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Esta velha angstia

lvaro de Campos

Esta velha angstia,


Esta angstia que trago h sculos em mim
Transbordou na vasilha,
Em lgrimas, em grandes imaginaes,
Em sonhos em estilo de pesadelo sem terror,
Em grandes emoes sbitas sem sentido nenhum.

Transbordou
Mal sei como conduzir-me na vida
Com este mal-estar a fazer-me pregas na alma!
Se ao menos endoidecesse deveras!
Mas no: este estar entre,
Este quase,
Este poder ser que...,

Um internado num manicmio , ao menos, algum,


Eu sou um internado num manicmio sem manicmio
Estou doido a frio,
Estou lcido e louco,
Estou alheio a tudo e igual a todos:
Estou dormindo desperto com sonhos que so loucura
Porque no so sonhos.
Estou assim...

Pobre velha casa da minha infncia perdida!


Quem te diria que eu me desacolhesse tanto!
Que do meu menino? Est maluco,
Que de quem dormia sossegado sob teu teto provinciano?
Est maluco.
Quem de quem fui? Est maluco. Hoje quem eu sou.

Se ao menos eu tivesse uma religio qualquer!


Por exemplo, aquele manipanso
Que havia em casa, l nessa, trazido de Africa
Era feissimo, era grotesco,
Mas havia nele a divindade de tudo em que se cr.
Se eu pudesse crer num manipanso qualquer
Jpiter, Jeov, a Humanidade
Qualquer serviria
Pois o que tudo seno o que pensamos de tudo?

Estala, corao de vidro pintado!

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