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Paul Virilio / Sylvere Lotringer Guerra Pura A militarizagio do cotidiano Tradugéo: Elza Miné e Laymert Garcia dos Santos Apresentacio: Laymert Garcia dos Santos 1984 Copyright © Semiotext(c)¢ Paul Virilio, 1983. Titulo original: Pure War. Copyright © da tradusdo: Editora Brasiiense S.A, Capa: ‘Ana Horta/J. Israel Abrantes Revisdo: José W. S. Moraes Gilberto D'Angelo Braz, 01223 — r. general jardim, 160 880 paulo — brasil indice Apresentacdo —_Laymert Garcia dos Santos ......06.. 7 Oespaco da guerra . severe =. 2B O tempo da guerra m1 Tecnologia ¢ transpolitica : Dieses SL yp te oye fay ai pucsio ce eel “s L ~ Estamos num frocesso de ultrapassar as Nagoes- Estado em diregdo a um “Estado Militar”. O que é uma outra maneiea de reafirmar 9 fim do politico, V — Isto ja se tornou patente com a Guerra Total. A Guerra Total f iados. Nao € por acaso que, durante a guerra, Bisenhower surgiu como uma espécie de chefe de Estado interestados. Com isto ele iniciou © que as multinacionais reorganizariam mais tarde. Temos af alge novo que, apesar de nao estar ainda organizado, é bem real. L — O que classicamente chamamos de “guerra” é ape- ras uma cortina de fumaga sobre este fendmeno difuso que agora no é nem guerra nem paz. e que, na fealidade, anula este tipo de distingio, atravessando sem empecilhos 0 fen meno da dissuasio. V — A guerra, no sentido jornalistico, 6 a delingdéncia nacional elevada & escaia de um conffito extremamente impor- tante: a Guerra dos Seis Dias, a Guerra entre o Ir e 0 Iraque, Bo equivalente dos “tumultos”, como as chamavam as socie- dades antigas. J4 nao podemos sequer falar de guortas, elas so delingiiéncias interestados, — De agora em diante, a guerra esta em um outro Hoje, ou a guerra é nuclear ou no é nada, Certa- mente ainda existem milhares de mortes por toda parte, mas 1nOs passamos para uma dimensio diferente daquela, da ‘guerra real, uma dimensio comparavel ao que chamei grande delingiténcia, Os Estados agem como terroristas individu: fem havide varios casos desde 1969. L — Por que 1969? peck ™ PAUL VIRILIO / SYLVERE LOTRINGER V — Porque 0 grande inicio foi o ataque dos para-que- distas israclenses ao Acroporto de Beirute. Os para-quedistas destruiram avides e voltaram para casa. E, desde entao, no cessaram estes atos de guerra som uma guerra, equivalentes a ataques terroristas de um Estado contra outro. Ininterrupta- mente, até a tomada das Malvinas pelo General Galtieri. © problema nfio é “Quem possui as Malvinas”. O problema ‘corre quando um Estado assume 0 controle das Malvinas ¢ declara: “Agora, 0 que & que voces vio fazer?” Isto & terro- -rismo de Estado. A prova é que durante os dois meses e mei “de duracio da guerra das Malvinas nao houve declaragao de guerra. E 0 problema era acabar algo que nfo era uma guerra, Como voeé pode decidir sobre 0 destino de pr neiros que no eram prisioneiros de guerra — porque ndo ‘tinha havido nenhuma guerra! Nos nos encontramos numa posigao de diplomacia diante da captura de reféns, de terro- mo diante de embaixadas — no Ira como em qualquer outa parte —, do terrorismo de Estado de Khomeini, do terrorismo de Estado de Carter, que tragicamente sofrev um revés com 0 fracasso no resgate dos reféns. Vé-se isso em toda parte. E eu acho importante esta dimensio — nao de guerra, mas da degenerescéncia da guerra em arte da dissuasio. A arte da dissuasdo, proibindo a guerra politica, favoroce 0 sur- gimento, nao de conflitos, mas de “‘atos de guerra sem guer- ra’. E a endemia desses atos que, atualmente, esta corrom- pendo 9 mundo inteiro, L— Ao mesmo tempo, este fendmeno constitu uma transferéncia das miguinas dé guerra, dis guertilhas urbanas para a maquina do Estado propriamente dita, E como se 0 Estado néo pudesse mais reagir ao terrorismo sendo tornando- se, ele proprio, terrorista, V_— Concorde plenamente. Os ataques a Entebbe ¢ Mo- gadiscio também foram atos de terrorismo, Com que direito as forgas especiais alemis foram para Mogadiscio? Com que direito a forca aérea israelense foi para Entebbe? Com que Gireito foi para Beirute? Isto nos leva muito além do campo da politica. Quando voe8 vé as dificuldades que os regimes poli- ticos t8m em resistir a0 terrorismo por causa das prOprias tec- nologias(telefone, misseis, ete.), pode imaginar os problemas ‘GUERRA PURA 35 que a comunidade internacional tem ao tentar acabar com o terrorismo de Estado, E a mesma logica da surpresa absoluta e do nao-direito, uma logica, digamos, do “ato gratuito” — no sentido que Entebbe, Beirute ou Gaitieri, pode levar qual- quer um a fazer isso em qualquer lugar.’ Em nome desta ogica, 0s russos poderiam tomar Beirute amanha, Uma ver, ‘que se apoderassem dela, como reagir? Alguém mandard fo- gucles contra eles? Alguém se arriscaré 4 aniquilagao por Beirute? Esta situagiio poderia se espalhar por toda parte. No inicio havia os palestinos: eles seqliestraram um avigo com 200 passageiros. Entio, o que fazer? Vocé os mata e se mata | junto com eles? A partir do momento em que o Estado se, fortaleceu conira o terrorismo individual — as Brigadas Ver- \ melhas, Baader-Meinhol ou. os palestinos —, desenvolvendo” seu proprio tipo 50 tipo de corte superior poderia impedir esta infinita propa- gagio dos crimes de Estado, de atos de gueira sem guerra. T ROMS PIES CO L ~ Seid nto podemos mats distinguir guerra de paz. a. ae _na realidade, € ai que podemos falar deliranspolitica Politico tinha’o tempo do seu lado — tempo para lidar com qualquer conflito 4 sombra da Lei, na continuidade de uma Historia cuja legitimidade ou sobrevivéncia nunca eram pos tas em divida, Portanto, o transpolitico marca 0 fi convepeie do politico baseada no didlogo, na dialéica, no “Teiipo pari rellexio, V — A transpolitica & 0 inicio do desaparecimento do politico na rarefado da ditima proviso: a duragio. Demo- Fequeret tempo. A dura- do é propria do homem; ele esta inscrito nela. Para mim, 0 anpaiie ¢ comes d nA auc a minha compen ‘transpolitico tem algo positive. Para mim, & “ioialmenii iexativo, das contra 0 desaparecimento do politico NAO | estou diZendo que deveriamos reverter & democracia antiga,| feararoreog ,e coisas do género. O que esiou dizendo € quel batho a ser feito, o trabalho epistemo-téenico de que) ivamos fal para restabelecer o poltico x tempo em que a tecnoloy % PAUL VIRILIO / SYLV Afico (como era 0 caso nas antigas sociedades demoeri- “ticas) mas em que a tecnologia divide o t eu dria: ‘pesgotamento do tempo. L — BA luz deste esgotamento do tempo, desta instan- taneidade da destruigae, que devemos encarar as discussdes entre MeNamara e Gromyko sobre 0 “primeiro disparo”. V — E ébvio que o paralelismo entre McNamara e Gro- myko, que conduziré aos acordos START, é dessa natureza. Nao nos esquegamos de que McNamara foi um raio bélico a quem devemos milhares de misseis nucleares estratégicos, em vez. das centenas que constituem a ““resposta flexivel”. Consi- derando que nos préximos meses o tempo de resposta teré caido a zero, no caso de uma guerra nuclear nio havera mais qualquer decisdo politica de guerra, Haverd uma decisao ele- trOnica, L — Portanto, no existe nenhuma escolha entre Gro- mykoe McNamara. V — Decididamente, nio, Nao existe a possibilidade de tomar partido, O acordo MeNamara-Gromyko nao é para ser interpretado, mas aceito como um todo. L — Ria tentativa de salvar tudo 0 que resta do poder do homem contra a automagao da decisio e a instantaneidade da destruigio. V — Vooé precisa perceber que entre o poder explosivo inventado pelos chineses antigos ¢ 0 da bomba atOmica, real- mente nao existe muita diferenga. A diferenga esta nos veto- res, nos vefeulos de destruigao. Agora possuimos vetores de velocidade absoluta, vefculos de destruigao absoluta... L — A tecnologia dita sua propria lei. V ~ Nos temos de tomar o enigma da \eenologia e pé-lo “sobre «mesa, como os fil6solds e cientistas antigos puseram Sobre q mesa 0 enigma da natureza, uma vez que 0s dois se __sobrepiem. GUERRA PURA ” L — Se nés desejarmos reinventar 0 politico, temos de encontrar uma maneira de politizas a velocidade, V — Nbs temos de politizar a velocidade, sea a velo- cidade metab dT dos reflexos), sela a velocidade tecnolégica. Temos de politizar a ambas, por- “que nds somos amas: somos movidos e nos moversos. Diriit também é ser dirigido. Dirigir um carro 6 também ser dirigido por suas propriedades. Hi, portanto, um feedback entre os dois tipos de velocidade: a’ teenoldgica (do carro) e a meta- bélica (do homem). Existe ai trabalho a ser feito e que esti ligado a0 veiculo, & politizagio da “‘eonduta”, no sentido latino de conducere, “conduzir”, bem como no sentido de conduta social da conduedo da guerra, da economia. A veloci- dade no 6 considerada importante. Falase de riqueza, nfo e velocidade! No entanto, a velocidade € tio importan "quanto a riqueza na fundagao do politico. A riqueza é a face oculta da velocidade e a velocidade éa face oculta da Tiqueza. ‘As duas formam um par perfeito. As pessoas dizem: “Vocé & rico demais”, mas nunca ninguém diz: "“Vood € velox de mais”. Entretanto, ambas esti relacionadas, H4, na riqueza, ‘uma violéneia que jé foi compreendida; © mesmo no ocorre, locidade, Fragmentacao e tecnologia Velocidade e Violéncia * Substincia e Acidente * “Picno- lepsia’” * Sonos, Sono e Morte * Hist6rico, Trans-Histé: rico * Morte Nuclear e Horizonte Negativo * Episédio e Tendéncia: a Politica do Escrever ® Velocidade e Polt- tica * Dromologia L— Na perspectiva marxista, a riqueza era 0 motor exclusive da Hist6ria. Atualmente, o motor aumenta sua pri= pria velocidade. A tecnologia entende a Histéria como veloci- dade. Entio, o que podemos dizer da violencia que nao é mais sancionada pela Hist6ria? V — Velocidade ¢ violéncia. O exemplo mais bvio & meu punho cerrado, Nunca 0 pesci, mas pesa cerca de qua- trocentos gramas. Posso transformar este punho na caricia mais delicada, Mas, sc 0 arremessar em alta velocidade, posso fazer o seu nariz sangrar. Vocé pode ver facilmente que 0 que fz toda a diferenga € a distribuicgo de massa no espago. Além isso, como disse Napoleao: “‘A forga é 0 que separa a massa do poder”. A questo: “Podemos_passar_sem tecnologia?” no pode ser assim formolada. Somos forgados a estender a questio da fecnologia nao apenas substancia produzida, ‘como também ao acidente produzido. O enigma da tecnolo- ia, de qué estévamos falando antes, é também o enigma do

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