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P rojeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoríam)
APRESENTAQÁO
DA EDIQÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos estar
preparados para dar a razáo da nossa
esperanza a todo aquele que no-la pedir
(1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos conta


da nossa esperanga e da nossa fé hoje é
mais premente do que outrora, visto que
somos bombardeados por numerosas
correntes filosóficas e religiosas contrarias á
fé católica. Somos assim incitados a procurar
consolidar nossa crenca católica mediante
um aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


- Responderemos propoe aos seus leitores:
i aborda questóes da atualidade
''] controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
' dissipem e a vivencia católica se fortalega no
Brasil e no mundo. Queira Deus abencoar
este trabalho assim como a equipe de
Veritatis Splendor que se encarrega do
respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo.
A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaca depositada
em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral
assim demonstrados.
Ano xliii Agosto 2002 482
A Vida é urna Parábola

O texto bíblico manipulado e alterado?

Celibato nao é a causa

Dez mitos sobre pedofilia entre os sacerdotes

"O outro Jesús segundo os Evangelhos Apócrifos"


por Antonio Pinero

Resposta a Leonardo Boff

Os católicos romanos sao cristáos? por J. T. C.

Batistas herdeiros dos montañistas, donatistas,


cataros...?

Nudez na Paulicéia
PERGUNTE E RESPONDEREMOS AGOSTO 2002
Publicacáo Mensal N°482

Diretor Responsável
SUMARIO
Estéváo Bettencourt OSB
A Vida é urna Parábola 289
Autor e Redator de toda a materia
Supóe-se:
publicada neste periódico
O texto bíblico manipulado
Diretor-Administrador: e alterado? 290

D. Hildebrando P. Martins OSB Protestantes reconhecem:


Celibato nao é a causa 297
Administracáo e Distribuidlo:
Conceptees mal fundamentadas:
Edigóes "Lumen Christi"
Dez mitos sobre pedofilia
Rúa Dom Gerardo, 40 - 5o andar - sala 501 entre os sacerdotes 299
Tel.: (0XX21) 2291-7122
Sensacionalismo:
Fax (0XX21) 2263-5679
"O outro Jesús segundo os Evangelhos
Endereco para Correspondencia: Apócrifos" por Antonio Pinero 302

Ed. "Lumen Christi" Em defesa da Fé:


Caixa Postal 2666 Resposta a Leonardo Boff 308
CEP 20001-970 - Rio de Janeiro - RJ Agressáo Leviana:
Os católicos romanos sao
Visite o MOSTEIRO DE SAO BENTO
cristáos? por J. T. C 317
e "PERGUNTE E RESPONDEREMOS"
Analisando mensagem:
na INTERNET: http://www.osb.org.br
Batistas herdeiros dos montañistas,
e-mail: lumen@alfalink.com.br
donatistas, cataros...? 323

impressAo
Inédito:
Nudez na Paulicéia 329

GRÁFICA MABQUES SARAIYA


COM APROVAQÁO ECLESIÁSTICA
NO PRÓXIMO NÚMERO:

"Pela Misericordia de Deus" (Joáo Paulo II). -A Nomenclatura dos Documentos Pontificios.
- Tradicionalistas retornam ao seio da Igreja. - "Eu amei um Bispo" (Época). - "Brasil
está menos católico" (J. B.). - "A Eucaristía, Sacramento de Comunháo" (Fr. Ariovaldo).
-Abelardo e Heloisa.

PARA RENOVACAO OU NOVA ASSINATURA (ANO 2002,


DE FEVEREIRO A DEZEMBRO): R$ 35,00.
NÚMERO AVULSO R$ 3,50.
O pagamento poderá ser á sua escolha:

1. Enviar, em Carta, cheque nominal ao MOSTEIRO DE SAO BENTO/RJ.


2. Depósito em qualquer agencia do BANCO DO BRASIL, agencia 0435-9 na C/C 31.304-1
do Mosteiro de S. Bento/RJ ou BANCO BRADESCO, agencia 2579-8 na C/C 4453-9
das Edicóes Lumen Christi, enviando em seguida por carta ou fax comprovante do
depósito, para nosso controle.

3. Em qualquer agencia dos Correios, VALE POSTAL, enderezado ás EDICÓES "LUMEN


CHRISTI" Caixa Postal 2666 / 20001-970 Rio de Jane¡ro-RJ

Obs.: Correspondencia para: Edicóes "Lumen Christi"


Caixa Postal 2666
20001-970 Rio de Janeiro RJ
A VIDA E UMA PARÁBOLA

Diz-se que a vida é urna parábola, ou seja, urna historia que prefigura
outra historia. - Pois bem; há ocasióes em que se apalpa, por assim dizer, a
veracidade destes dizeres. Tal foi, sem dúvida, a disputa da Copa do Mundo
em junho pp. O mundo inteiro foi polarizado ... O Brasil parou...; as escolas
fecharam; muitas empresas nao funcionaram; grande parte da populacáo
acordou de madrugada para assistir aos jogos...
Esse fenómeno, sem igual, faz pensar. Quais seriam as suas causas?
- Apontaríamos a beleza de urna disputa ardua e comprometedora, o desejo
do triunfo e da gloria alimentado pelo senso patriótico. A parábola assim cons
tituida revela o ser humano em dois planos:
a) no plano natural. Tudo ser humano se senté impelido a procurar
algo mais do que o comezinho de cada dia. Há momentos em que espontáne
amente ele emerge ácima do que tem, para vislumbrar a Beleza, a Grandeza
da luta por urna causa justa, o valor do esforco total, sem mornura, mas com
pleno calor (cf. Ap 3,15s). O homem foi feito para a conquista de urna Meta
que transcende a monotonía de cada dia. O campeonato de futebol é urna
pálida expressáo da índole natural do homem criado para a luta em prol de
valores nobres. Ele se aplica a essa luta com tempera quase religiosa, guar
dando as "santas horas" de guarda de urna religiáo leiga.
b) no plano da fé. É o Apostólo que faz da porfía do atleta a ¡magem da
luta do cristáo em demanda da vida eterna: "Nao sabéis que aqueles que
correm no estadio, correm todos, mas um só ganha o premio? Correi, portan-
to, de maneira a consegui-lo. Os atletas se abstém de tudo; eles, para ganhar
urna coroa perecível: nos, porém, para ganhar urna coroa imperecível" (1Cor
9, 24s).
Paulo quer dizer que o cristáo é um atleta de Cristo, sujeito, porém, a
cair na rotina tibia, porque a coroa a ele prometida, embora imperecível, é
invisível; há tanta coisa bela e visível que o atrai em lugar do Invisível! Pois
bem, diria o Apostólo: olhe o cristáo para esses atletas do estadio, contemple
seus incondicionais esforcos para alcancar o Título, e aprenda a licáo da
parábola: é preciso empenhar todos os esforcos, sem regateios, para ganhar
o premio da vida eterna. Sirva-lhe a Copa do Mundo de trampolim para ter
acesso a um plano superior. E saiba que pode contar com urna multidáo de
torcedores, como atesta a epístola aos Hebreus: após haver percorrido a
galería dos heróis da fé desde Abel até os Macabeus (Hb 11), diz: 'Também
nos, cercados por tal nuvem de testemunhas (no estadio), corramos com
perseveranca o certame que nos é proposto, com os olhos fixos naquele que
é o Autor e Consumador da nossa fé: Jesús" (Hb 12,1s). O cristáo pertence
á familia dos heróis e Santos; eles intercedem pelo atleta no pareo, para que
nao venha a trair sua linhagem, mas ganhe o galardáo prometido aos valen-
tes atletas de Cristo.
A vida, em certos momentos, é realmente urna parábola!
E. B.

289
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"

Ano XLIII -Ns 482 -Agosto de 2002

Supóe-se:

O TEXTO BÍBLICO MANIPULADO E ALTERADO?

Etn síntese: Há quem diga que o texto bíblico foi tantas vezes co
piado e traduzido que em nossos diasjá nao se tem o auténtico escrito
dos autores sagrados, mas urna outra Biblia. - Em resposta, é de notar
que os estudiosos dispóem de copias de todos os manuscritos do Antigo
e do Novo Testamento e as confrontam entre si, de modo a poder
reconstituir a historia do texto; verificam assim quala forma mais antiga e
quais as alteragoes que sofreu. Se alguém quiser dizer que essa forma
mais antiga é o resultado de manipulagóes, mostré um manuscrito anteri
or á manipulagáo.
* * *

A revista VEJA, edicáo de 17/04/02, pp. 11-15, apresenta a entre


vista do Prof. Emanuel Tov, editor-chefe da publicagáo dos manuscritos
de Qumran, entrevista relativa a esses mesmos manuscritos. A certa al
tura de seus pronunciamentos, afirma o seguinte:

"Ñas cavernas de Qumran e em outros lugares de Israel, nos en


contramos centenas de manuscritos, todos da Biblia hebraica, o Velho
Testamento. Comparando com as tradugoes que hoje conhecemos da
Biblia, notamos que há passagens que eram mais curtas, outras mais
compridas ou com textos diferentes dos que conhecemos hoje. O livro de
Jeremías nos manuscritos aparece em verseo talvez 15% mais curta. Isto
significa que, ñas copias feitas por geragoes após geragóes, freqüente-
mente os escribas mudavam os textos, acrescentando alguns detalhes,
suprimindo outros. Eles consideravam-se também autores e permitiam-
se fazer alteragoes. Isto ocorreu com os textos de Hornero, as tragedias
gregas, nao apenas com a Biblia".

Estas declaragoes sao importantes porque dáo a entender que já


nao temos hoje a Biblia como ela saiu da máo de seus autores primitivos,
mas temos outra Biblia devida a muitos anónimos.

290
O TEXTO BÍBLICO MANIPULADO E ALTERADO?

A propósito convém logo notar que o Prof. Emanuel Tov nao é es


pecialista em estudos bíblicos; ele se refere táo somente aos textos do
Antigo Testamento citados nos manuscritos de Qumran.

Para dissipar qualquer dúvida a respeito, passamos a expor a his


toria do texto hebraico do Antigo Testamento e a do texto grego do Novo
Testamento.

1. Historia do texto hebraico do Antigo Testamento

Compreende quatro etapas:

1) Atéoséculold.C.

O texto hebraico esteve sujeito a oscilacóes. Isto se compreende


bem desde que se tenha em vista o modo como se escrevia antigamen-
te: somente consoantes sem vogais, ocasioes múltiplas de confundir le
tras e números... Esta verificacáo é confirmada pela comparacáo do atu-
al texto hebraico com o Pentateuco dos Samaritanos (Pentateuco do sé-
culo VIII a.C, quando os samaritanos se separaram dos judeus) e com a
traducáo grega dos LXX (efetuada no Egito entre 250 e 100 a.C).

Assim o Pentateuco Samaritano coloca a seccáo de Ex 30, 1-10


logo após Ex 26, 35; poe Dt 27, 3-7 logo depois de Dt 5, 8.

Na traducáo dos LXX, o texto de 1 Rs 2, 25 é acrescido de doze


versículos; o texto de 1 Rs 2, 46 recebe o acréscimo de onze versículos.
Sao omitidos os textos de 1Sm 17, 12-21.40.50.53 e 18,5. Faltam tam-
bém 1Rs 10,15-25; 14,1-20. O livro de Jeremías é mais breve nos LXX
do que no hebraico.

Ora é a esse texto oscilante mais antigo que se refere o Prof. Tov.
Ele tem razáo ao dizer que houve ai enxertos e omissdes; todavía essa
afirmacáo nao há de ser generalizada, pois o texto do Antigo Testamento
foi fixado e uniformizado, como passamos a ver.

2) Do sáculo I d.C. ao século VI

A difusáo dos escritos cristáos (Evangelhos, epístolas...) obrigou


os judeus a evitar as oscilacóes do texto bíblico; os cristáos argumenta-
vam em favor de Cristo utilizando passagens do Antigo Testamento. Jul-
ga-se que no século II d.C. já havia um texto quase oficial do Antigo
Testamento, pois no século II foram feitas tres traducoes do hebraico
para o grego, as quais supoem o mesmo arquetipo hebraico; sao elas:

- a traducáo de Áquila, prosélito (convertido ao judaismo), sob o


Imperador Adriano (117-138); é traducáo servil, que gozou de grande
autoridade entre os judeus e é muito importante para a crítica do texto;

291
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 482/2002

- a traducáo de Teodociáo, prosélito de Éfeso, sob o Imperador


Cómodo (180-192). Teodociáo fez urna revisáo do texto dos LXX, procu
rando abolir as divergencias entre o grego e o hebraico;

- a traducáo de Símaco, samaritano de religiáo judaica, sob


Setímio Severo (193-211). Procurou cultivar a elegancia da língua grega.

No texto hebraico ainda há variantes de pouca importancia.

3) Do sáculo VIII ao século X: época massorética

Os massoretas (homens da tradicáo, de masar, entregar), tendo


colecionado as observacoes dos antepassados, puseram as vogais no
texto sagrado e assim o fixaram. Verifica-se hoje, mediante apurados
estudos de lingüística rítmica e literatura orientáis, que a grande maioria
das opcóes feitas pelos massoretas eram auténticas.

Quanto aos manuscritos, é de notar que até 1947 nao possuíamos


copias do texto hebraico anteriores aos séculos IX/X d.C; naquela data,
porém, foram descobertos os manuscritos de Qumran a NO do Mar Mor-
to, que datam dos séc. I a.C. e séc. I d.C. Foi possível assim recuar mil
anos na historia da tradicáo manuscrita; verificou-se entáo que há identi-
dade entre os manuscritos medievais e aqueles de Qumran - o que quer
dizer que o texto se foi transmitindo fielmente através dos séculos. Os
judeus muito estimavam a sua literatura sagrada a ponto de nao permiti-
rem que se deteriorasse gravemente.

A época dos massoretas é também a da Cabala, que cultivava a


mística das letras e dos números: assim afirmavam os cabalistas que a
palavra central da Tora (Lei de Moisés), se encontra em Lv 8, 8; a letra
central da mesma se acha em Lv 11,42; a soma dos versículos do Génesis
dá um total de 1534 letras...

4) Do século X aos nossos dias: época pós-massorética

O texto bíblico nao sofreu alteracóes, embora se verifique que os


massoretas nem sempre acertaram. Para dissipar as dúvidas sobre a
autenticidade de urna palavra ou frase, há o recurso ao Pentateuco
Samaritano, aos Setenta e a traducoes antigás, que, confrontados com o
texto oficial (M), permitem elucidar os pontos obscuros.

Em nossos dias existem boas edicóes críticas do Antigo Testamento,


entre as quais a de P. Kittel, que apresenta o texto M (texto receptus) e,
em rodapé, as variantes principáis, de modo que o estudioso pode tomar
consciéncia do valor maior ou menor do texto oficial. Pode-se dizer que
as variantes nao afetam a substancia, principalmente as passagens que
tocam as verdades da fé. Eis alguns espécimens dessas variantes:

292
O TEXTO BÍBLICO MANIPULADO E ALTERADO?

Em 1Cr 8,33; está dito que Saúl teve um filho chamado Isbaal. Em
2Sm 2, 8 o nome é Isboseth e em 1Sm 14, 49 vem a ser Jesui. Que
significam essas mudancas? - O vocábulo hebraico ish quer dizer ho-
mem; Baal é urna divindade cananéia, que pode ser entendida como
Senhor (donde homem do Senhor cananeu); boseth quer dizer vergo-
nha (donde homem da vergonha); Jesui seria "o homem de Javé".

Jerobaal de Jz 6, 32 é chamado Jeroboseth em 1Sm 11, 24. Em


2Sm 4, 4 o mesmo personagem é dito Meribaal (sentido incerto, talvez
aquele que espalha vergonha).

O nome de Deus Elohim é freqüentemente trocado por Yahweh, e


vice-versa.

Percebe-se também que, ao fixar o texto hebraico, os rabinos rejei-


taram as variantes que favoreciam o Cristianismo.

2. Historia do texto grego do Novo Testamento

Os críticos nao alimentam serias dúvidas sobre a autenticidade li


teraria do texto grego do Novo Testamento de que hoje dispomos.

Com efeito, embora tal texto aprésente numerosas variantes (ge-


ralmente de pouca monta, pois versam sobre colocacáo ou omissáo de
artigo, emprego de partículas enfáticas, modos e tempos de verbos, etc.),
pode-se reconstituir com grande probabilidade a face do texto original.
Existe grande número de códices antigos e de traducdes feitas nos séc.
ll/lll (para o sirio, o copta, o latim...); tais códices e traducoes, confronta
dos entre si, permitem ao estudioso dirimir as dúvidas concernentes ao
teor dos origináis do Novo Testamento. Assim contam-se aproximada
mente

85 papiros (datados dos séc. II-IV) que apresentam partes do texto


do Novo Testamento;

266 códices maiúsculos1 (dos séc. IV-X) do Novo Testamento;

2.754 códices minúsculos2 (dos séc. X-XVI) do Novo Testamento;

2.135 lecionários3 do Novo Testamento.

Estes dados perfaziam em 1967 um total de 5.240 manuscritos,


completos ou fragmentarios, do Novo Testamento. Tal quantidade (que
vai crescendo, pois váo sendo descobertos novos testemunhos antigos e

1 Escritos com letras gregas maiúsculas (uncíais, capitais).


2 Escrito com letras gregas minúsculas.
3 Repertorios de leituras a ser utilizadas na liturgia, repertorios compostos em diver
sas épocas da historia antiga e medieval da Igreja.

293
6 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 482/2002

medievais do texto bíblico) pode ser dita "fantástica", desde que se leve
em conta a transmissáo das obras dos autores clássicos romanos e gregos.

Na verdade, acontece nao raro que só se possui um manuscrito de


determinada obra de um clássico (ao passo que do Novo Testamento
existem milhares). E tal manuscrito (copia do autógrafo já perdido) dista
de seus origináis pelo intervalo de séculos. Assim o autor que melhor se
pode conhecer, é Virgilio (t 19 a.C); ora há um intervalo de 350 anos
entre a morte deste poeta e o mais antigo manuscrito do mesmo hoje
conservado. Para Tito Lívio (t 17 d.C), o intervalo correspondente é de
500 anos; para Horacio (f 8 a.C), é de 900 anos; para Cornélio Nepos
(t 32 a.C), 1200 anos; para Platáo (t 347 a.C.) e Tucídides (t 395 a.C),
1300 anos; para Eurípedes (t 407/406 a.C), 1600 anos.

Nota-se também que o mais antigo papiro do Novo Testamento


que se tenha, é o de n5 457. Data do inicio do século II e apresenta o
texto de Jo 18, 31-33.37s (é importante observar que o evangelho de S.
Joáo foi redigido nos últimos anos do século I). Acha-se guardado em
Manen este r, na John ñylands Library. Este manuscrito, descoberto em
1935 no Egito, dá a ver que poucos decenios (os que correspondem apro
ximadamente á duracáo de uma geracáo humana) após a composicáo
de Joáo na Asia Menor, este livro já era lido no Egito.
O sabio su ico Martín Bodmer constituiu uma biblioteca perto de
Genebra, em que se guardam importantes manuscritos do Novo Testa
mento: assim o Papyrus Bodmer III ou P 66, que é um conjunto de folhas
de papiro com o texto do Evangelho de Sao Joáo, conjunto datado do
ano 200 aproximadamente e descoberto em 1956. O Papyrus Bodmer
XIV-XV ou P 75 data do inicio do séc. III; descoberto em 1961, reproduz,
quase por inteiro, o terceiro e o quarto Evangelhos.

Outra colecáo célebre é designada por "Papiro de Chester-Beatty"


(P 45). Encontra-se em Londres e conserva fragmentos de papiros que
foram escritos no século II com o texto dos Evangelhos e dos Atos dos
Apostólos.

O cotejo dos papiros, dos códices e das traducóes antigás do Novo


Testamento tem possibilitado aos estudiosos a confeceáo de edicóes cri
ticas do Novo Testamento, tais como as de Merk (católico) e Nestle (pro
testante) e - a mais abalizada - a edicáo de Aland, Black, Martini, Metzger
e Wikgren (comissáo mista protestante-católica).

Em suma, o balanco do estudo crítico do texto dos Evangelhos é


altamente positivo. Permite verificar que a transmissáo do Novo Testa
mento através dos séculos deixou inalterado o depósito dos Evangelistas
e Apostólos e nos fornece hoje sólida base para estudos sobre a pessoa

294
O TEXTO BÍBLICO MANIPULADO E ALTERADO?

e a obra de Jesús Cristo. Se o retrato de Jesús que nos veio através dos
Evangelhos sofreu falsificado, esta só se pode ter dado quando os Evan-
gelhos foram consignados por escrito ou antes, pois é inegável que o
texto escrito nos chegou as máos hoje em estado de alta fidelidade.

2. A fim de que o leitor possa formar um juízo sobre o valor do


confronto dos manuscritos, sejam consignados aqui alguns exemplos
ilustrativos:

- o trecho de Le 22, 43s, que refere o suor de sangue durante a


oracáo de Jesús no horto das Oliveiras, foi posto em xeque já nos prlrnei-
ros sáculos da Igreja por motivos teológicos: caracteriza muito fortemen-
te (para alguns cristáos, demasiado fortemente) a natureza humana de
Cristo. - O confronto dos manuscritos demonstrou que tal secgáo perten-
ce ao teor original de Le;

- a seceáo de Jo 7, 53-8, 11, que narra o episodio da mulher


depreendida em adulterio, parece ter constituido urna folha avulsa, que
os copistas dos Evangelhos colocaram ora no fim do Evangelho de Sao
Joáo (após Jo 21,25, ou seja, após o texto continuo dos quatro Evange
lhos) ou dentro do Evangelho de Sao Lucas (após Le 21, 38) ou também
no lugar em que hoje se acha (após Jo 7, 52);

- a passagem de Jo 5, 4 (um anjo descia na piscina de Bezata e


movia a agua, de modo a curar o primeiro doente que nela se projetasse
após a mocio da agua) é tida evidentemente como interpolacáo tardía;

- o famoso trecho de Uo 5, 6s (testemunho da SS. Trindade) é


reconhecido, sem hesitacáo, como enxerto praticado no séc. IV por oca-
silo da controversia ariana.

Assim os exegetas estáo em condicoes de restabelecer o texto em


seu teor original nos casos mais controvertidos. Os resultados até hoje
adquiridos pela crítica sao de tal monta que se pode dizer que a imagem
de Jesús consignada pelo Novo Testamento nao sofrerá alteracáo em
conseqüéncia de pesquisas futuras.

APÉNDICE
A DIVISÁO DO TEXTO BÍBLICO
Os escritores antigos nao dividiam o texto sagrado em capítulos e
versículos. Os cristáos, porém, sentiram a necessidade de dividi-lo para
poder citá-lo e utilizá-lo na Liturgia; nos primeiros séculos assinalavam,
por exemplo, o trecho "a respeito dos magos" (= Mt 2,1 -12),... "a respeito
das enancas assassinadas" (= Mt 2,13-18),... "a respeito da siro-fenicia"
(= Me 7, 24-30)... Eusébio de Cesaréia (t 340) dividiu o texto dos quatro
Evangelhos em 1162 capítulos (Mt 355, Me 233, Le 342, Jo 232). Na

295
8 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 482/2002

Idade Media, o arcebispo Estéváo Langton, de Cantuária (t 1228), distri-


buiu o texto latino do Antigo e do Novo Testamento em capítulos; esta
divisao foi introduzida no texto hebraico do Antigo Testamento e no texto
grego dos LXX e do Novo Testamento. Está até hoje em uso.

A divisáo dos capítulos em versículos como atualmente a temos


data do século XVI. Santes Pagnino de Lucca (t 1541) dividiu o Antigo e
o Novo Testamento em versículos numerados; este trabalho ficou sendo
definitivo para o Antigo Testamento. Roberto Estéváo, tipógrafo francés,
refez a distribuicáo do Novo Testamento em versículos no ano de 1551; é
a que hoje em dia se utiliza, embora tenha suas imperfeicóes; assim, por
exemplo, Mt 19, 30 deveria ser o inicio do capítulo 20 de Mateus, pois o
mesmo refráo ("os últimos seráo os primeiros e os primeiros seráo os
últimos") volta em Mt 20,16, enquadrando a parábola dos trabalhadores
da vinha (Mt 20,1-15); notemos também que Gl 5,1a deveria ser, confor
me a lógica do pensamento, a conclusáo de Gl 4, 31...

Também a pontuacáo, que faltava nos autógrafos, foi sendo colo


cada pelos copistas e intérpretes do texto sagrado nem sempre com muito
acertó; consideremos os casos de Jo 1, 3s; 7, 37s; Gl 4, 31-5,1...

O material utilizado para escrever era papiro (junco cortado em


tiras) ou pergaminho (couro de animáis). Este material era caro e raro, de
modo que pouco se escrevia na antigüidade; o ensinamento era feito por
via oral mediante recursos mnemotécnicos, que procuravam dar caden
cia á frase, para que se gravasse melhor na memoria; nos livros bíblicos
encontram-se ecos escritos desse cadenciamento; cf. Mt 5,
21.27.31.33.38.43; 6, 2-6.16-18... Dada a fragilidade do papiro e do per
gaminho, entende-se que nao se tenha conservado nenhum dos autó
grafos (textos saídos das máos dos autores sagrados) da Biblia. Todavía,
se os autógrafos se perderam, temos copias dos mesmos, que nos asse-
guram que se conservou o teor original da Biblia.

Historia dos dogmas, tomo 1: O Deus da Salvacáo (séculos I -


VIII), por Bernard Sesboué SJ e Joseph Wolinki. Tradugáo de Marcos
Bagno. - Ed. Loyola, Sao Paulo 2002, 160 x 230 mm, 439 pp.

Eis o primeiro tomo de urna obra em quatro voluntes, que procura


descrever como a Teología trabalhou para aprofundar e formular
corretamente as verdades contidas na Revelagáo. Os autores assim for-
mulam o objeto da sua obra: "A historia da fé crista é adeum diálogo
ininterrupto entre os dados da Revelagáo e as questoes que emergem da
razáo e das culturas humanas" (p. 427). O livro se recomenda por sua
alta qualidade na apresentagáo desse diálogo.

296
Protestantes reconhecem:

CELIBATO NAO É A CAUSA.

A ñedagao de PR recebeu, via internet, dois interessantes infor


mativos sobre pedofilia, que váo publicados ñas páginas subseqüentes.
O primeiro tem especial significado por ser de fonte protestante, que re-
conhece nao ser o celibato causa de desmandos sexuais de clérigos
católicos. - Eis o respectivo texto:

Washington D.C., 5 Maio. 02 (ACI). - A revista protestante norte


americana "World" publicou recentemente urna difícil reportagem, ... a
qual revela que também os ministros evangélicos casados se tém visto
envoltos em escándalos tanto ou mais graves que os que tém atetado a
Igreja Católica.

"A Igreja protestante tem um grave problema por seu próprio lado:
conselheiros pastores que abusam de seus aconselhados", diz a revista,
e explica que o abuso do ministerio para obter proveitos sexuais "é um
fenómeno crescente".

"O surpreendente disto é que os católicos nao sao os únicos", de


clara o pastor luterano John Lundin, fundador do Instituto para Traumas
Sexuais, ao comentar o artigo de "World", no qual tres ministros de dife
rentes denominacóes evangélicas admiten seus abusos, apesar de ne-
nhum deles ter um compromisso de celibato.

A revista ressalta também que o clero das diversas religióes nao


tem mais erróneas condutas sexuais que a media da populacáo e prova-
velmente tenha muito menos, porém recebem um alarde bem mais inten
so em razáo do grau de confianca que sua funcáo requer.

"Até onde chega o problema é algo que a maioria das denomina


cóes nao pode conhecer com eficacia", ressalta lan Evison, do Instituto
Alban de Bethesda, dedicado ao assessoramento de igrejas protestan
tes. Mais aínda, assinala que, se as cifras sao imprecisas no caso dos
católicos, sao "absolutamente nebulosas" no caso dos protestantes.

Isto, segundo Lundin, deve-se ao fato de que as denominacóes


protestantes tém um sistema demasiadamente local e pouco integrado
nacionalmente para contratar ou despedir ministros; ao que se soma "urna
cultura de segredo", que recentemente se viu quebrada quando outras
denominacóes, como os episcopalianos, viram a pressáo depositada sobre
a Igreja Católica por aqueles meios.

297
10 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 482/2002

"Eventos de pedofilia tém ocorrido na igreja episcopaliana", reco-


nheceu recentemente a agencia religiosa Episcopal News Service, ao
revelar acordos extrajudiciais por 105 milhoes de dólares.

Além disso, reconhecem que existem outros problemas relaciona


dos com a conduta sexual, que fazem que o índice de divorcios de minis
tros casados seja idéntico ao da populacáo em geral.

Por isso, segundo Evison, assinalar que o celibato é a fonte dos


problemas que enfrenta a Igreja Católica é "difícil de sustentar, á luz do
que ocorre com as igrejas protestantes". "Nos, evangélicos, somos prova
viva de que se pode ter serios problemas de abusos ainda sem celibato",
concluiu o perito.

(Continuagáo da p. 336)

esta contribuiría para criar urna atmosfera propicia á anarquía em todos


os outros setores, e agravaría a ameaga á nossa ordem social, assim
como aos nossos principios moráis. Alexis de Tocqueville, observando a
América há mais de um sáculo, escreveu: 'A América é grande porque é
boa, e, se a América deixasse de ser boa, ela deixaria de ser grande'.
Nos todos temos a responsabilidade de manter a América como urna
nagáo boa. A moralidade norte-americana nao seja concebida leviana-
mente. A Comissáo referente á Pornografía e á Obscénidade prestou um
desservigo, e eu rejeito totalmente o seu relatório".

(Texto extraído de "L'Osservatore Romano" [ed. italiana] de 6/XI/1970).

Outra rejeicáo do relatório da Comissáo procedeu do Senado nor


te-americano, que, com 60 entre 65 votos, apoiou o parecer do senador
Me Clellan, onde se lé: "Se o Congresso tivesse pedido aos pornográfi
cos escrevessem um parecer em prol da pornografía, duvido de que ti-
vessem chegado á temeridade de formular recomendacóes táo ridiculas
quanto as da Comissáo". Alias, dentro da própria Comissáo que promul-
gou o famoso relatório, a minoría dissidente declarou: Trie Comission's
majority report is a Magna Carta for the pornographer" ("L'Osservatore
Romano", ed. citada).

Poder-se-iam mencionar numerosos outros documentos sobre a


liberdade de costumes que vai penetrando cada vez mais fundo na socí-
edade contemporánea. Parece, porém, que ñas páginas precedentes as
grandes linhas do problema do nudismo estáo esbogadas de modo a
poder encaminhar seria reflexáo sobre o assunto.

Estéváo Bettencourt O.S.B.

298
Concepcóes mal fundamentadas:

DEZ MITOS SOBRE PEDOFILIA


ENTRE OS SACERDOTES
por Deal Hudson

A revista norte-americana Crisis Magazine publicou um artigo de


Deal Hudson, que comenta dez "mitos" ou proposicdes mal fundamenta
das a respeito de pedofilia entre os clérigos. Desses dez váo, a seguir,
escolhidos cinco, que parecem mais significativos. - Eis o respectivo texto:

1. É provável que os padres católicos sejam mais pedófilos do


que qualquer outro grupo masculino

Haveria mais probabilidade de padres violentarem as criancas do


que qualquer outro grupo de homens? - O uso e abuso de criancas como
objeto de satisfacáo sexual de adultos é urna epidemia que atinge todas
as classes, profissóes, religioes e comunidades étnicas espalhadas pelo
mundo todo, como indicam claramente as estatísticas em pornografía
infantil, incesto, e prostituicáo infantil. A pedofilia (o abuso sexual de urna
crianca pré-adolescente) entre os padres é extremamente rara, atetando
somente 0,3% de todo o clero norte-americano. Este número citado no
livro "Pedófilos e Padres" (Pedhofiles and Priests) do escritor nao-católi
co Philip Jenkins, vem do estudo mais completo feito até hoje, que des-
cobriu que somente dois dos 2.252 padres pesquisados durante um perí
odo de 30 anos apresentavam síntomas de ser atormentados pela
pedofilia. No escándalo recente de Bostón, somente quatro dos mais de
80 padres acusados pela mídia de "pedófilos" sao na verdade culpados
de molestar criancas pequeñas.

A pedofilia é um tipo particular de doenca compulsiva sexual na


qual um adulto (homem ou mulher) abusa de urna crianga pre-adoles-
cente. A grande maioria dos escándalos de abuso sexual no clero que
agora vém a tona nao envolvem pedofilia. Pelo contrario, eles envolvem
efebofilia-atragáo homossexual a meninos adolescentes. Mas, mesmo que
o número total de violentadores sexuais no sacerdocio seja maior do que o
dus culpados de pedofilia, este número ainda é menor do que 2%, percentual
recorrente entre os homens casados (Jenkins, Pedophiles and Priests).

Em vista da crise atual na Igreja, outras denominacóes religiosas e


Instituicoes náo-religiosas admitiram ter problemas parecidos tanto com
pedofilia como com efebofilia entre os níveis de seu clero e de seus mem-

299
12 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 482/2002

bros. Nao existe evidencia de que seja mais provável os clérigos católi
cos serem mais pedófilos do que os ministros protestantes, os líderes
judeus, os médicos ou os participantes de qualquer outra instituicáo na qual
os adultos estejam em posicáo de autoridade e poder sobre as criancas.

2.0 celibato dos padres os leva á pedofilia

O celibato nao tem relacáo de causa com um tipo de vicio sexual,


incluindo a pedofilia. Na verdade, homens casados sao táo suscetíveis á
violencia sexual com criancas como os padres celibatários (Jenkins,
"Priests and Pedophilia"). Na populacáo em geral, a maioria dos
violentadores sao homens heterossexuais reprimidos que violentam se-
xualmente meninas. Também se encontram mulheres entre os
violentadores sexuais. Mesmo sendo difícil obter estatísticas precisas
sobre abuso sexual infantil, as características do violentador sexual em
serie de criancas tém sido bem explanadas. O perfil do molestador de
criancas jamáis incluiu adultos normáis atraídos eróticamente pelas cri
ancas como resultado de abstinencia (Fred Berlín, "Compulsive Sexual
Behaviors" in Addiction and Compulsión Behaviors [Bostón: NCBC, 1998];
Patrick J. Carnes, "Sexual Compulsión: Challenge for Church Leaders" in
Addiction and Compulsión; Dale Oleary, "Homosexuality and Abuse").

3. O casamento do clero faria a pedofilia e outras formas de


má conduta sexual desaparecer

Algumas pessoas - incluindo alguns católicos dissidentes - estáo


explorando esta crise a fim de atrair a atencao do púbico para seus interes-
ses próprios. Alguns estáo exigindo o casamento para o clero católico em
resposta ao escándalo, como se o casamento fosse fazer com que os ho
mens parassem de machucar as criancas. Isto contraria a mencionada esta-
tística segundo a qual os homens casados sao táo suscetíveis de abusar de
criancas quanto qualquer celibatário (Jenkins, "Pedophilia and Priests").

Já que nem o fato de ser católico nem o de ser celibatário predis-


p5e urna pessoa a desenvolver a pedofilia, o casamento do clero nao
resolvería o problema ("Doctors cali for pedophilia research", The Hartford
Courant, March 23). Basta olhar para crises semelhantes em outras de-
nominacoes e profissdes para verificá-lo.

É fato concreto que jamáis se soube que homens heterossexuais


física e psicológicamente saudáveis tenham desenvolvido atracóes eró
ticas por criancas como resultado de abstinencia sexual.

4. Celibato do Clero foi urna invencáo medieval

Errado. Na Igreja Católica Ocidental, o celibato se tornou urna prá-


tica mais comum no século IV. Sto. Agostinho instituiu a disciplina mo-

300
PEZ MITOS SOBRE PEDOFILIA ENTRE OS SACERDOTES 13

nástica para todos os seus sacerdotes. Além das varias razóes práticas
para esta disciplina, o estilo de vida celibatário fazia com que os padres
fossem mais independentes e disponíveis. A Igreja nao mudou suas
diretrizes sobre o celibato, porque através dos séculos ela percebeu o
valor prático e espiritual deste costume (Papa Paulo VI, Sobre o Celibato
Sacerdotal, Carta Encíclica 1967). De fato, até mesmo na Igreja Católica
de Rito Oriental - que aceita padres casados - os Bispos sao escolhidos
somente entre os padres solteiros e os monges.

Cristo revelou o significado e o valor verdadeiro do celibato. Os


padres católicos desde Sao Paulo até hoje o imitam na autodoacáo total
a Deus e aos outros, como celibatários. Embora Cristo tenha elevado o
casamento ao plano de um sacramento que revela o amor e a vida da
Trindade, Ele também era testemunha da vida no mundo que há de vir. O
sacerdocio celibatário é para nos uma testemunha viva desta vida na
qual a unidade e a alegría do casamento entre um homem e uma muiher
sao superadas pela comunhao amorosa perfeita entre homem e Deus. O
celibato devidamente compreendido e vivido liberta a pessoa para amar
e servir aos outros como Cristo fez.

Durante os últimos quarenta anos, o celibato tem sido um testemu-


nho poderoso de homens e mulheres que se oferecem a servico de suas
comunidades.

5. O Sacerdocio Feminino ajudaria a resolver o problema

Nao existe conexao lógica entre o comportamento anormal de uma


pequeña minoría de padres e a inclusao de mulheres em sua classe.
Mesmo sendo verdade que a maioria das estatísticas sobre molestacao
de criancas mostré que existe uma probabilidade maior de homens vio-
lentarem criancas, o fato é que algumas mulheres também sao
molestadoras. Em 1994, o Centro Nacional de Pesquisa de Opiniáo
(National Opinión Research Center) mostrou que a segunda forma mais
comum de abuso sexual de criancas envolvía mulheres violentando me
ninos. Para cada tres violentadores masculinos, havia uma violentadora.
Contudo, as estatísticas sobre infratoras sexuais sao mais difíceis de se
obter porque o crime é mais encoberto (Interview with Dr. Richard Cross,
"A Question of Character", National Opinión Research Center; cf. Car
nes). Também a maioria de suas vítimas (meninos) tem menos probabi
lidade de denunciar o abuso sexual que as meninas, especialmente quan-
do o ¡nfrator é uma muiher (O'Leary, "Child Sexual Abuse").

Existem razóes por que a Igreja nao pode ordenar mulheres (con
forme o Papa Joáo Paulo II explicou varias vezes). Mas isto está além do
problema. O debate sobre a ordenacáo de mulheres nao tem absoluta
mente relacáo com o problema da pedofilia e outras formas de má con-
duta sexual.

301
Sensacionalismo:

"O OUTRO JESÚS SEGUNDO


OS EVANGELHOS APÓCRIFOS"
por Antonio Pinero

Em síntese: O autor tenta reconstituir a imagem de Jesús desde a


infancia até a sua desdda á mansáo dos mortos tal como é transmitida pelos
Evangelhos apócrifos. E concluí insinuando que a ciássica nogáo do Jesús
oficial pode ser alterada em favor da imagem de um Jesús mais humano, isto
é, mais sensual ou mesmo dado a práticas eróticas. Na verdade, o autor nao
leva em conta o fato de que o Jesús libertino é apresentado táo somente
pelos apócrifos de origem gnóstica, preconceituosos. Alias, o próprio autor
reconhece que tais escritos sao contraditórios entre si, pois alguns apresen-
tam Jesús misógino e intenso ao casamento, enquanto outros o consideram
permissivo e desregrado; essa contradicho encontrada nos apócrifos
gnósticos tira-lhes a autoridade de fontes históricas fidedignas. Conseqüen-
temente dever-se-á dizer que os apócrifos nao apresentam um "outro Je
sús", mas sim um menino Jesús maravilhoso taumaturgo imaginado pela
piedade simplona de antigos cristáos.
* * #

A literatura apócrifa está muito em foco. Desperta grande interes-


se, pois parece apresentar noticias inéditas, aptas a modificar a ciássica
imagem de Jesús. Tais livros teriam sido ocultados pela Igreja por receio
de que alterassem os ensinamentos do seu magisterio. Tém-se multipli
cado os livros e artigos sobre tal temática, entre os quais sobressai a
obra de Antonio Pinero, Professor de Filología Neotestamentária da Uni-
versidade Complutense de Madri, obra intitulada "O Outro Jesús segun
do os Evangelhos Apócrifos".' Já que tal livro tem suscitado questóes em
muitos leitores, passamos a analisá-lo.
1. Apócrifos: que sao?
A palavra grega apókryphos significa oculto. Apócrifos ou ocultos
foram chamados livros aparentemente bíblicos, mas nao canónicos (ou
nao reconhecidos pela Igreja); nao eram lidos em público, embora tives-
sem o estilo e a aparéncia de livros canónicos, mas eram reservados á
leitura particular.

Existem apócrifos do Antigo e do Novo Testamento; exprimem o


modo de pensar e os anseios dos fiéis judeus e cristáos que os redigi-
ram. Neste artigo só nos interessam os Evangelhos apócrifos. Estes ofe-
recem noticias de tres tipos:
1 Tradufáo de Silvia Regó Santomana. - Ed. Paulus e Mercuryo, Sao Paulo 2002,
140 x 210 mm, 206 pp.

302
"O OUTRO JESÚS SEGUNDO OS EVANGELHOS APÓCRIFOS" 15

1) noticias históricas fidedignas, que exprimem o pensamento


da Igreja primitiva - o que bem se compreende, pois nem tudo o que
Jesús fez está contido nos Evangelhos canónicos (cf. Jo 20,30s; 21,25).
Assim o parto virginal de María, a descida de Jesús á mansáo dos mor-
tos, a Assuncáo de Maria aos céus...

2) noticias fantasiosas, que pretendem preencher a lacuna dei-


xada pelos Evangelhos canónicos entre os doze e trinta anos de Jesús: o
menino Jesús é concebido pela piedade popular como prodigioso
taumaturgo desde pequenino; as estórias assim narradas sao evidente
mente ficticias, mas atendiam á edificacáo dos primeiros leitores;

3) noticias de origem gnóstica. O gnosticismo é urna corrente


sincretista, fundindo elementos da doutrina crista com concepcóes gre-
gas filosóficas e pensamento oriental; espalhou-se entre os cristáos nos
séculos II e III. Os gnósticos eram dualistas, considerando a materia má
e o espirito bom, mas também havia entre eles quem cedesse aos impul
sos carnais, visto que a ascese extremada pode levar á libertinagem ex
tremada. Queriam conquistar autoridade para suas teses, redigindo-as
sob forma de literatura bíblica (Evangelhos, Apocalipses, Cartas...). É
numerosa a biblioteca gnóstica apócrifa e destoa dos demais apócrifos
porque realmente altera a imagem de Jesús, mas altera-a a partir de
concepcóes dualistas e outras premissas oriundas do Oriente e da Grecia
e nao da Palestina, onde Jesús pregava.

Passemos agora á consideracáo de

2. O livro de Antonio Pinero

O autor recolhe todos os dados da literatura apócrifa relativos a


Jesús e tenta assim reconstituir a vida de Jesús desde a infancia até a
descida á mansáo dos morios. Utiliza os relatos imaginosos concernentes
a Jesús menino, outros poucos relacionados com a vida pública do Se-
nhor, mais outros sobre a descida á mansáo dos morios, ao fim dos per
seguidores e á Assuncáo de Maria. Sao capítulos que em geral nao fe-
rem propriamente a figura de Jesús, pois a intencáo de muitos dos auto
res de tais textos apócrifos era enaltecer Jesús menino, mostrando que
era todo-poderoso tanto para matar como para ressuscitar. O leitor os
lera como se lé um romance ou um livro de aventuras. Há, porém, dois
capítulos que descrevem a imagem gnóstica de Jesús (misógino, mas
também libertino): o cap. Vil (Jesús, as mulheres e o sexo) e o cap. XII
(Os ensinamentos secretos de Jesús). Antonio Pinero apresenta tais ca
pítulos dando a entender que fazem parte da trama da vida de Jesús. Mere-
cem especial consideracáo, pois o leitor poderá mesmo pensar que o Jesús
permissivo e sensual ai descrito foi real ou histórico, mas ocultado pela Igre
ja por medo de que a divulgacáo do mesmo anulasse a clássica pregacáo
de Igreja baseada nos Evangelhos canónicos. - Diga-se de passagem e em

303
16 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 482/2002

réplica que a Igreja nunca foi proprietária do acervo dos apócrifos, de modo
a poder publicá-los ou escondé-los de acordó com suas conveniencias.

Merecem especial atencáo os dois capítulos atrás mencionados.

2.1. Jesús, as mulheres e o sexo (cap. Vil)


O autor comeca dizendo que "Jesús passou sua vida pública rode
ado de mulheres" (p. 105). - Ora isto é falso, pois muitas vezes Ele apa
rece a sos com os discípulos ou sem eles; cf. Me 6,31.45-47; 9,2; Jo 6,15...

A pretensa familiaridade de Jesús com as mulheres, especialmen


te com Madalena, terá provocado o ciúme dos Apostólos, em nome dos
quais terá dito Pedro:

"Mestre, nao podemos suportar María Madalena; ela nos tira todas
as oportunidades de falar: A todo momento está perguntando e nao nos
deixa intervir" (dizeres extraídos de Pistis Sophia, apócrifo gnóstico).
Jesús nao terá feito caso da reclamacáo.

Este e outros episodios favoráveis as mulheres sao contraditados


por relatos dos próprios apócrifos gnósticos infensos ao sexo feminino.
Assim o Evangelho de Tomé, que alguns julgam muito antigo, mas que
data de 200 aproximadamente, se revela misógino e dualista, contrario
ao casamento; eis algumas de suas sentencas:

114. "Simáo Pedro disse a eles: 'María devería deixar-nos, pois as


mulheres nao sao dignas da vida', Jesús disse: 'Eu a guiarei para fazer
déla um homem, de modo que também ela possa tomarse um espirito
novo, semelhante a voces, homens. Pois toda mulher que se torna ho
mem, entrará no reino do céu'".
15. "Quando virem alguém que nao nasceu de mulher, prosternem-
se e adorem. Este é seu pal".
105. "Quem quer que conhega o pai ou a mae, será chamado filho
de máe prostituta".

O Evangelho de Tomé supóe os Evangelhos canónicos (Mt, Me,


Le, Jo) e os interpreta em sentido dualista, desprezando a mulher, o ca
samento e a materia.
Antonio Pinero mesmo nota essa incoeréncia dos apócrifos
gnósticos: Jesús simpático e Jesús hostil ás mulheres. E pergunta:
"Como se pode interpretar essa variedade caleidoscópica de atitu-
des?"

E responde:

"A resposta a esta imagem contraditória foi insinuada... na percepgao


variada e diferente de seus discípulos: o Nazareno era grande e pequeño ao

304
"O QUTRO JESÚS SEGUNDO OS EVANGELHOS APÓCRIFOS" 17

mesmo tempo; aparecía aos olhos de uns e outros estando sozinho e acom-
panhado, conforme o discípulo que o visse. Pedro mencionou a mesma idéia
num discurso espontáneo pronunciado em Roma diante de urnas viúvas a
quem Jesús, porseu intermedio, devolverá milagrosamente a visao. Nesses
e em outros aspectos da vida de atuacao do Mestre, cada discípulo ou cada
grupo deles percebia e interpretava o Nazareno de um modo diferente, con
forme a capacidade ou a possibilidade de cada um captar" (p. 106).

Tal resposta nao satisfaz; durante tres anos os apostólos nao pu-
deram chegar á mesma conclusáo sobre Jesús? Pode alguém ser, ao
mesmo tempo, misógino e ter urna amante? As contradicSes em que ¡ncidem
os apócrifos gnósticos, sao claro testemunho de que nao relatam fatos histó
ricos, mas nocóes preconcebidas dentro de seu universo gnóstico.

Conforme Pinero, os apócrifos dáo a saber que Jesús foi vegetari


ano, isto é, encratita, continente; cf. p. 107.

Passemos ao outro capítulo que Pinero julga decisivo para carac


terizar "o outro Jesús".

2.2. Os Ensinamentos Secretos de Jesús (cap. XII)

O conteúdo deste capítulo é extraído táo somente dos apócrifos


gnósticos. Logo no inicio observa Pinero:

"Os documentos de que nos servimos para essa historia, apresen-


tam, por vezes, doutrinas de Jesús que nao casam entre si, e outras
vezes é impossível coordená-las coerentemente. O denominador comum
da maior parte deles se baseia no que podemos denominar de conceito
gnóstico da religiáo e da figura e significado do Salvador. Este Jesús se
aprésenla diante dos homens como o Grande Revelador do conhecimen-
to necessário para obter a salvagáo, da sabedoria que se denomina
'gnose', oculta para a maioria dos moríais; aquele que nao a possui, está
condenado para sempre" (p. 160).
Quais os dados que Pinero depreende dos apócrifos gnósticos?

- Jesús reservava para os seus discípulos certos ensinamentos


que Ele nao comunicava ao grande público. Ele o terá feito especialmen
te após a sua ressurreicáo, quando passou sobre a térra quarenta dias
ou dezoito meses ou quinhentos e sessenta e cinco dias ou aínda doze
anos antes da sua definitiva ascensáo aos céus. Haverá entáo transmiti
do aos Apostólos doutrinas secretas oriundas do mundo indo-iraniano,
particularmente do zoroastrismo persa. Desses ensinamentos orientáis,
quais terá Jesús comunicado aos seus seguidores mais íntimos? - Ei-lo:
No principio existia apenas um ser perfeito. Poderia ser chamado
"Pré-Pai" ou "Pré-Princípio", porque anterior aos conceitos de "Pai" ou
"Principio". Em determinado momento esse Ser quis comunicar-se, nao

305
Í8 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 482/2002

guardando para si só toda a sua riqueza de vida. Gerou entáo urna enti-
dade divina dita "o Unigénito" e, com ele, sua companheira chamada
"Verdade". Atendendo ao designio do Pré-Pai, o Unigénito foi emitindo
ondas concéntricas denominadas eones; estes sao divinos e vém desig
nados cada qual com seu nome: Logos, Vida, Luz, Filho do Homem ....
constituirlo o Pléroma ou a Plenitude. Aconteceu, porém, que um des-
ses eones, a Sofía ou Sabedoria, quis, antes do tempo marcado, chegar
ao conhecimento (gnose) do Pré-Pai; assim pecou. Tal pecado acarretou
a formacao de urna substancia informe e densa, que deu origem ao univer
so material; conseqüentemente a materia é má, porque fruto do pecado.

Os homens se repartem em tres categorías:

- os hílicos (do grego hyle, materia) ou materiais: nao possuem


sopro divino nem centelha divina;

- os psíquicos (do grego psyché, alma) ou anímicos; possuem


urna insuflacáo intermediaria entre a materia e o espirito;

- os pneumáticos (do grego pneuma, espirito) ou espirituaís; a


eles Jesús revela seus ensinamentos secretos.

Os hílicos ou materiais (pagaos) nao poderáo salvar-se em hipóte-


se alguma. Os psíquicos (cristáos comuns, nao gnósticos), se prestarem
atencáo aos preceitos divinos e levarem urna vida reta, obteráo urna sal-
vacio intermediaria; despojar-se-áo da materia, e sua alma subirá ao
céu inferior. Quanto aos espirituais, o seu espirito se tornará um com a
Divindade e entoará hinos de louvor e gloria para sempre.

A Sofia se arrependeu do seu pecado. Em conseqüéncia vem do


Pléroma divino um Salvador. Para desempenhar sua missao na Térra,
entra no corpo de um ser humano especial, que é Jesús de Nazaré, nas-
cido de urna virgem. O corpo desse Salvador chamado Jesús é mera
mente aparente. Nao pode haver auténtica encarnagáo, pois o Divino
nao se pode misturar com a materia.

A missáo de Jesús consiste em pregar a gnose ou em fazer que os


homens espirituais saibam de onde eles vém, quem sao e para onde
devem ir, como devem despojar-se de sua veste carnal para revestir-se
da espiritual. Mas, já que o Salvador veio arrebatar o homem do poder da
materia, os anjos maus tentaram provocar sua morte por meio dos ju-
deus. Na hora da crucifixáo, o eon Salvador nao sofreu o martirio, pois
abandonou Jesús e voltou ao Pléroma. O único que permaneceu na cruz,
foi Jesús, mas este também nao sofreu, pois seu corpo era especial.
Assim ficaram burlados os poderes deste mundo e terminou o processo da
redencáo.

A vida do "cristáo gnóstico" consiste em se aprofundar na gnose.


Ele o faz sem se apoiar em comunidade ou igreja ou como solitario, que

306
"O OUTRO JESÚS SEGUNDO OS EVANGELHOS APÓCRIFOS" 19

se salva sozinho. Nao existe interesse em "evangelizar" ou pregar a gnose.


Aquele que tem em seu intimo a centelha divina, procurará por si mesmo
a iluminacáo da gnose. Urna vez obtido esse conhecimento, o gnóstico
deseja ardentemente livrar-se da sua vestimenta material, que na verda-
de é um cadáver; tendo conseguido sua plena libertacáo, o espirito retorna
ao Pléroma para gozar da quietude e felicidade.

Tal haverá sido a pregacao secreta de Jesús.

Refletindo sobre essa imagem gnóstica de Jesús apresentada por


A. Pinero como "o outro Jesús", verifica-se que é totalmente incompatível
com a do Jesús canónico; sao táo destoantes urna da outra que nao se
pode dizer que sao duas facetas da mesma personalidade. Fica, portan-
to, o dilema: ou o Jesús canónico ou o Jesús dos apócrifos gnósticos.
Ora este último é produto de divagacóes fantasiosas e - também - ilógi
cas, pois supóe um panteísmo sutil: a Divindade emitindo ondas até pro-
duzir indiretamente a materia, que é sua antítese ou é má. Parece-nos
pouco honesto, da parte de Pinero, apresentar o Jesús gnóstico como
figura real, histórica, que alguns Apostólos perceberam de um modo e
outros, de outro modo. Salta aos olhos a incompatibilidade entre o
canónico e o gnóstico: por que entao dar a entender ao leitor incauto que
se trata apenas de dois aspectos do mesmo individuo? Para fazer sensa-
cáo em materia que exige seriedade e respeito plenos?

3. Conclusáo

O livro de Antonio Pinero pode ter algum valor para o estudioso,


pois Ihe póe ante os olhos, num quadro só, quanto referem os apócrifos
sobre Jesús. Todavía é desonesto, dando a crer que há um Jesús autén
tico desconhecido, que Pinero traz á luz. Na verdade, nao existe outro
Jesús histórico além do que os escritos do Novo Testamento apregoam.
A lacuna existente em Mt e Le sobre o período que vai dos doze aos trinta
anos de Jesús, nao se deve a falta de noticias sobre Jesús (que teria
viajado para a india ou o Tibe...), mas ao fato de que os evangelistas nao
quiseram escrever urna biografia de Jesús; tinham em vista apenas colo
car por escrito os ecos da pregacáo oral dos Apostólos; assim S. Marcos,
comecando pelo Batismo ministrado por Joáo e terminando na Ascensao
do Senhor, é plenamente evangelista, mas imperfeito biógrafo; Mateus e
Lucas acrescentaram ao esquema de Marcos alguns episodios avulsos
referentes á infancia de Jesús, dando origem a lacunas sobre Jesús dos
quarenta dias aos doze anos e dos doze aos trinta anos. Sao lacunas
decorrentes do género literario, que nada de misterioso encobrem; fo-
ram, porém, suficientes para excitar a imaginacáo dos autores dos
apócrifos da Infancia.

Visto que os apócrifos estáo atualmente em voga, é oportuno que


o público saiba discernir dos demais os de origem gnóstica nao crista.

307
Em defesa da fé:

RESPOSTA A LEONARDO BOFF

Em síntese: Leonardo Boff tem-se manifestado pela imprensa de


manefra agressiva á Igreja, chegando a dizer inverdades para fazer eco
aos mais ferrenhos adversarios da Igreja. O periódico PASQUIM, de 2/
04/02 publicou urna das mais passionais entrevistas de L. Boff, desfigu
rando injustamente a Igreja. Esses dizeres exigem resposta, pois o povo
de Deus quer ser esclarecido com objetividade. As páginas subseqüentes
propdem a devida réplica.

Leonardo Boff, ex-frade franciscano, tem-se pronunciado amarga


mente contra a Igreja, chegando até a incidir em inverdades, como se
tivesse esquecido a Teología que durante muitos anos ele estudou; a
paixáo o tem obcecado. Urna das mais irreverentes entrevistas de L. Boff
foi publicada por PASQUIM aos 2/04/02, abrangendo quatro páginas do
jornal. O povo de Deus pede esclarecimentos a respeito dos varios as-
suntos abordados pelo entrevistado. É o que as páginas subseqüentes
proporáo.

1. SEXO E CELIBATO

O primeiro tema explanado (alias, longamente explanado) refere-


se a sexo e celibato.

Boff: "O Catolicismo sempre entendeu a sexualidade sob o ámbito


do proibido, do perigoso e do pecaminoso".

Resposta: A Igreja sabe que Deus criou o homem e a mulher para


que se complementem mutuamente tanto no plano espiritual como no
corporal. O Senhor abencoou a uniáo matrimonial desde o inicio (cf. Gn
1, 28); Cristo elevou-a á dignidade de sacramento, de modo que o lar
cristáo deve ser urna "igreja doméstica". Quem tem a vocacio matrimonial é
chamado a ser santo vivendo o seu casamento. E houve - como também há
- muitos santos casados; em outubro 2001 o Papa Joáo Paulo II beatificou
um casal como casal: Luigi e María Beltrame; ver PR 428/2002, pp. 129-132

Acontece, porém, que o instinto sexual é particularmente forte, pro


vocando estupros, adulterios, engravidamento de meninas... Estes fatos
inegáveis e cada vez mais freqüentes obrigam a sá pedagogía a acaute-
lar os jovens contra os excessos do impulso sexual, que podem bestializar

308
RESPOSTA A LEONARDO BOFF

o ser humanó. Feita esta observacáo, continua a afirmacáo de que o ato


sexual efetuado dentro do matrimonio segundo a lei natural (que é a lei
do Criador) é algo de plenamente justificado.

Boff: "A Igreja lé de forma moral as proibigóes meramente rituais


do Antigo Testamento".

Resposta: L. Boff, que foi professor de Teología, deve saber muito


bem que a Igreja distingue o plano meramente ritual do plano moral; a
Moral católica reconhece que as impurezas rituais do A. T. (ejaculacáo
espontánea, menstruacáo) nao sao pecaminosas.

Boff: "A Igreja é urna instancia de profunda desumanizagáo do ser


humano".

Resposta: Basta considerar a historia para encontrar clamoroso


desmentido de tal afirmacáo. Com efeito; até época recente a Igreja era
a grande mantenedora dos hospitais, asilos, orfanatos, que, em grande
parte, eram dirigidos por celibatários e celibatárias; tenham-se em vista
Sao Vicente de Paulo, Sao Joáo Bosco, Dom Orione, Sta. Luisa de
Marillac, Sta. Ángela Merici, Madre Teresa de Calcuttá, Irma Dulce... O
celibato favorece a dedicacáo enternecida ao próximo carente sem de
pender de esposo(a) e filhos. A continencia sexual nao é urna castracáo,
mas urna harmonizacáo dos sentimentos e afetos, que permite mais pura
e desinteressada entrega a Deus e ao próximo.

Boff: "A Igreja impóe o celibato por razóes de propriedade, porque


a pessoa celibatária nao tem que dividir, nao tem que deixar heranga".

Resposta: Tal é a explicacáo socialista do celibato; nao é a genu-


ína. Sao Paulo recomenda a vida una ou indivisa porque permite ao cris-
táo concentrar-se mais nos interesses do Reino de Deus, que já come-
90U a se implantar pela vinda de Cristo; ver 1Cor 7, 25-35. Conscientes
disto, muitos clérigos foram espontáneamente adotando o celibato. So-
mente no século IV (307 aproximadamente) o Concilio regional de Elvira
(Espanha) legislou a respeito. Outros Concilios regionais fizeram o mes-
mo até o Concilio geral do Latráo II (1139), que estendeu á Igreja inteira
a lei do celibato1. O celibato é o testemunho de que alguém se pode
realizar plenamente procurando, tanto quanto possível, somente os valo
res eternos. Quando o Senhor dá a vocacáo para o sacerdocio, dá tam-
bém o carisma do celibato.

Boff: "Para impedir o acesso ao sexo, a Igreja sataniza o prazer: 'É


0 demonio!' Entáo o Cristianismo tornase a religiáo da tristeza".

1 L Boff engañase ao afirmar que a lei do celibato para toda a Igreja só foi promul
gada pelo Concilio de Trento (1545-1563).

309
22 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 482/2002

Resposta: A Igreja nao é contraria ao prazer; ela o abencoa quan-


do desfrutado segundo as leis de Deus, também por ocasiáo das reía-
coes sexuais. Há, porém, dois tipos de prazer: o carnal e o espiritual;
este último consiste em usufruir da uniáo com Deus, que já o Batismo
propicia, fazendo do cristáo o templo de Deus (cf. 1Cor 6,19; Jo 14,23).
Quem descobre o deleite da vida espiritual, abstém-se espontáneamen
te de prazeres carnais, como alias diz o Senhor em Mt 19,12: "Há eunucos
que se fizeram tais por amor do reino dos céus".

Religiáo de tristeza? - Jamáis o Cristianismo foi tal. Diz-se em lin-


guagem popular: "Um Santo triste é um triste Santo". Pondere-se o culti
vo das artes, especialmente o da música e o do canto, por parte dos
cristáos através dos sáculos. A verdadeira alegría nao está em satisfazer
a todos os impulsos; ela só pode resultar do autocontrole que promova a
harmonía da pessqa e de sua conduta.

Boff e seus entrevistadores pleiteiam a abolicáo do celibato como


remedio para os desvíos registrados em clérigos. -Tal, porém, nao seria
a solucáo, pois também as pessoas casadas cometem escándalos sexu
ais; seja citado, entre outros, o caso do Dr. Eugenio Chipkevitch, pediatra
de Sao Paulo, que abusava dos seus pacientes de menor idade e foi
preso por causa disto (cf. VEJA, 27/03/02, pp. 90s). A solucáo para se
levar urna vida casta é a educacáo dos instintos naturais mediante disci
plina, autocontrole ou ascese; se esta nao existe, nenhuma vocacáo é
isenta de graves quedas. Todavía o reinante hedonismo da sociedade
contemporánea dificulta a valorizacáo dessa auténtica solucáo.

Boff equipara as freirás aos clérigos, como se estas também fos-


sem coagidas a abracar a vida una. - Mais urna vez o teólogo esquece...;
ele deveria saber que as Religiosas abracam a vida indivisa estritamente
por espontánea vontade ou precisamente porque se querem consagrar
totalmente a Deus, sem visar ao sacerdocio. O seu instinto maternal se
realiza ricamente no plano espiritual - o que Ihes proporciona grande paz
e felicidade. Em suma, as objecoes contra a vida una sao, em grande
parte, inspiradas pela falsa persuasáo de que só existe o prazer dos sen
tidos e da corporeidade.

2. PECADO

Boff: Essa visáo de queja nascemos com o pecado nao é do Cris


tianismo como tal, mas do Cristianismo clericalizado, do Cristianismo hie-
rárquico, que é o grupo de condugáo da Igreja... Eles trabalham com
categorías meio-excludentes:... pecado e graga ... É preciso que haja
pecado, para a Igreja ser a Redentora. Deus redime, mas vocé tem que
pagar o pedágio a Igreja; Ela detém o perdáo".

310
RESPOSTA A LEONARDO BOFF 23

Resposta: Antes do mais, notemos que o dito pecado original das


enancas nao é propriamente um pecado, pois a crianca nao tem o uso da
razáo para pecar, mas é a ausencia dos dons paradisíacos que os pri-
meiros pais perderam pela desobediencia e nao puderam transmitir.

Esta doutrina nada tem que ver com o Cristianismo hierárquico


oposto ao Cristianismo como tal. Está contida na Biblia (Génesis 3) e foi
elaborada pelos grandes teólogos S. Agostinho (t 430), S. Cesário de
Arles (f 543), que combateram as heresias pelagiana e semipelagiana
nos séculos IV-VI; varios Concilios, representando o Cristianismo como
tal, se pronunciaram no sentido dessa carencia impropriamente chama
da "pecado original originado".

A hierarquia pertence ao Cristianismo como tal; ver Mt 16, 16-19;


18, 18; Le 22, 31 s; Jo 21, 15-17. É absurdo dizer que a hierarquia da
Igreja quer o pecado; Boff pouco antes na mesma entrevista atribuía á
hierarquia um modo de ver contrario: "Pensando assim, quañto menos
gente há, menos pecado e mais purificada é a humanidade". Levado por
seus preconceitos, L. Boff incide em contradicóes.

De resto, foi Jesús mesmo quem confiou á sua Igreja a faculdade


de perdoar os pecados: "Aqueles a quem perdoardes os pecados, serao
perdoados" (Jo 20, 23). Está claro que ao estado de pecado se opóe
naturalmente o de nao-pecado ou inocencia, sem que isto implique "ca
tegorías meio-excludentes".

Mais adiante Boff fala de "Cristianismo popular histórico, brasileiro


e mundial, que teria muita sexualidade e muita sensualidade"... Na ver-
dade, os preceitos sao os mesmos para a hierarquia e para o povo de
Deus. Sexualidade e sensualidade contrarías as leis do Criador sao ilíci
tas para todos. O Cristianismo popular é tradicionalista, piedoso e infenso
as modas libertinas. A pintura barroca e sensual, que Boff cita, nao é
obra do Cristianismo popular, mas dos grandes artistas do Renascimento.

3. AIDS, ABORTO, DROGAS

Boff: "Para os clérigos aidéticos, a Igreja tem um discurso cruel e


sem piedade".

Resposta: Eis outra contradicao. Anteriormente disse Boff: "Quan-


do um padre tem AIDS no Brasil... sao muito bem tratados pela Igreja".
Contradizendo-se assim, Leonardo perde autoridade.

Boff: "Com relagáo a camisinha, a Igreja (proibindo-a) é extrema


mente irresponsável... O seu discurso favorece a morte e nao a vida".

Resposta: Será que L. Boff é táo inocente que ele eré ser a cami
sinha sexo seguro? Nao sabe ele que, segundo algumas pesquisas, ela

311
24 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 482/2002

é 30% permeável ao HIV? Sendo assim, quanto mais se propaga a cami-


sinha, tanto mais se propaga a possibilidade de AIDS e morte. Quem
difunde o preservativo sob a alegacao de que é sexo seguro, está enga
ñando seus semelhantes e propagando a cultura da morte. Ao contrario,
a Igreja, rejeitando a mentira e a camisinha, está fundamentando a cultu
ra da vida. As relacoes sexuais monogámicas e regulares sao o meio
mais eficaz de evitar a AIDS. Em conseqüéncia pode-se parafrasear Boff
dizendo: "Extremamente irresponsável é quem divulga a camisinha; ne-
nhum cidadáo deveria escutar a licáo do respectivo arauto".

Boff: "Os clérigos nao tém a sensibilidade de captar o drama da


mulher que faz o aborto".

Resposta: Lógicamente dir-se-á:... e os abortistas nao tém a sen


sibilidade de captar o drama da enanca triturada, esfacelada e sugada no
seio de quem aborta!

Boff afirma: "A tese de base é defender a vida, porque a vida é


sagrada em toda a sua diversidade". Apesar disto, é favorável á matanca
de urna enanca inocente, desde que a máe a queira. Eis mais urna inco-
eréncia do entrevistado, que proclamou defender a vida em toda a sua
diversidade. - Nao se deve preferir a vida da crianca á vida da máe nem
vice-versa, mas compete ao médico tentar salvar a vida, comecando pela
mais ameacada.

4. POLÍTICA, IGREJA OFICIAL E IGREJA DAS CATACUMBAS

Boff: "Esse Papa é extremamente retrógrado... É ditador autoritario".


Resposta: Se o Papa fosse retrógrado, nao seria táo acompanha-
do pelos jovens. Os encontros mundiais da juventude com o Papa tém
reunido surpreendente número de jovens de todas as partes do mundo,
que se entusiasmam pelo discurso caloroso do Santo Padre. O mesmo
tem sido convidado por governos cristáos e nao cristáos dos cinco conti
nentes para talar á populacáo local, «cando sempre urna sessáo reser
vada aos jovens. O Papa desempenhou papel importante na libertacáo
do homem da Cortina de Ferro, a tal ponto que certa imprensa o procla
mou "o homem do sáculo XX".

Contudo ter ánimo jovem nao significa abdicar da autoridade. Mais


do que nunca, os tempos atuais exigem a máo firme e segura do Pastor.
O povo de Deus é sacudido por novas teorías (ordenacáo de mulheres,
sim ao divorcio, ao aborto, a eutanasia...) e, perplexo, quer saber o que a
Igreja pensa a respeito. Cabe entáo ao Papa intervir com firmeza, cíente
de que goza da assisténcia do Espirito Santo para evitar que o rebanho
se desvie por maus caminhos, ver Jo 16,13.

312
RESPOSTA A LEONARDO BOFF 25

Nao se pode comparar o Papa a Fidel Castro, pois este usa da sua
autoridade para mutilar o homem, nao só tirando-lhe a liberdade física,
mas tentando apagar-lhe o senso da transcendencia, que é o específico
do ser humano; Fidel destrói a pessoa humana; o Papa Ihe oferece, em
nome de Cristo, a resposta mais plena para os seus anseios naturais.

5. FUNDAMENTALISMO

Boff: "A Declaragáo Dominus lesus diz claramente assim 'A única
religiáo é a nossa. Todos tém que se converter. Quem nao se converte,
corre o risco de perdigáo. Os outros nem tém fé; tém apenas crengas'. Eu
acho isso ofensivo, urna blasfemia contra o Espirito Santo. Há, por de
trás, urna atitude política, de o Cristianismo ser arrogante, portador de
poderes e se impor no mundo".

Resposta: Longe de interesses políticos (que os adversarios da


Igreja véem em toda parte, usando lentes falsas), a Igreja proclama sua
fé em Jesús Cristo, único Salvador, afastando assim todo relativismo re
ligioso. Com isto, porém, nao está dito que os nao-católicos nao se sal-
vam, pois quem nao é católico, mas segué fielmente os ditames de sua
consciéncia reta e sincera, pode salvar-se, nao por causa dos erros que
professa, mas por obra de Jesús Cristo e sua Igreja; desta maneira um mu-
culmano que nao duvida da veracidade do seu Credo e o póe em prática,
poderá salvar-se; Deus nao Ihe pedirá contas do Evangelho que Ele nao Ihe
revelou. É o que ensina o Concilio do Vaticano II em Lumen Gentium 16:
"O Salvador quer que todos os homens se salvem (cf. 1 Tm 2,4). Aque
les, portante, que sem culpa ignoram o Evangelho de Cristo e Sua Igreja,
mas buscam a Deus com coragáo sincero e tentam, sob o influxo da
graga, cumprirpor obras a Sua vontade conhecida através do difame da
consciéncia, podem conseguir a salvagáo eterna. E a Divina Providencia
nao nega os auxilios necessários a salvagáo aqueles que sem culpa aínda
nao chegaram ao conhecimento expresso de Deus e se esforgam, nao sem
a divina graga, por levar urna vida reta. Judo o que de bom e verdadeiro se
encontra entre eles, a Igreja julga-o como urna preparagao evangélica, dada
porAquele que ilumina todo homem, para que enfim tenha a vida".

Ver ainda a Constituigáo Gaudium et Spes 22:

"É certo que a necessidade e o dever obrigam o crístáo a lutar


contra o mal através de muitas tribulagóes e a padecer a morte. Mas,
associado ao misterio pascal, configurado á morte de Cristo e fortificado
pela esperanga, chegará á ressurreigáo.

Isto vale nao somente para os cristáos, mas também para todos os
homens de boa vontade em cujos coragóes a graga opera de modo invi-
sível. Com efeito, tendo Cristo morrido por todos e sendo urna só a voca-

313
26 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 482/2002

gao última do homem, isto é, divina, devemos admitir que o Espirito San
to oferece a todos a possibilidade de se associarem, de modo conhecido
por Deus, a este misterio pascal".

Este inciso da entrevista termina com palavras muito ambiguas,


mas aptas a ganhar a simpatía do leitor: "O único caminho verdadeiro
para se chegar a Deus, ao sublime é descobrir cada homem ser Deus,
ser Deus na sua profundidade". - Que quer dizer isto?

6. CLONAGEM, NOVAS TECNOLOGÍAS

Boff: "Acho que a Igreja está entrando numa discussáo na qual ela
nao é competente. Ela decide que a vida comega no primeiro encontró do
óvulo com o esperma. Quem é que decide isso? Isso é a ciencia que tem
que decidir, nao a Igreja. Ela nao tem autoridade para isso".

Resposta: L. Boff tem razáo ao dizer que nao compete á Igreja,


mas á ciencia, definir quando comeca a vida humana. Todavía ele parece
ignorar que nao foi a Igreja, mas foi a ciencia que definiu, há decenios,
que a vida humana comega por ocasiáo da fecundacáo do óvulo. O gran
de arauto desta descoberta foi o Dr. Jéróme Lejeune, cujas sentencas
mais significativas se acham transcritas em PR 479/2002, pp. 181ss. Se-
jam aquí reproduzidos os seguintes dizeres:

"Aceitar o fato de que, após a fecundagáo, um novo ser humano


chegou a existencia }á nao é urna questáo de gosto ou de opiniáo".

"No inicio do ser, desde o momento da concepgáo, a natureza hu


mana está presente. É ela que nos ensina que o embriáo nao é mercado-
ña perecfvel que se congele e descongele á vontade, nem é um bem de
consumo quepossa ser negociado amigavelmente, nem um material para
experiencias, nem um acervo de pegas avulsas".

"Que é a concepgáo? É realmente a informagáo inscrita na materia,


de tal modo que essa materia já nao é materia, mas um novo ser humano".

Por conseguinte, está superada a tese dos antigos, segundo os


quais a vida masculina só comecaria quarenta dias após a fecundacáo e
a vida feminina, oitenta dias. É também afastada a sentenca que afirma
só havervida humana e embriáo propriamente dito após o décimo quarto
dia consecutivo á fecundacáo; nao existe o pré-embiráo, do qual se pos-
sam extrair tecidos sem ferir a dignidade humana.

Boff diz "nao ter clareza a respeito da clonagem, pois é questáo


extremamente complexa".

Observamos:... é complexa do ponto de vista científico, mas clara


aos olhos do filósofo e do teólogo, pois fere as leis da natureza, que sao
as leis do Criador.

314
RESPOSTA A LEONARDO BOFF 27

7. APÓCRIFOS, IMAGEM DE CRISTO


Boff: "Em 1974, no Norte do Egito, uns pastores que procuravam urna
ovelha perdida em urna enorme caverna, descobriram dezenas de enormes
potes de barro, cheios de escritos da época entre os dois Testamentos...
Neles há fragmentos do Evangelho de Sao Joáo, há um belíssimo Evange-
Iho de Tomé, há o Evangelho de María. Este dizia que María Madalena foi a
companheira de Jesús e que os discípulos se escandalizaram porque ele a
beijava muito na boca: 'Vocé ama mais a ela do que a nos?' e Jesús respon
día: 'Por que voces impedem que eu ame tanto a ela quanto a voces?'"

Resposta: Boff parece fazer confusáo entre duas descobertas de


manuscritos:

- em 1945 ocorreu a do Evangelho de Tomé em Nag-Hammad¡


(Egito), Evangelho que nada tem de belíssimo, pois é urna coletánea de
sentencas atribuidas a Jesús, que, em parte, parafraseiam os dizeres
registrados pelos evangelistas canónicos, em estilo gnóstico porém (como
se dirá adiante). Quanto ao Evangelho de María, contém pretensas reve
lares transmitidas por María: é um papiro copta (egipcio antigo), guar
dado em Berlim sob o título de Berolinense Gnóstico, 8502.1;

- em 1947 em Qumran (Israel) um pastor que procurava urna ove


lha, descobriu numa gruta da regiáo o primeiro dos famosos manuscritos do
Mar Morto. Foi este acervo que provocou o interesse dos dentistas na aqui-
jsicao dos papiros. O Vaticano nada recebeu de presente ou gratuitamente,
também nao ocultou documento algum por pretenso medo da verdade.

Boff: "Quanto ao texto de Tomé, supóe-se que seja o evangelho


verdadeiro, do ano 50 mais ou menos".

Resposta: Quem diz tais coisas, nunca leu o Evangelho de Tomé,


que é um texto gnóstico, dualista, originario de 200 aproximadamente.
Esse dualismo nao cristáo aparece bem ñas seguintes sentencas do livro:

114. "Simáo Pedro disse a eles: 'María devería deixar-nos, pois as


mulheres nao sao dignas da vida'. Jesús disse: 'Eu a guiareipara fazer
déla um homem, de modo que também ela possa tornarse um espirito
vivo, semelhante a voces, homens. Pois toda mulher que se torna ho
mem, entrará no reino do céu'".

15. "Quando virem alguém que nao nasceu de mulher, prosternem-


se e adorem. Este é seu pai".

105. "Quem quer que conhega o pai ou a máe, será chamado filho
de máe prostituta".

O Evangelho de Tomé supóe os Evangelhos canónicos (Mt, Me,

315
28 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 482/2002

Le, Jo) e os interpreta em sentido dualista, desprezando a mulher, o ca


samento e a materia.

Se no apócrifo gnóstico Evangelho de Tomé Jesús aparece misógino


e intenso ao matrimonio, em outro apócrifo de origem gnóstica ele é tido
como sensual, chegando a beijar Maria na boca e a ser amante déla. Isto
bem mostra que esses escritos carecem de autoridade histórica, pois se
contradizem entre si; nao sejam equiparados aos evangelhos canónicos,
segundo os quais Jesús guarda o celibato, mas reconhece a Iegitimidade
do casamento, comparecendo a urna festa de bodas, na qual Ele dá o
vinho bom aos convivas; cf. Jo 2,1-11a.

8. A UTILIDADE DA RELIGIÁO

A entrevista termina com afirmacóes muito ambiguas, como sao


as seguintes:

Boff: "O sol merece ser adorado, pois é urna coisa táo grandiosa e
bela. O maior símbolo de Deus é o sol... Deus é calor e energía... como
eu já disse, somos chamados a ser Deus por participagao, mas Deus.
Temos que passar do Deus que temos para o Deus que somos e ver
cada pessoa como um lugar onde Deus está nascendo".

Que significado tém essas palavras?

9. CONCLUSÁO

Esta breve análise da entrevista "enciclopédica" de Leonardo Boff


evidencia que o ex-teólogo franciscano já nao é mestre da doutrina da fé;
tem a mente impregnada de preconceitos que o impedem de ver a verda-
de com objetividade. Possa ele superar o ánimo passional que o obceca!

Seja permitida urna sugestáo: na mesma entrevista Boff afirma:


"Eu me entendo como cristáo franciscano e nao cristáo romano". Ora nao
seria esta mais urna de suas incoeréncias? Na verdade o Pai Sao Fran
cisco foi muito romano ou muito fiel ao Papa; com efeito, pediu a Inocencio
III a aprovacáo de sua primeira negra e a obteve; pediu ao seu sucessor,
Honorio III, a aprovacáo de sua Regra definitiva e também a obteve. Donde
se vé que um cristáo franciscano é estritamente um cristáo romano.

Possa L. Boff guardar o espirito franciscano até as últimas conse-


qüéncias e certamente encontrará paz, como encontrará amor á Santa
Máe Igreja, que é intrínsecamente santa e fonte de santidade, apesar
das sombras que seus filhos infiéis projetam sobre a sua face. Sentir
com a Igreja, peregrinar com a Igreja, sofrer com a Igreja, é dever de todo
filho dessa Santa Máe.

Este mesmo texto foi publicado sob forma de opúsculo, com o


mesmo título, pela Escola "Mater Ecclesiae"; teleFAX 0 XX 21 -2242-4552.

316
Agressao leviana:

"OS CATÓLICOS ROMANOS SAO CRISTÁOS?"


por J. T. C.

Em síntese: Os protestantes tém propagado panfletos agressivos


da autoría deJ.T.C, baseando-se empreconceitos e falsaspremissas. O
artigo que se segué, examina um desses panfletos que ataca os sacra
mentos, o Papa, o purgatorio... Procuraremos assim atender a pedidos
do povo de Deus.
* * *

Está muito difundida urna colecáo de panfletos da autoría de J. T.


C, que ataca a Igreja Católica com base em preconceitos e falsas pre
missas. Quem lé tais escritos com atencáo, verifica a superficiaiidade e a
inconsistencia de seus dizeres; sao acusacóes - pode-se dizer - ridicu
las que atestam mais o desejo de destruir do que o amor á verdade.
Como quer que seja, muitos fiéis pedem resposta, pois o número de cita-
coes bíblicas impressiona o leitor; alias os versículos bíblicos sao citados
independentemente do respectivo contexto e adaptados á acusacáo que
J. T. C. quer fundamentar. Atendendo ás solicitacóes feitas, passamos a
analisar o livreto "Os Católicos Romanos sao Cristáos?".

1. Duas Patrias?

Conforme o panfleto, o fiel católico batizado "é cidadáo de duas


patrias (Brasil e Vaticano), tem duas bandeiras, dois presidentes, duas
Constituicdes, duas lealdades".

Em resposta pergunta-se: qual é o católico que pensa assim?

Mais precisamente: deve-se distinguir entre o Estado do Vatica


no e a Santa Sé (distincáo que a imprensa geralmente nao faz). O Esta
do do Vaticano é um territorio independente, com suas leis, sua bandeira,
seu governo,..., que nao interferem na vida de outros Estados. A Santa
Sé é a sede episcopal de Pedro e seus sucessores, que receberam de
Cristo o encargo de apascentar o rebanho do Senhor no plano religioso e
espiritual. Trata-se de duas jurisdicoes diversas, que nao implicam con-
tradicao entre si: a do Estado nacional brasileiro e a da Santa Sé. Por
conseguinte falsa é a alegacáo de J. T. C.

O Estado do Vaticano nao é essencialmente ligado á Santa Sé.

2. Confissáo dos Pecados

O autor do panfleto cita Uo 2, 1s: "Se alguém pecar, temos um


Advogado junto ao Pai, Jesús Cristo, o Justo". Ninguém nega esta verda-

317
30 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 482/2002

de, mas é preciso acrescentar-lhe outro texto, que J. T. C. omite: "Recebei


o Espirito Santo. A quem perdoardes os pecados, seráo perdoados; a
quem os retiverdes, serio retidos", disse Jesús em Jo 20, 22ss. Ora,
para julgar se deve absolver ou nao (dada a falta de disposicóes do peni
tente), o ministro deve conhecer o estado de alma de quem o procura - o
que só pode ser obtido mediante a confissáo dos pecados. Daí dizer-se
que a confissáo dos pecados é de instituicáo divina.

A seguir, diz o panfleto:

"Donde veto a idéia do confessionário? Veio do Vaticano? Nao!


Originou-se na antíga Babilonia, onde se adorava o deus do sol, BAAL
Era parte de um sistema religioso oculto".

A respeito deve-se observar:

1) Baal era urna divindade dos cananeus, nao dos babilonios, que
cultuavam Marduque.

2) O confessionário é um móvel destinado a ouvir as confissóes,


de tal maneira que o confessor fique separado do penitente por urna
grade. Teve origem nao na Babilonia, mas em Miláo no sáculo XVI, épo
ca em que estavam muito longe os mitos e os sistemas ocultos da
Babilonia. Em 1565 o primeiro concilio da diocese de Miláo resolveu que
seria colocada urna tabuleta (tabella) entre o penitente e o confessor.
Sao Carlos Barromeu, arcebispo da diocese, ampliou o projeto, conver-
tendo-o num móvel. O quarto concilio de Miláo em 1574 prescreveu que
em cada igreja houvesse tantos confessionários quantos confessores.
Essas normas sem demora se estenderam a outros países, principal
mente á Franca: os concilios de Aix-en-Provence (1565) e Tolosa (1690)
promulgaram cánones idénticos aos de Miláo. A Congregacáo para a
Propagacáo da Fé, por decisóes datadas de 1764 e 1880, tornou o con
fessionário obrigatório nos territorios de missáo. A mesma resolucáo foi
tomada pelo Congresso da América Latina realizado em Roma (1890).

Vé-se assim quáo errónea é a alegacáo de J. T. C. sobre o confes


sionário.

3. Eucaristía

Lé-se no panfleto em foco:

"Na Babilonia antíga adoravam o Deus Sol, BAAL Depois esta re-
ligiáo penetrou o Egito usando outros nomes. Nos altares do Egito, acha-
vam-se pequeños discos de pao ázimo. Estes pequeños biscoitos eram
consagrados pelos sacerdotes egipcios e milagrosamente se tornavam
carne do deus-sol, Osiris. Este milagre se chama transubstanciagáo.
Depois comiam o seu deus (um tipo de hostia)".

318
"OS CATÓLICOS ROMANOS SAO CRISTÁOS?" 3j[

Na resposta pode-se por em dúvida a autenticidade histórica do


episodio egipcio citado: realmente assim procedía a religiáo egipcia?
Como quer que seja, o fundamento da fé católica na real presenca de
Cristo na Eucaristía é o próprio Evangelho, onde, além das palavras da
consagracáo ("Isto é meu corpo... Isto é meu sangue..." (Mt 26,26-28), se lé:

"Em verdade, em verdade vos digo: se nao comerdes a carne do


Fiiho do Homem e nao beberdes o seu sangue, nao tereis a vida em vos.
Quem come a minha carne e bebe o meu sangue, tem a vida eterna e eu
o ressuscitarei no último dia. Pois minha carne é verdadeira comida, e o
meu sangue verdadeira bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu
sangue, permanece em mim e eu nele" (Jo 6, 53-56).

Será que J. T. C, e, com ele, os protestantes nunca leram este


texto? Ou, se o leram, ousam dar-lhe sentido diferente daquele que du
rante quinze séculos Ihe foi dado? Será que esses quinze séculos falha-
ram na interpretacáo da Biblia num ponto táo importante, de modo que
só depois de Lutero se entende a Biblia?

Ou será que Jesús aprendeu dos egipcios os ritos pagaos e os


transmitiu a nos? Deveríamos corrigir Jesús, que nos ensinou práticas
pagas? - Como seria absurdo pensar como J. T. C. pensa!

A obsessáo do autor vai mais longe ainda: afirma que as tres letras
JHS {gravadas ñas hostias) sao as iniciáis da tríade divina do Egito, ISIS,
HORUS, SEB. Na verdade, J. T. C. ignora que essas tres letras nao sao
senáo as inicias do nome grego JESOUS (JESÚS) escrito em caracteres
gregos; a segunda letra nao é um agá, mas um eta grego matúsculo.

Concordamos com o autor do panfleto quando diz que Jesús se


ofereceu urna vez por todas e nao pode mais sacrificar-se na Cruz. A
Missa nao multiplica o sacrificio de Cristo, mas torna-o presente sobre os
altares para que dele participemos. Importa que nos oferecamos com
Cristo Pai em cada S. Missa. Cristo como Cabeca se entregou ao Pai ao
Calvario em cada Eucaristía e o faz como Cabeca e Corpo.

A propósito J. T. C. acusa os católicos de "estar fazendo de Jesús


um mentiroso". Nao se vé o fundamento desta acusacao, mas pode-se
perceber que mentiroso é J. T. C. (oxalá ... de boa fé ou candidamente).

Pouco adiante J. T. C. chama a Igreja "A GRANDE PROSTITUTA"


e cita Ap 18, 4: "Retiraí-vos déla, povo meu, para nao serdes cúmplices
em seus pecados e para nao participardes dos seus flagelos".

Na verdade este versículo se refere á Babilonia do Apocalipse, que


é símbolo da Roma paga; esta é a condenada. Nao é válido extrair do
seu contexto um versículo e aplicá-lo a urna realidade totalmente diversa
como é a Igreja Católica. Aos Apostólos da sua Igreja disse Jesús: "Eu

319
32 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 482/2002

estarei convosco até a consumacáo dos séculos" (Mt 28, 20). Isto quer
dizer que onde naja a sucessáo apostólica ou a linhagem dos Apostólos,
ai está o Senhor Jesús prestando sua infalível assisténcia. Ora tal é a
Igreja Católica; por conseguinte Jesús jamáis poderia mandar sair déla;
manda, sim, sair das comunidades eclesiais que Ele nao fundou e que
dividem cada vez mais o povo de Deus.

4. Crisma

O panfleto afirma o seguinte:

"Aínda hoje na América do Sul... católicos romanos devotos... es-


tao prontos,... até a matar, se necessário, pela sua 'igreja', sob juramen
to, incitando tumultos contra um inimigo".

Em resposta observamos que nenhum católico faz juramento de


matar ou de incitar tumultos. Ao contrario, os católicos convidam seus
irmáos separados para o diálogo ecuménico e nem sempre sao bem en
tendidos por causa de preconceitos. A Igreja tem suscitado esta atitude
nobre frente aos irmaos separados, longe de pensar em provocar tumul
tos. Pode-se perguntar: toda essa agressividade dos protestantes nao
seria devida ao fato de que muitos sao ex-católicos, que sentem o com
plexo de culpa por terem abandonado a Santa Mae Igreja e querem jus
tificar a sua apostasia perante a própria consciéncia e a sociedade, cus-
pindo na face da Igreja e difamando-a?

O católico crismado é atuante, apostólico, mas nao desordeiro e


assassino.

5. Ordem

O panfleto critica o Papado, que os católicos tém por infalível quan-


do fala ex cathedra (em tom de definigáo) sobre fé e Moral. E cita o Papa
Bonifacio VIII (1294-1303):

"Declaramos, afirmamos, definimos e pronunciamos, sujeitar-se ao


pontífice romano é, para toda criatura humana, absolutamente necessá
rio para a salvagáo".

Esta declaracao se refere ao plano ético, do qual é porta-voz o


Papa, especialmente num regime de Cristandade. Na verdade, toda e
qualquer atividade humana está sujeita a urna qualificacjio ética.

Vém, a seguir, palavras atribuidas ao Papa Leáo XIII: "Ocupamos


sobre aterra a posicáo de Deus todo-poderoso". Sem indicacáo da fonte,
nao podem ser levadas em conta.

O primado do Apostólo Pedro e de seus sucessores foi amplamen-


te explanado em PR 480/2002, pp. 205-216. Esse primado garante a

320
"OS CATÓLICOS ROMANOS SAO CRISTÁOS?" 33

unidade da Igreja Católica, ¡mpedindo que ela se pulverize como aconte


ce no protestantismo. Alias muitos irmáos separados reconhecem hoje o
valor dessa funcáo de governo e magisterio.

6. Uncáo dos Enfermos e Purgatorio

Após receber a Uncáo dos Enfermos, há, para muitos, o purgatorio:

Comenta J. T. C. "Um dos truques mais sujos de Satanás é o de


levar o católico romano a urna esperanga falsa, findando no Lago de Fogo.
O purgatorio é lugar e condigno de punigáo. A alma sofre por algum tem-
po para ser limpa antes de ir para o céu".

Que diremos?

1) O purgatorio nao é um lugar, mas um estado de alma.

2) Nao existe fogo do purgatorio.

3) Cristo expiou os pecados da humanidade urna vez por todas.


Deus perdoa irreversivelmente. Todavía o perdáo de Deus é diferente do
perdáo dos homens. Com efeito; quando um juiz declara o réu absolvido,
o caso está encerrado, embora o criminoso se mantenha cheio de pai-
xóes e até desejoso de continuar a roubar e matar. O perdáo de Deus é
diferente, porque quer ir até as raízes do pecado. Com efeito, sentimos
que, após a absolvicáo sacramental, permanecem no íntimo do cristáo
as más tendencias que levam a repetir o pecado pouco depois de absol
vido. Ora essa incoeréncia deve acabar; é necessário extirpar também
as más tendencias que levam a reiterar o pecado, aqui se dividem cató
licos e protestantes; estes dizem que a extirpacáo da cobica desregrada
é impossível; por isto Jesús cobre a alma do defunto com seu manto de
justica ou santidade, de modo que, embora manchada pelo pecado, a
alma passa por justa aos olhos do Pai; é o que se chama "justica forene"
ou meramente jurídica, nao ontológica. - Os católicos afirmam com toda
a Tradicao que é possível extirpar as raízes do pecado, de modo a tornar
bela a alma do cristáo. Isto se faz na vida presente pela ascese ou na
vida postuma, num estado em que a alma repudiará radicalmente os
"pecadinhos" de cada dia, a fim de poder ver Deus face-a-face, Deus tres
vezes santo, perante o qual nenhuma sombra de pecado pode subsistir.

Urna imagem pode ilustrar o purgatorio: imaginemos alguém con


vidado para urna testa de nupcias. O senhor da festa tudo fez para remo
ver qualquer obstáculo ao comparecimento dessa pessoa, que é muito
estimada e aguardada. Acontece, porém, que tal individuo, olhando para
si, verifica estar com as vestes manchadas... Nao poderá entrar assim na
sala do festim; seria urna afronta ao senhor da festa. Que fará entáo? - O
próprio individuo vai querer limpar suas vestes antes de entrar na ceia
nupcial; ninguém o estará condenando ou punindo; ao contrario, o se-

321
34 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 482/2002

nhor da festa Ihe terá concedido um horario mais tardio para entrar na
festa de bodas.

Pois bem, nessa estória a ceia nupcial é a ceia da vida eterna. O


Dono da festa nao somente convidou, mas removeu os embargos, per-
doando os pecados. Da parte da criatura, porém, há a tomada de consci-
éncia de que ela ainda carrega as raízes dos pecados já perdoados e
tem que elimina-las para poder atender dignamente ao convite. Deus
nao lanca ninguém no purgatorio nem pede urna expiacáo ao lado da-
quela que Cristo já prestou; é a alma mesma que deseja aprontar-se
melhor para ver Deus face-a-face.

A nocáo de purgatorio nao foi inventada pela Igreja, mas acha-se


na crenca do povo de Deus judaico pré-cristao; ver 2 Macabeus 12, 39-
46 - livro este que Lutero retirou do canon bíblico.

7. Maria SSma.

J. T. C. quer derivar da mitología paga a devocáo a Maria SSma.

"A Maria dos católicos romanos era antigamente a Venus. Isto ini-
ciou quando Semíramis, da antiga Babilonia, se tornou deusa. Depois em
outros países foi chamada de Isis e Venus".

É estranho que um protestante que se diz fiel seguidor das Escritu


ras, ignore os textos do Evangelho que exaltam María SSma. e justificam
a devocáo filial a essa santíssima Máe. Assim:

Le 1,42: "Bendita és tu entre as mulheres!", o que equivale a "És a


mais bendita das mulheres".

Le 1, 48: "Doravante as geracoes todas me chamaráo bem-aven-


turada".

Le 1, 28: "Alegra-te, cheia de gragal O Senhor está contigo".

Jo 2,1-12: Maria obtém o primeiro sinal de Jesús.

Jo 19,15-17: Jesús confia Joáo (representante da humanidade) a


Maria e vice-versa.

Pergunta-se: como admitir com tanta facilidade que os cristáos


adotaram crencas e costumes pagaos, quando se sabe que até 313 mor-
reram por nao quererem ceder aos principios do paganismo? Em suma,
o odio vai cegando muitos dos irmáos separados, que falam sem ter cons-
ciéncia exata do que dizem. Queira Deus ¡luminá-los e converter seus
coracóes á semelhanca do Coracáo de Cristo, que nao aprova o recurso
á falsidade e á mentira para difundir o Evangelho.

322
Analisando mensagem:

BATISTAS HERDEIROS DOS MONTAÑISTAS,


DONATISTAS, CATAROS...?

Em síntese: Está sendo propagada pela Internet urna mensagem


batista, que afirma serem os Batistas a verdadeira Igreja de Cristo exis
tente desde o século I. Os cristáos católicos ter-se-áo desviado das Es
crituras para constituir a Grande Igreja. Um pequeño número terá ficado
fíela Biblia, tomando diversos nomes: Montañistas, tertulianistas, cataros,
paulicianos... e, no século XVI, o nome de batistas. - Ora tal relato é
inaceitável, pois as diversas correntes citadas como sendo formadas por
"Batistas ocultos" nada ou quase nada professavam do que os Batistas
dos séculos XVI a XXI professam.

Vía intemet está sendo divulgada urna mensagem que dá a crer o


seguinte:

Os Batistas atuais nao sao protestantes, pois nao tiveram origem


no século XVI, mas se derivam de Jesús Cristo. A Igreja fundada por
Jesús Cristo ter-se-á desviado da doutrina e da disciplina do Novo Testa
mento, ficando fiel a este apenas um grupo pequeño. Tal grupo tomou
diversos nomes no decorrer dos séculos e foi duramente perseguido pela
Igreja Católica; finalmente hoje subsiste com o nome de "Batistas"; estes
seriam a denominacáo auténtica, fiel a Cristo, em contraste com o Cato
licismo.

Merece atencáo esta apresentacáo da historia. Para avaliá-la, com


pararemos, a seguir, aquilo que os Batistas dizem professar com o que
professavam as correntes do passado citadas como sendo formadas por
"Batistas ocultos".

1. O que os Batistas professam

A mensagem em foco dá por "características certas e infalíveis" os


seguintes artigos:

"Cristo, o autor da religiáo crista, reuniu seus seguidores numa or-


ganizacáo, que ele chamou Igreja. Aos discípulos competía organizar
outras Igrejas como também fazer outros discípulos. Nesta organizagáo
ou Igreja, de acordó com as Escrituras e com a prática dos Apostólos,
desde cedo foram criadas duas classes de oficiáis e somente duasipasto-

323
36 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 482/2002

res e diáconos. O pastor era também chamado bispo. Ambos eram esco-
Ihidos pela Igreja e para servirem á Igreja.

As Igrejas no seu governo e disciplina eram inteiramente separa


das e independentes entre si. Jerusalém nao tinha autoridade sobre
Antioquia, nem Antioquia sobre Éfeso, nem Éfeso sobre Corinto e assim
por diante. Seu governo era democrático. Um governo dopovo, pelopovo
e para o povo.

Á Igreja foram dadas duas ordenangas, e somente duas: o Batismo


e a Cela do Senhor. Sao memoriais e perpetuas.

Somente os 'salvos' eram recebidos como membros das Igrejas (At


2,47). Eram salvos únicamente pela graga, sem qualquer obra da Lei (Ef
2,5.8s). Os salvos, e eles somente, deviam serimersos em nome do Pai,
do Filho e do Espirito Santo (Mt28, 19). Únicamente os que eram recebi
dos e batizados participavam da Ceia do Senhor, sendo esta celebrada
somente pela Igreja e na capacidade da Igreja.

Somente as Escrituras Sagradas e, em realidade, o Novo Testa


mento sao a regra de fé e de vida nao somente para a Igreja como orga-
nizagáo, mas também para cada crente como individuo.

Cristo Jesús, o fundador da Igreja e o Salvador de seus componen


tes, é o seu único Sacerdote e Reí, seu Senhor e Legislador e único
cabega das igrejas. Estas executavam a vontade do seu Senhor expres-
sa em suas leis completas; nunca legislavam ou emendavam ou abriga-
vam velhas leis ou formulavam novas".

Segundo o ¡mpresso em pauta, tais doutrinas foram guardadas in


cólumes desde os tempos de Cristo até hoje por faccoes de nomes diver
sos, que ocultavam a realidade dos Batistas. Sao palavras textuais do
panfleto:

"O nome 'cristáo' foi negado as Igrejas que nao aceitavam os no-
vos erros. Urna vez privados disto, foram chamados por outros nomes,
alguns por uns, outros por outros, como sejam Montañistas, Tertulianistas,
Novacianos, Paletina. Alguns, ao menos, por causa do costume de
rebatizar os que haviam sido batizados na infancia, foram chamados
'Anabatistas'".

"Durante a Idade Media os perseguidos foram conhecidos por mui-


tos e variados nomes. Entre eles encontramos Donatistas, Paterinos,
Paulicianos, Henricianos, Albigenses, Cataros e Anabatistas. Um pouco
mais tarde surgiram Petrobusianos, Arnoldistas, Henricianos, Albigenses,
Valdenses. Algumas vezes um desses grupos se destacava e outras ve-
zes algum outro. Alguns sempre se evidenciavam por estarem sob per
sistente e cruel perseguigáo".

324
BATISTAS HERDEIROS DOS MONTAÑISTAS, DONATISTAS, CATAROS...? 37

Estas afirmacóes sugerem algumas reflexóes.

2. Que professavam as denominares citadas?

O autor do panfleto parece nao conhecer bem a materia que ele


aborda. É o que passamos a considerar.
2.1. Cataros ou Albigenses

Os Albigenses eram os próprios cataros, assim chamados porque


tinham sua sede principal em Albi (Sul da Franca).

Quem conhece a doutrina dos cataros (exposta em PR 419/2002;


pp. 175-177), jamáis dirá que eram "Batistas ocultos", pois os cataros
eram visceralmente opostos á mensagem bíblica, professando o dualismo
ou a índole intrinsecamente má da materia. Mais: afirmavam os cataros
que o Deus presente ao Antigo Testamento é Satanás; Jesús Cristo nao
era Deus nem propriamente um homem, mas um anjo com aparéncia de
homem; o casamento e a procriacáo vinham a ser inconcebíveis a um
cátaro perfeito. Ora tais nocóes sao antitéticas em relacáo ás que os
Batistas professam.

2.2. Paulicianos

Tal é a seita que apareceu em meados do século Vil na Asia Menor


e na Armenia. Também era dualista, repudiando a materia. Os paulicianos
rejeitavam o Antigo Testamento e parte do Novo, ficando quase exclusi
vamente com Sao Paulo; daí o nome de paulicianos que Ihe foi dado
pelos seus adversarios, a eles precisamente que se chamavam cristaos.
Rejeitavam o batismo, a eucaristía, o casamento, o culto da cruz e dos
Santos. Dístínguiam do Deus celeste o Criador e Senhor deste mundo.
Foram perseguidos pelos Imperadores bizantinos, de modo que fizeram
alianca com o emir muculmano de Melitena e ameacaram invadir a
Anatólia (Turquía de hoje). A seita desapareceu no século XII, tendo-se
convertido ao Catolicismo seus últimos representantes.

2.3. Montañismo

Também se distinguem nítidamente da doutrina batista os


montañistas. Viviam na expectativa do fim do mundo, unida a desenfrea-
do entusiasmo religioso e a um sistema rigorista de vida.

O fundador foi Montano, neófito cristáo que fora sacerdote pagáo


de Cibele. Viveu na Frigia (Asia Menor) no século II, como profeta que
pretendía ser o instrumento do Paráclito para inaugurar a era do Espirito
Santo. Era assístido por duas "profetizas", Priscila e Maximila, que anun-
ciavam a iminente vinda de Cristo a fim de instaurar seu reino milenar
sobre a Térra (cf. Ap 20, 1-10). Ao fím do milenio, a Jerusalém celeste

325
38 TERGUNTE E RESPONDEREMOS" 482/2002

desceria sobre a cidade de Popuza (Frigia). A preparacáo para táo sole-


ne evento exigía severa ascese: o matrimonio foí desprezado; a alimen-
tacáo constava de coisas secas, sem carne. Era proibido fugir nos tem-
pos de perseguicáo e recomendado apresentar-se espontáneamente aos
carrascos em vista do martirio. Aos réus de pecados capitais era recusa
da para sempre a readmissáo na Igreja.

O Tertulianísimo nao é senáo o Montañismo mais rígido aínda, apre-


goado por Tertuliano (t 220 aproximadamente).

2.4. Novacianos

Nada tém em comum com os Batistas. Seu fundador é o presbítero


Novaciano, que contava ser eleito Papa em 251, mas nao o foi. Ferído
em suas ambicóes, fez-se proclamar antipapa por uma minoría. Opós-se
doutrinariamente ao Papa legítimo Sao Cornélio, recusando o perdáo da
Igreja aos irmáos que na perseguicáo tivessem apostatado; chegou a
negar a reconciliagáo aos própríos moribundos, contrariando a praxe da
Igreja. O mesmo rigor foi estendido aos réus de outros pecados capitais.
Novaciano quería assim constituir uma Igreja de puros e santos. Apesar
de seu rigorismo, o Novacianismo se propagou pelo Oriente, onde se Ihe
agregaram alguns montañistas. Persístiu até o século Vil em
Constantinopla.

2.5. Donatistas

Nos séculos IV e V ocorreu a controversia donatista, que pouco


tem a ver com a doutrína dos Batistas. Com efeito, a questáo que moveu
os debates é a seguinte: a eficacia dos sacramentos depende da santi-
dade do respectivo ministro ou é algo de objetivo, garantido pelo sacer
docio do próprio Cristo? - A Igreja oficial respondía (e responde) segun
do esta última fórmula, ao passo que os donatistas professavam a pri-
meira.

A problemática donatísta teve origem com a morte do bispo Mensúrio


de Cartago (311). Foi eleíto em seu lugar Ceciliano. Este, porém, tínha
opositores, pois na perseguicáo de Domiciano (284-305) se opusera a
uma exagerada veneracáo dos confessores da fé (cristáos que havíam
sofrido, sem chegar a morrer pela fé). Espalharam entáo rumores de que
os Bíspos sagrantes de Ceciliano (Félix de Aptunga, Fausto de Tuburbo
e Novelo de Tycica) foram traidores, ¡sto é, tínham entregue os livros
sagrados aos perseguidores; em tais condicóes, diziam os adversarios
de Ceciliano, Félix, Fausto e Novelo nao podiam ter ordenado validamente
o novo Bispo de Cartago.

Díante dos rumores, setenta Bispos da Numídía (Norte da África)


se reuníram em Cartago e elegeram o antibispo Majoríno, ao qual suce-

326
BATISTAS HERDEIROS DOS MONTAÑISTAS, DONATISTAS, CATAROS...? 39

deu em 315 Donato o Grande. Estava assim aberto o cisma donatista. Os


cismáticos retomavam o conceito novaciano, declarando ser "a Igreja
imaculada dos mártires" em oposicao á Igreja "contaminada por traidores
(os católicos)"; somente na faccáo donatista seriam ministrados
validamente os sacramentos.

Aos Donatistas S. Agostinho (t 430) lembrava que é Cristo quem


ministra os sacramentos e comunica a graca; o ministro humano é ape
nas o instrumento de Cristo, e nao o doador da graca.

2.6. Valdenses

No século XII viveu Pedro Valdo ou Valdes, de Liao (Franca), que


pregava a pobreza e se dedicava com seus seguidores a pregacáo popu
lar. Opunham-se á autoridade eclesiástica, pelo que foram excomunga-
dos no sínodo de Verana em 1184. Passaram entáo a levar existencia
clandestina, dedicando-se exclusivamente á pregacáo ambulante e á
assisténcia espiritual dos seus adeptos. Traduziram a S. Escritura para
línguas vernáculas e a recomendavam como norma doutrinal absoluta e
código jurídico.

No decorrer do tempo afastaram-se ainda mais da Igreja, negan


do, por provável influencia dos cataros, o purgatorio, o valor da oracáo e
da Missa pelos defuntos, o culto dos Santos, as indulgencias, o juramen
to, o servico militar e a pena de morte; só admitiam os sacramentos do
Batismo, da Eucaristía e da Penitencia.

No século XVI os valdenses de língua neolatina uniram-se ao


calvinismo, completando assim sua separacao da Igreja Católica.

Pode-se dizer que os valdenses tém pontos de contato com os


Batistas, mas nao sao "Batistas clandestinos" da Idade Media.

2.7. Arnaldistas

Arnaldo de Brescia foi outfo pregador popular do século XII; crítica-


va o poder temporal da Igreja e as posses do clero. Em 1147; pós-se á
frente do movimento democrático de Roma: como tribuno popular, domi-
nou a cidade e incutiu em seus ouvintes o entusiasmd pelo esplendor e a
grandeza da antiga Roma, que ele desejava ressuscitar. Em conseqüén-
cia o Papa Eugenio III (1145-53) teve que passar grande parte do seu
pontificado fora de Roma.

2.8. A Patária ou os Paterinos (= trapeiros)

A Patária é um movimento popular da segunda metade do século


XI, oriundo ñas cidades da Lombardia, especialmente em Miláo. Profes-
sando aspiracóes democráticas, insurgia-se contra a nobreza e o alto

327
40 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 482/2002

clero a ela aparentado. Chefes do movimento foram Arnaldo, Lendulto e


Anselmo; este fol felto Bispo de Cremona em 1057 e em 1061 Papa, com
o nome de Alexandre II (1061-73). Os paterinos nao foram excomunga-
dos; ao contrario, obtiveram o apoio das autoridades eclesiásticas e exer-
ceram benéfica acáo reformista na Igreja.

Em conclusáo, verifica-se quanto é despropositado dizer que os


Batistas, professando o que eles hoje professam, existem desde os tem-
pos de Cristo {ou de Sao Joáo Batista) e atravessaram os sáculos clan
destinamente, assumindo nomes diferentes até se revelarem plenamen
te no século XVI. Na verdade, os Batistas tém origem com a reforma
luterana no século XVI, como se dirá a seguir.

3. A Origem dos Batistas

Os Batistas tém por fundador o inglés John Smyth (t 1617). Foi


primeiramente pastor anglicano. Movido por espirito reacionário, quería
urna reforma ainda mais radical do que a anglicana; em particular, nao se
conformava com a organizacáo hierárquica (episcopal) e a liturgia
anglicanas, que ele julgava supérfluas. Por isto formou em Gainsborough
urna pequeña comunidade dissidente do Anglicanismo no ano de 1604.
Foi, porém, obrigado a se exilar com seus companheiros, indo para
Amsterdam (Holanda). No exilio viveu em casa de um padeiro menonita,
que o persuadiu de que era inválido o Batismo conferido as criancinhas
(tese anabatista). Smyth entao ministrou a si mesmo um segundo Batismo,
de cujo valor, porém, comecou em breve a duvidar. Em conseqüéncia,
seus companheiros, por ele convencidos da tese anabatista, o expulsa-
ram da comunidade; Smyth nao conseguiu ser admitido nem mesmo en
tre os menonitas, aos quais pedirá acolhimento. Em 1612 um grupo de
seus discípulos voltou á Inglaterra e lá fundou a primeira Igreja dita "Ba
tista" (nao mais Anabatista), também chamada "dos Batistas Gerais", por
que, contrariamente á doutrina calvinista, ensinava que Cristo morreu
por todos os fiéis. Pouco depois formou-se o grupo dos "Batistas regula
res ou particulares"... Atualmente contam-se maís de vinte ramos batis
tas independentes entre si.

A origem dos Batistas foi amplamente explanada em PR 418/1997,


pp. 136ss e 396/1995, pp. 215ss.

328
Inédito:

NUDEZ NA PAULICÉIA

Em síntese: No dia 27 de abril pp. posaram no Ibirapuera (cidade


de Sao Paulo) cerca de 1200 pessoas desnudas para serem fotografa-
das pelo profissional americano Spencer Tunick, que tem feito a mesma
coisa em outros países. O presente artigo tece brevemente a historia do
nudismo e aponta os inconvenientes moráis que essa prática acarreta,
podendo levar o individuo a situagóes humilhantes e degradantes.

A imprensa deu ampia cobertura a um fato inédito no Brasil: aos


27/04/02 no Parque do Ibirapuera (Sao Paulo) cerca de 1200 pessoas
(aproximadamente dois tercos eram homens) posaram em pé e deitados
para serem fotografados sem roupa pelo profissional americano Spencer
Tunick. Este senhor, de 34 anos de idade, tem realizado a mesma faca-
nha desde 1994 em varios países, como Australia (onde compareceram
4.500 pessoas, um recordé), Holanda, Suíca, Inglaterra, Portugal, Cana
dá, EUA e, recentemente, Argentina, num total de 65 fotos. No Ibirapuera
havia gente de diversas classes sociais: médicos, professores, advoga-
dos, estudantes, bombeiros, donas de casa, em suma, pessoas levadas
pelo prazer da novidade ou pelo desejo de se mostrar livres de tabus,
como declararam elas mesmas.

Spencer Tunick assim explica o seu modo de pensar:

"Antes eu fotografava ñus individuáis em Nova York e muita gente,


muita gente mesmo quería posar para mim. Resolví entáo colocá-las jun
tas. De repente aquilo deixou de ser sobre o individuo e passou a ser
sobre a massa,... Os corpos sao materiais vivos. Todos tém urna perso-
nalidade. Mas deixam de ser sujeitos para se tomar objetos, objetos de arte".

Urna vez terminado o espetáculo diz a imprensa que 'lodo o mun


do queria repetir a dose"; cf. JORNAL DO BRASIL, Cad. B, 29/04/2002.

Tais tatos dáo o que pensar. Talvez da parte dos participantes, urna
certa leviandade terá inspirado o gesto: "Quebrar o tedio", "Comemorar a
formatura de um jeito diferente", "Amor á arte", ... Mas sabe-se que há
quem atualmente queira defender o nudismo alegando razoes filosófi
cas. - É o que passamos a considerar.
1. Nudismo e progresso

Os fautores do nudismo em nossos días apelam tanto para motivos


filosófico-científicos como para a historia antiga.

329
42 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 482/2002

Vejamos, pois, sucessivamente uns e outros argumentos.

1.1. Naturismo e nudismo

O nudismo pode ser considerado como expressáo de urna tenden


cia mais ampia dita "naturismo".

1. O naturismo é urna atividade do espirito humano que aspira a


seguir em tudo a natureza ou a realidade visívei ainda nao manipulada
pelo homem. Excluí positivamente, ou ao menos pretende ignorar, os
valores de ordem transcendente.

O naturismo gerou um certo tipo de comportamento social que apela


para a medicina e a higiene e pretende reagir contra o artificiaiismo da
sociedade urbanística e mecanicizada. Apregoa um teor de vida cada
vez mais simples; a natureza seria a grande "médica" (tese de Hipócrates);
daí a necessidade de viver cada vez mais segundo seus ditames. A con-
seqüéncia é que se háo de evitar alimentos demasiado delicados ou ar
tificiáis, rebuscados, em favor de um regime sobrio a base de produtos
naturais ou mesmo simplesmente vegetáis; preferir-se-áo vestes poucas
e leves, que nao deformem o físico da pessoa. O naturismo preconiza,
de maneira geral, a profilaxia contra as doencas (ou seja, dietas, exercí-
cios físicos, horarios sistemáticos...) a fim de evitar o recurso a farmacia
e remedios para estados morbosos. Os nomes mais representativos dessa
corrente sao Sebastiáo Kneipp, Birker Brenner, Paúl Cartón. Em 1931
fundou-se em Miláo a Uniáo Naturística Italiana (U.N.I.), com a sua revis
ta "L'idea naturista".

O naturismo assim compreendido está longe de favorecer no ho


mem a vida animal meramente instintiva. Tem, antes, em vista promover
o desenvolvimento harmonioso da pessoa humana em seus diversos pla
nos (corpóreo, afetivo, espiritual).

É, porém, sob a hégide do naturismo que tende a se colocar o


nudismo, tentando realcar afinidade com aquele, embora na verdade con-
duza a resultados totalmente opostos ao naturismo.

2. O nudismo é um sistema de doutrinas e práticas que tem por


fim difundir a nudez como se esta fosse meio oportuno para atender a
necessidades físicas e moráis do género humano.

Varios sao os principios filosóficos ou científicos para os quais apela


o nudismo:

- a filosofía de Jean-Jacques Rousseau (t 1778), segundo a


qual a natureza humana por si é moralmente boa e reta. A educacao e as
convencóes estabelecidas pelos homens a deformariam. Por conseguin-
te, segundo tais premissas, é necessário despojar-se de todo costume

330
NUDEZ NA PAULICÉIA 43

ou de toda regra de vida imposta pelos homens; entre esses costumes


convencionais, estaría (segundo a interpretacáo dos discípulos de
Rousseau) o de trajar-se;

- certas correntes psicológicas, segundo as quais a libertacáo


dos instintos sexuais é fator de equilibrio ou reencontró do equilibrio da
personalidade. A veste, sendo indiretamente um coibitivo ou sedativo
desses instintos, deveria conseqüentemente ser abolida;

- reacio contra certo pessimismo no tocante ao corpo e ao sexo.


Esse pessimismo, em épocas passadas, pode realmente ter suscitado
atitudes artificiáis e deformantes do vestuario; dificultou a aceitacao da sexu-
alidade própria do homem e da mulher. Em conseqüéncia, há quem preten
da combater os tabus do sexo, recorrendo mesmo ao acinte e á afronta;

- a onda de erotismo moderno vem suscitando um clima de


sugestionamento psicológico tal que muitas pessoas difícilmente com-
preendem o pudor e a modestia de porte e o conseqüente uso da veste.
Esta pode aparecer como parede ou barreira entre os homens.

Eis as principáis premissas doutrinárias sobre as quais se baseia o


nudismo contemporáneo.

Este pode apelar também para precedentes históricos, dos quais


abaixo enunciaremos alguns.

1.2. Fale a historia

Os historiadores apontam fenómenos de nudismo no decorrer dos


sáculos. Tenham-se em vista os seguintes:

Certos povos primitivos, tribos de indios das zonas trapicáis, geral-


mente na sua fase de declínio físico, psíquico e numérico, cediam ao
nudismo.

Na historia das religióes, verifica-se que alguns cultos religiosos


¡ncentivavam a "nudez sacra" no Egito, na Grecia, no próximo Oriente, na
india, no México e no Perú antigos; tal nudez era justificada por "estórias"
mitológicas ou pelo culto dos deuses da fecundidade; em honra de espiritas
superiores praticavam-se dancas sagradas com despojamento de vestes.

Em certas populacóes primitivas, as mulheres costumavam pros-


trar-se desnudas por térra a fim de ser favorecidas em sua fecundidade
por forcas ctónicas, ou seja, por forcas mágicas semidivinas, emanadas
do solo.

Entre monges hinduístas e budistas, a nudez tem sido cultivada a


título de ascese, mortificacáo e pobreza; é tida como expressao de des-
prendimento e insensibilldade. No monaquismo cristáo dos séculos IVA/,

331
44 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 482/2002

houve também monges (em número exiguo) que abracaram a nudez par
cial ou mesmo total no intuito de se despojarem e tornarem pobres, ten
tando assim reproduzir o que chamariam "o estado paradisíaco inicial".
Todavía esses ascetas cristáos nao fizeram escola; ao contrario, foram con
siderados como exóticos; sao heróis do amor a Deus, cuja consciéncia me
rece ser respeitada, sem que por isto seu comportamento deva ser imitado.

Entre os árabes antigos, a nudez religiosa era justificada pelo de-


sejo de preservar a pessoa da sujeira física e moral que adere a toda veste.

Em suma, varios foram os motivos de índole ou supersticiosa ou


contestável que inspiraram a nudez através dos séculos.

Nos tempos atuais, já nao sao as razóes religiosas, mas, sim, indi-
cacoes de saúde, procura do gozo e de determinado tipo de arte (note-se
o "striptease" na danca) que inspiram práticas de nudismo, as quais ten-
dem a se impor em onda crescente.

A partir de 1920, o nudismo conheceu notável difusáo, primeira-


mente na Alemanha; depois, na Franca e nos países anglo-saxónicos,
onde se constituíram grupos destinados a propagá-lo e praticá-lo, como
o "Pelagianer-Bund", o "Lichtfreunde" de Berlim, e o dos Irmáos Durville
na Franca.

Vejamos agora o que pensar a propósito.

2. A voz da consciéncia

Procederemos por partes.

2.1. Fora do consideracáo

Nao vem ao caso, neste estudo, a nudez exigida por abalizadas


razóes higiénicas ou médicas. Nada há que opor ao desnudamento do
corpo por ocasiao do banho (mesmo do banho de sol, se necessário),
contanto que se evite promiscuidade de pessoas, sexos e idades; em
tais ocasioes, a preservacáo ou o fomento da saúde, nao a ostentacáo
ou o acinte sao os criterios a ser adotados. Todavia mesmo nos casos de
tratamento higiénico o pudor e a discricao merecem ser observados, de
modo a se guardarem os limites da decencia e da dignidade.

2.2. Em foco

O que vem á consideracáo nestas páginas, é a nudez tida como


expressáo de progresso mental e moral ou como reacáo contra o espirito
exageradamente tímido dos antigos.

A essa tese do nudismo liberal ou libertino podem-se fazer algu-


mas observacóes:

332
NUDEZ NA PAULICÉIA 45

1) O corpo humano é criatura de Deus; traz em si os vestigios da


sabedoria do Criador (tenham-se em vista as estruturas do olho, do ouvi-
do, do pulmao...); a rigor, nao se pode dizer que a natureza corpórea do
homem tenha "partes desonestas". Compreende-se que hoje em dia mes-
mo os cristáos mais dignos e respeitáveis nao aceitem o dualismo pessi-
mista que inspirou certos comportamentos de outrora no setor da sexua-
lidade; é com mais tranqüilidade e naturalidade que se encara tal assun-
to; chega-se mesmo a favorecer (com razáo) a educacáo sexual dos jo-
vens dentro dos limites e do ritmo oportunos.

Acontece, porém, que, dentro do ser humano (que é afetlvo e raci


onal, ao mesmo tempo), a afetividade nem sempre obedece á razáo; as
tendencias instintivas nao se submetem dócilmente aos ditames da inte
ligencia. Daí a necessidade de se evitar a excitacáo sensual e instintiva
que resulta do desnudamente do corpo; a nudez pode provocar atos de
satinados, que a pessoa há de lamentar; porque a aviltam ou bestia-
lizam.

2) Mais ainda: a Escritura Sagrada tem sobre o assunto importante


licáo. Ela ensina que Deus constituiu os primeiros pais em estado de
amizade e filiacao divina (tal é a chamada "justica original"). Nota que
entao estavam ñus, mas nao sentiam rubor por isto (cf. Gn 2,25); possu-
indo a amizade e a graca de Deus, desfrutavam de harmonía em si mes-
mos ou em seus instintos. Os primeiros homens, porém, pecaram, nao
se mantendo na fidelidade a Deus. Urna das conseqüéncias deste ato de
rebeliáo é assim descrita pelo texto sagrado: "Abriram-se os olhos aos
dois e, reconhecendo que estavam ñus, prenderam folhas de figueira
urnas ás outras e colocaram-nas como se fossem cinturóes á volta de
seus rins" {Gn 3, 7).

Nao vem ao caso examinar aquí os pormenores desta cena bíblica


(em que terá consistido o pecado? Onde se deu? Quando...?). Apenas
convém frisar que nao há fundamento bíblico para se dizer que foi peca
do sexual. Mas o que importa, é depreender este aspecto da mensagem:
o homem senté rubor de sua nudez em conseqüéncia do pecado, ao
passo que antes deste nao o sentia.

Por qué?

- O pecado despojou o homem de algo, ou seja, da amizade e da


graca de Deus, que o tornavam harmonioso. Para encobrir esse
despojamento e evitar as manifestacóes de sua desarmonia, o homem
passou a usar veste. Assim a S. Escritura intenciona propor o significado
da veste ou da roupa do homem; esta se tornou necessária para evitar
que a pobreza ou a fraqueza interior do homem se exteriorizem em atos
desarmoniosos.

333
46 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 482/2002

As páginas bíblicas do Antigo Testamento mencionam mais de urna


vez a nudez como sinal da degradacáo que possa atetar alguém em con-
seqüéncia do pecado.

Assim Noé, embriagado e desnudo, passa vexames (cf. Gn 9, 21).

Cf. Jr 13, 26; Is 3,17; 20, 4; Hab 2,15; Lm 4, 21...

O primeiro homem mesmo, conforme Gn 3, 10, responde ao Se-


nhor: "Tive medo porque estou nu". O pecado fez que o homem perdesse
a consciéncia de que pertence a Deus; a nudez o surpreende como um
espelho que já nao reflete a ¡magem do Criador. Deus, porém, nao afasta
os primeiros homens pecadores sem os ter revestido de túnicas de pele
(Gn 3, 21). Evidentemente trata-se aqui de metáfora. A veste dada por
Deus nao extingue o despojamento e a desarmonia que o homem após o
pecado experimenta e experimentará; mas essa veste simbólica signifi
ca que o homem continua a ser chamado á dignidade de filho de Deus
(revestido da graca santificante), dignidade que o primeiro pecado ame-
acou. Na visáo bíblica, portanto, a veste veio a ser o sinal de que, de um
lado, o homem está interiormente desnudado (destituido de harmonía,
pois é portador de concupiscencia desordenada), mas, de outro lado, ele
conserva a possibilidade de voltar á gloria perdida.

3) Pelos motivos atrás indicados compreende-se que numa autén


tica visáo crista nao se pode justificar o nudismo.

Este supóe a tese filosófica de J. J. Rousseau segundo a qual a


natureza humana é por si propensa ao bem moral e isenta de tendencias
desregradas. Ora, tal proposicao nao se concilia nem com a experiencia
nem com a concepcáo crista do homem. A veste tem um significado e
urna fungió sugeridos ou mesmo exigidos pelas presentes condicóes do
ser humano. Ela exprime a realidade íntima da pessoa: esta é, como foi
dito, alguém que padece desordem interior, mas tende a se reestruturar
segundo os ditames da sá inteligencia e da fé.

A recusa sistemática de veste redunda em excitacáo da concupis


cencia desordenada. Tende a favorecer a vida instintiva do homem, nao
levando em considerado o fato de que nem tudo que a sensualidade
pede é apto a construir urna auténtica personalidade. Esta, como disse-
mos, se rege, antes do mais, pela razáo e pela fé; concebe um ideal
condizente com sua dignidade e, em vista disto, deve saber evitar tudo
que a desvie para urna vida meramente erótica ou hedonística.

4) É possível que a prática do nudismo concorra para dissipar a


curiosidade sexual e os tabus concernentes á sexualidade. Todavía fica-
rá sempre no homem a tendencia impulsiva e irracional, para a qual a
nudez há de ser sempre um aguilháo. Jamáis se conceberá um ser hu-

334
NUDEZ NA PAULICÉIA 47

mano que nao tenha impulsos sexuais e que nao se veja exposto a su-
cumbir-lhes independentemente dos propósitos de sua razáo; o
desnudamente, portante, será sempre um excitante para o instinto.

5) As razoes pretensamente higiénicas alegadas em favor do nu


dismo nao se ¡mpóem a evidencia: nao há dúvida de que o sadio metabo
lismo do organismo rejeita roupagem desnecessariamente pesada e
modas ou artificios deformantes; exige também contato com o sol. Toda
vía a prática da helioterapía, fora excecóes, nao requer total
desnudamente. - Em qualquer hipótese, a saúde física e mental da pes-
soa humana só pode ser beneficiada pela observancia do pudor. Por
mais evoluído ou civilizado que se torne o homem, ele jamáis poderá
dispensar autodominio, tempe ranga, torga de vontade...; ora, estas qualida-
des tém no nudismo um antídoto e um contra-testemunho, como encontram
num vestuario sobrio e digno o seu fomento e a sua expressio auténtica.

6) Observam, de resto, os estudiosos que a extincáo, ao menos


parcial, do interesse e da curiosidade sexuais (caso ela fosse obtida pelo
nudismo) poderia acarretar frieza e diminuicao das disposicoes necessá-
rias para a realizacao conjugal; em conseqüéncia, as pessoas interessa-
das poderiam ser induzidas a procurar novos e requintados estímulos
para a vida sexual, chegando mesmo a práticas aberrantes neste setor.

Á guisa de ilustracao, pode-se ainda dizer urna palavra sobre


3. Repressáo á obscenidade

Em mais de urna das nacóes ocidentais tém-se empreendido cam-


panhas em favor da liberacáo da pornografía e da obscenidade, median
te a ab-rogacáo das leis que coíbem ou restringem o obsceno.

Na Dinamarca, tal resultado já foi obtido.

Na Alemanha Federal, por maioria de um voto apenas, o "Bundesrat"


(Parlamento) rejeitou um projeto de leí que visava a cancelar o artigo 184
do Código de Direito Penal (repressáo á obscenidade e ao lenocinio).

Nos E.U.A., a Comissio Nacional referente á Obscenidade e Por


nografía publicou um parecer favorável á libertacáo de ambas em notá-
vel escala1: preconizava a abolicáo das leis que limitam os direitos de ler,
obter ou ver material de conteúdo explícitamente sexual. A esse parecer
respondeu em novembro de 1970 o Presidente Richard Nixon nos se-
guintes termos:

1 Cf. The repon oí the Comission on Obscenity and Pornography", publicado em


"paperbook" com introdugáo de C. Barnes do "New York Times", Bantam 700.
2 O texto do Presidente Nixon está distante de nos no tempo, mas nao deixa de ser
muito significativo.

335
48 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 482/2002

"Há algumas semanas, a Comissáo Nacional referente á Obsceni-


dade e Pornografía apresentou o resultado do seu estudo. Examinei aten
tamente esse relatório, e categóricamente rejeito as suas conclusóes
moraimente desfalecentes. Enquanto eu estiver na Casa Branca, nao
haverá afrouxamento no esforgo nacional para controlar e eliminar o obs
ceno em nossa vida nacional. A Comissáo afirma que a proliferagáo de
livros e espetáculos indecentes nao tem efeito duradouro, nocivo aos
valores do ser humano. Se isto fosse verdade, também deveria ser ver-
dade que livros, pinturas e espetáculos de índole positiva nao tém efeito
nobilitante para a conduta do homem. Ora, séculos de civilizagáo e dez
minutos de bom senso nos dizem o contrario.

A Comissáo recomenda a ab-rogagáo de todas as leis que contro-


lam a pornografía para os adultos, mas recomenda que continuem as
restrigóes para as criangas. Numa sociedade abena, tal proposta é in-
sustentável. Se a cota de lascivia sobe entre os adultos, ajuventude da
nossa sociedade nao pode deixarde ser acometida poressa inundagáo.
A pornografía pode corromper urna sociedade e urna civilizagáo. Os re
presentantes que o povo escolheu, tém o direito e o dever de impedir tal
corrupgáo.

A apresentagáo retorcida e brutal do sexo em livros, espetáculos,


revistas e filmes, se nao for detida e neutralizada, poderá envenenar os
gérmens da cultura e da civilizagáo americanas e ocidentais. A contami-
nagáo da nossa cultura, a contaminagáo da nossa civilizagáo mediante
pornografía e obscenidade constituem problema táo serio para o povo
americano quanto a poluigáo do ar e da agua. A pornografía nem sequer
deveria ser mantida na escala em que se acha. Deveria ser banida de
todos os Estados da Uniáo. Assembléias e Cortes legislativas, em todos
os niveis do governo norte-americano, deveriam agir concordemente para
atingir essa remogáo.

Reconhego períeitamente a importancia de protegermos a liberda-


de de expressáo. Mas a pornografía é para a liberdade de expressáo
aquilo que a anarquía é para a llberdade em geral. Como os homens
livros sacríficam, de boa vontade, urna parte de sua liberdade, assim nos
devemos tragar urna linha contra a pornografía a fim de proteger a liber
dade de expressáo. A Corte Suprema já há muito sustentou, e recente-
mente reafírmou, que a obscenidade nao é enquadrada dentro do setor
de protegáo da palavra e da imprensa. Aqueles que procuram abater os
diques da obscenidade e da pornografía, infligem um golpe severo justa
mente áquela liberdade de expressáo que eles professam propugnar. Além
do mais, caso se adotasse urna atitude de tolerancia frente á pornografía,

(Continua na p. 298)

336
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DIÁLOGO COM DEUS. INTRODUCÁO Á "LECTIO DIVINA". D. Garda M. Colombás,
MB Traducáo: Monges do Mosteiro da Ressurreigáo. Paulus. 1996,
128 págs R$ 11,50.
Trecho da apresentagáo: "...O presente texto, como lemos no prólogo da edicáo espa-
nhola reúne conferencias originariamente dirigidas a auditorios monásticos. Podem,
entretanto, por sua simplicidade, aliada ao dominio seguro e profundo do tema, orientar
leigos e religiosos na prática frutuosa da lectio divina...".
O MANTO DE ELIAS. ITINERARIO ESPIRITUAL PARA A VIDA RELIGIOSA. Enzo
Bianchi Traducáo Mosteiro de N. Sra. das Gracas. Cimbra-1996. Editora Santuario. 114
págs R$ 11,50.
Trecho do prefacio: "...Na crise atual que a vida religiosa, profundamente, ainda atraves-
sa, nao é oportuna urna modernizacáo, mas apenas urna resposta do radicalismo evan
gélico testemunhado pela grande tradicáo...".
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edicáo - 1996 - Artpress - Sao Paulo. 142 págs.
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Trecho de prólogo do autor: "...O único desejo que nos leva a publicar este ensaio sobre
táo delicado assunto, numa época em que o racionalismo vai causando tantos estragos,
é sermos de utilidade a nossos irmáos na fé...".
TRATADO SOBRE A ORACÁO. Tertuliano, S. Cipriano e Orígenes. Traducáo do Revmo.
D Abade Timoteo Amoroso Anastácio, OSB. Revisáo: Mosteiro de Maria Máe do Cristo
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Comentario sobre o Prólogo e os capítulos 53, 58, 72, 73 da Regra Beneditina -
Traducáo do alemáo por D. Mateus Rocha OSB.
A autora é professora no Pontificio Ateneu de Santo Anselmo em Roma (Monte
Aventino). Tem divulgado suas pesquisas nao só na Alemanha, Italia, Franca, Portugal,
Espanha, como também nos Estados Unidos, Brasil, Tanzania, Coréia e Filipinas, por
ocasiáo de Cursos e Retiros. 364 págs R$ 12,90.
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BENTO - transformou-o em exemplo vivo, em mestre e em legislador de um estado de vida
crista, empanhado na procura crescente da face e da verdade de Deus, espelhada na traje-
tória de um viver humano renascido do sangue redentor de Cristo. - Assirn, o discípulo de
Sao Bento ouve o chamado para fazer-se monge, para assumir a "profissáo" de monge".
■ OS CISTERCIENSES - Documentos Primitivos, foi publicado originalmente na Franca
(Citeaux Commentarü Cistercienses), tendo urna introducáo e bibliografía do irmáo
Francois de Place, da Abadía de Notre Dame de Sept-Fons. Sua edigáo no Brasil foi
urna iniciativa do Mosteiro Trapista de Nossa Senhora da Assuncáo de Hardenhausen -
Itatinga, em Sao Paulo, tendo o apoio dos beneditinos do Rio de Janeiro. A tradugáo é do
jornalista Irineu Guimaráes, por muitos anos correspondente no Brasil do jornal francés "Le
Monde". Padre Luís Alberto Rúas Santos, O. Cist., foi o responsável pela revisáo da obra.
O livro sai pela Musa Editora, de Sao Paulo, em coedicáo com a "Lumen Christi", do
Rio de Janeiro (254 páginas) R$ 25,00.
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Abade de Mont des Cats. Tradugáo do Mosteiro de Salvador. CIMBRA. 1997, Editado
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as Espirituais. 3a edicáo portuguesa pelos monges de Singeverga. 540 págs R$ 40,00.
- JESÚS CRISTO VIDA DA ALMA, Dom Columba Marmion, OSB. Quarta edicáo portu
guesa pelos Monges de Singeverga, Portugal. 1961, 544 págs R$ 40,00.
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Moura, OSB. Baseada em parte em traducáo de Dom Ludgero Jaspers, OSB. Revísáo de
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