo para 8 compra). Produrse, pois, quando se ullrpassa o limite, uma es pécie de inversio, eo bom prego, que era uma razio para a comps fomase uma razio para nio comprar — talver porgue ele leve & desconfiar de qualidade. Assinalo a este propésito 0 fato que segue cuja explicagio nto 6 evidente: se a propriedade P ¢ vista como sendo, abaixo do limite, favordvel & proposigio r — € 0 caso para 0 hom prego e a compra “cla pode trnarse desfavorével acima, Mas se ela ja ¢ desfavordvel absixo — como € 0 caso para 0 preyo alto em relagdo 2 compra — fla ndo poderia tornarse faverével acima. Assim nio se tem "Este objeto é caro demais: compres, pois ele deve ser verdadeiramente excelent", Notaese-d que este dissimetria ndo depende de una Tel de bom senso, mas que ela conta entre as propriedades seminticas ‘do morfema demais empregado sem complemento proposicional: ela dessparccera, com efeto, com lo que: “Ele & to caro que eu te aconselho comprise: ele deve ser verdadeiramente excelent, Resumo esta apresentagio terminoligica. Enquanto lingista se- smanticista, devo atribuir a cade ume das frases constitutivas de uma 2 im ours stings, “a tem um greio bom demas” pode 20 corso {omar por "No 6 compig” © loswor seen entender nto, ue sia bm etn de rvs eg a & Yoga soca el 5 lingua ums signifieagéo suscetivel de explicar o sentido de seus enun siados no discurso. E ela o explica na medida, notadamente, em que comporta una série de instrugdes as quais se ¢levado a conformarse ‘quando se tem qve compresnder seus enunciads. Posso agora abordar o problema da argumentagio. Gostaria pri meio de esbogar o que denominarei a concepgio tradicional da {entagdo (esta palavra “tradicional” significa de wm Indo, como é habitual, que este é a concepgao a qual me oponho: mas ela quet também sugerie que a concepsio em questo, mesmo se eu a aie ‘aturizo um povco, €pressuposta pela maior parte das pesquisa sobre 4 angumentago — sem que eu posse citar algum texto em que el scja explicitamente formulada). Em sepuida apresentarei a concepgio ‘que Anscombre eu elaboramos, e que resumimos pelo slogan "A argumentago esti na Nngua”. Depois de chamar a atengio para 3 primeira forma que demos a esta teria, ¢ os problemas que ela co loca, apresentarei — esta seré a dima’ principal parte deste texto = 4 forma atual da teoria, © 4 nogéo de "topos", que tem nela um ‘pepe centel [A concepsio tradicional da argumentagdo & destinada antes de tudo a twatar 0 caso (do qual mostrarsi, expondo altima forma de nossa teoria, que ele & somente um caso particular) em que um sujeito falante produz o enunciado A como argumento porn jostifcar lum outro enuneiado C. O que se realiza em portuguts por seqincias do tipo "A logo C” ou do tipo “C jd que A”, que simbolizo ums © ‘outras por A-----} C. Por que A pode desempenbar esta funcio argumentaiva? Habitualmente pensa-se que 0 movimento arguments tivo supe duas cosas totalmente indopendentes Por um lado o enin- ciadoargumento A deve indiear um certo fato F, entendo por isso ‘uma certs representacio da realidade que pode ser considerada ver dadeiea ou false, que pode ser validada ou invaidada independente- mente da intengSo de dela coneluirC. Por outro lado o sueito flante deve admit ov supor que este fato F implica a verdede ou a val dade da conclusio C. © que se pode reptesentar com o esqoema: 6 ’ F Segundo este concepeio, a lingua, considerads como um com junto de frases semantiesmente deseries, nig, desempenha, na arg mentagio, um papel essencial. Por um lado efa formece os conectivos (ogo, jé que... ete) que asinalam a existénca de wma relagio args: mentativa enire A'¢ C. Por outro lado ela intervém na paseagem de F para C: se A designa o fato F, isto se deve parcialmente 2 frase realizada por A — © também, seguramente, & situspio de discurso rhe qual A'é produaido. Mas 0 movimento, cle mesmo, conduzindo & C — ou stja, 0 movimento argumentative no sentido proprio — é — na concepeio tradicional — absolutamente independente da lin ‘p02, Ble € explicado pela situagio de discurso e pelos prinipios logics, psiolipcos,vetéries, sociolgices... ec. Poss, pois, com pletar 6 esquema © situapo de discurso ' tng ' le eign ! eis stag de dicen’ | oi so f eis silos Una roo, aie de ud, me lve ema ce equ. A air pr dos ngs posi plas de Fae gett as Proprelades se seem. 1 ince ome Tao Feunlnde mune sangio“de dic dado, wan etd ras (Um ence de uma ei enncngo de sta — me ono ence» vig de dicuno — ni aoa. esa pms. Spor Sen (0) Pero tabathow pou, (0) Pair tbaiog um pou, ” Se se enuncia (a) ou (b), em uma stuagio dada, 6 sempre © mesmo ontetido fectual que se comunica. Se (a) € verdadeiro, (b) 0 & tam ‘bem, e inversamente, Apesar disto senlimor que a escolha de (a) € 4 de (b) correspondem a intengées argumentativas totalmente dite rentes: ou (a) e (b) no servem para jstficar a mesma conclusio, ‘uno a justifcam do mesmo modo. Podemse moltipicar as obvet vvagbes deste tipo: elas mostram que a argumentagso pode estar dite tmente determinada pela fase, e nfo simplesmente. pelo fato que © enunciado da frase veicula. Neste caso, dise-4 que a arguments Ho esti "na Hingua”, “nas frases", que as pioprias frases sto Observagdes como estas & que foram o ponto da partida de nos storia, © nio renuneiamos (nés nem mesmo pensimos faz6-0) a nossa iia de uma argumenteco intrinseea a lingue. Nossa hipétese central € que pelo menos certs frases de uma lingua possuem nela tuma forga ou valor argumentatvo (disse “certas” por prudéncia: na verdade desearia dizer "todas", mas isto ndo me & possivel no mo. mento: seria necesirio primeieo ter consruido um conceito de ergu- mentaso mais amplo,¢ ter inttoduzido a nogéo de tapos, que $2 teatads no final deste texto). Se utiliza, para formar nossa hipstese, 4 terminologia que apresentei no inicio, devo dizer que a sinifcs so de certas frases contém instragdes que determinam a intensa0 Segumentativa a ser atribulda a seus enunciados; a frase indice como se pode, e como nfo se pode argumentar & partic de seus enunciados ste tema geral pode ser aplicado 0 caso particular — , se gundo penso, particularmente revelador — de certos morfemas que chamarei “operadores argumentativos” (pata abrevier, O.A.). Primet. 10 uma definigio. Digo que um morfema x € O.A. em relagéo « uma frase P se t8s condigées sio preenchidas. (1) Pode-se construir a parti de P uma frase P* pela introdu: de x em P. O que descrevo "P" = P+x". Mas deve-se entender {que a introdusgéo de x pode fazerse no somente por adigéo, mas ‘ambém por uma substituigdo acompanhada, eventualmente, de cer ‘as modificagdes sintéieas. Visto sou earster impreciso, a formulagio desta primeira condiso corre o vsco de parecer petigosamente per missive, Mas isto no me parece grave na medida em que ss condi 18 e828 (2) © (3) nfo slo satisfeitas, ne verdade, sendo no easo em que 4 introdugdo de x em P relativamente simples. (2) Em uma sitaagdo de discurso determinada, um enunciado de Pe um eminciado de P" tim valores argumentativor nitdamente liferentes: ndo se pode argumentar da mesma mancira a partir de ‘um e a partir do outro. (6) Esta diferenga segumentativa nfo pode ser devivada de uma sliferenga factual entre as informagées forecidas, na situasio de dis. curso considerade, pelos enunciados de P e de P. Tersed notado ‘que esta tereira condigio liga a aplieagio da definigio ts possibll- dades de devivagdo que o linguista se dé a si mesmo. Se se admite (Como eu fazia em 1972 em Dire et ne pas Dire) uma grande proli- ferasdo de subentendidos "conversacionie” derivados através de leis de discurso muito mumerosss, se encontraré menos O.A. do que se tenta, como 0 fag atualmente, restringit © controlar o recurs Bs leis de discurso Segundo minha definigéo, pouco & um O.A, em regio a frase LP "Pedro teabalhou um pouso”. As és condigses sB0 do fatoy sa tists: (1) Pode-se construir uma frase P* “Pedro trabalhou pouco” substituindo um pouco por pouco em P. (2) Como jf assnalei, no séo as mesmas argumentasées que ‘omam possveis, numa situasGo dada, um enunciado de P ¢ um enunciado de (6) Nio se pode derivar esta diferenga angumentativa entre 08 ‘nunciados de uma diferenca informativa que possa exisir entre eles. Impossibilidade que vale ais, neste eato particular, para todas as eoris derivacioais imagindvels, sendo dado que © contefdo fae- tual dos dois enunciados ¢, eu © disse, © mesmo (identidade que nin- _g0ém, julgo eu, ponsa neger — mesmo que cetor semanticsts deck dam, sem razio, segundo penso, atrbuir um valor informativo dife- rente as frases Pe P contendo um pouco e pouco, supondo, por 19 exemplo, que um pou, diferentemente de pouco, & compativel com muito: no nivel do enunclado, que ¢ aguele de que falo nesle mo- mento, pareceme inegivel que a mesina informacio & dada nos dois ato). Outro exemplo: em francés, ne..que & O.A. em relagio & frase P “Il est § heures”. Ele permite, com efeito, construir Pll nest que 8 heures”. Além do mais, 0 valor informativo dos enunciados 4 Pe de P', em uma situagéo dado, € incontestavelmente © mesmo (ambos sio ao mesmo tempo verdadeiras ou 20 mesmo tempo also) Enfim, esa idenidade factual ado impede que se potsa constuir, © Partr de um enunciado de P, certas argumentagies, visando, por cexemplo, mostrar que esté tarde, que seriam impossveis depois de ‘um enunciedo de P'. Esta, pois,» hipétese bisics de nosea toota,hipStese mantide través das duas formas que esia teorla sucessvamente assumiu, AS dduas formas ndo se opéem, na verdade, senlo se se procure dlinie ‘mais precisamente © conccito “possibilidades argumentativs” (ou {orga argumentativa) de um enunciedo. Encontramo-nes, entio, dian te da alterative de que vou falar agora, Quando apresentamos a primeira forma de teoria da argumen tagto na lingua, tomamos como evidente, Anscombre © eu, que a forga argumentativa de um enuneiado A deve ser definida como um ‘conjento, eu quero dizer como © conjunto dos enunciados Ci, Cs, ete. que podem aparecer como conclusdes de A. Assim a forja argu: ‘mentativa de um enunciado "Pedro tabathou um powco” consstiia, ‘no conjunto dos enuneiados que podem eventualmente Ihe ser ence

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