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Dilemas do Nosso Tempo: Globaliza¢ao, Multiculturalismo e Conhecimento: Entrevista com Boaventura de Sousa Santos Luis Armando Gandin ° / Alvaro Moreira Hypolito Resumo Nesta entrevista Boaventura Santos analisa o fendmeno da globalizagao - entendido como um processo simultaneamente hegeménico e contra-hegeménico — e as relagses entre 0 focal e global. Apresenta a tese de que para entender a situacdo do Brasil, por exempio, neste contexto global, 6 preciso entender a situacdo pds-colonial particular do pais, tratando de evitar a importagaio de um debate baseado em outros contextos sociais. Além disso, ele apresenta 0 conceito de “mutticutturalismo emancipatorio”, que reconhece a diferenga “entre culturas ~ superando o formalismo da mera adicdo de elementos das culturas domina: das nas margens da cultura dominante - mas também reconhece as diferencas internas em Cada cultura. Boaventura Santos também apresenta a sua posi¢do epistemologica, aquela ‘Que ele chama de pés-modernismo de oposicao (fazendo questdo de diferenciar sua posicao Gaquela que diz que no se pode mais falar dos grandes problemas da modernidade). Para ele, viverios problemas modemos - que precisam ser enfrentados - para os quais a ciéncia modema nao tem solugao e, portanto, 6 “preciso um outro tipo de produgao cient: ‘ica mais multicultural". Finalmente, Santos fala da educago como um campo privilegiado Para a criagao do que ele chama “subjetividades paradigmaticas. Abstract In this interview, Boaventura Santos analyzes the phenomenon of globalization - unders- toad simultaneously as a hegemonic and counter-hegemonic process - and the relationship between local and global. He argues that in order to understand the Brazilian situation, for example, in this global context, it is necessary to understand the particular postcolonial posi- tion of the country, thus avoiding the importation of a debate based in other social contexts. Furthermore, Boaventura Santos introduces us to his concept of “emancipatory mutticuttu: ralism", which recognizes the difference among cultures - which overcomes the formalism that merely adds elements of the dominated cultures to the margins of the dominant culture ~ and also recognizes internal differences in each culture. Boaventura Santos also peers his epistemological position, which he calls oppositional postmodernism (he makes —s Aifferentiates his position from the one which claims that we cannot talk about sped ue! modem issues anymore). For him we live modern problems - which should be an ee which modern science does not have answers and, therefore, a new Kind of mul ~ a Scientific approach is needed. Finally, Santos talks about education as a privileged fil the creation of what he calls “paradigmatic subjectivities”. {Ureridde Feder! do Rio Grace do Sut, Porto Nese Bras. “Unverscade Federal de Plas, Plate: Bro Wome? | 159 1ulosemfronteiras.org i : i leas Noss Tango: obra, Musa «Ciracners: Ent cn Bava Sam Sasa | Ls Amando Gann / Aare Mork Hypo poaventura de Souza Santos, Professor Catedratico de Sociologia da Universidade de Coimbra (Portugal) e Professor Visitante na Universida. de de Wisconsin - Madison (Estados Unidos), 6 urn nome muito conhe. cido por seus intimeros livros e artigos, GenS os quais destacam-se Critica da razao indolente - contra o desperdicio da experiéncia - Vol, 4 para um Novo Senso Comum (2a. edi¢ao - Cortez, 2000) e Pela mao de Alice; 0 social e o politico na pds-modernidade (a. Edic&o ~ Cortez, 1999). Boaventura Santos é um socidlogo internacionalmente reco- nhecido, nao sO pela sua produgdo intelectual, mas também por seu compromisso politico e social com as questdes do nosso tempo, como atestam seus posicionamentos sobre os atuais movimentos sociais e sua participacao em eventos politicos importantes, tais como o Forum Social Mundial, Boaventura Santos foi entrevistado em seu gabinete na Universidade de Wisconsin - Madison (Estados Unidos), em novembro de 2000, por Luis Armando Gandin, professor da Faculdade de Educagao da Univer- sidade Federal do Rio Grande do Sul, e Alvaro Moreira Hypolito, profes- sor da Faculdade de Educagao da Universidade Federal de Pelotas, que também editaram e revisaram o texto final. Entrevistadores: A Folha de Sao Paulo publicou um artigo" seu sobre a relacao colonizador/colonizado, dentro do espirito das atividades em torno dos 500 anos do “descobrimento” do Brasil. Qual a impor- tancia desta discussao no contexto da globalizacao, considerando a discussao em torno dos processos de inclusdo/exclusao, local/global, emancipacao/controle e do conceito de hibridismo? Ainda no contexto dessa discussao, qual é, na suaopiniao, a contribuigao da teorizagdo p6s-colonialista para este debate? Boaventura Santos: A globalizacao atual, ou as formas de globaliza- 980 atuas, tem diferentes aspectos, como nds estamos vindo a afirmar © trabalhar. Mas se a gente olhar para sua forma hegemGnica, que é a forma do capital global em final de século, 6 evidente que esta globa- lizagdo tem uma Virtualidade particular que ela produz, o que se tem ol plo, nao assume a forma de o vindo a designar de uma compressao espa, ‘so espago-tempo obviamente dé-se em to diregdes é exatamente esta do passado: d colonialismo do séc. XVI torna-se muito mai dades, as formas de dominagao que nes \co-tempo. E esta compres- das as direcSes, Uma das le repente a colonizaco, 0 is contemporaneo. As atroci- ta altura se estabel = ligleis, talvez, do que eram noutra época, em que facilmente tudo se atribuiria, ¢ até se desculparia, invocando o contextohistorico especi- co em que elas ocorreram. Obviamente que eu penso também que nisso hd uma armaditha, Evidente que hd um contexto e ha uma hist6- ria € esta histéria ndo pode ser, digamos, aplanada e feita dela uma tébua-rasa e, portanto, as coisas que hoje ocorrem sao muito distintas daquelas que ocorreram na altura. Mostram, todavia, que ha uma rela- co, que realmente o processo de globalizagao que nés hoje estamos a assistir nao é efetivamente novo; nas suas versdes hegeménicas existe pelo menos desde os séculos XV e XVI e est muito ligado as formas de expansao européia, nascimento do capitalismo e tem vindo num crescendo de globalizaq&o, expandindo-se cada vez mais a mais areas ‘ge0gréficas do mundo, incorporando cada vez mais gente e sujeltando lei de mercado e a lei de valor cada vez um numero maior de ativida- des, produtos e servigos. Esta forma atual, de alguma maneira, é 0 climax, de todo este processo e traz com ele a presenca de todos estes passa- dos. De alguma maneira, todos os passados esto conosco. Esta presen- tificagéo do passado tem conseqiéncias importantes para a maneira, por exemplo, como as matérias so apresentadas nas escolas € na educagio - 0 que é historia e o que é atualidade, 0 que pertence a0 passado e o que pertence ao presente, todas as cadeiras mais comple- xxas do proprio desenho curricular hoje nas escolas. Por outro lado, penso também que esta confluéncia de tempos e de espagos também pode ajudar a mostrar as contradigdes, as tensdes € os confitos que sempre estiveram duma maneira ou de outra e, muita vezes, de manelra muito distinta da atual, presentes no contato entre os globalizadores @ 08 lobelizados. Ao longo de todo este longo periodo historiee, ote sempre uma grande assimetiia de poder. Esta assimetia detse SX Romer ‘no dominio politico, deu-se no, dominio. ve ‘assumiu diferentes formas: a atual, Por exem — Sa mas assume outras formes. 6 ver, por um lado, em olonialismo, ma maneira Portanto, o que nds temos de alg! ew eurticulosemfronteiras.or3 «que medida as condigdes do nosso presente S80 t8o devoradoras,diga mos assim, da hist6ria que quase trazem ao presente tudo aquilo que passou e que de alguma maneira se transforma em uma condigdo do resente. Por outro lado, eu penso que, quase paradoxalmente, é preciso fazer um exercicio oposto, é preciso saber analisar diferencas, contex. tos, circunstancias que distinguem as diferentes situagdes da atual No caso do colonialismo portugués e da situaco do Brasil, eu penso Que é um duplo esforco que tem que ser feito. Por um lado, porque em geral, nés na fase atual da globalizacdo, nao estamos numa globalizacéo de tipo colonial, mas pés-colonial. E por outro, 0 colonialismo portugués também nao foi igual ao colonialismo britanico ou francés. E, portanto, Para de alguma maneira me ligar & pergunta sobre as questoes P6s-coloniais, penso que tem importancia responder a este Contexto na medida em que se os colonialismos foram distintos, eu penso também ‘Que as questdes pés-coloniais tem que ser distintas. Eu penso que um dos grandes problemas hoje é exatamente que as Ciéncias Sociais em eral, sobretudo aquelas que se preocupam com a questo colonial, tendem, como nao me Surpreende, a ser levadas pelas leituras hege- ménicas do colonialismo, que séo naturaimente as leituras do colonia- lismo hegeménico. Uma pessoa |é Homi Bhabha, Gayatri Spivak, etc - e ‘Sei que 0S seus textos séo muito populares, Principalmente no vosso pais - e pode nao perceber que eles no estao a falar de um colonialis- Mo portugués ou ibérico, estdo a falar de um Outro colonialismo. E, no meu entender, isto distorce Profundamente os vossos estudos pés- -coloniais nas 4reas onde os Povos nao foram colonizados nem pela Inglaterra, nem pela Franga, mas por paises diferentes. Em que esta a diferenca? Eu costumo dizer que 0 colonialismo Portugués, parafrasean- do Shakespeare, nao 6 um Colonialismo de Prospero, é um colonialis- mo entre Prospero e Caliba. E um colonialismo que é algo entre o civili- ado € 0 primitivo, digamos assim. Opréprio portugués como colonizador No 6 aquela figura do Préspero na ‘Tempestade do Shakespeare, que € © Brande representante da Civilizac&o ocidental, o qual € servido pelo @Scravo que 6 Calib& (que Shakespeare vai buscar, naturalmente, com aime apropriago de canibal, que é 0 primitivo selvagem). Ora bem, 6 a Poarzacdo entre o civiizado e o primitvo, entre Préspero e Ca Pa; Que 6 fundamental para entender o colonalismo britanico.Penso. fort due no caso portugués ndo é bem assim, porque o portugues {01 um colonialismo peritérico, Como o espanhol de resto. Portugal, NO — momento em que fol centro das suas colénias, uma col6nia da Inglaterra. Portanto, a nat Portugal confériul a0 colonialismo portugués especial. Eu penso que até agora os estudos pés-coloniais do Brasil nao referiram a esta questo, nao analisaram com a coragem que ela Precisa ser analisada, porque é um colonialismo préprio que criou situa- Ges proprias. Uma delas, em meu entender, que o colonizador foi muitas vezes 0 colonizado intemo. Portanto, 0 vazio de poder que o colonizador teve, a partir do século XVII - isso aconteceu também na Espanha, um pouco mais tarde em toda a América espanhola -, fez com que as elites internas crioulas, era, ele proprio também, lureza semiperiférica de uma caracteristica muito descendentes de portugueses e espanhdis, viessem a funcionar fundamentalmente como os agentes da colonizacao. E por isso que nés temos apropriadamente a situagao de colonialismo interno tanto no Brasil, como nas colénias espanholas. Este 6 um dos aspectos. Outro aspecto 6 aquele que, obviamente, sendo um centro colonial bastante fraco, permitiu também uma enorme cria- tividade, muita revolta, muitas pressées Préprias daquelas regides que, se nao foram ainda mais exploradas, foi Porque obviamente as elites internas nao permitiram, mas houve condi¢des para fazer tudo isso. Portanto, eu penso que é a luz disso que nés temos que lutar e desban- car o mito da democracia racial, nao dizendo que ela nao existe de maneira nenhuma, mas dizendo que ela significa uma coisa distinta do que significaria se o colonialismo tivesse sido inglés. Hé uma forma de hipocrisia que resulta tipica de um poder colonial que tem que se disfar- gar, pela sua fraqueza; tem que se disfarcar de poder ndo-colonial Porque nao agienta ser um poder colonial a tempo inteiro e de plena ocupagdo, como foi o caso de Portugal. Tudo isso, ao meu entender, suscita uma série de questdes que ajudarao muito a ler as nossas sociedades, porque 0 que é curioso € que 0 proprio colonizador precisa dos estudos pés-coloniais tanto quanto o colonizado. Precisamente devido a essa situagao intermédia - aquilo que eu chamo as interiden- tidades do espaco da Lingua Portuguesa -, essa cultura que se criou é extremamente rica, cheia de virtualidades, muito mais cosmopolita € universalizante que a cultura que foi possivel criar no espaco inglés. S6 que, infelizmente, até agora sempre que nés dizemos isso, corre- mos o risco de ser considerados apolojetas, nacionalistas, pré-coloniza- dores, ete. Eu estou @ vontade - 0 meu passado fala por mim - para exprimir aquilo que eu entendo ser exatamente a posigao mais correta www.curriculosemfronteiras.org wine? | 163 eam te on i : i ! ‘omas do Noss Tempo: Gobo Halak « Causes: es, Portanto eu penso que 0s 500 anos vieram mostrar todos os problemas € aS complexidades do proprio cofontalising Portu. ae e, de alguma maneira, como ele foi fundador da globalizacdo, da eal a estamos 2 assistir 0s Uiltimos atos ou 0s atos mais recentes, ae nos permite analisar muito bem quais s80 0s contltos que estao af. E 0s conflitos sao exatamente esses de nds vermos na globa- lizagdo um processo muito excludente que se caracteriza por continyi dades. 0 Brasil, por exemplo, prima pela exclusao que foi continuada depois do perfodo colonial - como nds sabemos muito mais indios foram mortos depois da independéncia que antes da independéncia, Este exemplo revela uma grande continuidade entre o estado colonial e 0 estado pés-colonial depois da independéncia (outra coisa que os estudos pés-coloniais até agora nao quiseram enfrentar). Estes confli tos permitem ver quais so os problemas de incluso e de exclusao que a gente vive hoje e como é que se pode organizar uma luta contra a exclusdo através de acdes emancipatérias, que sao aquilo que eu venho a designar como globalizagao contra-hegeménica. A manifesta- G40 dos indios do Brasil, dos camponeses e dos grupos populares naquele perfodo das comemoragdes dos 500 anos mostra bem o que hoje uma luta emancipatéria. E uma luta que tem que ser transversal aos diferentes grupos e interesses, uma vez que as formas de opressao sao varias, mas todas elas se conjugam numa forma de subordinacéo. que, mesmo tendo varias faces, cria as mesmas formas de exclusao simultaneamente. Por outro lado, estas articulagdes tém hoje um Sentido local global. As proprias “mass media” colocam esses grupos na globalizagao mas, mais do que isso, eles muitas vezes so produto, © Suas acdo sao produto, de articulacdes locais-globais. Esses grupos Gesenvolveram ao longo do tempo aliangas, redes, fluxos que S40 acio- at pees momento, € mostram a sua relativa eficdcia (por ita, mas de qualquer maneira, uma relativa eficdcia). nessas questo Entrevistadores: 0 senhor esta sto” sobre ia: coorden um projeto experiéncias demo endo uno craticas inovadoras em varios paises, entre 2S Morar guais 0 Orgamento Participativo da Frente Popular em Porto Alegre. Como seria possivel conectar as implicagdes deste projeto com a posel- billdade de uma globalizacao contra-hegemdnica? A vitoria da esquer. da nas eleicoes municipais de 2000, que consolida os projetos tais como o de Porto Alegre, pode ser um novo impulso para essa globaliza- 0 contra-hegemonica? Boaventura Santos: Num artigo” que publiquei na Folha de Séo Paulo logo depois das eleigdes de 2000, tento exatamente analisar o cresci- mento, depois de Praga e depois de Seattle, destes movimentos contra- hegeménicos e articulo estes movimentos com as eleicées municipais no Brasil. Se nés analisarmos a maior parte dos grupos que estiveram em Seattle ou em Praga, e que tém vindo a conduzir aquilo que a gente chama de globalizacao contra-hegemdnica, veremos que esto normal- mente ancorados em lutas populares, em cidades concretas, em comu- nidades rurais concretas espalhadas por todo mundo. E a partir dessa ancoragem local que eles se abrem em redes e em fluxos com outros grupos semelhantes em outros paises do mundo, e é af que eles arti- culam suas redes globais. O que significa, portanto, que o local é neste momento o outro lado do global e vice-versa. O poeta portugués Miguel Torga diz algo que considero paradigmético: “o universal é 0 local sem paredes”. Se nés substituirmos “universal” por “global”, ainda fica melhor, 0 global € 0 local sem paredes neste momento e, portanto, € muito importante que se considere que o local deixou de ser exclusivamente local. E importante que se faca esta alteracéo nas nossas concepgdes politicas. As eleigdes municipais deixaram de ser 0 poder local que se contrapde a um poder nacional. Elas hoje podem ser articuladoras nao 6 de poderes nacionais, como até globais. Municipios geridos por poll- ticos populares, que promovam democracia participativa e que permi- tam o florescimento desses grupos ¢ iniciativas de cidadaos - e que no fundo tém vindo a tentar criar grupos de cidadania mais intensa e ativa = so experiéncias locais fundamentais para que fermentem amanha iniciativas globais. Por exemplo, ndo € por acaso que de 25 a 30 de Janeiro de 2001 vai se realizar em Porto Alegre o Forum Social Mundial, ume 2 | 185 ‘von curriculosemfronteiras.org lesen ceten _ ue eu penso ser uma grande iniciativa, na qual eu estarei. O Forum vai ter lugar nos mesmos dias em que 0 Férum Econémico de Davos, que vai reunir o grande capital para decidir 0 futuro do mundo, digamoe assim. E importante a reuniao em Porto Alegre num forum alternativo, no somente com uma grande participacao das vossas organizagdes ndo-governamentais e movimentos populares, mas também de todo 9 mundo. Para mim isso simboliza aquilo que eu tenho vindo a dizer que neste momento as lutas locais so uma responsabilidade global e elas vao ter, obviamente, um impacto ao nivel das elei¢des presidenciais de 2002, estou certo, no Brasil, mas tem este impacto ainda, mais para além disso, ao nivel global. Portanto, a globalizacao contra-hegemoni- Ca, como a gente tém vindo a designar, consiste fundamentalmente do $6 das manifestagdes de Seattle, de Praga, de Montreal, onde quer Seja (allds se virmos bem estas manifestacdes tiveram lugar em paises do primeiro mundo: por um lado so um ato de solidariedade com 0 Sul, mas quem sabe se nao sao também, por outro, um ato de patema- lismo benevolente do norte em relacdo ao sul), mas de outras formas de globalizagao contra-hegeménica, Estas so, em meu entender, as iniciativas locais que nés temos vindo a identificar em varios paises, 88 quals, 20 se articularem com outras no seu cotidiano, na sua forma de formular os problemas, de organizar as lutas, de estabelecer & agendas polticas, etc. articulam-se com outros grupos e, ao fazé1o, Slobalizam. Globalizam segundo uma légica que 6 alternativa A logica do capital. Pelo contrario, 6 uma légica emancipatéria, nao necessa- Hamente explicitamente anti-capitalista: em alguns casos s@lo-4, em outros ndo, em alguns casos se designar como socialista, em outros nem Por isso, mas é sempre algo que 6 alternativo a situago presente de globalizacao hegeménica, Para mim isto tem uma grande importan- Cla pois finalmente depois de uns quinze anos de dominio absoluto da mas 8S vezos eon cS OutOS @ através destas redes e articulagbes, ainda a tutar nit les, elas esto se compondo. Quer dizer, eu estou sequer precise we na Reker @ UM outro tipo de globalizacao que nem QUEr Precise de articulagdes através de redes e através da internet, Mas se constitua s6 pelo fato da simultan esto a surgir, nao por coincidéncia, e O projeto que estou a realizar, social”, \eidade de iniciativas que m diferentes partes do mundo, chamado “A reinvenc&o da emancipagao val", Procura determinar os fundamentos e os caminhos da globali- 7a¢a0 contra-hegeménica. Naturalmente este projeto ndo poderia deixar de ser financiado por uma fundagao hegeménica, uma vez que nés, exatamente fora do centro, ndo temos dinheiro para fazer 0 que esta- mos a fazer que 6, por exemplo, trazer & Coimbra, agora em Novembro de 2000, 48 ou 50 investigadores de 6 paises (nos quais o Brasil est incluido, juntamente com a Colombia, a india, a Africa do Sul, Mocam- bique e Portugal) para analisar alternativas emancipatérias que esto @ Surgir nestes paises © os modos como elas significam, em diferentes reas, os caminhos da globalizagdo contra-hegeménica. Esta globall- Zagdo contra-hegeménica ocorre na rea da producdo alternativa, da democracia participativa, do multiculturs Mo, dos direitos humanos, da biodiversidade, dos direitos de Propriedade intelectual e dos direitos indigenas e do novo interacionalismo operério; fundamentalmente estas Sao as grandes Areas. Eu penso que todas elas convergem em algo ue, em Porto Alegre e em outras cidades do Brasil e em outras partes do mundo onde as experiéncias de democracia participativa tém vindo a criarse, é bastante familiar, que 6 0 fato de nés estarmos a caminhar Para formas de cidadania ativa. Aqui estou usando 0 termo grego (ndo © termo deste pais, nos Estados Unidos, onde nds estamos a realizar a entrevista) de reptiblica e de republicano no sentido de res publica e também da Revolugdo Francesa, que 6 um conceito de cidadania alternativo ao conceito liberal de cidadania. Portanto, a cidadania como um encargo, a cidadania como uma misao piiblica, a cidada- nia como uma prioridade do servigo & comunidade e solidariedade endo apenas a cidadania passiva, reduzida a um conjunto de direitos pelos quais as vezes se luta, outras vezes nem isso e que no fundo fazem com que a vida privada e nomeadamente a vida econémica absorva totalmente o cidadao e o transforme no fundo num especta- dor, relativamente passivo do jogo politico e do circulo politico que volta dele se desenrola. Portanto, eu acho que no conjunto sao estas formas de cidadania forte que nés estamos a tentar mostrar que sao possiveis de emergir em diferentes paises, em diferentes culturas sobretudo nestes paises que, sendo semi-periféricos, sao paises de desenvolvimento intermédio e que, a0 meu entender, séo aqueles wwu.curticulosemfronteiras.org gue condensam melhor as contradiobes da globaizagdo que neste . momento estamos a viver. Hr Entrevistadores: 0 senhor vem trabalhando com o coneeito de “mult. Gulturalismo emancipat6rio”. Quals as dferencas entre a sua posica ¢ outras formas de multiculturalismo? Boaventura Santos: Uma das formas de pensar a globalizacao contrachegem@nica, é pensar em modos alternativos de pensar, é Pensar em culturas alternativas, em conhecimentos alternativos, os Guais s6 podem, naturalmente, ser reconhecidos se tomarmos uma a tude de multiculturalismo ativo e progressista. Neste sentido, 6 muito importante que se distinga entre as formas conservadoras ou reacioné- Tias do multiculturalismo ¢ as formas progressistas e inovadoras, Qual € a distingao fundamental? Por um lado, nés temos que convir que nds hoje vivemos uma época de discussdes sobre o multiculturalismo Porque durante muito tempo vivemos sob 0 dominio exclusivo do monoculturalismo, Nao que no houvesse multiculturalismo; ele exis- tia, simplesmente nao era reconhecido como tal e, portanto, o mono- Culturalismo assentou-se fundamentalmente numa grande supressao Ge culturas alternativas que sempre existiram sob a cultura dominan- te. Sob esta cultura elas foram progredindo, elas foram sobrevivendo, apesar de marginalizadas, apesar de por vezes suprimidas, Mas, de todo modo, elas nunca foram completamente abolidas e, em certos momentos, elas foram obviamente aparecendo. Claro que a primeira forma de multiculturalismo conservador, se quisermos, é o colonial Ha um multiculturalismo colonial na medida em que o colonizador reconhece a esséncia de outras culturas, mesmo que tardiamente, como no caso dos indigenas na América Latina que tiveram leis proprias 3 Partir do século XVI e do século XVII, ou mesmo na Africa (mais tarde) e na india, Na Africa nomeadamente o colonialismo teve a forma do chamado indirect rule, que era uma forma de administragao que Feconhecia os modos, as praticas e os Costumes dos povos nativos, mas Sempre subordinados a cultura dominante. Portanto, o multicultu- ralismo conservador, antes de mais nada, 6 um multiculturalismo que Consiste, primeiro, em admitir a existéncia de outras culturas apenas solneMnfeNefes. Seino cultura eurocentica branca hunea 6 nied —————————— Dre oo Teepe toe «Cte: xt cn Bonet Sct | Ll mando Gann a Move mul mon ACU FU/a ls al 6Ri9 Ser enriquecida por adigdes de o1 moderna do principio do século, que tem bastante adicées da cultu- ‘a africana, nao para reconhecer a cultura africana enquanto tal, mas transformando a cultura africana numa matéria-prima e num motivo Gue Pudesse depois ser transformada em termos de alta cultura, a tnica mo conservador tem, naturalmente, como conseqiéncia uma politica de assimilacionismo, 0 que nao pode deixar de ser. E um multicutura- lismo que mesmo quando reconhece outras cultures, assenta‘se sempre na incidéncia, na prioridade a uma lingua normalizada, estandardiza. (72, que & a lingua oficial, seja 0 inglés, sela o portugues, seja quel for ~ Por exemplo, muitos paises reagem muito contra a educagéo bilngie € curriculos bilingdes - e, portanto, é um multiculturalismo que de fato n&o permite que haja um reconhecimento efetivo das outras culturas, Ao contrério, o multiculturalismo emancipatério que estamos a tentar buscar é um multiculturalismo decididamente pés-colonial neste sentido amplo. Portanto, assenta fundamentalmente numa poltica, ‘Numa tenséo dinamica, mas complexa entre a politica de igualdade e 2 Politica da diferenga; isso € o que ele tem de novo em relagaio as lutas da modernidade ocidental do século XX, lutas progressistas, operérias © outras que assentaram muito no principio da igualdade. Ha a idéia de que, sendo todos iguais, é fundamental que se dé uma redistribuigo social, nomeadamente ao nivel econémico, e 6 através da redistribui- (40 que assumimos a igualdade como um principio e como pratica. Naturalmente que este principio nao reconheceu a diferenga como tal A politica de igualdade, baseada na luta contra as diferenciacdes de Classe, deixou na sombra outras formas de discriminagao étnicas, de orientagao sexual ou de diferenca sexual, etérias e muitas outras. Ea emergéncia das lutas contra estas formas de discriminag&o que veio a trazer a politica da diferenca. E a politica da diferenca nao se resolve dune? | 188 wa: curriculosemfronteiras.org Brogressisticamente peta reistibuigdo:resolve-se por reconhecimen, to. E, portanto, o multiculturalismo progressista & 0 multicuttu ue procura por numa equacao, sem davida politica mente, mente, intelectualmente © cuturalmente complexa, mas a Gnica que, 20 meu entender, merece @ pena ser um objeto de lute, esta tencay, entre uma poltica de igualdade e uma politica de diferenca. Uma pot. tica que assenta em dois objetivos, que néo devem colidir um com © outro, 0s objetivos da redistribuigao socialeconémica e do reconhe. cimento de diferenga cultural. Claro que isto levanta uma série de Problemas porque é mais tcl dizer, do que realizar, por um lado. E, por Outro lado, poraue pode vir a assumir a idéia de homogeneidade das Sutures que estdo em presenca. € fundamental que o multicuturali. Imo emancipatério, ao contréro, parta do pressuposto que as culturas S20 todas elas diferenciadas internamente e, portanto, 6 tao importante Feconhecer as culturas umas entre as outras, sidade dentro de cada cultura e permitir resisténcia, haja diferenca. ralismo Clentifica. + Como reconhecer diver. que dentro da cultura haja Entrevistadores: Uma postura antiessencialista, neste sentido. Boaventura Santos: Totalmente antiessencialista. Acho Que € funda- mental que a defesa de uma cultura minoritéria, 2 ameacas externas seja complementada: le igualdade em que esse didlogo No seja também, no fundo, uma Outro risco: 6 fundamental antiessencialista ai se mostra — aceitar que reconhecimento va ao ticidade, Que nés nao caiamos na armadilha de Ponto de estabelecer critérios de auten- © que faz com que as culturas passem a ser apenas culturas de testemunho. E, portanto, sobre as mulheres, sobre o movimento, das mulheres e sobre a discriminacao contra as mulheres, s6 Possam falar mulheres; Pelos negros e pela discriminago contra os negros, $6 Possam falar negros. A idéia da autenticidade de testemunho é, no meu enten.. der, uma das formas que pode levar a um desenvolvimento de um novo apartheid cultural e que podia ser realizado através de um radicalismo excessivo, porque permitiria criar igualdade, mas em separagao. Ora, se nés analisarmos bem o que 0 apartheid quis ser (ndo 0 que o apartheid foi era a idéia de que era possivel a igualdade em total separagdo. A segre- a¢a0 racial nos Estados Unidos, nas escolas e outros sitios tinha, no fundo, a mesma l6gica: separagao e igual desenvolvimento. Sabemos N6s que na préttica ndo era assim, mas eventualmente até poderia ser, 56 que no queremos que a igualdade se realize em separacdo, porque ‘com separagao nao ha igualdades, ha apartheids, porque a igualdade 86 existe quando hé possibilidades de se compararem as coisas. Entrevistadores: Isso tem a ver com a sua critica auséncia de um didlogo entre movimentos muito particulares; por exemplo, 0 movi- mento das mulheres s6 trata das questées ligadas ao movimentos das mulheres. O senhor tem buscado uma tentativa de superacao dessa posigdo de isolamento entre os varios movimentos, nao 6? Boaventura Santos: 0 projeto que estou a realizar agora - do qual Ja falei anteriormente - visa exatamente isso. Eu acho que uma das conseqiiéncias da modernidade ocidental e da sua hegeronia, fol que ela transferiu essa hegemonia para os grupos nao hegeménicos. E essa hegemonia significou, neste caso, 0 que nés designamos por diferenciago estrutural. Foi uma sociedade que se criou num desejo constante, cada vez mais veloz, de diferenciagao estrutural. Diferencia- do estrutural que foi dividir os campos cientificos e os campos pollti- 0s e os campos econémicos, 0 ptiblico, 0 privado, etc, e depois, dentro de cada um deles, multiplas divisées. E eu penso que isso foi fatal, no meu entender, e se impés, de alguma maneira, aos movimentos que lutaram contra essa hegemonia e, portanto, nés tems, como eu costumo ware? | 17 ‘vowwcurriculosemfronteiras.org - ES OT Porwaan de opresscs fant ! pilemn er i terntelackn. 5 dizer, muitas teorias da separacdo e poucas teorias da unio. Exata mente estes grupos ndo-hegemdnicos para se afirmarem, escolheram uma forma de opressao e foram contra ela que se mobilizaram. E, ap fazélo, tomnaramse, por vezes, bastante eficazes dentro do seu campo, mas perderam de vista que @ opresséo tem muitas faces. A face que Ines era mais préxima, € que era sem duvida importante, no entan to, provavelmente nunca poderd ser suficientemente desmascarada e essa opressao vencida, se ndo se vencerem outras formas de opressaio ‘que existem em constelacdo com ela. A opressao existe em constela. 980 de opressées e, portanto, eu penso que é fundamental que elas estejam articuladas. E aqui realmente € a nossa inovagdo: a de que ‘esta articulago se deva realizar, no dando a prioridade a uma luta sobre as outras, quaisquer que elas sejam, nao criando uma grande teoria que em si mesma envolva tudo e todos em certo momento, mas criando aquilo que eu chamo a “teoria da tradugdo”. A Possibilidade de criar inteligibilidade entre os grupos, entre o movimento ‘dos sem- -terra € 0 movimento das mulheres, entre 0 movimento das mulheres 0 movimentos dos negros, entre o movimento dos Negros e do meio. ambiente, entre 0 movimento do meio ambiente e o movimento dos indigenas, permite que criemos redes de. inteligibilidade. O meu projeto ‘€, a0 mesmo tempo, uma maneira de reunir dreas distintas e de dar voz a diferentes grupos, (esta parte do Projeto 6 chamada As Vozes do Mundo). Eu acho que essa é @ idéia de tradugdo e de articulagdo intelectual e poitica. Ela tem que ser intelectual e politica para que se Yeja melhor as ligdes aprendidas em uma luta, que seja possivel ‘transferi-las para outra, Que as dificuldades de uma luta sejam vistas Por outras lutas e que juntando forcas seja possivel ser mais eficaz. [ome | Ll Annds Ooh eee ote joke 4 leh 5s 4 ‘= 2 3 ESV Oey | Pgero Da 0 Nem er Gea 4 -_— Entrevistadores: Para ser mais especifico, quando o senhor fala de ‘Mmulticulturalismo. conservador, seria possivel distinguir 0 Muieulturalismo conservador propriamente dito de uma vis&o um peso mals liberal, como a que se expressa no Brasil ¢ também squl oe Unidos, na qual todos sao considerados iguais e tratados © forma igual quando, na verdade, so muito diferentes? i hs ere 4 tL Boaventura Santos; : E evidente lferentes posigoes S80 um continues que todas estas ai * S@ calhar, © multiculturalismo colonial é a versé0, Lommnaalat aera 4 = tal co ©o es va os talvez, mais conservadora que, como digo, no se confina ao espago Colonial, continua hoje. Posso-vos dar exemplos das di values, que sao os valores fundamentals da cultura americana a qual os imigrantes tem que obedecer para ser naturalizados e as suas dife- rengas culturais, quando muito, podem ser maximizadas no dominio privado e nao no dominio publico e os alemaes acabam de vir com 0 mesmo conceito chamado Leit-Kultur, que é exatamente a cultura guia (leit vem de dirigir). Leit-Kultur esta @ causar uma enorme reagdo na Alemanha. 0 lider do partido conservador vem a dizer. ‘que a Alemanha tem um conjunto de valores, que é essa Leit-Kultur, que tem que ser essa cultura guia, que tem que ser seguida por todos aqueles que se querem integrar a sociedade alema e, portanto, por todos os imigran- tes. Evidente que isto, sobretudo num como Alemanha, tem resso- nancias extremamente perturbadoras. Nao sei se nos nossos paises adotamos muito 0 conce iberal, que tem diferentes conotagdes nos diferentes paises. Basta ver que aqui nos Estados Unidos “liberal” é algo mais progressista do que uma posicéo conservadora, enquanto na Europa, como no Brasil, “liberal” esta a direita de qualquer posic¢ao mais progressista. O que eu acho é que ha posigdes intermédias que vém, num sentido técnico, de uma teoria politica liberal. Embora elas tenham diferentes nomes, em diferentes composigdes moderadas, assu- mem efetivamente a idéia de igualdade, como a igualdade de oportu- nidades e, portanto, é idéia um pouco abstrata e iluminista no sentido de que todas as culturas sao iguais e como tais devem ser tratadas. Fundamentalmente, como disseste, 0 grande problema af é assumir esta igualdade de partida, que ndo pode ser assumida. Como que ela ‘se constrdi? Os liberais, no sentido estadounidense do termo, vao até © ponto de admitir a agao afirmativa e, portanto, o que nés chamamos ‘ages da discriminacéo positiva, sempre - @ isso que é importante que que 0 limite destas agdes sejam corregdes tempordrias. que se destinam apenas a corrigir infe- rioridades que se constituiram historicamente e que devem ser elimi nadas e $6 por esta razéio 6 que elas sao permissiveis. Ndo ha nunca uma diferenciagdo permanente, portanto, ndo se admite esta diferen- ciagao permanente. Ao passo que numa posicao, como nucle ime a tenho vindo a avancar, como 0 mutticulturalismo emancipatorio, essa se veja - As ages afirmativas sao agdes j i ‘we. curticulosemfronteiras.org Mas adem, dmionanta rs clarsg domimanky Sumy presses ies Aiterena deve ser, ela préprie, permanente na medida em que tuo g permanente ¢ transitro. Permanente, no sentido de Vinicius: eames enquanto dure”. A dferenga 6 sempre ume ConstruGéo social oben, de transformagdo até porque ninguém & puro, no hé cultures pu © 05 trocas culturals exstem sempre, mesmo para os fundamentaye mos, quer radicals de esquerde, quer radicais de dieita (os radia gg esqverda 8s vezes $80 muito semelhantes 208 radicals de dieta ng sentido de um isolacionismo, um isolamento quase Xenof6bico), » *S_ Eu penso que nenhuma dessas posigdes hoje tém qualquer Validade; as cultures esto realmente em ebuligéo, em turbuléncia€ em constants Imudanga de escola nas suas relagdes umas com as outras.O que ¢ ~_, _ importante do ponto de vista da sociologia critica que eu defendo é que Pra dere << permanant 1. | iaadaenm que hel f oR BFS ido ce accuma Que essas interagdes e essas trocas so iguais, Para a 8 So, > mim, @ pergunta fundamental ndo é saber se ha hibridizacdo: 6 saber 3 ae 2 § 2 quem hibridiza quem, at6 que ponto, em que éreas, com que resulta. ¥ = s2 ge dos € com que objetivos. E evidente que as relagdes de poder sao muito rr eS 3 fortes nesta questao. Nao quer dizer que seja ‘sempre a hibridizagio g 3 a 2. S —_umproduto dos mais fortes num certo Momento. O que nds temos que J 2 3% 4 veréemtermos de espago e de gestéo dos diferentes ciclos o que So = _ acaba por dominar. E 0 que acaba por dominar, muitas vezes, 6 aqui ate, realmente como 0 velho Marx dizia, S80 as idéias dominantes, que $80, Por coincidéncia ou nao, as idéias da classe dominante naquele momento, Portanto, eu acho que 6 esta a atenodo que nés devemos ter cada vez mais, Entrevistadores: 0 senhor tem construido uma teorizagao importan te em torno da transi¢ao Paradigmatica, que implica na discussao do Papel da ciéncia e da Telacdo desta com a criagéio de um novo senso Comum. Além disso, o senor tem insistido que estamos enfrentando broblemas modemas para os quais a cléncia moderna ndo tem solu. O senor poderia desenvolver estas idéias e comentar sobre 0 0 destas suas construgdes? , —— emes do Nos Tempo: obtenan, wy OMY od oe pertga da, Boaventura Santos: Eu tenho vindo a pensar que, de oe €pocas foram ominadas por determinadas formas, quase consensts | e ser, fazer, pensar e estar no ‘mundo. Eu penso que hé certas é wi q ‘ue tém como. Caracteristica serem particularmente turbulentas: drorsuncal taukor a Ai, se calhar, € 0 que todos nés ate g estamos em divida com Foucault é ver realmente essa geminago sempre muito forte entre estas questdes de Poder ¢ as questées do conhecimento. E para mim as questées de poder, 80 contrério de Foucault, continuam a passar muito pelo préprio poder Juridico, 0 direito. Porque eu penso (e o mundo contempordneo cada ‘vez me oferece mais razdes para pensar assim), essas mudangas para- digmaticas estao a se dar, por exemplo, ao nivel do direito em cada pats de uma forma que por vezes passa desapercebida, 0 fato de essas formas institucionais que se traduziram em leis e instituigées, tribu- nais, etc. que simbolizaram por muito tempo 0 poder nacional, de repen- te estarem todas elas globalizadas, é talvez das mudancas mais revolu- ciondrias que esta a ocorrer. E apesar desta drea do direito viver uma grande revolugao, uma grande ebulico, continuamos nés @ usar as mesmas categorias para realidades que, entretanto, sao bastante distintas. Portanto, eu penso que € no dominio do poder e do conheci- mento que estas transicdes ocorrem. No dominio do conhecimento, ‘como a ciéncia moderna foi o conhecimento dominante é ai que a gente pode vir a analisar melhor quais so, digamos, os tragos dessa transi- ‘40. Se nés analisarmos um pouco o debate cientifico hoje ao nivel das ciéncias, ndo sé da fisica mas sobretudo da biologia, que aparece na divulgacdo cientifica, nas revistas e nas grandes comunicagées cientifi- cas de Clinton ou de Blair acerca da decodificagao do genoma humano, como recentemente aconteceu, os consensos sao absolutamente falsos,, @ comunidade esté numa ebuligéo enorme, precisamente porque as realidades séo cada vez mais complexas, sabe-se cada vez mais da complexidade e sabe-se muito bem que o tipo de certezas para os quais a ciéncia esta a ser usada tém a ver fundamentalmente com a mercan- tilizagdio da ciéncia e com as utilizagdes biotecnolégicas das invencdes que esto af na forja. Hoje a propria estrutura atémica da matéria, a estrutura genética, o papel dos genes e 0 modo como eles funcionam efetivamente, sao debates intensissimos dentro da fisica e da biologia @ isso nao existiu em perfodos anteriores (ou talvez tenha existido, $6 ‘que neste momento o debate muito mais poderoso talvez porque se sulosemfronteiras.org ea 20 forbes roe |, -_— ee Sudra \bardu 5 3 = Geuca hs ws wmnaaly iia warts da, avangou muito mas nesse Peradl@ e orano também sg Geram melhor as suas fraquezas). Portanto, isso dizme que, mente, a cléncia moderna, neste momento, esté a dar sina g falta de confianga epistemolégica e ela tem conseqiénciag Cultura ¢ politicas muito fortes. Culturais, por exemplo, no que cabamos de falar sobre muticuturalismo. Eu penso que 0 multicuturaismo nap an possivel sem as lutas polticas que est8o por detrés dee, mas sue também a falta da confianca epistemologica na ciéncia que existe iy, a onto de grandes epistemélogos da ciéncia contempordnea ian, hoje a perguntar e a responder afirmativamente que a ciénca é hog mutticutural. Ora, se a prOpria ciéncia € multicultural, as formas de conhecimento que estdo af também 0 Sao; 0 que é preciso é deteminay efetivamente qual 6 esse padrao de multiculturalismo, se ele conser vador, se 6 emancipatério, como que ele pode ser utiizado ou nap, Obviamente a ciéncia pode ser multicultural ao mesmo tempo em que assimila ou canibaliza todas as diferencas. Eu penso que essa fata de confianca epistemolégica est, de alguma maneira, a abrir o especo ara outros conhecimentos. Este exemplo de uma grande epistemdlo. ga da ciéncia como Sandra Harding, perguntar se a ciéncia 6 multicul tural, nao era possivel ha quinze anos. Hoje é possivel e a pessoa no 6 considerada louca. Portanto, eu penso que estas s3o mudangas que assinalam a tal transicao paradigmatica e, ao meu entender, porque 0 Poder também tem a ver com as formas de conhecimento, esta trans ¢d0 est também a dar-se ao nivel das formas de poder. Nés notamos: isto exatamente no modo como hoje o sistema interestatal esté a funcio- Nar sob 0 impacto da globalizacao. Ele jé recebeu diferentes impacts mas no esta de modo nenhum numa crise, se calhar, final; 2s ciseS no estado continuam a ser obviamente um Ambito de luta muito impo" tante. Ainda hd pouco tempo escrevi um texto” em que eu falava que? estado tem que ser reinventado como um novissimo movimento s0%2) 0u Seja, nao pode ser abandonado de modo nenhum como ur come de luta importante, mas é evidente que as formas politicas est@0 ee @ Ser articuladas através de miltiplas escalas e que 0 estas Hee escalas 6 que sao garantia de algum éxito: o local, onacional€ 06! a E n6s estamos em uma situacdo em que nao podemos oe escala em detrimento da outra. 44 houve momentos em aue 9 coe luta contrachegeménica, uma parte do movimento operéio,P2? "Samos, Boavetura de Souza (1996) Reenter a Demaeraca, Lsbos. Grad na sua ideologia, privilegiou a luta global em detrimento as lutas nacio- nais € locais. Penso que o resultado, naturalmente, foi dese é : astroso até Porque a escala global nunca se Impés de fato como prética no movi jundial e talvez um Pouco depois. Portanto, eu penso que € fundamentaimente nesse nivel das trés esca- las que as lutas contra-hegeménicas tém que ser lutadas e que elas Proprias significam essa mudanga também de formas de poder. Ora, as Novas formas de conhecimento que esto a emergir, as novas formas de poder, visam o qué? Elas visam, fundamentalmente, que cada socie- dade tente resolver os problemas que tém perante si. Nao ha um conjun- to natural de problemas, séo problemas aquilo que socialmente 6 Construido como tal numa determinada sociedade. Eu a mim pergun- to-me sempre, e 6 sempre esse exercicio que eu fago com aquilo que eu chamo sociologia das auséncias, num esforgo constante de auto- ~Teflexividade, quais so os problemas deste meu tempo que os meus ‘seguidores e sucessores vao identificar como sendo problemas de hoje que eu nao identifiquei como tal. E muito facil para mim identificar os problemas que vem do passado, o que me é muito dificil é identificar os problemas que hoje esto af. Eu estou certo que nés estamos a deixar passar desapercebidos muitos problemas que eventualmente deve- riam merecer nossa atengdo. Agora, 0 que nao podemos deixar passar desapercebidos sao problemas que herdamos e que nao resolvemos. Estes, para mim, continuam a ser problemas da modernidade ociden- tal, os problemas da justica, da liberdade, da igualdade, da fraternida- de, 0s ideais da Revolucdo Francesa, que a ciéncia moderna veio, junta- mente com a democracia (quando estou a falar de poder, estou a falar também das formas hegemonicas da democracia), dizer que elas seriam resoltiveis através dessa juncéo, dessa forma benigna de poder, a demosracia e dessa forma poderosissima de saber, a ciéncia. Ora bem, n6s hoje temos muitas dividas acerca dessa forma hegemonica da democracia, por isso vamos lutando por formas mais intensas de democracia participativa e ha realmente uma grande desconfianca epistemolégica, hoje, em relacao a ciéncia moderna. Portanto, 0 que acontece é que esses problemas estdo conosco e esse é 0 meu debate ‘com Habermas e com a corrente mais conhecida dos pos-modernos = 2 minha posigdo, vocés sabem, é bastante minoritéria. A posicao de Habermas 6 a de que pelo fato dos problemas da modemidade estarem www.curriculosemfronteiras org eset tat eae}. Ve, por se resolver, significa que 0 paradigma da modernidade ests pleto e, portanto, é preciso continuar o paradigma até que le cumpra as suas tarefas. J4 a posi¢ao dos Pés-modemos como Lyotard, Bay.

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