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O broto
Desconhecido
O SONHO
- Bom dia.
- Bem, apesar das dores na coluna que nunca param. E você, como
está? Ontem escutei alguns barulhos vindo da sua casa, eram
alguns gritos de desespero. O que aconteceu?
- Então seja rápido, meu rapaz, não faça mais delongas e apenas
conte, não deixe esse velho curioso.
- O que?
- Jamais irá contar essa história para outrem.
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Senhor, livra-me do sofrer inefável, dessa mácula infindável e
impossível de ser tirada por mim ou por quem quer que seja. Só o
Senhor pode me livrar dessa tão dolorosa mazela. Transforma-me
em sangue, oh Grande Sol, transforma-me em rubro coração
apaixonado, Deus de amor.” Assim se fez. A fonte passou a escorrer
sangue, fazendo o último homem ajoelhar, incrédulo com a devoção
que a terra prestava a esse ser.
- Conheço.
- Também.
- Claro.
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- Justamente; o seu corpo retém marcas que a sua alma esconde.
Sem conhecer o seu corpo, jamais saberia desse detalhe. Os
acidentes também são parte de quem somos, por isso escondem as
marcas do segredo, assim como as dores e pesares. A diferença do
corpo para a alma nesse quesito? A forma como somos afetados. As
marcas são diferentes.
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jamais recordaríamos dos benefícios que a luxúria trouxe para o
corpo, tornando o mais ímpio dos homens sempre infeliz, pois não
pode alegrar-se com as memórias de seu gozo carnal. A memória é
esperança, razão, medo sofrimento, mas antes de tudo, ela é vida.
Um homem sem passado é um homem sem presente, não existe
acontecimento sem causa, assim como não existe o amanhã sem o
ontem. O benefício do aprendizado estar em reter o que foi
ensinado, não apenas em ouvir. Como teríamos esperança se não
houvesse lembrança? Melhorar não é apenas um desejo, é uma
memória. Se não estamos bem, lembramos daqueles que estão, do
seu gozo nas virtudes alcançadas, do seu espírito digno e nobre.
Buscamos ser através do que foi. Sou o que sou porque lembro do
que fui e dos que foram antes de mim”. Em uma breve pausa, ela
olha para seus vizinhos e diz: “a carne é breve, a alma é póstuma.
O meu espírito anuncia algo além de mim, eu não posso renegar o
universo que rege o mundo que pisamos. Vejam, não somos apenas
desejo, não somos apenas imperfeições, somos também alegria.
Mãe, acha que tua carne sente o prazer que escorre após o coito?
Não seria tua alma a lamentar-se por estar em comunhão com o
mundo, e a senhora, uma amante da dor, se banha com o prazer e
com a angústia de vossa alma? As chamas que antes eram a luz
dos nossos desejos, trouxe o Lamm, o pesadelo para a vida
daqueles que vivem para o mundo. As lágrimas que bebíamos
viraram sangue, o trigo que comíamos é pó. Não há casa, não há
alimento, não há líquido. Mas, aqui existe frio, fome e sede. Mãe,
não vê que as profecias estavam erradas? Ele não trouxe o escudo
que era previsto, mas sim a espada. Agora, digam-me: pra onde ir?
De fato, para onde alguém de nós poderá fugir de sua mão
poderosa? Qual mundo dará refúgio a quem dele desertou? Aonde
irei e me esconderei de sua face? Se subo até o céu, aí estás; se
vou até aos confins da terra, aí está a tua direita; se deito nos
abismos, aí está o teu espírito. Para onde alguém pode se retirar?
Para onde fugir, longe daquele que tudo abrange?” Todos na vila
ficaram calados, sofrendo silenciosamente com a dolorosa profecia
cumprida. Ekaterina se levanta e caminha junto com Ele, mas antes
de ir embora ela diz: “Voltarei para levar comigo aqueles que
buscam alegria além da carne”. Os carvalhos voltam ao normal e
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eles somem na floresta obscura, que clareia a cada passo do filho
do Homem.
O final
O princípio