Você está na página 1de 2

Anatomia de um cometa

25/09/2005

Autor: MARCELO GLEISER


Origem do texto: COLUNISTA DA FOLHA
Editoria: MAIS! Página: 9
Edição: São Paulo Sep 25, 2005
Seção: + CIÊNCIA; MICRO/MACRO
Observações: PÉ BIOGRÁFICO

Anatomia de um cometa
O interesse de astrônomos por cometas não deixa de ser semelhante ao de paleontólogos
por fósseis
MARCELO GLEISER
COLUNISTA DA FOLHA
Alguns leitores devem estar lembrados do incrível feito da Nasa ocorrido no dia 4 de
julho, a colisão de um bólido com o cometa Tempel 1 (Micro/Macro de 10.jul.2005). O
objetivo da colisão foi estudar a composição interior do cometa a partir da análise do
material ejetado. O equivalente seria atirar uma bola de gude em um bolo para ver qual
é o recheio: quanto maior a velocidade e a massa da bola, mais bolo voando pelos ares.
Uma espaçonave a 800 km de distância acompanhou o evento com câmeras e detectores
diversos.
O interesse de astrônomos por cometas não deixa de ser semelhante ao de paleontólogos
por fósseis. Você acha um fóssil e, a partir dele, tenta reconstruir todo um passado
inacessível de qualquer outro modo. No caso dos cometas, a idéia é voltar à origem do
Sistema Solar, viajar 4,5 bilhões de anos no tempo. Foi então que nasceram os planetas,
asteróides e cometas, a partir da acumulação gradual de material girando em torno do
Sol ainda bebê. A vantagem dos cometas é que, como suas órbitas estão muito distantes
do Sol, seu material permanece a temperaturas baixíssimas e, portanto, praticamente
inalterado. As teorias de formação de cometas sugerem que são feitos principalmente de
dióxido de carbono, água, alguns compostos orgânicos e grãos de poeira, como uma
bola de neve suja. As observações mostram algo diferente.
"Sua estrutura é mais frágil do que a de um suflê", afirmou um dos cientistas, um
aglomerado de partículas mais parecido com talco do que pedra. A "cola" que mantém o
cometa íntegro é sua gravidade. Do tamanho aproximado do monte Everest, o cometa
tem a consistência de um suspiro. O doce, não a exalação humana.
O impacto entre o bólido de cobre e o cometa criou uma cratera de aproximadamente 30
metros de profundidade. Os detectores da nave-mãe, temporariamente cegos pela
explosão, mostraram uma pluma de material ejetado, 10 milhões de kg de partículas
extremamente finas viajando a 10 km/s, que permaneceu em suspensão sobre o cometa
por 40 horas, um repuxo feito de talco. Em torno de 95% do material suspenso pela
explosão voltou ao cometa, atraído pela sua gravidade. Usando imagens tiradas 45 e 75
minutos após a explosão, cientistas puderam medir a velocidade com que a pluma
cresceu. Como essa velocidade é controlada pela gravidade do cometa, os dados
permitiram aos cientistas estimar a densidade do astro, comparando-a com pedras
terrestres. Os resultados foram surpreendentes: o cometa tem 60% da densidade do gelo,
um amontoado de poeira voando junto devido à atração mútua.
Ninguém sabe ainda como cometas evoluem a partir de pequenos agregados de
partículas menores do que um fio de cabelo. Ademais, os resultados preliminares do
impacto mostram que o cometa parece ter uma estrutura semelhante à de uma cebola,
camada sobre camada, provavelmente produto da acumulação gradual de material
durante centenas de milhões de anos.
É possível, também, que as camadas sejam resultado de erupções vulcânicas provocadas
toda vez que o cometa se aproxima do Sol em sua órbita. Voltando à imagem do bolo,
cada camada é de um sabor diferente, que depende do material ejetado durante a
erupção. Uma lição importante disso é como cientistas obtêm informação sobre eventos
e objetos distantes. O acúmulo é gradual e difícil, mas fundamentado em observações
quantitativas e reprodutíveis. E os resultados são mais mágicos do que qualquer
fantasia.

Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover


(EUA), e autor do livro "O Fim da Terra e do Céu"

Você também pode gostar