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‘A QUESTAO DA PERIODIZAGAO DA HISTORIA LINGUISTICA DO BRASII. Tania Lobo UFBA Preliminares ‘A questéo aqui ciscutida ~ a da periodizagéo da historia ingistica do Brasil - ¢ um tema um tanto “datado’e, talvez, JA mesmo superado no conjunto de temas relevantes que os historiadores da lingua portuguesa no Brasil se colocam na atualidade. ‘Ao observar as diversas formas através das quais a relagéo entre a historia e a lingiistica se tem manifestado ao longo do tempo no ambito dos estudos linguiisticos, Adolfo Elizaincin (1998:143-144) afirma: Tracionalmente (para estalecer una frntera temporal, digamos antes del advenimiento de la socolingisia), la Historia se una a la inglistica bajo dos formas académicamente reconacids (esto es, libros, cursos Universitario, ‘congresos, et): I “gramética histricay la ‘historia de la lengue. Taree lominclogia estaba implica [a historia, en rlaci al lenguoe, desde “tera o desde “dent, Si era desde “Yerue! se ralaba de “gramatca histrce’, es decr, el estudio de la evolucion intema de as formas ingisticas en perspetve diactéica, sin pestreloncién alas ceunstancias sociales dela erentes €noas por las que vihata fengea. Si. por el cortrafo, ol punto de vila prvlegiaba une vision desde ‘Tuer’, so trataba dela “ito de 2 fengua’ 0 "istora extma de la lengua’, dscpina en la que culdadosamente se fba correlaionand les cambios internos con las vicisitudes sociales de las diferentes épocas. rete contexte enistemecégico emerge, en la década de 60, la sociingifsice y enlonces todo cambia: la dstincén tive “extemo’e ‘intemne’con celacion ai lenguaje ya no parece plausible ni razonatle, por cuanto no es posible tonoabir el lenguage fuera desu enforno soca; més aun, el lenguaje existe en vitud del contest social en el que se ‘encuentra imerso, ‘A preocupagdo quanto ao estabelecimento de Tases’, ou seja, quanto & periodizagao da historia de uma lingua é, por assim dizer, tipica de um momento anterior 20 de uma concepgo de lingua que emerge no Ambito dos estudos sociolingilstcos, mais especficamente de um momento em que, utlizando os termos de Ellzaincin, “estaba implicita la historia, en relacién al lengua, desde fuera’. ‘ho se rotomar esse tema, ndo se adota esta perspective que se poderia chamar de “raciconat’. Num momento em que a volta’ do interesse pelos estudos diacrénicos no Brasil data de apenas pour mais de uma década, revistar velhas questbes pode ser uma forma de tentar estabelecer noves tradigdes. Aqui se apresenta uma nova proposta de periodizagao da historia ling tica do Brasil, que, embora passvel © certamente sujlta a reformulagées posteriores, se paute, dferentemente de outras propostas do género, em critérios mals de natureza sociolingilstic, aravés dos quais se divisam dois grandes quadros histbrcos essencialmente distin nos 500 anos de historia da lingua portuguesa no Brasil, Considera-se, portanto, “ti” periodizar quando, na base da periodizagso, esto mudangas estruturais, globais e profundas™. —_ 11) Observa o tstoiador Femando Novais (1995:14); “Transiggo, ja se disse com alguma propriedade, € tudo em histo, 2 onto de 2 pripria historia poder defini-se como o estudo da transi (U, Ortega y Gassel). Se, de facto, se quer indicar a nt eo a sGcde,oerveenitlagarse dos acnteimenos no cso da his» pemanete comers ce (reer taneatas com anfodpahes ainda nBo coneretamente defnidas, a afrmapso ganha sentido e expire dos tragos ‘eosencials da realidade histca, E no entanto, para certas épocas mals do que para cues, & prépria sensiblidade ea tradgd0 Gesell de aerqetn vim revean A sr eesaproato fear on anno ce, € sub do oben kee inextricével interpenetragao acima referida, 0 ‘desenrolar da histéria 6 periodizado por estruturas ‘lobals e profundes, geradas na inevitavel relacionagao dos hamens entre si na pratica de sua vida hisiérica, © que passam ‘2 configurar 0 quadro de possibilidades em que se deserwolve a propria historia (~).” 1. 1. Periodizagao 1.4. 1.1. Propostas existentes AS propostas de perodizagéo da historia de uma lingua podem hascar-se em fatores internos ~ Tmudangas que a esiutura da lingua sote ~ ou, mais freqlientemente, em fatores externos ~ mudangas Sécio-tistéricas supostamente corelacionadas as mudanges estuturais, Em ambos 0s casos, os crtérios Prorizados pelos histriadores des linquas so amplamente variavels, Apesar dea histérla externa do portugues no Brasl ainda hoje ccarecer, para “completar-se", de Ssludes que enfoquem as dstintas problemitcas regionals, as suas lnhas gerais ~ em que, segundo a Betspeativa defendida por AntOnio Hous (1985:32), se devem aticular Yatos da oupagao territorial, falos das sucessivas distbuigSes demografco-linglisticas dos Scupantes e fatos das preveléncias & Gesaparecimentos das linguas' ~jé esto bem mais esbogadas que ae lnhas gerais da sua historia Inlema. Dai, o fto de as trés propostas de percdizanéo para a histria do Portugués no Brasil existentes Se basearem exclusivamente em fatores exteros, Do conjunto des propostas que se baseiam em fatos da historia externa, a primeira elaborada 6 2 autoria de Serafin da Siva Neto (1986 1950) ainda hoje 6 a mais Correntemente referida, Nela, 0 Stor, partndo essencialmente de fatos da histéra poltica do Bras ~0 inicio da colonizagao, a expulséio Gos holandeses o a chegada da fama real portuguesa, vide ahisteria da lingua em trés fases: 3) 9) Primeira fase: de 1832 (inicio da colonizagéo) a 1654 expulso dos holandeses). Povoamento da costa: escassez do elemento branco; em alguns Pontos, mais cedo que Sm outtos,iniia-se 0 proceso que resultaré no predominio da populagso negra sobre a incigena; a lingua geral & necessévia a todos; bilnglismo generalizado: 4) 1b) Segunda fase: de 1654 (a partir de quando, extinta a ameaga holendesa, se teria Mateado em defritve © cardter portugués da coloizagdo do Bras) até 1808 (com a hegada da fama real portuguesa). Povoamento do interior. cresce a influéncia dos brancos © dos negros; rareia 0 elemento indigena; 2 lingua geral vai paulatinamente Gelxando de ser utlizada, afé limitarse &s povoagdes do interior e aos aldeamentos dos Jesuttas; 0 periodo que vai de meados do século XVII a meados do séeulo XVIll representa © climax da expanséo terttora: fazsse 0 povoamento do interior com as massas do tora, Compostas, em pereentagens diversas, de indios, negros, mestios ¢ brancos “decaidos", ue Se expressavam através de um crioulo ou semictioul; °) ©) Tercera fase: a parr de 1808, Urbantzagdo: as etesrurals emigram para as cidades; ualidede linguistica entre 2 nata social (consttuida por brancos @ mestigos que ascenderam socialmente), exposta, cada vez mais, & influéncia da escolarizagao, e outro Sstrato social, constiudo pelos descendentes dos indos, nagros# mulalos da Colénia A segunda proposta & Paul Teyssier(1984:75-78) ¢ assim se apresenta: 2) 2) Primeira fase: 0 periodo colonial até a chegada de D. Jodo VI (1808); 0 portugués europeu falado pelos colonizadores portugueses vai adquitindo tragos especificos; os aloglotas aprendem 0 portugués de forma impertoite; 0 portugués coexiste com a lingua geral ~ um tupi que, simplificado © gramaticalizado pelos jesultas, se toma lingua coum; conservam-se muitas linguas indigenas particulares, denominadas linguas travadas; b) b) Segunda fase: da chegada de D. Jodo Vi (1808) & Independéncia: perfodo da “relusitanizagéo" do Rio de Janeiro, com a chegada da familia real e de uma populagéio de 45 000 portugueses*, ©) ¢) Tercera fase: 0 Brasil independente: a chegada de imigrantes europeus ~ sobretudo no periodo que se estende entre 1870 e 1950 -, a extingdo do trafico negreiro @ 2 diluigdo dos indios na mestigagem brasileira contribuem para o “branqueamento' do Bras contemporéneo; © pais urbaniza-se e industrializa-se; nas grandes cidades, elabora-se 0 portugués brasileiro ‘A ditima proposta @ de Marlos de Barros Pessoa (1997: 19-23) e visa a dar conta do proceso que vai da formacdo de variedades linglisticas regionais & elaboragéo da lingua literéria, processo esse que & articulado a fatos da historia econémica e da historia sociocultural do Brasil e que 6 apresentado em trés fases: a) 9) Primoira fase: de 1534 (divis®o do pals em cepitanias heredilérias) @ 1750 (descoberta do ouro nas Minas Gerals @ modernizagéo do estado portiigués com as reforrnas pombalinas). “Estégio de multilingiiismo, com variedades de linguas e formagéo de vatiedades lingiisticas regionais." b) b) Segunda fase: de 1750 a 1922. A.segunda fase apresenta-se dividida em trés subfases Look Primera subfase: de 1750 (descoberia do ouro nas Minas Gerais e modemizagao do estado portugués com as reformas pombalinas) a 1808 (transferéncia da familia real portuguesa e urbanizago da sociedade brasileira). “Perlodo de Kcineizagéo de diferentes variedades, que sera uma espécie de pré-kolneizapdo da lingua comum." t oh SSeaunda subface: de 1808 (ranferéncia da familia reel portugues) a 1850 (fim do trfico de escravos). “Subestagio de formagao da lingua comum, com formagéo paralela de normas locais." a. Ml. Terceira subfase: de 1850 (fim do trafico de escravos) a 1922 (fim do predominio das oligarquias, surto industrial, emergéncia do movimento modernista brasileiro). "Subperiodo de estabilizagdo da lingua comum e das normas locais.” 2% As estimalivas quanto ao niimeto de portugueses que chegaram com a familia real a0 Brasil variam entre 15 000 ¢ 18 000. ©) 6) Terceira fase: a partir de 1922. “Estagio de elaboracéo da lingua literaria." Cada uma das ‘és propostas anteriormente refetidas apresenta aspectos considerados Problematicos, em virude dos quais se julga que nenhuma delas possa ser adotada sem restrigbas, Na primeira, destace-se, inicialmente, a falta de coeréncia entre a caracterizagéo de cada uma das fases - em linhas gerais, corretamente delineadas ~e a tese defendida por Serafim da Siva Neto ue © portugués brasileiro é unitério @ conservador. Por outro lado, como ja salientou Marlos de Barros Pessoa (1997:25), embora fique claro que, na selego dos fatos historicos que delimitam cada uma das fases — a expulséo dos holandeses e a chegada da familia real -, haja a intengdo de enfatizar uma Progressiva “lusitanizagao do Brasi", 0 destaque para a ocupagéo holandesa néo se justifica em uma Proposta de periodizacgo da histbria linglistica brasileira, na medida em que a presenga holandesa no Bresil, tendo durado apenas vinte e quatro anos, néo teve conseqiléncias no plano da linguagem, ou seja, no provocou qualquer “ruptura do desenvolvimento linglistico normal que [.] que se dava na perspectiva das linguas indigenas, afticanas e do préprio portugués.” Das trés propostas, a de Paul Teyssier é @ menos elaborada, o que talvez se possa atribuir ao carder conciso da sua Historia da Lingua Portuguesa. Carece de um certo equilbrio interno, sobretudo quanto a uma justiicativa para a segunda fase, extremamente curta para dar conta de mudangas Signifcativas no plano lingifstico em todo o Brasil e mesmo na cidade do Rio de Janeiro, exceto, tavez, Se se considerar como representative do portugués brasileiro do periodo em questo apenas o comportamento lingi'stico das elites coloniais que habitavam a Corte, Além disso, & notével o quanto & mminimizada ou mesmo omitida a participagéo do contingente negro — juntamente com o contingente Portugués, o mais representative nia constituigao da populagio brasileira -, na formagao do portugués brasileiro. Finalmente, quanto & atima proposta, dois aspectos merecem ser comentados. O primeiro Tefere-se 0 falo, um tanto problematico, de terem sido consideradas em uma mesma proposta de Periodizaczo lingiistica a historia da lingua falada e a historia da lingua literaria%9, O segundo diz Tespeito as fases propostas para a periodizagdo e a caracterizacdo de cada uma delas individuelmente: 0 muttiingdismo € apresentado como um trago mareante apenas para o periodo que se estende de 1534 a 1750; todavia, os dados da historia demogrética brasileira no corroboram essa viséo da histéria ica, J4 que os séculos XVIII e XIX juntos detém 85% do total de africanos que chegaram ao Brasil: 47% no século XVill 6 38% no século XIX (cf, Mattoso 1990). Apesar de as investigagdes sobre as mudangas estruturais softidas pelo portugués no Brasil ling Serem recentss, inciando-se de forma regular somente a parti da década de 80, jé se conta, atualmente, 381 Apesar de, na discussdo do fendmeno de estandardlzagéo ingstica, caracteristco, dos processos de urbanizagso, ser fundamental a consideragao da elaboragéo da lingua ikerrla no 82 justtfica, no caso em questo, considerer a Semana de Arte Moderna coma “umn marco fundamental do desenvolvimento lingitsico do porugués brasileiro," (Pessoa 1997:25} com a possi lingUlsticas, ‘Segundo Fernando Tarlo (1993), a partir da articulagao entre diversas mudanges sintitioas que teriam afetado o sistema pronominal e a ordem das palavras, seria possivel observar-se, na passagem do século XIX ao século XX, a configuracdo de uma ‘gramética" brasileira dlstinta da “gramética do Portugués europeu. Independentemente de se poder discutir a idéia de que as mudancas sintaticas estudadas por Fernando Tarallo definam uma nova ‘gramatice” distinta da “gramatice” do. portugués europeu, o fato em si— a identificagao de um conjunto inter-relacionado de mudangas em uma dado jade de se formular uma proposta de periodizagdo a partir da datagdo de mudanges momento da hist6ria de uma lingua — é suficiente para sustentar uma proposta de periodizagéo. Embora no tenha havido por parte de Tarallo uma preocupagéo sistematica no sentido de correlacionar as mudancas estruturais analisadas a fatores sécio-histéricos, tal correlagdo é apontada por Mattos e Silva (1995:84), quando afirma: ++ [w] @ sécio-istria lingiistca, ou seja, a “histbria extornat do portugués braslero fundamenta a proposigao de que 2 ‘va ‘gremitica’ 6 divergente da ‘gramética” do porlugu8s europeu, como mostrcu Fernando Tarallo em um dos seus ‘times trabalhos ~ Diagnosticando uma gramética do portugues brasileiro: o portugués c'aquém e d'além mar 20 final do século XIX, Esta autora (1995:84), porém, levanta uma hipdtese relevante e distinta, a de que a datagdo da emergéncia dessa "gramatica’ brasileira talvez possa ser antecipada em aproximadamente um século, devendo situar-se, portanto, nao no transito do século XIX ao XX, mas, sim, ria passagem do século XVIII 120 século XIX: {.] 2 andlise de lontes escttas mals prévimes do portuguts brass faledo, que possam vi a ser uizadas, tis come cartas particulates inédtas de brasicros, caso sejem encontradas, antelores & primeira metade do século XVI, poderé fazer recuar a defngo dessa ‘gramitca” para antes do momento proposto, j que a sua sécio-istria |\ mostra que ele se originou e se desenvolveu em uma contexivalizagao mulilingie complexa e absolutamente livre as peias da normativizagao, pelo menos até o inicio do séoula XIX e de efit pect, Na proposta de periodizagdo que a seguir se epresenta, contudo, ha coincid@ncia entre os limites do periodo que se vai definir como sendo a primeira fase da s6cio-histéria do portugués brasileiro ~ compreendida entre 0 século XVI © 1850 - ¢ 0s limites do periodo que, segundo Tarallo, se pode considerar como sendo o da sua mais marcante diferenciagdo estrutural em face do porlugués europau. 1.2. 1.2. Elementos para uma nova proposta A proposta de periodizacéo que aqui se defende um tanto econémica, em muito se beneficia da leitura das propostas anteriores e esté fundamentalmente caloada em trés aspectos: - = _ abistéria demogréfico-ingiistica brasilsira; - = octescimento populacional associado ao processo de urbanizagdo do pals; = = 0 processo de escolarizagao associado ao processo de estandardizagio linglistca Correlacionando-se os trés fatores referidos, propde-se, entéo, uma distingao entre duas grandes fases, assim caracterizades: ~~ Primeira fase: mutilingiismo generalizado; nao-urbanizagéo; néo-escolarizagéo; néio- estanderdizagéo linglistica; - = Segunda fase: multingiismo localizado; urbanizagdo; escolarizagéo; estandardizagéo lingistica, Apesar de se reconhacer @ necessidade de se subdividir cada uma das fases apresentadas, considera-se que tal subdiviséo seré mais corretamente proposta, na medida em que distintas historias lingUisticas regionals forem sendo conhecidas, Julga-se, assim, que, para se dar conta de um panorama geral, - deixando-se, por ora, as especificidades locais -, tr8s falos sfio essenciais na compreensdo dos caminhos da histéria lingiistica brasileira: - = a passagem de um contexto de pals generalizadamente multiinglie a um contexto de pais generalizadamente unlingie ¢ localizadamente multlingie; “ © crescimento populacional associado & transformagéo do pais da condic¢éo de eminentemente rural 4 condigao de eminentemente urbano; = = ocrescimento dos indices de escolarizagéo, retirando 0 pats da condigdo de fetrado e inserindo-o em um contexto de pais com baixos indices de letramento. A seguir, discute-se mais pormenorizadamente cada um dos trés fatos destacados. 1.24. 1.21. Do multilingdismo generalizado ao unilingdismo generalizado © Brasil é hoje um pais com aproximadamente 150 milhdes de habitantes“™”! maioritariamente unilinglles, cuja lingua matema 6 0 portugués, Cerca de 170 linguas indigenas einda sobrevivem, sendo faladas, contudo, por uma exigua populaggo de aproximadamente 260 mil individuos, fato que, acrescido 2 Inexisténcia de uma politica lingiistica que as preserve, indica a sua alual condigéo de marginalidade e 6 seu futuro incerto. Ha vestigios de utlizagéo de linguas afticanas em situagtes de praticas rituals religiosas e ha ainda o fenémeno das "lingues secretas*, existente, por exemplo, no Cafund6, mas nao ha sequer um exemplar sobrevivente das muitissimas linguas atticanas outrora faladas pela populagdo egro-escrava, Por outro lado, em virlude do processo de imigrago, deflagrado sobretudo a parlir de meados do século passado, subsistem, na condigdo de linguas minortérias, 0 aleméo, 0 Italano, 0 Japonés e outras linguas, culo njimero de falantes vern sendo, todavia, progressivamente reduzido, 441 4 populagio brasileira estimada para 1993 foi de 151 523 449 habitantes. Considerando a historia demografica brasileira, no ha dividas de que 0 quadro atual, em que o Portugués figura como lingua hegem@nica, se val paulatinamente estabelecendo ao longo dos anos da colonlzagao e se torna Irreversivel em meados do século XIX, a partir de quando, ao menos oficlalmente, Se encerra a entrada de contingentes de escravos negro-afticanos no Brasil. Toma-se, pois, como marco divisor entre duas fases claramente distintas da historia linglistica brasileira o ano de 1850, data oficial da extingdo do trafico negreiro no Brasil. A primeira fase, portanto, estende-se do século XVI a metade do século XIX e define-se, fundamentalmente, como o tempo de contato-concorréncia entre linguas indigenas, linguas efficanas e a lingua portuguesa, tendo, ao final, prevalecido o uso desta ultima. A compréenso dessa fase subordina- se a dois aspectos centrais: identiicagéo das variadas formas lacais de contato lingiiistico que se estabeleceram e caracterizagéo do processo de aprendizagem informal do portugués como segunda lingua por parte de uma massa de falantes que, em diversos momentos histbricos, chegou a superar ‘numericamente os falantes nativos do portugués. Grosso modo, na historia do Brasil, © século XVI costuma desenhar-se como o da fixagao litoranea; 0 século XVII, como o da expanséo lerritorial, iniciando-se jé a conquista das terras do interior, © 0 século XVIII, como 0 da consolidagao em definitive do projeto colonial portugués, No decurso desses trés séculos e ainda durante 0 século XIX, praticamente ndo sofrendo a interferéncia de qualquer Mecanismo social capaz de conter ou retardar mudangas linglisticas e, como jé se referiu, estando também sempre exposta a uma variadissima gama de contactos linglisticos, a lingua portuguesa espraia-se e implanta-se no tertitério brasileiro. E, pois, caracteristica desse periodo o processo de formagao do portugués rural brasileiro, néo- Uuniforme, A variagao linglistica, produto desse momento, é de natureza marcadamente diatbpica, opondo as varias regides, distin'as entre si, em virude de variadas configuragdes histrico-demograficas e Culturais. Nesse pais eminentemente rural e com taxas (quase) nulas de alfabetizagéo, a fala das elites também teré sofrido 0 influxo das mudangas que paulatinamente foram dando conformagéo ao portugués vernaculo brasileiro, Dizendo de outra forma, a variacéio diastratica entre falantes nativos do portugués brasileiro tera sido bastante menos marcada que a atual, pois ainda no existia uma parcela significativa da populacdo brasileira cujo comportamento linglilstico fosse definido pelos modelos difundidos pela escolarizagao; portanto, as diferengas entre @ fala dos individuos integrantes da elite © a fala dos individuos integrantes dos estratos desprestigiados socioeconomicamente deveriam set menores que as observadas atualmente. Para além de se definir a segunda fase como 6 momento a partir do qual o multlinglismo se extingue ou se tona bastante limitado geograficamente e a lingua portuguesa se tora hegeménica no Brasil, é ainda sob dois titulos que se pretendé a seguir caracterizer a distingao entre a primeira e a Segunda fases da histéria Jinglifstica brasileira: 0 processo de urbanizagéo, associado ao crescimento populacional, e a escolarizagao, associada ao fenémeno da estandardizagéo linglistica, 4.2.2, 1.2.2 De pais rural a pais urbano Caloula-se que, na passagem do século XVill ao século XIX (ano de 1788), a populagéo brasileira atingisse os 3,25 milhdes de habitantes, os quais correspondiam a 1 milho de brancos, a 1,6, milhdo de negros e:a 650 mil indios#, Os dados apresentados na tabela a seguir, em seriagao cronolégica, permitem visualizar ndo apenas 0 orescimento da populagao brasileira, mas também, em paralelo, o processo de urbanizagdo do pals, o qual se fez em decorréncia de maciga migragéo rural: TABELAt Ano Poplago total Populagdo urbana {percentagem) 1900. - a 14333915 68 1920, . E 107 1940. z Ho nen aman 51 944.397 6,16 1980. 420.00 000, 67 Boron’ 1989, Os némeros acima séo claros no sentido de apontarem que o processo de urbanizagéo do Brasil é um fendmeno bastante recente; torna-se ja sensivel nas décadas de 40 e 50, mas, de fato, implementa- se em todo o pais @ partir da década de 80. A importancia de se estudar o impacto dos dialetos rurais sobre 0s dialetos urbanos @ vice-versa 6, pols, uma das questies da ordem do dia da agenda das pesquisas lingifsticas brasileras, a fim de que se possa compreender a verdadeira face do portugues brasileiro contempordneo. Sobre este assunto, Stella Maris Bortoni (1989: 167) assim se pronuncia ‘A vida @ a cultura neste pois foram profundamente altaradas neste século por esse fenémeno de mobildade gecgréfca, que se tomou, por isso mesmo, objelo de especial interesse nas ciéncias humanas em geral. Surpreendeniemente a Linglistica tom passado ao largo da quesido e pouco se conhece do process0 saciolngistco de iransformagao dos dielelos ruras brasileros em variedades urbanes. A tabela abaixo, em que se incluem as décadas de 60 e 70 @ em que se discriminam os dados por regides, permite constatar que a urbanizag&o no ocorreu simultaneamente em todas as partes e que a regio Sudeste, estando na vanguarda do processo, ainda hoje é a regiéo mais urbanizada do pais: 58 Eases dados foram extras de Webting ¢ Welling (1994:336), que odavia, os consderam ‘alos, pela fala de esalstcas « ciscrepSncia das infomagbes contemporaneas.* TABELA2 {Em percentagem) 1940 1950 1960 1970 1980 t99t 2178 3149 37.80 45,13 51,85 5784 2342 26,40 34,42 4481 50,46 60,84 3042 475 57,38 7288 B28 B01 273 29150 37.58 420 74412 252 238 35,02 35,02 7916 31,24 _ 36,16. 45,08 5552 1547 Brando 1996. No que toca & questo que esté sendo discutida, o principal aspecto a se destacar na observagio do impacto exercido pela urbanizagéo do pais na sua histéria lingiistica ~ fenémeno este, como ja se disse, em larga escala dacorrente no do crescimento da populagdo, mas do éxodo rural ~ diz, respeito ao que se pode identiicar como sendo uma “reorganizagao" do quadro da variagéio lingiistica brasileira, que passa de marcadamente diatopica a marcadamente diastratica: 1.2.3, a) a) Na primeira fase, 0 pais & eminentemente rural, e a sua diversidade linglistica caracteriza-se, principalmente, pela oposigo dos dialetos rurais entre si; b) b) Na segunda fase, o Brasil toma-se um pais eminentemente urbano, ¢ a variagao diatépica esbate-se em favor de uma variacao de tipo diastritico, que ope falantes de niveis socioculturais distintos, com as classes baixas urbanas passando a ser integradas progressiva e maioritariamente pela populagdo de origem rural e por seus descendentes™., 4.23, De pals analfabeto a pats parcialmente alfabetizado Ainda sobre a distin¢do entre essas duas fases, a escolarizacdo — associada & estandardizagao lingiiistica - é 0 terceiro fator a ser examinado. Do século XVI ao inicio do século XIX, o percentual de letrados no Brasil fol irisério, variando entre 0,5% e 1% da populagao (Houaiss 1985: 89). No inicio do século XX, esses Indices apresentaram um crescimento significative, chegando a 35% os individuos que, entre 1900 © 1920, sabiam ler @ escrever, conforme a tabela abaixo o demonstra; 48) Note-se que Paul Teyssler (1984:76) efirme que "as dvisOes ‘daltas’ no Brasil s80 menos geogréfcas que séclo-culturas", ‘ou s9j2, que “as dferengas na maneira de falar s&0 maior , num determinado luger, entre um homem culto e a vizinho snalfebelo que enire dols brasielras ro mesmo nivel cultural originérios de duas ragiées cstintas ume da otra’; do que conch que “a dialectologia brastera sera. menos horizontal que vertical.” TABELAS Proporedo de alfabotizados e de analfabetos na populagao brasileira de 15 anos e mais Especiicagso 1500 1920 Total 9792 111 17 567 282 ‘Sem GEOETEGED aon 279% : Sabem ler @ escrever.. 3.380 451 6 155 567 Nao sabom ler @ escrever.. 6,348 869 4.401 715; Percentagem de anaifabetos. i 65 65 Fernandes 1966, apud Ribeiro 1985. De acordo com os dados do censo demagrafico de 1991, atualmente, cerca de 75% dos brasileiros s&o alfabetizados. Note-se, porém, que uma viséo mais detalhada dos nimeros totais revela uma realidade ainda muito cistante da ideal: apenas 38% dos brasileiros concluem a 1® série do 1° grau, menos de 25% concliem 0 1° grau; 17% concluem 0 2° grau e 10% chegam a universidade (Relaterio Técnico de 1990, Ministério da Educagéo, apud Silva 1995: 83). Considera-se que, enquanto na primeira fase da historia da lingua portuguesa no Brasil, nao se pode indicar uma real interferéncia de uma norma padréo (difundida por um sistema formal de educagao) sobre o portugués vernacuio brasileiro (0 qual substancialmente se ia constituindo com a participagao de falantes aloglotas em contato com falantes nativos brasileiros e europeus no escolarizados), na segunda fase, tal interferéncia, ainda que baixa, se verfica, REFERENCIAS: ORTON! Stella Maris. 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