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© Direitos auroras, 2011, de André Kaysel Velasco Cruz, Direitos de publicagio da Hucitec Editora Rua Gulnar, 23 —05796-050 Sio Paulo, Brasil ‘Telefone (55 11 5093-0856) wwhucitecedicora.com br lerereler@huciteceditoracom.br Depérito Legal efetuado, Coordenasi0 editorial MARIANA Napa Assessoria editorial MARIANGELA GIANNELLA 4 meméria de Gildo Marsal Brandi, (quem — tanto na condiso de mestre, ‘quanto na de militante comunista— fox parte desta historia CIP Bs Catogato-ne Foe ‘Stata Nacional ox Ete de ios ia Kap Andee Bratemomtorente oman ce Aria Latina Ande Kael ‘SP: Haste: Anpoc Peps, 202 hip 7 cm. Penemeapoltcorscl9) leek cine ISBN 978 -on806 3-7 1. Sasa ~ Ame Latinn 2 Com ~ Ase Latin 3. Anche Latins Pic ceo, 4 Canc plite 5 Floste ‘Rem Atscigo Nasale P-Crn emCncis Pelt ‘Gre Sociedade Apo Pega Go Edo de ‘Sho I Ta Sone 2-676 cpp s20.s320% cDu a7 Capitulo 1 Marxismo e questéo nacional na América Latina 0 inicio da Introduglo, afirmei que a presente pesquisa procurava ]comparar o tema da questio nacional nas obras dos marxistas Caio Prado J.c José Carlos Maritegui. Bem, afirmé-lo implica supor que, deum lado, «forma pela qual ambos tratam a questio nacional os aproxima de algum modo e, de outro, que os singulariza dentro de um determinado Lniverso (no eas0, o do marxismo latino-americano). Para demonstri-lo é necessiri retomas a mancira pela qual otema secolocou no pensamento politico de orientagio marxista que se desenvolveu na América Latina, Isso implica também resgatar 0 modo pelo qual a questio nacional foi abordada na tradigao marxista em ger 1.4 Questo nacional e marxismo, ‘Antes de qualquer coisa faz-se necessrio esclarecer algumas confi sides terminoligicas, ou seja,€ preciso diferenciar termos como “guestdo racicnal” € nacionalismo. O primeiro, cunhado, segundo Hobsbam, no interior do marxismo da TL. Internacional, designa os dversos conflitos que ‘emergiram em torno das identidades nacionaise reivindicagses nacionals- tas em expecial na Europa Centro-Oriental) Ji o naconalismo farsa deideologias heterogéneas que se centram na reivindicagio da pertenga a ‘uma determinada nagio, * Bric J, Hobsbawan, Nader © navonalionss dede 1780, Rio de Janeiro: Pos © ‘Terra, 1990. Intodugt. 46 | Os contextos Assim, retorna-se controvés s€eulo XX, do que seja uma nagao. Como lembra Benedict Anderson, em «ue pese a importancia crucial inequivoca do nacionalismo nos iltimos dois séculos ¢ flagrante adificuldade de encontrar definiges amplamente aceitas ou consensos minimos em relagao esse fendmeno ou em relasio ao proprio conceito de nagto.* A literatura mais rigorosae apeofundada sobre ‘tema tem se acumlado apenas apés o segundo Pés-Guerra, em especial, partir dos anos 70. Embora este nfo seja o tema deste estudo,é possivel delimitar, se~ sguindo a sugestio de Anthony Smith, dois campos alternativos de signifi- cados da nacio, 0s quais balizariam tanto os estudos académicos sobre © assunto quanto as préprias ideologias nacionalistas.* No primeiro, a nasio seria demarcada por diferengasétnico-culturas (as vezes, mesmo biol6gi- o-raciis), endo essas caracteristicas“herdadas” por um povo de tempos pré-modemos ou até “imemoriais’. Essa vertente tem origem no romantis- ‘mo alemio de fins do século XVI e inicio do XIX e nos conceitos de Valk © Kultur Essa forma de conceituagio talvez tena sido a mais popular entre 0 nacionalismos mais militantes ‘A associagio dessa conceituagio, em fins do século XIX, com as teorias do “racismo cientifico” e com os nacionalismos agressivos de dirita os quais deram em fendmenos como o nazifiscismo — tornaram-na bastante impopula entre intelectuais ocidentas, tanto de orientagio libe- ral, quanto socialista,Todavia, no final do século XX surge, no campo aca dlemico especalizado, vertentes de estudiosos, como o proprio Smith, que procuram resgataras“razes” étnicas pré-modernas das nagies. Em oposigio a esse “paradigma perenialsta” pode-se apontar outro que Smith denominou “paradigm modernista’. No plano das ideologias nacionalistas,o paradigma *modemista’ pode ser encontrado em uma con~ cepsiio de nacio associada, de um lado, i Revolugao Francesa, de outro, as Independéncias das colénias nas Américas. Trata-se de entender a nasio 7 Benedict Anderton Into ne Capa Balshnam (os Um map de guestio nacional. Rio de Janeiro; Contraponto, 2000, p. 10. “ne "Antony Smith, Nala and Madero. Lonees: Reeds, 198, pp 89, *Mhidem, pp. 9-12. ‘Marxismo e questéo nacional na América Latina | 47 como 0 conjunto de cidadios iguais e unidos por um determinado pacto constitucional. Assim, a pertenga i nacio nio se daria por laos de “sangue” cou “cultura”, mas pela aceitagio cotidiana e reiterada de determinadas convengies, lise instituigdes, como na famosa definigio de Renan: “Uma [Nagio¢, pois, uma grande solidariedade, consttuida pelo sentimento dos sacrificios que fizemos e daqueles que ainda estamos dispostos a fazer. [...] Elase resume, no presente, portanto, a um fato tangivel: 0 consenti- ‘mento, claramente expresso de continuar vida em comum. A existéncia ‘de uma nagioé[. ..]um plebiscito de todos os dias, como aexisténcia do individuo é a afirmagao perpétua da vida"? ‘Fino ambito dos estudos specializados, entre os quaiseste tem sido © paradigma dominante, as nag6es seriam fendmenos fundamentalmente novos na histéra,tributiria do advento da consolidagio, tanto do capita- lismo industrial quanto do Estado modemo (no por acaso denominado “Estado-nacional”). Assim, osurgimento de “comunidades nacionais” seria, «forma dominante de organizagio politica da modemidade, sendo assim algo mutivel etransitério. Entre as fontes teéricas heterogéneas que originam o que denomina ‘como “paradigma modemista’, Smith inclu o pensamento de Karl Marxe Friedrich Engels” Nio que os pais do materialismo histérico tenham dado algum conceito acabado de nagio, o que, como dito na introducio, nunca fizeram,Tiodavia, procuraram entender o advento de nagbes como um desdo- bbramento do desenvolvimento do capitalism e da consolidagao da burguesia, como classe dominante, moldando o Estado ea sociedad asuasemelhanga.* Entretanto essa visio macro-histérica no ésuficiente para dar conta dda variedade de comunidades nacionais e movimentos nacionalistas que sugiram desde fina do século XVII. Possivelmente os pressupostos da mest Renan. Quies-ce quune maton. In: dem, Quist glume maton autres enay, Pats: Preses Pocket, 1992, pp. 54-5. "Rnhony Saith. Nacionalsm and Modernism, city pp. 12-6 " Widem + Hteisteamplabibiliogafa sobre a questo nacional no pensamento marst~ ‘2. Par algae eormplor, of René Galvest 0 movimentn agora fontn hag» 20 nacionalismo. In Eric J. Hobsbawe (org). Hattie do marsioma, city vol. Ws “Michael Livy 8 Geran Haupt, Lar mara: y le ucién nacional. Bareiona: Ei torial Fontamra, 1974 e Leopoldo Masmora. Ei conapte snaist de nacion. Mexico Pasado y Present, 1986, 48 | Oscontextos ddeterminago da superestrutura pela infraestruturae do carter internacio- nalista da furura revolugio socalistatenham impedido Marx e Engels de dvotar um interesse mais sistemtico ao problema. Como se sabe, 0 tema 6 preocupava os dois evolucionsrios alemiies quando estivess relacionado 0 sucesso (ou fracasso) da revolugao proletiria. Os nacionalismos pode ‘ter uma contribuigo progressista se, de ur lado, minassem antigos regimes feudais edessem origem a Estados burgueses (caso do polonés edo hiinga- oem 1848) ou, de outro, se representassem abalos no capitalism mais de~ senvolvido que contribuissem para a causa do proletariado (caso da Inlanda). Jéos nacionalismos tidos como “reacionitios” eram os de pequenos povos agririos os quais, contra o advento do capitalismo e da sociedade bburgues, se aliavam aos impérios absolutistas (caso dos tchecos eeslavos do sul, ue, em 1848, estiveram ao lado da Rissia contra poloneses, hingaros ccalemies). Essa distingio fo formulada por Engels com o conceito hegelia- no depovos com ou sem histéria’.’ Por tis dessa valorizagio positiva ou negativa de determinadas revindicagées nacionalistas,estavaaleitura do desenvolvimento capitalista como uma tendéncia homogenizadora e pro- sgressista, como consagrado nas primeiras paginas do Manifesto comunista A burguesia [... arasta todas as nagies, mesmo as mais barbaras, para.acivilizagao. Os pregos baixos de suas mercadorias sto aarti- Tharia pesada com que deita por terra todas as muralhas da China, ‘com que forya acapitulagao 0 mais obstinado ddio dos barbaros 20 cestrangeiro. Compele todas as nagées a apropriarem o modo de pro- ‘Comintern € siglo para Internacional Comunista em russo, Acabou se tomando win denominasio de'uso corente para se referir 4 TC. 52 | Oscontextos Aose observara trajet6ria da questio nacional no marxismo cissico ‘pereebe-se que seus principais modelos estiveram nos movimentos nacio- nalistas dos impérios da Europa Central ¢ Oriental: poloneses, tchecos, hhingatos, eslavos do sul ete." Outro exemplo importante foi o do movi- ‘mento nacionalista irlandés, dado o fato de que este se chocava contra a principal poténcia do capitalismo da época. ‘Apésa Revolugio de Outubro, o problema da expansio imperilista «eda crescente agitacio anticotonial na Asia, Africae Oriente Médio, aca- ‘bou fornecendo aos comunistas novos modelos, em particular, como acima mencionado, 0 da Revolugio Chinesa, antifeudal e anti-imperialista, na qual os comunistas atuavam (até a ruptura de 1927) em alianga com a ‘burguesia nacional, reunida em torno do Partido Nacionalista Chinés, 0 Kuomintang.” Embora a China nio fosse formalmente uma colénia, a ‘questio nacional continuou sendo entendids, no fundamental, como o pro- blema de nagdes — isto é, unidades étnicas ou culturais — que lutavam, contra. a dominago estrangeira para constitu seus préprios Estados inde pendentes (condicao fundamental de uma revokusio burguesa e da ulte- ror lita do proletariado pelo scialismo).O que dizer, entZo,de paises como ‘0s da Amética Latina, nos quais a independéncia fora conquistada —na grande maioria dos casos —no primeiro tergo do século XIX? Qual seria 0 enquadramento adequado do problema nesses casos? 1.2. Aconstrugao da nacdo e as “vias” para o capitalismo As dificuldades encontradas para responder a tas perguntas aju- dlam a esclarecer os impasses do marxismo na América Latina caguilo que justiica a comparasio entre os autores aqui analisados. Contudo, antes de passar @ andlise dos problemas enfrentados pelo marxismo na regito, & interessante discuircontibuigSes que, emboranio sejam teorizagies,es- pecificamente, sobre a questio nacional, fornecem uma base decisva pa 6 enquadramento do problema que aqui se propée. ™ Ruel Schleninge Za Intrcnal Community yo prone coli Me xico: Pasado y Presente, 1974, p, 35. f Thidem, pp. 49-55. © tema da alana coon a ungoesia nacional nos colons pace tet sido comtronern. Vj, a ene respi a pln ene Li 0 comutnts indiana MN. Roy, durante w Ls Congreso da intemaional Com si pps 5, Marxismo e questo nacional na América Latina | 53 Um conceito fundamental pars tratamento da questio nacional 60 de “via prussiana”, desenvolvido por Lénin, Nao se trata do Lénin que formulou a questio nacional em termos de “autodeterminasao”, mas sim daquele que se debrucou sobre o desenvolvimento do capitalism na Ris- sia. Em seus estudos sobre o tema, 0 lider bolchevique comparou 0 oqua- cionamento da questio agrtia no Império Russo com aqueleefetuado na Passi ou seja, manutengio do controle dos latifundiarios sobre a terrae 0s camponeses,aliaco a um processo de arranque industral.* ‘Tal solugdo contrastaria fortemente com a empregada na Revolugio Francesa e na Guerra Civil americana. Nos dois iltimos casos, lembra Lé- iga classe senhoril foi eliminada ca terra redistribuida, sendo essaa base do desenvolvimento capitalista. Assim, o autor russo aponta 0 problema da existéncia de diferentes “vias” parao capitalismo: de um lado, as “vias americanas”, caleadas na reforma agritia € na aianga entre bur- uesia ecampesinato ¢, de outro, as “vias prussianas’, apoiadas na alianga centre a antiga classe ltifundldria ea burguesia, excluindo o campesinato. ‘A teorizagio sobre as diferentes vias para 0 capitalismo foi, sem davida, uma importante inovagio leninista que esteve na base de sua cstratégia para a revoluso na Riissia. Até entio predominara no marxismo ‘uma leitura evolucionista de uma sucessio universal de modos de produ- ‘gio, nessa chave, uma dada formagao social teria de passar pelas mestias tapas que as demais. ronicamente, na IL Internacional esse raciocinio :mecanicista seri retomado a propésito dos paises “coloniais e semicolo- nai", como se veri mais adiante, "Assim, ao analisar a Revolugio Russa de 1905, Lénin afirma se ela ‘uma revoluso burgucsa no sentido de que suas tareas histéricas — liqui- dagdo do czarismo e da srvidio —ampliariam as bases do capitalism na Riissi. Todavia, segundo a formulago de Lenin, ao contritio do que pen- savam os mencheviques (mais afeitos a um modelo evolucionista) a bur- gues dado a sua constituigio a sombra do ezarismo seu medo da classe operira,prefertia chegar a um entendimento com o czarafim de realizar seus interesses, aaliar-se aos operirios contra a monarquia.”” ° Vladimir litch én, © deenvoleimente do eaptaims na Rusia, Sto Paulo: Abril Cultural, 1982. Idem, Dues tics da sxial-domacraca na revaligae democratic In: dew, (ras esol. Sto Paulo: Al Omega, 1986, vl. 1, p 406 54 | Oscontextos Para o lider bolchevique, a alianga de class objetivo e condigbes de levara revolugio democritica adiante seria aquela entre o proletariado eo campesinato,além de elementos da pequena bur- guesia.” A revolugio democritica,levada adiante pelo bloco operitio- ~camponés, preparatia as condig6es indispensiveis ao ulterior desdobra- ‘mento socialista do processo revolucionitio. Desse modo, o diagnéstico do tipo de desenvolvimento capitalista que teria ocortido na Riissia levou Lénin a distinguir entre o cariter da revolugio e as classes que poderiam realizé-la, rompendo com a perspectiva que deduziaossujeitosdirigentes, do processo revolucionatio a partir ds objetivos histéricos deste. Assim, de acordo com Lénin, embora a Revolugio Russa fosse, por suas tarefashists- ricas, burguesa, isso nao queria dizer que caberia & burguesia, como classe, «direc do processo revoluciontio, como defendiam os mencheviguts. Se as andlises de Lénin abriram a possbilidade de se considerar diversas formas de implantagao do capitalismo em uma determinada for- ‘macio sociale, a partir dai, os diferentes processos politicos possiveis, ela ‘mio tocou no problema da nagao. Como se viu na sesso anterior aleitura leninista da questdo nacional se centrou no problema da “autodetermina- so" dos povos. Embora essa formulacio tenha sido fundamental para 0 sucesso bolchevique no mundo colonial, como foi dito na introdugio, la pode limitar por demais a compreensio do problema. Além do tratamento feito por Lénin do tema da “via prussiana”, hi ‘outracontribuicio marxista decisiva para adiscussao das diferentes formas dde modernizagio e seus diversos resultados. Trata-se dos apontamentos presentes na obra — tanto pré-carceritia, quanto carceriria—do manista italiano Antonio Gramsci. Apésa geragio do marxismo clisico,o tema da {questo nacional eda nagio entrou em deelinio entee os te6ricos do assim chamado ‘marxismo ocidental”. A notivel exceso, nesse sentido, €justa- ‘mente o pensamento gramsciano. Embora nunea tenha pretendido desen= volver uma teorizagio ou conceituagio da questio nacional, o marxista italiano contribuiu para esse debate na medida em que procurou entender a formasio histérica de seu pais e os desafios que esta punha para uma estratégiarevolucionsria bem-sucedida na Italia, Lenin. Daas tics da sacial-demcravia na evap demartia, it, pA. ‘Marxismo e questéo nacional na América Latina | 55 porisso que, nos Cadernas da edrcere, Gramsci dedicaré um espago igpificativo para o tema do Risorgimento. Nessus passagens, 0 autor apon- ta.como a construgio de um Estado e de uma Nagioitalianos foram blo- _queados, tanto pela fragmentagio da burguesia italiana nas Cidades-Es- taco, quanto pela Igreja Catolia, a qual eriou uma camada de inteleetais Jigados, nao a uma cultura italiana, mas sim a0 universo cosmopolita euro- peu.” Ou seja, elementos importantes do passado da peninsula funciona ram como obsticuilos 2 construgio de uma identidade nacional “Mais do que iss0, 0 processo de unificagio estatal da Ita nfo se deu como na Franga, por meio de uma ruptura tevolucionéria com esse jassado. Essa auséncia ocorreu porque o grupo dirigente do Risorgimento, a.aristocracia conservadora do Reino do Piemonte, evitou tocar na questi agrivia, nico modo de mobilizar para aluta a massa camponesa que cons- tituia a maioria da populagao. Dai o conceito de “revolucio passiva” que Gramsci emprega para entender o processo de unificasio da Ita.” ‘O resultado desse processo, no qual faltaram os elementos democri ticos e populares que marcaram a Revolugao Francesa, fo a constituigio de sum Estado baseado na aianga entre a burguesia industrial do norte eos h- tifundirios dosul, que excluia a massa camponesa. De acordo com Gramsci, resultou desse bloco dirigente a chamada questio meridional’ —ou sejao atraso e pobreza do sul da Italia — que impedia a unidade nacional” ‘A anilise gramsciana, sobre a formagio social italiana, aborda a ques to nacional justamente nos termos que interessam a essa pesquisa: trata- se de compreender um procesto de construgio nacional bloqueado e de colocar esse blaqueio como cere de um programa revolucionsio, ‘Nesse sentido, uma ago revolucionsria, para ser bem-sucedida em formagoessocais nas quais a construgio da nagio nio se havia concluido, veri baseat-se na construio de uma “vontade coletiva nacional-popu- Jar isto é, mobiliar as masses populares dispersas em um movimento de reforma intelectual e moral da sociedade, criando, desse modo, um “povo- " Anetnio Gramsci, Codec do ctcere. Rio de Janz: Ciiliasio Brasileira, 2002, volume V; Caderno 19, pp. 15-4 * Tider, pp. 65-85, 2 idem pp: 87-98. Sobre o assunto, cf também Idem. Notas sobre Ia question meridional In Idem. Brie politicos, ct 56 | Oscontextos ~nago” . Foi isso que os jacobinos foram capazes de fazer na Revolusio Francesa, a0 mobilizara massa camponesa, ciando, com isso, as bases do Estado moderno na Franga. Jé na Itilia, como se viu acima, a burguesia preferiu aliar-se&aristocracia rural em ver de criar uma vontade coletiva nacional-popular nos moldesjacobinos.** Para pensar uma abordagem gramsciana da questio nacional, fxz-se necessirio abordar outro par conceitual importante para Gramsci: 0 de “Ocidente/Oriente”. No caso nio se trata de conceitos propriamente geo- sificos, mas de duas formas historicas particulares de articulagio entre 0 Estado, ou *sociedade politica” na terminologia do marxista italiano, ea sociedade civil, No “Ocidente” o Estado nasceria de uma sociedade ja consolidada e complexa. Essa relagao de precedéncta do social moldar politica, a qual seguiria as linhas dos confltose das instituigdes da socie~ dade civil Jana situagio oriental, uma sociedade civil débil e poucodiferen- ciada, seria dominada pelo Estado. Esse predominio do Estado, em contrapartida, epresentara sua frt- queza, pois nao teria anteparos ou “trincheiras” que o defendessem de um. ataque frontal. &:no Ocidente, a tomada direta do poder (como os bolehe- viques haviam feito na Rissia em outubro de 1917) seria obstada pela srossa malha representada pela sociedade civilea dominagio cultural que nila se exerce. Esses dois tipos de relagio entre sociedade politica e socie- dade civil exigiriam, portanto, estratégiasrevolucionsrias distinta, No caso das formagoe'sociais de tipo “ocidental’,em ver de se empregar a“guersa de movimento” — isto é, 0 asslto direto a0 poder, adequado aos casos “orientais” — seria necesséria uma “guerra de posigio”, ou seja, a luta prolongada, no ambito da sociedade civil, pela constituigio de uma nova hhegemonia dos grupos subalternos que substtuisse a das antigas classes dominantes.* Retomarei ao problema da distingao entre "Ocidente” e “Oriente”, bem como a suas consequéncias teéricas epoliticas, ainda neste capitulo e.em outras oportunidades 20 longo do trabalho. Pochora, importante enfitizar que conceitos como os de “revolugao passiva’,“vontade coletiva nacional-populas”¢ “Ocidente/Oriente”, com (05 quais o revolucionsrio sardo trabalha, apontam para a necessidade de 2 Idem, Cadernar d cree it, vl |, Caderno 13, p18, ® Widem, pp. 71-2 ‘Marxismo e questao nacional na América Latina | 57 analises coneretas de situagies concretas que possbilitem a ago bem-su- cedida na sociedade que se deseja transforsnas. Se no hi uma tentativa por arte de Gramsci de formular um conceito de naga, esta nto deixa de ter grande importincia em seu pensamento. A nagio, seguindo as suges- tes gramscianas, nioé algo dado, mas antes um processo cujos resultados cemergem ou se decidem no mbito das relagbes de forgas na disputa pela hhegemonia na sociedade civil e pelo poder de Estado: isto é, no plano da superestrutura ( tipo de analise empreendida pelo autor dos Cadernes do edvere ‘-aproxima do esforgo intelectual dos autores aqui investigados. Nem Caio Prado, nem Mariitegui estiveram interessados em uma conceituagio da questo nacional, mas sim em entender quais 0s obsttulos historicos que impediam a integracio nacional, nos moldes do processo revolu-

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