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PROPRIEDADE DO CHEFE DA

MÁFIA ESCOCESA
ROSALIE ROSE
Copyright © 2021 por Rosalie Rose
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qualquer meio eletrônico ou mecânico, incluindo armazenamento de informações
e sistemas de recuperação, sem permissão escrita do autor, exceto para o uso de
citações breves em uma análise do livro.
Esta história é um trabalho de ficção e qualquer retratação de qualquer pessoa
viva ou morta é mera coincidência e não intencional.
CONTENTS

Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Epílogo
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1
CAL

M esmo se tratando de sangue humano, esse cheiro sempre me


traz de volta para a floresta.
Costumávamos caçar de tudo, meu pai e eu. Codornas, faisões,
cervos e alces. Mas os meus favoritos eram os patos. Eles
apareciam em milhares de cores vívidas: marrom da cor da terra,
um azul da cor de ovo de Robin, âmbar claro, todas salpicadas e
listradas. Eles eram suntuosos como reis. O mais bonito de todos
era o merganso-grande de tom esmeralda, estoico e silencioso,
cruzando retas em torno do lago e praticamente reluzente em meio
ao orvalhado e lúgubre céu escocês.
Patos davam bons troféus, meu pai sempre dizia – e cada
centímetro deles pode ser útil se você for esperto o suficiente e não
tiver medo de sujar suas mãos. Ele tinha uma receita de pato
assado ao molho de cevada que vinha de gerações. Só de pensar
na vovó jogando o caldo por cima na janela da cozinha americana
da velha cabana, já me dava água na boca.
"Cal", Stevie disse, passando uma mão pelo seu queixo com
barba por fazer. Sua voz me puxava de volta para a realidade – de
volta ao cheiro forte de sangue e o sabor de medo no ar. "Você tá
perdendo ele, cara."
Eu aceno, examinando o garoto. Ele é magro – quase
esquelético – com olhos fundos e cotovelos machucados na parte
interna. Temos recebido muito essas crianças por aqui. Na maioria
dos verões, na verdade. Mas esses aqui trazem o sofrimento de
volta assim que a temporada acaba, e os turistas vão embora. Eles
não têm onde se esconder, esses vagabundos. E em cada canto
que você faz uma vistoria – lugares vazios, cabanas abandonadas
na floresta ou quartos de longa permanência em hotéis distantes –
eles saem correndo e se espalhando igual baratas.
"Acorda, garoto", eu disse, lhe dando alguns tapinhas leves na
bochecha. Ele pisca, atordoado, como se estivesse tão drogado
quanto estava quando nós o trouxemos para cá duas horas
atrás. "Já cansou?"
O garoto balança a cabeça, inseguro e cauteloso. Na
primeira hora pegamos leve com ele; na segunda, eu já estava
impaciente. Agora eu só tô entediado. Este tipo de sacudida,
retirada, costumava deixar minhas veias em fogo como se fossem
fusíveis. Ficava inebriado com o poder, com a dor de juntas
quebradas e com a doce liberação da vitória.
Mas agora me sinto velho, os ossos que o digam, e essas
crianças não são exatamente os velhos rivais e chefões que eu
costumava enfrentar. Estou nisso há muito tempo, talvez quase vinte
anos, e não sou mais uma criança. Minha paciência, meu interesse,
minha sede –não são mais o que costumavam ser.
"Olha. Eu tenho o que fazer", digo ao garoto, estendendo a mão
para pegar um pano. Stevie compele, e eu começo a enxugar
sangue parcialmente seco das minhas mãos e braços. O queixo do
garoto balança. O sangue formava crostas em ambas as
narinas e, com o lábio inferior inchado, metade do que ele diz é
ininteligível. "Então, vou te dar duas coisas: um lembrete e uma
última chance."
Os olhos do garoto vão para Stevie por cima do meu
ombro. Se ele acha que outra pessoa vai pegar mais leve com
ele, então ele é mais estúpido do que parece – e isso significa
muito.
"Primeiro, um lembrete." De pé, joguei o pano para longe no
escritório mal iluminado. Ele bate na pia, junto de outra meia dúzia
deles – foi uma semana agitada. "Quando eu era um homem
mais... fácil de entreter, eu arrancava dedos e orelhas de
ladrões. Você sabia disso?"
Seus ombros estreitos começam a tremer. Freneticamente, ele
balança a cabeça, batendo a franja oleosa.
"Bem, agora você sabe. E a segunda, a última chance, porque
sou um homem de palavra: quem te mandou?"
"N-ninguém, eu juro", ele engasga, o suor escorrendo pelo
nariz. "Nós só queríamos dinheiro rápido. Ouvimos falar que a
cidade estava lotada de turistas, sabe? Os ingleses, os ricos, todos
vindo de férias, seriam roubos fáceis..."
Eu agarro seu braço magro e prendo sua mão na
poltrona. Nós amarramos o seu torso a uma cadeira de escritório
frágil, o que não era algo difícil de fazer. Ele é mais forte do que eu
pensava, mesmo magro e alimentado pelo medo.
Porém. Meus ossos velhos não estão fracos – ainda.
Stevie põe uma faca em minha mão, uma faca grossa de caça,
aço frio e brilhante, e uma lâmina cruel. Uma linda lâmina. O meu eu
mais jovem poderia ter escolhido algo serrilhado, algo que exigisse
trabalho e intimidade, e não se comprometesse com limpeza.
"Se mexer torna tudo mais difícil", advirto o garoto. Eu posso ver
o branco de seus olhos ao redor de sua íris quando ele começa a
gritar em protesto frenético. "Não se preocupe. Vou ser rápido."
Afinal, sou um homem de palavra.

Já está anoitecendo quando chego em casa. Recentemente


reformada e linda. Recém decorada, com beirais e persianas, uma
camada de tinta branca brilhante que faz com que pareça brilhar
sobre a lua acesa ou noites estreladas. Normalmente, está vazia,
sem família alguma, sem amigos, sem filhos, sem cães.
Mas esta noite a luz da cozinha está ligada, lançando um
quadrado de poeira dourada no pátio coberto, encharcado de flores
silvestres.
Meu coração endurece. Há muito tempo não divido o espaço
com ninguém mais significante ou permanente do que um caso de
uma noite só; eu sequer tinha certeza se sabia como fazer isso.
Quando concordei, fiz por obrigação, vantagem e uma noção
mais densa a respeito da minha situação. Eu
não queria ninguém. Certamente não precisava de ninguém. E se
precisasse, eu mesmo escolheria a maldita garota.
Mas a situação era mais complicada do que isso, eu sabia. Para
que meu império sobrevivesse, além do nome do meu pai e de tudo
o que eu era digno de ter, eu não podia morrer sozinho, sem uma
esposa ou um herdeiro.
Ainda assim. Todo o lance sangrento tinha deixado um gosto
ruim na minha boca.
Eu protelo o máximo que posso, mas faz semanas que sei que
tenho que enfrentar isso. Ela. Bato a porta da caminhonete e
atravesso a calçada, olhando para o porto iluminado pela lua
descendo a colina, velado em uma luz perolada. A cidade ainda está
acordada lá em baixo, o som do riso ao vento e as luzes piscando
ao longo da fachada das lojas, mas não por muito tempo. Depois do
verão, todos viviam suas vidas mais sonolentas e contentes; era
isso que havia me trazido de volta para cá há tantos anos. A
calmaria depois da tempestade, meu pai diria – pelo menos até a
tempestade voltar.
Eu chacoalhei minhas chaves ruidosamente enquanto entrava,
alertando-a da minha chegada. Eu havia prometido estar aqui
quando ela aterrissasse, mas o garoto levou mais tempo do que eu
pensei que levaria. Não vou me desculpar, digo a mim mesmo. É
assim que sempre será. É melhor ela se acostumar com isso – e
quanto mais cedo, melhor.
Abro a porta para me deparar com o cheiro de mel, chá preto e a
surpreendentemente, quase deslumbrante, calorosa presença de
outra pessoa. Por um segundo confuso, fico sem fôlego.
Ela vira a esquina no mesmo momento em que eu entro, e nós
dois paramos.
"Cal", diz a garota, suave e surpresa ao
expirar. "Oi. Desculpe. Jesus, você me assustou." Ela ri, e
então cruza apressadamente a entrada com a mão
estendida. "Daisy. O'Connor. Mas você já sabia disso, eu acho."
"Sim." Eu aperto sua mão, pequena e fria na minha, e ela se
volta para a cozinha sem dizer outra palavra. Com o sacolejar de um
rabo de cavalo pálido e marrom, e um toque de flanela verde, ela se
vai – rápida e incerta como um sonho febril.
Jogo minhas chaves e carteira na mesa do corredor,
procrastinando, e então me obrigo a segui-la. Sem motivo algum,
meu pulso está nervoso.
"Então, eu não sei se você é o tipo de pessoa que odeia ter
outros em seu espaço", diz Daisy. Ela está no fogão, mexendo algo
em uma panela enorme e fumegante. Sinto o cheiro de alecrim,
alho e manteiga – meu estômago ronca. "Eu entendo se você for
desses. Mas eu queria te agradecer. Você sabe, por me receber. Eu
sei que foi de última hora." Ela mergulha uma colher na panela,
leva-a aos lábios e suspira de prazer. "Desculpe, foi falta de
educação, não foi? Mas nossa, isso aqui tá bom. Pega,
experimenta."
Ela estende outra colher para mim, mas eu a afasto
com desdém. "Não precisa."
"Tudo bem então." Ela parece completamente inabalável e abre
o forno. Um sopro do cheiro de pão quente se espalha para
preencher a cozinha e embaçar as janelas. "Oh, isso aqui também
está quase pronto. Comprei vinho; você bebe vinho? É tinto. Eu não
suporto branco. Eu achei que podíamos..."
"Olha." Eu queria soar tão brusco, mas Daisy olha para mim,
assustada. "Desculpe. É que eu tive um longo dia. Acho que vou lá
pra dentro." "Oh." Ela fecha o forno e tira o pó das mãos. Não passa
despercebido o lampejo de tristeza – breve, muito breve – que cruza
sua expressão. "Não, sim, claro."
"Porém, obrigado por tudo isso." Eu nem sei o que estou
dizendo. Parece que faz um século que não tenho uma mulher em
minha cozinha, cozinhando, falando e esperando por mim.
Uma mulher que não vai embora depois da noite, de alguns dias ou
de uma temporada de paixão. Uma mulher que não está tentando
ficar pela minha posição, meu poder ou meu dinheiro.
Isso me deixava mais desconfortável do que eu conseguia
expressar. Como se a terra em si estivesse mudando debaixo dos
meus pés, como se a casa familiar da qual eu tinha saído nesta
manhã tivesse sido demolida e reconstruída em algo completamente
diferente durante a minha ausência.
"Seu quarto está arrumado", acrescento, para preencher o
silêncio grosseiro que seguiu. "Não sei se meu motorista te
informou."
"Seu...?" Ela me encara sem expressão por um
momento, e então seus olhos se estreitam em dúvida. Agradável e
leve. "Seu motorista. Não sabia que ele era seu motorista."
As palavras são ponderadas e nítidas. Eu, pensativo, a
considero e olho para ela, olho mesmo para ela, pela primeira
vez. Ela é esbelta, com uma pele levemente morena de tom quente,
cabelo só um tom mais escuro, e um punhado de sardas no
nariz. Ela é muito jovem para ser bonita, mas certamente há
algo... cativante nela. Talvez sejam seus olhos escuros, inseridos
em um rosto moreno, ou a franja de cílios finos e grossos ao redor
deles. Talvez sejam os detalhes em seus traços: nariz arrebitado,
lábios carnudos, queixo pequeno, e um conjunto desbalanceado de
franco e inabalável direcionamento em seu olhar...
Seja o que for, é perturbador. E parece que ela está olhando
através de mim.
"Um amigo do meu pai", ela murmura baixinho. O tom morno em
sua expressão desaparece de uma vez só. "Agora eu entendi. Agora
tudo faz sentido. A pressa, a total falta de atenção aos detalhes..."
Ahh. "Você não sabia."
"Não." Ela se vira, desligando o fogão, removendo a panela,
colocando-a em outro fogão para esfriar. Seus movimentos são
precisos e rápidos – raivosos, eu percebo. "Eu fui para fora,
sabe. Fiz pós-graduação. Saí da cidade. Saí do estado."
Quando eu não digo nada, ela me lança um olhar ácido sobre o
ombro.
"Tudo para ficar longe dele", acrescenta ela, cada
palavra soando tão afiada quanto uma faca. "E de repente, ele me
fez voltar para casa. Alguma besteira sobre – Deus, não importa, na
verdade, importa?" Ela planta as mãos no balcão, de costas para
mim. "Um amigo do meu pai", ela diz novamente. "Deus, eu sou tão
estúpida."
Não, eu abro minha boca para dizer, e então paro. Se ela não
sabia quem eu era, um homem da máfia exatamente como o pai
que ela claramente não se importava ou respeitava, será que
ela sabe sequer por que está aqui? De verdade?
A minha certeza é de que não serei eu quem vai contar a ela.
"Deixa isso aí. A empregada virá pela manhã."
"A empregada." Ela me dá um sorriso gelado. "Perfeito."
"Seu quarto..."
"Eu mesma descubro." Ela passa por mim sem dizer uma
palavra, e então uma porta se fecha silenciosamente no corredor,
um momento depois.
Quem diabos é essa garota? Atravesso a sala e levo aos lábios
uma colher do que parece ser ensopado.
"Merda." Deus, isso é bom. Cenoura, aipo, pedaços enormes de
batata russet, uma camada espessa de cevada sob o caldo fervente
– e pato. Macio, salgado e escuro. Quase conseguia rir da
ironia. Em vez disso, eu mesmo coloco a comida de lado, separando
uma porção para comer, e apago as luzes atrás de mim.
Espero que a casa volte às suas vibrações familiares de vazio:
nada além do sobressalto do aquecedor, o ranger aqui e ali de um
novo cano ainda estourando, o tap, tap, tap de galhos de árvores
contra as janelas da frente – mas não vai. Há um zumbido vital no ar
agora, que a acompanhava. Ela não fazia som algum a luz embaixo
da porta já estava apagada. Não havia indicação de que algo tinha
mudado. Mas tinha.
Porque eu posso senti-la, viva, real e inegável, como mais uma
pulsação correndo em minhas veias.
2
DAISY

O idiota.
O completo,
surpreendente e incessante idiota.
total, irredimível, nada

Eu dou um longo e profundo suspiro. O outono acabou de


começar na Escócia, e um leve beijo dele esfria o ar, polindo as
folhas ao longo da floresta e das árvores enfileiradas na praia. Ainda
assim, minha respiração empluma meus lábios. Puxo meu lenço e
me aninho mais fundo em meu casaco de lã.
O maldito idiota.
Outra respiração, e então eu trago uma das quatro câmeras que
trouxe comigo – uma Nikon velha e robusta – aos meus olhos. Além
do pasto vitrificado em orvalho, uma dose significativa de pássaros
de bico vermelho tingia os pinheiros e os abetos grossos e
entrelaçados. Eu sei que são comuns – pesquisei antes de vir para
cá – mas se eu não fotografar alguma coisa, eu vou entrar em
parafuso, despedaçar, e possivelmente, tentar ir embora.
Isso não pode acontecer.
Os pássaros cantam e gritam, mergulhando de uma árvore para
outra, pousando em novos galhos. Eles voam cada vez mais alto na
árvore até que haja muitos, e aí todos se espalham para o céu cinza
enevoado.
Eu solto um suspiro e me acomodo entre os juncos. Fiquei
surpresa ao acordar antes de Cal – ele me supera em acordar cedo
ou pelo menos dorme mal como eu – mas seria uma mentira dizer
que eu não estava aliviada. A empregada, Agatha, estava cuidando
silenciosamente da imaculada casa quando saí. Ela me forçou a
pegar um pedaço de pão e um cantil de chá, e agora estou aliviada
por tê-lo feito.
Bebo o líquido fumegante e mordisco o pão, envolta no frio
delicioso. Abaixo de mim, a cidade de Plockton aparece disposta
como uma caixa de chocolates, com fileiras de casas pitorescas de
frente para a água clara, de aparência quase tropical. Aqui e
ali, palmeiras dançam no vento da manhã. Tão deslocadas quanto
alienígenas entre os pinheiros e abetos. Além disso, os jardins
crescidos são camélias rosadas e brilhantes.
É tão lindo que pulsa adrenalina por todo o meu corpo – seguida
imediatamente por raiva. Meu pai – meu autoritário, manipulador e
incomovível pai – sabia que podia me prender neste lugar. Eu
sempre quis ir para a Escócia. Explorar a terra de onde meus
antepassados e os dele vieram. Tendo acabado de terminar a
faculdade, parecia perfeito, predestinado, algum tipo de presente
cósmico estranho enviado pelos meios não-tão-perfeitos de meu
pai.
Eu ficaria com um amigo da família, ele disse. E eu – idiota,
ingênua – acreditei nele quando ele disse que esse amigo era
da família, não dos negócios.
O idiota.
Ainda assim, raivas costumam sair de mim tão rápido quanto
vêm. Sei agora, como sabia ontem à noite, que não posso ficar
aqui. Este sonho não é mais do que apenas isso, e vai acabar mais
cedo do que eu gostaria. Nunca concordei com a vida que meu pai
leva. Nunca concordei com violência, corrupção,
dinheiro e mais violência. Não é para o que nasci, mas isso não me
poupou disso.
Você está em perigo.
Eu acaricio a câmera no meu colo preguiçosamente, ouvindo
essas palavras tão claramente quanto da primeira vez que ele as
disse, em uma ligação depois de quatro anos, com sua voz
surpreendentemente áspera e terna.
Eu sei que não mereço você, Dais. Eu sei disso. Mas você
merece minha proteção.
Por que confiei nele? Por que eu sempre volto para ele?
Porque eu quero que ele seja melhor. Porque, no fundo, talvez
eu seja como a mãe. Talvez, eu ache que posso consertá-lo.
Uma ave pálida, com a aparência de uma garça, plana elegante
e de pescoço esticado sobre as copas das árvores, descendo entre
os ramos de um abeto. Eu trago minha câmera ao olho,
fotografando, apenas com a minha respiração, o vento e
o clique, clique, clique como companhia.
"Boa sorte."
"Jesus", eu suspiro, assustando o pássaro e fazendo-o gritar
para as árvores. Eu giro, espremendo os olhos para a figura que
apareceu ao meu lado. "Eu nem te ouvi chegar!"
Cal está com as mãos nos bolsos, o olhar fixo nas árvores. Eu
me pergunto se consigo imaginar o sorriso pequeno e leve que se
levanta no canto de sua boca. "Desculpe."
"Como você sequer consegue andar tão silenciosamente?", eu
demando, com o calor subindo em minhas bochechas. Eu me
levanto, percebendo. "Pera, não. Não me diz. Eu sei o que sua linha
de trabalho exige de você."
Ele olha para mim, um olhar divertido de lado que me enraíza no
local. "Achei que você soubesse."
Merda. Um pouco da minha raiva esfria e eu solto um suspiro,
minha respiração circulando na minha frente. "Sim. OK. Acho que
faz sentido."
"Você vai embora?"
"Eu não posso. Quer dizer, não de imediato, ao menos." Eu
envolvo meus braços em volta de mim, sorrateando um olhar
discreto para Cal. Ele é enorme, tem facilmente mais de um metro e
oitenta de altura e é musculoso, mas não totalmente dependente
disso. Há uma espécie de flexibilidade nele, meio que
predatória. Uma facilidade em sua postura que diz que ele poderia
quebrar o seu pescoço se assim quisesse, mas provavelmente não
vai se dar o trabalho. Eu não o chamaria de bonito. Talvez debaixo
dessa máscara fria e da barba espessa, ele tem boa aparência, mas
é difícil de dizer. Eu não consigo imaginar que a máscara caia com
frequência – se é que cai. "Eu não queria ser rude."
"Você não foi."
"Eu fui. Mesmo que... quer dizer, apesar de tudo, ainda agradeço
por isso, sabe. Sua hospitalidade. Mesmo." Coloco uma mecha de
cabelo atrás da orelha e o observo, procurando algum tipo de fenda,
algum tipo de contemplação. Nada. "É melhor do que ficar vagando
de volta aos Estados Unidos com meu pai."
Sua expressão vacila, uma ruga aparecendo entre suas
sobrancelhas. Sua máscara legal é retomada quase
instantaneamente. Interessante. "Você está segura comigo, é
claro. Mas quando sair por aí, prefiro que me avise."
Eu me arrepio, mas tento não deixar transparecer. "Você quer
ficar de olho em mim?"
"Eu quero fazer o que concordei em fazer – proteger você." Seus
olhos se desviam para mim. Eles são tão escuros que poderiam ser
pretos ou cinza. Mas dessa proximidade, à luz do dia, eu percebo
que eles são verdes. Um verde-floresta. Verde-oceano. "Os homens
que te ameaçaram são tão capazes de viajar quanto você. E as
raízes de seu pai estão aqui – e a deles provavelmente também."
Eu desviei o olhar. "Meu pai tem inimigos em todos os
lugares. Sempre foi assim e sempre será."
Ele enfia a mão no bolso e me passa um telefone compacto
preto – um descartável. "Aqui tem GPS e mensagens. Dessa forma,
não terei que segui-la em todos os lugares. A menos que você
prefira assim."
Eu dou a ele um sorriso afiado. "Fico com o telefone."
Quando o pego, ele segura, e nossos dedos se tocam. Seus
olhos se fixam nos meus.
"Eu levo isso a sério", ele disse, e eu juro que consegui sentir o
timbre de sua voz em minhas costelas. "Eu protegerei sua vida,
custe o que custar."
Pressiono meus lábios. "Isso soa quase como uma ameaça."
"É assim que é. Querendo ou não, estamos presos nessa
juntos." Ele levanta um ombro em um encolher de
ombros. "E podemos trabalharmos juntos ou um contra os
outro. Você decide."
Ele solta o telefone, e eu o guardei em meu casaco,
enganchando minha câmera sobre um ombro e reunindo o resto das
minhas coisas. "Eu estou retendo o julgamento", digo, olhando para
ele incisivamente. "Por enquanto."
"Justo." Seus olhos verdes chamuscaram por cada polegada do
meu corpo.
Minha respiração engata. É como se ele pudesse ver através de
mim – como se eu estivesse nua diante dele. Eu me viro antes que
ele possa ver o rubor subir em minhas bochechas. "Bem, se você
ficar curioso para saber onde estou", digo, dando um pequeno
aceno para o telefone. "Você sabe como me encontrar."
Ele não diz nada, mas juro que consigo senti-lo sorrindo
enquanto me afasto.

Quando volto para casa por volta do meio-dia, fico um pouco


surpresa ao descobrir que Cal foi embora. Agatha ainda está se
movendo pela casa, cantarolando baixinho para si mesma. Na luz
do dia, todo o lugar tem uma sensação diferente. As venezianas e
janelas estão abertas, e uma brisa de beira mar sopra suavemente.
Eu me permiti apreciar a caminhada de volta para casa e o
caminho selvagem e florido com novos olhares. Olhares de
adeus. Porque não importa o quão sedutora a Escócia seja, quão
fácil esta oportunidade seja, ela é corrupta. Assim como tudo que
meu pai toca. Eu não sei como posso sair dela, no entanto, se vou
ter que desaparecer no meio da noite como uma ladra ou confrontar
meu pai cara a cara, mas eu não sei que é apenas uma questão de
tempo. Eu me encontro surpreendentemente deprimida com a coisa
toda.
Lá dentro, Agatha insistia em fazer sanduíches e café para
mim. Eu me sento na mesa da cozinha e faço upload das fotos que
tirei na clareira e na minha caminhada. A maioria delas ficou lavada,
mas com a edição, uma ou duas podem entrar no meu
portfólio. Meus olhos saem da tela em direção a Agatha.
Eu observo pensativa os seus movimentos precisos e leves. Ela
provavelmente está em seus sessenta anos, com o
seu bonito cabelo branco trançado e ordenadamente preso. Ela é
baixa e um pouco robusta, com mãos de aspecto grosso e rosto
bronzeado. Parece que ela é confiável em manter as coisas
privadas.
"Você trabalha para Cal há muito tempo?", eu pergunto,
fechando meu laptop. Ela me serve uma xícara de café
fumegante, e eu bebo com gratidão, avaliando-a enquanto ela se
vira.
"Ah, sim, há muito tempo. Para Cal, e para seu pai antes
dele. Mas isso foi há muito tempo, e Plockton era um lugar
diferente". Ela fala levemente, uma nota cantada em sua
voz, enquanto ocupa as mãos com a limpeza.
"É um lugar lindo", eu digo a verdade, mudando meu olhar para
a janela. Muito daquela cidadezinha perfeita é visível daqui. A luz do
sol brilha através das nuvens pálidas e irregulares, iluminando a
água como uma lâmina de cristal. "Eu realmente poderia me ver
morando aqui."
"Oh, não é algo adorável de ouvir?" Algo na voz de
Agatha fez meu estômago apertar, mas ela não disse mais nada,
apenas continuou esfregando furiosamente.
A suspeita estreita meus olhos. "Então... Cadê o Cal?"
"Oh, por aí, fazendo o que homens fazem." Ela ri, um risinho
fugaz, um pouco nervoso para seu tom de
voz. "Ele supervisiona a gestão de muitos dos hotéis, como tenho
certeza que você sabe." – Eu não sabia – "Mas é o jogo que ele
sempre persegue. Aquele homem e seus rifles ensanguentados –
assim como seu pai, aquele Cal."
"O jogo?"
"O clube de tiro? Fica fora da rodovia, há cerca de trinta milhas
da cidade? É mal e mal uma atração para turistas. Esses preferem
comer nos cafés e deitarem na praia e velejar. A caça é um
passatempo para os nativos." Sua voz perdendo o tom agora – ela
não se importa em me dizer isso. Ela não tem como saber como
perfura o meu estômago imaginar Cal com um rifle nas mãos. "Ele é
um caçador brilhante. E é um ótimo cozinheiro também, como sua
mãe, mas ele jamais deixaria você saber disso."
"Mas ele tem você", eu aponto, e ela ri.
"Ah, sim, ele tem. Bem, o Calzinho, desde que seu pai morreu há
muitos anos – eu nunca disse isso para ele pessoalmente – mas
tenho notado que ele tem nutrido pouco amor para as coisas que
costumava fazer. Pouco tempo para si mesmo. Trabalha até os
ossos. Ao menos do emprego no clube de tiro ele gosta, eu
acho". Agatha suspira e me dá um sorriso brilhante. "Mas vocês
terão muito tempo para se conhecerem, não é?"
Não. Mas eu retribuo o sorriso dela. "Sim."
Ela me deixa sozinha com meu café e minhas perguntas. Olho
pela janela novamente, sinto o gosto da brisa doce e selvagem de
Plockton, da Escócia, deste outro mundo em que me encontro. Eu
poderia me perder neste lugar. No campo e em lugares
escondidos; na emoção e no perigo e na solenidade e paz. Tem sido
meu sonho pela vida inteira tirar fotos significativas e compartilhá-las
com o mundo. Nos Estados Unidos isso parecia – superficial?
Eu nunca senti como se estivesse em casa em casa. Talvez a
sombra de meu pai fosse grande o suficiente para encobrir o país.
E este também. Mas sem Cal, com a casa só para mim e o
deslumbrante mundo exterior perto o suficiente para tocar, posso
quase imaginar que sou livre. Livre dele, de suas conexões, de sua
vida. Livre para descobrir quem eu sou. Quem eu devo ser.
E seja lá o que for, eu quero ser.

Cal chega em casa mais cedo do que ontem à noite. Ele deixa cair
as chaves na mesa da entrada, e Agatha, que estava claramente
passando tempo ocupando-se aqui e ali, mas sem fazer realmente
nada, finalmente junta suas coisas, se despede de nós e sai
correndo para o crepúsculo de outono.
"O que foi isso?" Eu pergunto do meu lugar no sofá, enrolada
debaixo de um cobertor e respondendo e-mails. "Eu preciso de uma
babá agora?"
Cal tem cheiro de frio nele. Ele pendura sua jaqueta em um
gancho perto da porta, e meu olhar se fixa em seu corpo. Ele está
usando um Henley por baixo, o tecido agarrado a seus braços e seu
peito largo. Ele usa uma fina cruz de ouro em volta do pescoço que
brilha à luz.
Quando encontro seus olhos, há um brilho de diversão em suas
profundezas verdes. O calor lambe a parte de trás do meu
pescoço, e eu rapidamente olho de volta para a minha tela do
laptop.
"Achei que o seu rastreador fosse suficiente", acrescento, com
certa frieza, bicando as teclas sem rumo para provar que estou
fazendo algo diferente de cobiçá-lo.
Ele vai até a cozinha, e eu roubo outro olhar. Ele se serve de um
copo de uísque de uma garrafa de cristal – um pouco mais cheio do
que o normal, do meu ponto de vista – e bebe pensativamente.
"Não é um rastreador", ele finalmente diz. Para minha surpresa,
ele serve um segundo copo e o traz para mim. "É um telefone
com GPS ligado. Para ser franco, você pode desligá-lo a hora que
for, ou até sempre, se for o caso."
Seu sotaque me corta, e a maneira como ele se eleva acima de
mim, com uma expressão passiva e confusa, reflete uma vibração
completamente injusta em meu coração. "Seu pai era um homem de
uísque?"
"Sim", ele diz suavemente.
"O meu também."
"Ele é escocês."
"Nunca me importei muito com o sabor." Isso é uma meia
verdade. A verdade é que não gosto de beber nada. Mas quando o
faço – maldito seja meu sangue escocês traidor – é uísque. Trago
este aos meus lábios e resisto ao tremor de prazer que percorre
meu corpo. Seda, pimenta, carvalho – perfeito e misterioso e com
um toque oculto. Como o Cal. "Eu não preciso de uma babá."
A boca de Cal se curva para cima, mas ele não permite um
sorriso. Ele se afunda em uma poltrona reclinável na minha
frente com uma mesa de café com painel em vidro delicado entre
nós. Tudo aqui é bom. Intocado, rico e muito bonito – perfeito
e agradável. Eu estava esperando por algo mais rústico e
distante. Mas, novamente, nada era o que eu esperava.
"Eu sei que não", Cal finalmente diz. "Mas seu pai acha que você
precisa."
Ele se senta com um tornozelo sobre o joelho, expressão neutra,
olhos verdes escuros brilhantes. Há um poder em sua presença que
me irrita. É tão sem esforço, tão legal. Como se nada no
mundo pudesse surpreendê-lo ou irritá-lo. Me vejo ansiosa para
testar meus limites.
"O que é Agatha vai fazer se eu arrumar as minhas coisas e for
embora durante o turno dela?" Eu pergunto, combinando com
seu tom frio, sua indiferença. Eu me inclino para trás e bebo meu
uísque, com uma sobrancelha levantada. "Ela vai apontar uma arma
para mim? Me algemar?"
Outra contração de seus lábios. "Você não é uma prisioneira
aqui."
"Parece que sou."
"Você é alimentada, cuidada e protegida o tempo todo. Você está
livre para ir e vir quando quiser."
"Mas só até agora", eu digo, de forma mais nítida do que havia
planejado. Tento controlar minha raiva. "Não é? Tenho certeza de
que não posso sair da cidade, muito menos pegar um táxi para o
aeroporto, posso?" Ele me observa com moderação. Não há sorriso
em seus olhos agora. "Não."
"Então o que ela vai fazer? Se eu tentar?"
Cal bebe seu uísque e depois coloca o copo vazio na mesa. O
tempo todo, ele me observa e não pisca. "Ela vai me ligar."
Palavras familiares. Exatamente o que meu pai diria. "E o que
você vai fazer?"
"Parar você."
"Não estou livre para ir ou vir quando quiser", digo, terminando
meu próprio uísque e colocando-o na mesa de centro, com mais
força do que pretendia. O som do vidro se chocando com vidro ecoa
agudamente pela casa. "Eu sou livre para ir e vir
como você desejar."
Cal não diz nada.
"Eu não concordei com isso", digo acidamente. Esta é
uma conversa que já tive um milhão de vezes.
Espero silêncio ou protesto. Em vez disso, Cal passa a mão no
rosto – na luz suave da sala de estar, ele parece inesperadamente
bonito, até mesmo gostoso – e suspira. "Não. Você não fez
isso. Quem por acaso faz?"
"O que isto quer dizer?" Eu digo bruscamente, mas agora estou
intrigada.
"Você nasceu nisso. Eu também."
Eu pressiono meus lábios. Depois da minha conversa com
Agatha, não esperava encontrar um Cal revelador sobre nada. "Mas
você tem uma escolha agora, né? Eu não."
"Estou seguro. Você não. Essa é a diferença."
"É tudo sobre isso", eu digo. "Você me protegendo? Um favor
para meu pai?"
Os olhos de Cal se estreitam. Não é suspeita que leio neles –
é discrição.
Há algo que ele não está me contando. O quê? Será que eu
quero saber?
Meu coração pula na minha garganta. Eu estou certa, então. Isso
não é tão simples quanto meu pai me protegendo de alguma merda
da sua vida profissional. Ele está escondendo algo de mim, e o Cal
também. "Só me diz."
"Te contar?"
"Seja o que for que você está com medo de contar", eu digo, e
algo pisca em seus olhos.
"Não estou com medo, Daisy". Sua voz é baixa, perigosamente
suave. Ele vibra através de cada osso do meu corpo, e eu me vejo
encolhendo diante dele.
Estranho, uma voz baixa em minha mente diz. Alguma parte
estúpida de mim estava, contra o meu melhor julgamento, já
começando a se aquecer por ele. Sua confiança, sua simplicidade, o
poder de sua proteção. Agora essa parte recuava. Não seja
estúpida, Daisy. Você não o conhece.
Não. Eu não o conhecia.
"Tudo se resume a isso", Cal finalmente diz, se levantando. Ele
pega nossos dois copos, parando acima de mim. "Eu protegendo
você."
Eu olho para ele, meu coração troveja no meu peito. Ele
consegue ouvir? Ele pode ler o medo em meus olhos?
Faça o que fizer, garota, não deixe que eles vejam você vacilar.
Eu me levanto. Ele está tão perto que meu corpo roça no dele
enquanto eu me levanto. Eu sei que não confundi o lapso de
surpresa em seu rosto. Sumiu tão rápido como apareceu, mas eu
mantinha minha posição.
"É melhor que seja", eu digo suavemente, inclinando meu queixo
para trás para encontrar seus olhos verdes tempestuosos. Eu
deslizo minhas mãos entre nós, envolvendo-as lentamente,
mas deliberadamente em torno dos copos vazios. Suas mãos
quentes e calejadas não se movem, mesmo sob as minhas. "Porque
também não estou com medo."
Cal estreita os olhos, procurando os meus, parecendo decidir se
vale a pena ter essa conversa ou não. Depois de um momento, ele
desliza suas mãos por debaixo das minhas e se afasta.
"Eu não achei que você estivesse", ele diz simplesmente, se
virando e me deixando sozinha.
Eu solto um suspiro que não percebi que estava segurando, a
adrenalina inundando minhas veias, quente e ardente como fogo
líquido. Meu coração ainda está martelando, meu pulso irregular. Foi
por instinto, eu percebo. A maneira como agi, as coisas que disse –
nem pensei. Eu sempre penso.
O entendimento traz um sorriso selvagem aos meus lábios. Eu
também não estou com medo, eu disse. Achei que era mentira.
Talvez não tenha sido.
3
CAL

O pavilhão de caça está situado a cerca de trinta minutos de


Plockton. Aqui, a floresta se torna densa o suficiente para que
o sol de verão não possa tocar a terra entre as folhas verdes. Eu
costumava vir aqui para me tratar depois de longas semanas no
campo ou depois de fazer trabalhos pela cidade que me deixavam
exausto e me faziam questionar.
Me vejo aqui mais e mais frequentemente estes
dias, mesmo que os trabalhos sejam mais fáceis agora, e eu
possa delegar os que não me interessam para outras pessoas. Por
alguma razão, me vejo buscando o consolo e o silêncio da cabana
hoje.
É ela. Estou limpando um rifle no deque traseiro, com a névoa
fria da manhã flutuando e ondulando entre os pinheiros
nodosos. Meu pai e eu costumávamos vir aqui quando era uma
cabana precária, degradada e mal administrada. Isso foi antes de eu
possuir mais da metade dos imóveis em Plockton e, com isso, o
fluxo vertiginoso de dinheiro das temporadas de
turismo. E com isso, os idiotas que apareciam com
enganações. Ou os idiotas que cruzavam o canal com cocaína
escondida nas malas e no chassi de seus carros.
As drogas não são novas na Escócia. Enquanto houvesse um
submundo do crime, haveria a cocaína americana. E coisas mais
estranhas também. Tivemos o ocasional traficante de heroína, às
vezes narcóticos e, uma vez, metanfetamina. Não pretendia impedir
o tráfico de drogas – eu estava aqui para impedir todo o resto.
Cocaína é menos o meu jogo e mais o dos meus rapazes que
sabem como movimentar. Eles são rudes e extremamente
leais, e alguns têm estado comigo desde que eu era uma criança
esfarrapada com sede de algo mais perigoso. Sempre me interessei
mais pelo tráfico de armas. Essa é a merda que assusta a maioria
dos homens, mesmo aqueles que são tão experientes e
poderosos quanto eu.
Eu costumava gostar dos negócios que fazíamos em becos, dos
relatórios urgentes de notícias e da DEA aparecendo em ternos
impecáveis com olhos americanos cautelosos. Isso me lembrava
que eu era importante, que não era apenas um pobre garoto
nascido de um pai pobre.
Mas quando papai morreu, há tantos anos, ao que
parece, acabei perdendo o gosto por isso. Claro, eu passei por
processos na última década e mantive meu poder. Poli meu sistema
e meus homens. Existem milhares de portas fora desta vida para
mim, mas não consigo encontrar forças para sair. Acho que não há
razão para isso, não realmente. Eu investi tudo, o meu tempo,
minha energia, meu dinheiro, minha consciência, nessa
cidade. Nesta vida.
É assim que vou morrer. Rico, poderoso e sozinho.
Não. Não sozinho. Não mais.
Hesito, colocando o rifle em meu colo. Os pássaros voam entre
os galhos abaixo, suas asas captando a luz opaca do
outono: um raio de branco aqui, um esmeralda ali – e ao nosso
redor, impenetrável e infinito, um
quase silêncio. Penso na cabana do papai, na floresta, vazia e meio
esquecida. Pensei em morar lá, uma vez. Talvez até me
aposentar. Eu a mantive bem cuidada; a mantive escondida até
mesmo dos meus homens.
Mas com a nova casa na cidade, faz mais sentido para mim ficar
lá, como um rei no seu trono, que examina seu império de onde os
camponeses possam sentir o peso de seu olhar. Mesmo que a casa
seja tão estéril e fria e desconectada de mim, do meu sangue, e da
minha história como qualquer outra coisa sangrenta em Plockton.
O que papai pensaria? Do pai de Daisy? Da Daisy? De mim,
além de comprar uma porra de uma noiva?
A vergonha se contorce em minha barriga. Teria sido muito mais
fácil se ela soubesse. Por que Micah não disse a ela? Que tipo de
monstro vende sua filha para sua proteção e não lhe diz a merda
que isso vai custar?
E ela é tão jovem. Ela é jovem, vibrante e um pouco
insegura. Ela é dinâmica e inconstante como um incêndio que
acabou de começar, e talvez ela se queime e se extinga. Ou talvez,
ela se torne um inferno imponente, determinada a consumir a todos
nós.
Seja lá o que Daisy se tornar, ela tem o direito de saber. Disse a
mim mesmo que não era problema meu contar a ela. Isso é com o
Micah. Mas o velho bastardo provavelmente não daria a mínima. Ele
me enviou um jardim lindo, inteligente e perspicaz. Na cabeça dele,
tudo o que preciso fazer é plantar minha semente.
Agora, me prometa que você não será um covarde como seu
velho pai. Você está me ouvindo, filho? Você será obstinado e
disciplinado como sua mãe, não é? Faça a um moribundo esta
promessa no leito de morte, Callahan. Olhe-me bem nos olhos e me
dê a sua palavra.
Eu fecho meus olhos, tentando banir a imagem do pai morrendo,
praticamente morto, e não em sua cabana como ele gostaria que
fosse. Não trabalhou até a morte e ficou velho como as montanhas
como ele gostaria. Em vez disso, em meia-idade e cheio de câncer,
a praga em seus ossos, em seu fígado, em seus pulmões, em seu
próprio sangue, envolto nas estéreis e brancas profundezas do
Hospital Broadford, que nem mesmo ficava em sua própria cidade.
Eu prometo a você, pai. Eu prometo.
Eu mantive minha palavra até então. Não havia razão para
estragar tudo agora.
Tenho que contar a verdade a Daisy. Dizer o que se espera
dela. O que acontece depois. E se ela não gostar – bem, isso não
importa. Não importa. O negócio está feito e não pode ser desfeito.
Daisy será minha esposa.
Nenhum de nós tem escolha.
A porta atrás de mim se abre. Stevie, com a respiração ofegante,
diz: "Cal. Problemas."
Eu me levanto, limpando as mãos na minha calça e de frente
para ele. Frankie e Al estão atrás dele, pálidos e assustados como
se tivessem visto um fantasma. "O que é?"
"Leith", diz Stevie, com uma pausa na voz.
Meu sangue gela. Involuntariamente, fecho minhas mãos em
punhos. "Que porra tem ele?"
"Os homens atrás da sua garota", diz Stevie, com os olhos
arregalados. "Os homens atrás da menina americana do Micah –
eles são do Leith."
Porra. "Leith não põe os pés na Escócia há cinco anos."
"Nossos olheiros em Skye dizem o contrário."
Ele já está aqui. Pode ser tarde demais. "Onde ela está?"
"Eu não –"
"Rastreie a porra do telefone dela. Agora." Pego minha jaqueta e
meu rifle e passo por eles, com a mente girando. Leith. Deus. Um
nome que não ouço há cinco anos. Um irmão mais velho. Um
melhor amigo. Um maldito traidor. Aqui, o sangue compra
sangue. Mas não para Leith – ele vendeu o dele por dinheiro e por
nova lealdade. Como o idiota sentimental que eu era naquela época,
deixei-o ir. Não dessa vez. "Stevie."
"Entendi." Ele me segue pela sala principal do pavilhão de
caça. Estou quase fora da porta quando ele me passa seu
telefone, e a localização de Daisy está piscando no mapa. "Nós
iremos com você."
"Vá para a casa", eu ordeno. "Caso eles apareçam lá. Caso ela
apareça. E Stevie", eu coloco seu telefone de volta em suas mãos e
encaro seus olhos aterrorizados. "Se Leith der as caras aqui, você
sabe o que isso significa. Vocês todos sabem o que isso significa."
Ele acena com a cabeça uma vez, solene, o medo deixando seu
rosto enquanto fica pedregoso, barricado, frio como gelo. "Sim", ele
diz suavemente. "Significa guerra."

Quando chego a ela, o ar está denso e úmido, uma tempestade de


outono se forma além das montanhas e sobre o mar. O trovão rosna
ao longe, vibrando pela terra, pelos meus ossos. A raiva acalmou
agora, e fica a urgência de fazer algo e o peso da minha própria
estupidez – como eu podia não saber?
Micah é uma das minhas ligações americanas mais fortes. Nós
negociamos drogas há mais de uma década, e ele nunca se ferrou
assim. Ele nunca iria deixar passar uma conexão com Leith Knox,
um infame traidor na lista negra em solo escocês. Não é só uma
puta duma má notícia para todos nós.
Não é possível.
Prepare-se, uma voz diz no fundo da minha mente. Mas por
que? Sempre tive um bom relacionamento com Micah. A distância é
boa para nós; isso nos mantém honestos e equilibrados. Ele podia
ser um idiota, flexionando sua autoridade, seu dinheiro, ou suas
conexões americanas, mas eu nunca tinha percebido ele como um
perigo real.
Talvez esse tivesse sido meu primeiro erro.
Eu saio da rodovia quando estou na metade do caminho para a
cidade, pegando estradas em um ritmo perigoso. Não estamos
longe da cabana aqui.
Ela sabe? Estúpido. Claro que não. Como ela poderia? Talvez
ela só tenha um talento especial para encontrar problemas, para
tropeçar em coisas que não deveria.
O caminhão para e eu saio, pegando uma das trilhas menos
desgastadas para dentro da floresta. Claro, a garota tinha que ser
fotógrafa. A porra de uma fotógrafa de vida selvagem, nada
menos. Eu não poderia ser sobrecarregado com uma mulher
menos previsível e menos controlável.
Talvez isso seja uma coisa boa.
Eu ignoro essa voz. Eu ignorei a maneira como meu estômago
vibrou ao lembrar dela na noite passada. Seu corpo esguio contra o
meu, o calor de sua pele, a volatilidade absoluta em seus olhos
brilhantes e penetrantes. Talvez isso não seja um erro, afinal.
Talvez seja verdade. Mas, para descobrir, ela precisa
permanecer viva por tempo suficiente.
Eu silenciei essas noções românticas ingênuas enquanto me
movia suavemente através da vegetação rasteira e entre as árvores,
de olhos abertos. Ela estava seguindo para o norte, portanto ela
deveria estar aqui em algum lugar. Eu paro em uma clareira. Por
que diabos ela não escolheu um caminho mais conhecido? O que
estava pensando?
Pego meu telefone para verificar meu GPS, mas eu não tenho
sinal aqui. Foda-se. Leith já pode estar na cidade. Ele poderia estar
nesta mesma floresta, perseguindo-a com um bando de seus
aliados ingleses atrás, suas Glocks refletindo o brilho do estanho e
com o desejo em seus olhos. Ele deveria ser um inimigo de Micah,
assim como é inimigo meu. Mas, e se não for? E se isso fosse uma
armação? E se, não importa de que lado ele esteja, Leith tentar
matá-la?
"Cal?"
Meu coração pula na minha garganta. Eu suprimo a vontade de
recuar e, em vez disso, me viro lentamente para encontrar Daisy no
mato, escondida em um enorme casaco verde – meu casaco,
percebo perifericamente – câmera a meio caminho de seu olho.
Eu fico olhando para ela. Suas bochechas rosadas do frio, seu
cabelo varrido pelo vento sob o capô do meu casaco, e sua hábil e
pequena mão segurando a câmera. Seus lábios estão separados, a
expressão surpreendentemente inescrutável. Sem dizer uma
palavra, ela traz a câmera até o olho e tira uma foto minha.
"Você está longe de casa", eu finalmente consigo, as palavras
emergindo em um rosnado. Como diabos ela se aproximou de
mim? Ontem, eu a peguei tão desprevenida que ela quase teve um
ataque cardíaco. Achei que ela era uma garota da cidade, uma
americana – mas, aparentemente, ela aprende rápido. "O que você
está fazendo aqui?"
Ela me lança um olhar que diz claramente: O que você acha que
estou fazendo? E então dá passos quase silenciosamente para fora
do volume. Ela está olhando preguiçosamente para a tela de sua
câmera. "Deu nisso aqui. Você quase parece bonito."
Eu não olho quando ela me mostra, pausando o suficiente para
parar minha respiração. "Precisamos sair."
"Por que?" Não há medo na palavra ou no seu rosto, apenas o
interesse e um pouco de petulância.
Você não está segura. Pelo menos, não mais do que você
estava na América. Um velho inimigo está na cidade. Ele
provavelmente quer matar você. Ele pode estar trabalhando com
seu pai. "Vai chover."
Daisy não diz nada, apenas se ocupa em desmontar a câmera e
guardá-la habilmente em uma das bolsas penduradas em seu
ombro. Enquanto ela faz isso, a chuva começa, suave e hesitante,
sussurrando sobre as copas das árvores, folhas, e a terra
pontiaguda. Seus cílios grossos escovavam seu sardento rosto,
lançando longas sombras. Ela não parece mais tão jovem,
desenhada na luz da floresta e quieta como uma corça.
"Me diz o verdadeiro motivo", diz ela após um momento
interminável. Ela reorganiza suas coisas, e aí olha para mim, os
olhos brilhando em desafio. "Ou eu não irei."
"Vou fazer você ir."
"Como, Cal?" Ela cruza os braços e dá um passo em minha
direção, tão perto que as pontas de nossas botas se tocam. A chuva
umedece os cachos soltos em sua testa e pinta a ponta do
nariz. Percebo, como em um choque, que ela está linda – nem um
pouco infantil ou ingênua, mas descolada, ousada e quase
perigosa. "Você vai me arrastar, comigo chutando e gritando?"
"Você não me parece do tipo que chuta e grita."
"Você não me parece do tipo que arrasta."
"Te explico mais tarde", digo rispidamente. Por que ela está me
olhando assim? Como se visse através de mim? Como se nada que
eu fizesse ou dissesse pudesse surpreendê-la? "Nós precisamos ir."
"Eu irei. Se você explicar agora."
"Daisy..."
"Eu não sou uma criança. Eu não estou assustada. Eu também
não estava com medo antes de vir para cá. Você sabe por que,
Cal?" Ela inclina a cabeça, a raiva atravessa seus olhos
frios. "Porque, assim como você, esta tem sido a porra da minha
vida inteira. Eu tinha medo quando era pequena. Fiquei com
medo quando minha mãe foi baleada em minha casa – quando ela
morreu bem na minha frente. Eu estava com medo quando fui tirada
de uma festa quando tinha quatorze anos. Fiquei com medo quando
meu pai me ensinou como atirar ou esfaquear alguém para matá-
los." Ela balança a cabeça, quase maravilhada. "Eu não tenho mais
nenhum medo em mim. Não fico com medo há muito, muito tempo."
Percebo que não estou respirando, que a voz dela –
a verdade crua e corajosa nela – me hipnotizou. Estou
impressionado com a necessidade de tocá-la, seu rosto, seus
lábios, suas mãos. Não, não é uma criança. Ela é
uma mulher adulta, mais do que eu poderia imaginar.
Não seja covarde, Cal.
A chuva fica mais densa ao nosso redor, lançada com
violência pelo vento selvagem, mas Daisy não recua. Ela não
estremece. Ela apenas me observa e espera.
"Os homens que estão atrás de você", eu digo,
finalmente, suavemente. "Eles têm amigos aqui."
Há um lampejo de algo em seus olhos – surpresa? Nojo? "E
esses amigos querem me matar, provavelmente?"
"Sim."
"E eles estão vindo para fazer isso agora?"
"Sim."
Ela solta um suspiro, um vapor no vento, e olha para a
floresta. Um sulco delicado aparece entre suas sobrancelhas. "E eu
estava começando a me divertir."
"Eu tenho um lugar para onde podemos ir. Um lugar... mais
privado."
Ela olha para trás em mim. "E por que eu iria querer mais
privacidade com você, Cal?"
"Você não tem que gostar de mim", eu digo, segurando aqueles
olhos cativantes, ignorando a forma como a ousadia neles fazia meu
pulso pular, fazia algo dentro de mim apertar. "Mas você tem que me
deixar protegê-la."
Ela me olha com frieza. "Não gosto que me digam o que fazer."
"Nem eu. Pelo menos temos isso em comum."
"Sim", ela diz, e o mínimo indício de um sorriso toca seus
lábios. "Pelo menos temos isso em comum."

"Por aqui." Eu ofereço minha mão, um instinto bizarro do qual me


arrependo quase instantaneamente, mas então, para minha
completa surpresa, ela a pega.
"Mostre o caminho", ela diz, e meu coração falha uma batida.
Eu mostro.
4
DAISY

A velha cabana parecia que havia sido abandonada há anos. Eu


sinto um arrepio de pânico descer pela minha espinha
enquanto nós cruzamos pela floresta e subimos o caminho particular
em direção à cabana. Quanto mais perto chegamos, mais
a chuva continua batendo no para-brisa até que ele fica borrado
quase de forma obscura.
Cal não diz nada enquanto dirige. Ele está confiante ao volante –
claro que está, aparentemente ele é confiante em tudo o que faz – e
uma música fraca toca no rádio. É reconfortante, eu percebo, a sua
certeza e sua presença; a combinação fácil entre autoridade
e calma. Volta e meia, roubo um olhar dele. A chuva deixou seu
cabelo em cachos úmidos contra a testa e, apesar de sua aspereza,
estou começando a achá-lo impressionante, até mesmo sexy.
Daisy, sério? Eu forço meus olhos para frente, em direção à
cabine tomando forma na paisagem borrada pela chuva diante do
caminhão. Isso é exatamente o que o pai iria querer, não é? Isso
seria perfeito. Eu seria um dano colateral embutido pelo resto da
minha vida.
Ainda assim, isso seria tão ruim? A voz no fundo da minha mente
diz não. A Escócia é impressionante, e Plockton já começou a me
seduzir. Posso me imaginar aqui, viajando cada centímetro deste
país rico, lindo e histórico. Fotografando tudo, trabalhando
remotamente para todas as revistas e publicações com as quais
tenho sonhado...
Dou outra olhada em Cal enquanto ele estaciona sob o abrigo
das árvores. Se ele não tivesse nenhuma ligação com meu pai,
talvez eu pudesse me permitir imaginar esse futuro. Não preciso
conhecê-lo bem para imaginá-lo como uma rota de fuga. Na
verdade, não importa nada. Ele não tem rosto nesta fantasia, é
apenas uma figura poderosa que eu não tenho que amar ou ter
afeição por. Só uma ponte, uma saída.
"É bom?"
Sua voz me assusta. Espero que eu não tenha
transparecido. Dou a ele um sorriso sarcástico apenas para ter
certeza. "Muito bom."
Há um toque de diversão em seus olhos e na postura de sua
boca, mas ele não diz uma palavra, apenas sai e fecha a porta da
caminhonete atrás de si. Fico um pouco surpresa quando ele passa
para o meu lado e abre o caminho. Desta vez, não me incomodo
com um sorriso sarcástico.
A cabine é coberta, cada meia parede de pedras é coberta
por heras trepadeiras e alguma coisa meio videira, salpicada com
pequenas flores brancas. Todas as janelas são hachuradas com
quadros de aparência medieval, e o telhado espigão, coberto por
montantes de musgo esmeralda, com uma chaminé espessa de
pedra. Este é definitivamente o tipo de lugar pitoresco com o
qual venho fantasiando; o tipo de imagem que me atraiu para a
Escócia em primeiro lugar.
Mas quando eu paro para tirar fotos, dos degraus enormes da
entrada e tudo o mais, Cal interrompe tocando gentilmente o meu
cotovelo. "Devíamos entrar", ele diz, em voz baixa.
Eu aceno, seguindo-o e tentando ignorar a sensação de
inquietação no fundo da minha barriga.
A porta velha e pesada range quando ele a empurra para dentro,
as chaves tilintam, e eu pisco na luz fraca. Depois de um
momento, Cal encontra uma luz e a acende, e a visão que me
atinge faz meu coração disparar. Apesar de seu exterior, a cabana
é bem conservada, acolhedora, e quente – e claramente foi mantida
assim. Tem almofadas lançadas sobre o encosto do sofá, e um livro
aberto de cabeça pra baixo sobre a mesa de café na sala de estar
rebaixada. Cheira a pinho e rosas, e ligeiramente
a fumaça de lenha, como se alguém tivesse estado aqui
recentemente, o suficiente para ter acendido o fogo na lareira.
Cal tranca a porta. Depois de clique após clique após clique, me
viro e o encontro prendendo uma complicada série de travas. Um
arrepio desce pela minha espinha.
"Tão ruim assim?", eu pergunto.
"Pode ser." Cal passa a mão pelo cabelo molhado, então dá de
ombros saindo de seu casaco e o pendura na porta. "Café?"
"Claro." Eu descarrego minhas câmeras e bolsas e começo
a sacudir a chuva da minha jaqueta. Percebo que a jaqueta de Cal
é muito mais pesada que a minha e muito mais adequada para
caminhar na chuva antes de segui-lo até a cozinha. "Então. Os
homens que estão atrás de mim... o que exatamente você sabe
sobre eles?"
"Não muito." Ele derrama colheres de café em uma chaleira de
metal e, em seguida, coloca-a sobre o fogão a gás. Ele parece
grande na pequena cozinha com painéis de madeira. Ele ocupa
muito espaço – outra coisa que só consigo apreciar. Eu me inclino
contra o balcão, observando-o. "A merda de
sempre. Desavenças. Drogas, armas – negócios que não saem
limpos ou mútuos. Suponho que você esteja bem familiarizada com
a forma como as pessoas neste negócio guardam rancor."
Um lapso ofuscante do meu passado cruza minha
mente: o sangue e o som pop pop pop do silenciador de uma
Glock. O gosto de enxofre – metálico e amargo – flutuando no
ar. Fumaça de arma.
"Sim", eu digo quando consigo falar, minha voz embargada com
a memória. O cabelo da mamãe, uma elegante espiral pálida
embaixo dela, rapidamente se impregnando de carmesim. Blusa de
seda branca, três manchas vermelho-papoula se espalhando, se
espalhando... "Estou familiarizada com tudo isso."
Cal me observa, o peso de seu olhar não é desagradável. Ele
tem olhos pensativos.
Digo a mim mesma para parar de contabilizar as coisas que
gosto nele – não fará diferença. Não importa o quanto eu queira,
não vou ficar na Escócia, mesmo se houver... tentações.
"O que você disse na floresta," ele diz finalmente, muito
suavemente. "Eu sinto muito. Sobre sua mãe."
Eu olho para longe, me recusando a engasgar na frente
dele. "Sim. Eu também."
Cal serve duas xícaras de café. Ele não pergunta se eu quero
creme ou açúcar, apenas desliza na minha direção. Eu atravesso a
cozinha, permitindo-me entrar em seu espaço. Ficamos lado a lado
em silêncio, amigáveis e seguros, pelo que parece uma
eternidade. A janela uiva além da cabana, lançando chicotadas de
chuva contra as velhas janelas. Mas aqui, ao que parece, nada pode
nos atingir.
Então me ocorre, talvez pela primeira vez, que
algo poderia. Dedos frios de medo traçam lentamente pela minha
espinha. Eu bebo meu café, mas meu sangue parece muito ralo, o
ar de repente fica difícil de respirar.
"Eu pensei que ele estava sendo dramático", eu digo,
envolvendo meu braço em volta de mim e levando meu café aos
lábios. "Me mandando embora. Eu pensei... eu não sei. Acho que
pensei que já tinha estado longe dele por tempo suficiente
para que talvez ninguém se lembrasse de mim. Talvez ninguém se
importe. Mas se as pessoas estão cobrando favores, tentando me
encurralar aqui..."
"Você está segura comigo. Eu te prometo isso."
Eu olho para ele, procurando seu rosto. "Promete? Mesmo?"
Um sulco aparece entre suas sobrancelhas. Depois de um
momento, ele diz, mantendo o meu olhar, "Sim".
A culpa envolve meu estômago e eu abaixo meus olhos. "Olha,
Cal, devo desculpas a você. Eu não fui justa contigo. Nada disso é
culpa sua. Você está fazendo a meu pai – a mim – um grande
favor. Eu só... eu não pensei assim, sabe? Acho que não pensei que
o perigo fosse tão real."
Sua expressão é totalmente ilegível. Depois de um momento, ele
desvia o olhar de mim. "Um cara que costumava trabalhar comigo,
nós tivemos... você sabe, uma briga. Ele está trabalhando para os
caras que estão atrás de você."
Ele parece... assustado. Não, não estou com medo – mas
cautelosa. "Ele é perigoso."
"Sim."
"Ele vai me matar."
Cal se mexe, me olhando inescrutavelmente. "Sim."
Meu sangue gelou. "OK." Tento respirar fundo, mas
não consigo. Bebo meu café, buscando internamente pela paz nesta
manhã, na chuva, na floresta. Ou ontem, tirando fotos dos pássaros
na névoa matinal da campina. Isso ajuda. Um pouco. "Posso te
perguntar uma coisa? Correndo o risco de parecer estúpida?"
Cal sorri. É uma coisa pequena e doce. Estou surpreso com o
quanto isso acalma meus nervos. Ele concorda.
"Eu cresci fazendo autodefesa. Eu sei como atirar com uma
arma. Minha mira é boa o suficiente. Mas…"
O calor sobe ao meu rosto. Me vejo, contra todos os meus
instintos, sorrindo ligeiramente. "Só não pratico luta, sabe, com uma
pessoa de verdade há muito tempo."
"Eu posso te ajudar."
Com certeza você pode. Eu aceno, totalmente ciente de que
estou corando, totalmente ciente de seus olhos em mim. Vendo
tudo. "Quanto tempo vamos ficar aqui?"
"É melhor ficarmos aqui em vez de ficar na casa da
cidade. Poucas pessoas sabem sobre este lugar."
"OK."
"Vou mandar trazer suas coisas."
"Tudo bem. De verdade. Eu tenho minhas câmeras." E
não quero ser mais inconveniente do que já sou.
Ele concorda. "Eu também vou ficar."
"O tempo todo?"
"É melhor. Mais seguro."
Eu coloco minha xícara de café vazia na mesa e esfrego um
pouco de calor em meus braços. "Tá."
"Posso te perguntar uma coisa", diz ele, "correndo o risco de
soar estúpido?"
Eu sorrio para ele, de verdade desta vez. "Sim."
"Você se sente segura comigo?"
Minha respiração engata. "Sim", eu digo, sem pensar. E isso me
atinge como um gancho bem abaixo das costelas – eu quis dizer
isso.
Ele balança a cabeça humildemente como se soubesse disso,
mas como se a confirmação significasse algo. Não consigo
adivinhar o quê. Ele pega minha caneca, lava as duas na pia.
"Ficaremos aqui por um tempo. Meus rapazes farão contato em
breve. Está com frio?"
"Um pouco, eu acho..."
"Vou acender uma fogueira e checar se há madeira lá fora na
reserva. Você vai ficar bem, aqui, sozinha?"
Eu arqueio uma sobrancelha, e ele levanta as mãos em sinal de
rendição.
"Justo", ele diz. Quando passa por mim, coloca uma mão na
parte inferior das minhas costas, o toque leve, delicado –
excessivamente familiar. Não tenho tempo para processar isso, o
calor de sua palma, a maneira como vibra por todo o meu
corpo. Tão rápido quanto aconteceu, acabou, e ele se foi.
Para minha surpresa, o medo fugiu de mim. Este lugar é
reconfortante, desconhecido, mas acolhedor. Parece um lar, embora
não seja meu. Encontro o computador de Cal, uma coisa velha,
monolítica, em uma sala aconchegante nos fundos, e me sento
para transferir algumas das minhas fotos. Eu me acostumo com o
conforto, esquecendo o horror do lado de fora daqui, em vez disso
ouvindo os sons constantes de Cal se movimentando em volta da
cabine, falando em voz baixa com alguém no telefone e acendendo
uma fogueira.
Depois de um tempo, a luz da tarde tinge as janelas molhadas
de chuva em ouro macio, e eu esbarro com a foto dele, a que eu
tirei na floresta. Nela, ele está olhando diretamente para as lentes –
direto para mim.
Eu me pego olhando para ele, meus lábios
entreabertos e meu coração começando a bater contra minhas
costelas.
Você não tem que gostar de mim.
Não. Não tenho.
Mas apesar de tudo – acho que estou gostando.

"Os seus amigos – uh, rapazes – entraram em contato?" Eu espreito


para a sala de estar, com os olhos cansados da velha tela do
computador. Cal claramente não tem software de edição, mas
consegui fazer backup de minhas fotos e limpar minhas câmeras. E
apagar aquela foto dele. Minhas bochechas esquentam quando ele
olha para mim do sofá, com o telefone em uma mão e um copo de
uísque na outra. Percebo pela primeira vez, embora pudesse ter
ficado lá o dia todo, que ele tem uma Glock na cintura.
Quando ele me vê olhando, puxa sua camisa para baixo para
cobrir. "Entraram sim."
"E?"
"Nada ainda. Eles estão de olho em todos os pontos de entrada
da cidade. E também temos reforços mantidos na estrada, só
para garantir. Não precisa se preocupar." Ele se volta para o
telefone.
Eu desço para a sala de estar rebaixada e atravesso até
ele, afundando lentamente no sofá ao lado dele. "Eu não estou
preocupada."
"Eu sei." Mas ele olha para mim com o canto do olho, inquisitivo.
"Mas aquela ajuda..."
"Nesta noite? Achei que você pudesse estar cansada."
"Eu estou. Mas..." Eu peso os prós e os contras de apenas ser
honesta e decido o que é melhor. Mesmo que isso me faça parecer
fraca. "Eu simplesmente não consigo descansar quando minha
mente está tão presa a alguma coisa."
É verdade, não consigo. E com Cal aqui, é difícil imaginar
alguém invadindo ou se esgueirando. Eu me sinto segura. Mas me
sentiria muito mais segura lembrando como me proteger, só para o
caso de que algo dê errado.
Mas uma outra coisa é verdade também – que eu estou
procurando uma distração, e Cal apresenta uma oportunidade muito
boa.
Quase boa demais.
Ele se recosta, esticando o braço preguiçosamente sobre o
encosto do sofá. Estamos longe o suficiente a ponto de seus
dedos não me alcançarem, mas do jeito que ele está
desleixado, seu joelho se choca levemente contra o meu. Tentei
parecer relaxada, de boa. Intocável, inabalável. Mas o contato
parece ilícito – queima, como uma marcação em brasa.
"Que tal atirar?" Cal pergunta, tomando um gole de seu
copo. "Há bastante espaço nos fundos."
"OK." Algo na maneira como ele fala parece intuitivo, conhecedor
– como se ele adivinhasse que eu poderia estar tentando fazer
algo, qualquer coisa, acontecer. Qualquer coisa que não seja nós
sermos presos aqui e mortos como animais. "Agora?"
"Sim. Agora." Ele acena, mas me observa. "Você está bem?"
"Sim. Por que eu não estaria?"
Ele dá aquele pequeno sorriso, secreto e ilegível. "Por
nada. Vamos."

A chuva parou, deixando a cascata selvagem de pinheiros


espumantes da propriedade pingando e brilhando sob o crepúsculo
de outono. O sol se move por trás das nuvens, raios de luzes
dourados caindo dos galhos mais altos e salpicando o chão
atapetado da floresta.
Cal está sentado no toco de uma árvore, as mãos grandes
apoiadas na coronha do rifle. Não consigo distinguir sua expressão
na minha periferia, mas posso sentir seus olhos em mim.
"Você está me deixando nervosa", eu digo, provocando o
gatilho. Meu alvo é uma jarra de vidro verde. Cal já moveu o alvo
três vezes, esmagando o vidro quebrado que agora se espalhava
pelo caminho.
"Estou checando sua forma."
Porra. Por que isso soa tão sexy?
"Pare de sorrir", acrescenta ele, confuso. "Foco."
Mais fácil falar do que fazer. Eu respiro fundo, me forço a manter
os dois olhos abertos e aperto o gatilho enquanto
expiro. Quebrou! O vidro verde se estilhaça, fragmentos dele
espalham-se pelo solo. Meus ouvidos zumbem por um
instante, e então a fria serenidade da floresta flui de volta para a
clareira.
"Você é uma boa atiradora."
"Eu pratiquei bastante. Mais do que gostaria de admitir." Eu
suspiro, deslizando a trava de segurança e me sento ao lado de Cal
na sombra. "Mas tenho certeza de que você praticou mais." Isso tem
me incomodado desde que o conheci. Agora que tiramos o drama
do caminho e sinto que nos entendemos, não posso deixar de
perguntar. "Então... como você entrou nessa linha de trabalho?"
Um leve sorriso toca o canto de sua boca, desaparecendo com a
mesma rapidez. Ele olha para a clareira. O sol já está
desaparecendo atrás das árvores, refletindo nos cacos de vidro
espalhados como estrelas caídas.
"Meu pai veio pra cá. Ele e sua família possuíam grande parte da
terra e foram donos por séculos, mas... " Ele suspira, o vapor fluindo
de seus lábios enquanto a noite esfria, e se inclina para trás. "Ele se
envolveu com gente ruim, fez alguns investimentos ruins. Perdeu
tudo o que tinha." Cal puxa um fio solto da manga de sua
jaqueta antes de olhar para mim, com uma sobrancelha
levantada. "Ele fez o que tinha que fazer para recuperar." Um
encolher de ombros. "Não foi o bastante. Então – eu peguei o que
sobrou."
Há algo quase terno em sua expressão, algo vulnerável
que aperta meu coração. "Quantos anos você tinha quando
começou?"
Agora ele sorria para mim, e era tão afiado quanto o vidro
quebrado na clareira. "Muito jovem, provavelmente."
"Eu não tive escolha em nada disso também", eu digo,
envolvendo meus braços em volta de mim mesma. "Achei que, se
simplesmente ignorasse, meu pai e sua história e todas as merdas
que ele faz – se eu me distanciasse o suficiente – talvez isso não
me afetasse."
"Eu também pensei isso uma vez."
Eu olho para ele com surpresa.
"Por mais que pareça", ele diz, seu sotaque vibrando em meus
ossos. "Eu realmente não gosto de fazer isso. Ou, nem sempre
gostei. Mas quando você está dentro, é assim. Sem retorno. Sem
saída."
A única maneira de sair disso é em um saco preto, Daisy. Eu
estremeço com a memória, a voz do meu pai perfurando nosso
momento de paz como uma faca. De repente, estou vendo mamãe
de novo, sentindo seu perfume poluído pelo enxofre de um tiro e o
cheiro exuberante e úmido de sangue. Eu me levanto abruptamente.
"Algo errado?"
"Não", eu digo, muito bruscamente. "Quer dizer... eu não sei." Eu
esfrego meus braços, olhando para ele. "Eu acho que eu gosto de
você." Suas sobrancelhas subiram, e eu rapidamente acrescentei,
"não desse jeito. Quer dizer, acho que entendi você. Ou... não
sei. Você tem uma presença mais agradável do que pensei que
alguém como você teria."
Seus olhos brilham. "Você gosta de mim."
"Sim. Eu acho que sim." Eu retribuo seu sorriso, bochechas
quentes. "Não me faça me arrepender."
Ele está tão perto de mim que minha respiração engata, mas ele
simplesmente passa por mim para pegar o rifle. "Vou tentar não
fazer isso." No minuto em que ele se afasta de mim, eu o quero de
volta. "Vamos entrar."
Eu o vejo caminhar à minha frente na escuridão da floresta
densa, a última luz do sol dourada difundindo-se diante de meus
olhos. Estou tornando isso muito complicado. A constatação não é
um choque – eu tenho tendência a fazer isso. Mas talvez essa fuga
possa realmente ser uma fuga. Não um esquema de fuga ao acaso,
não apenas uma caminhada aterrorizante pelo interior da
Escócia. Talvez sair da vida que eu conhecia antes, de meu pai, não
signifique uma fuga, no final das contas.
Talvez isso signifique correr para frente.
Como se estivesse lendo meus pensamentos, Cal se vira e sorri
por cima do ombro. Estou começando a aprender o significado de
cada um de seus sorrisos, e este é como uma faca, pequeno e
perigoso: um desafio.
"Eu tirei você das suas preocupações, Daisy?"
Jesus, a maneira como ele diz meu nome. Eu o alcanço,
caminhando a passos largos. "Sim", eu digo. "Pra dizer a verdade,
acho que sim."
5
CAL

A noite passa sem intercorrências, com Stevie me ligando aqui e


ali para me informar que as estradas estão limpas. Mandei um
dos caras pegar as coisas de Daisy em casa e deixar por aqui.
Mesmo com ela insistindo que não era necessário, eu vejo um
pouco da tensão sair de seus pequenos ombros apertados.
Ela sempre me diz que está bem e que não tem
medo. Que quem quer que sejam esses caras, eles vão se
foder, e ela sabe como se proteger. Eu não pergunto, mas vejo
como seus olhos vão para as portas e janelas a cada
barulhinho. A maneira como sua mão se move em direção à cintura,
me faz perceber que ela já carregou uma arma antes. Por alguma
razão, isso faz o meu peito doer ao imaginar, de uma forma que
nunca doeu antes por mim ou pelas minhas experiências neste
mundo.
Na manhã seguinte, eu a ouço malhando silenciosamente – pela
sua respiração suave e rápida e as leves batidas de seu tênis no
chão de madeira do quarto de hóspedes. Depois disso, ela toma
banho e aparece revigorada e sorrindo, mas eu só consigo
processar o quão real o medo é para ela.
Por alguma razão, isso me faz querer protegê-la mais. Na
intimidade estranha e afetada da cabana, tenho o desejo – duas,
três vezes por dia – de contar a ela por que foi, de verdade, enviada
para cá. Sim, a vida dela corre perigo. Sim, os homens atrás dela e
a ameaça que representam são tão reais quanto nós.
Havia um preço pela minha proteção. Quando me imagino
falando essas palavras com ela, não é arrependimento, raiva ou
tristeza que sinto - é vergonha. Eu praticamente comprei
você. Claro, seu pai não expressaria dessa forma. Até onde eu
sabia, Daisy havia sido informada e havia concordado. Mas a garota
que está vivendo bem no final do corredor tem tanto noção disso
quanto uma corça na mira de um caçador.
Sem a menor noção, talvez. Mas não inocente e certamente não
fraca. Nos dias que se seguem, aprendo a observá-la sem que ela
perceba. Ela é inteligente e rápida, mais observadora do que eu
gostaria. Mas existem momentos de vulnerabilidade, e eu aprendi a
usá-los quando posso. Normalmente, surgem quando ela está
tirando fotos, ou sentada no sofá editando-as em seu telefone, ou
quando ela está colada ao velho computador monolítico no final do
corredor.
Às vezes, acontece quando estamos atirando no campo,
descendo a colina – mas isso é diferente. Não há suavidade para
ela quando está atirando, apenas uma determinação fria e distante.
Instinto assassino.
Não é algo que todos neste ramo de trabalho tenham. Meu pai
não tinha, mas dizia que sim. Me surpreende encontrar isso em
Daisy. Ela sai quase indiferente às vezes, com a cabeça nas nuvens
e presente em um mundo totalmente diferente do resto de nós. Mas
o instinto está lá, zumbindo como um terceiro trilho em um trem,
escondido do olho nu, mas letal para aqueles que se aproximam
demais.
Os dias passam tão facilmente que é quase cruel. Não há merda
suficiente acontecendo na cidade para que eu mesmo precise cuidar
e, pela primeira vez, não estou com vontade de fazer isso. Stevie e
os caras administram bem, e o resto mantém os olhos nas estradas,
nos hotéis, nos esconderijos das florestas e nos trens, táxis e aviões
nas cidades. Se Leith está planejando entrar em Plockton sem que
eu saiba, é melhor ele ter uma boa ideia de como fazer isso.
Talvez ele tenha, uma pequena voz no fundo da minha mente
diz. Ele não era mais forte do que eu, mas Leith sempre foi mais
inteligente, não foi?
Tento ignorar essa voz. Porém, já tarde da noite, quando Daisy
adormece no sofá, ou quando uma expressão de medo cruza seu
rosto com o zzt zzt zzt abrupto do meu telefone vibrando na
mesa, não posso deixar de me perguntar se isso procede.
"Me conte sobre ele", Daisy diz uma noite. Estamos morando
juntos há quase uma semana – talvez morar juntos não seja a forma
mais correta de chamar isso – e nossa rotina diária se tornou
caminhar, atirar, cozinhar e jogar xadrez. Daisy é boa nisso, melhor
do que eu, embora ela nunca dissesse. Estamos jogando nesse
momento, com uma de suas mãos em uma taça de vinho tinto e a
outra torcendo uma mecha de cabelo castanho. "Leith."
Contrariei a vontade de me esquivar tomando um gole de
uísque. Ficou fácil esse nosso ritmo. Estou um pouco surpreso com
a rapidez com que me acostumei com ela – sua presença, suas
peculiaridades, sua voz e sua risada. Eu digo a mim mesmo para
pensar nela da mesma forma que faço com a empregada, como se
ela fosse parte da casa, parte do dia-a-dia, mas não é assim tão
fácil. Quando ela não está comigo, sinto sua ausência. É gritante e
tão impossível de ignorar quanto uma porta de entrada removida do
lugar.
No entanto. Ela não pergunta muito sobre mim, ou meu
passado, ou minha vida, e não pergunta desde aquele primeiro dia,
em que estávamos atirando na floresta. Talvez tenhamos atingido o
requisito mínimo para nos sentirmos confortáveis um com o
outro. Talvez nenhum de nós queira ser tão vulnerável, tão honesto.
De qualquer forma, a pergunta me deixa momentaneamente sem
palavras e Daisy percebe.
"Acho que tenho o direito de saber, não é?" Ela diz com um
sorriso tímido, os olhos brilhando, mas há uma força nessas
palavras, algo que aprendi nessa convivência, que indica que ela
está séria e provavelmente não irá ceder. "Já que é ele quem está
tentando me matar e tal."
"Talvez seja melhor deixar um mistério."
"Talvez." Ela encolhe os ombros, move um bispo e mata um dos
meus cavalos. Há uma peculiaridade sutil em seus lábios que diz
que ela vê o fim próximo. Procuro no tabuleiro, mas não vejo o que
ela vê. "Prefiro a preparação do que a surpresa."
Eu também. "O que você quer saber?"
Seus olhos se arregalam. "Sério?"
Eu encolho os ombros, movo um peão. Ela não olha para o
tabuleiro, apenas para mim.
"Como você o conhece?" Ela pergunta, deslizando para a frente
no sofá do outro lado da mesa.
Como eu conheço Leith? Como um irmão. "Éramos vizinhos
quando crianças. Na época em que a cidade era pobre e não havia
turismo para mantê-la à tona. Os verões eram longos e
solitários, e os invernos, brutais. A cidade era muito menor naquele
tempo, e as grandes estradas não haviam sido
construídas. Estávamos isolados do que parecia ser o resto do
mundo."
Daisy dá um gole em seu vinho. Seus olhos, cintilantes e bonitos
na luz fraca, diziam: Continue.
Eu bebo também, esperando que um zumbido baixo torne as
palavras mais fáceis. São as que eu venho tentando dizer há um
longo tempo. Estou começando a pensar que tirar isso de mim,
como um veneno de cascavel, de alguma forma fará com que as
feridas doam menos. Mesmo velhas como são.
"Costumávamos andar juntos, em tudo o que fazíamos", eu digo,
espiralando o resto de uísque no fundo do meu copo. "Como
ladrões, éramos brutos. Os mais brutos. Vendemos nossas
primeiras drogas juntos, ferramos com o nosso primeiro chefe
juntos, fizemos nossas primeiras passagens pela prisão juntos."
Daisy se endireita, a surpresa clara em seu rosto doce. Ela se
recompõe rápido o suficiente para que eu possa fingir que não
vi. Mas eu sei o que ela provavelmente está pensando: é claro, ele
cumpriu pena. Ele é um criminoso. Assim como seu pai, os homens
que mataram sua mãe e os que estão vindo para matá-la agora.
Mas algo nessa surpresa torce como uma faca em meu
estômago. Ela achava que eu fosse melhor, eu percebo. Talvez
apenas por um momento, jogando xadrez sob a luz fraca, isolado do
mundo feio e cruel lá fora. Talvez ela nem tenha percebido. Mas ela
pensou, mesmo que fugazmente, que eu era um cara bom.
A percepção transforma meus ossos em aço. Eu endureço
minha expressão, abro os braços no sofá para parecer
maior. Lembre-se disso, Daisy, eu penso. Lembre-se de que sou
perigoso. Lembre-se de que sou o cara mau, à minha
maneira. Lembre-se de que não sou bom para você.
É mais fácil do que a inevitável decepção, não é?
"O que aconteceu?" Ela prontamente pergunta diante do meu
silêncio, com sua voz de repente muito baixa.
Eu a olho nos olhos. "Há muito tempo trabalhamos para um cara
mau. O cara que tinha endividado meu pai. Meu pai morreu com ele
ainda o pressionando, ainda o forçando a viver como um escravo,
fazendo trabalhos até que seus ossos não aguentassem. Até ele ter
câncer, e o câncer tê-lo matado, mais lento do que meu
chefe jamais pôde". Eu me forço a olhar para ela, para não vacilar
ou desviar o olhar, embora minha garganta engrossasse com as
palavras. A simpatia em seus olhos me faz querer me esconder
deles.
"Sinto muito", ela diz.
Eu aceno com a mão, termino meu uísque, coloco o copo na
mesa com muita força. "A vida é assim. Leith e eu estávamos fartos
dele, então. Estávamos trabalhando há anos, fazendo a parte suja
enquanto ele engordava, dava ordens, e confundia relações e
comércios por todo o mundo. Nós concordamos – ele tinha que sair
de cena. E queríamos que isso fosse público, para que todos os
seus subordinados soubessem quem tinha feito. Assim, eles
saberiam quem estava no comando agora e quem conquistaria sua
lealdade."
Espero que ela recue ou pelo menos desvie o olhar. Não é o que
ela faz. Há dureza em sua expressão enquanto ela me olha e não
muito além disso. Ela bebe seu vinho.
"Eu o matei." O gosto das palavras é o gosto do orgulho. Já fiz
coisas ousadas na minha vida, na minha carreira. Essa continua
sendo uma das coisas mais ousadas e satisfatórias. Não me
preocupo em entrar em detalhes. Daisy não precisa saber
tudo. "Leith fugiu antes que acontecesse. Enquanto eu lidava com
isso, ele pegou todo o dinheiro que pôde, colocou no bolso e alçou
voo."
Seus olhos se arregalam. "Alçou voo?"
"Saiu do país, se encontrou com alguns amigos desse nosso
chefe, alegou que eu era um traidor, um psicopata que havia se
rebelado e ameaçado matar Leith quando ele descobrisse." Mesmo
para meus próprios ouvidos, ainda pareço chateado com isso. Já faz
muito tempo, mas ainda assim, eu tento manter o controle, firmando
minha voz, relaxando meus braços sobre o encosto do sofá. "Claro
que os meus rapazes não acreditaram em uma palavra que saiu de
sua boca. Eles odiavam nosso chefe tanto quanto eu. Mas mais do
que isso, eles odiavam seguir alguém fraco. Nesse negócio, essa
merda não funciona. Mas disso você sabe."
Daisy me observa com uma expressão inescrutável. "Você
estava disposto a fazer o que seu chefe não estava. As pessoas
respeitam isso."
A que custo? "Respeitam sim."
"Eu também teria seguido você", diz ela, terminando o vinho. Ela
se levanta, deslizando com facilidade e agilidade para fora do sofá e
esticando os braços acima da cabeça, calma como se estivéssemos
discutindo a que canal assistir na TV depois do xadrez.
Eu sinto uma pontada de algo afiado no meu peito, pego meus
olhos deslizando sobre seu corpo. Ela está usando leggings que
acentuam as curvas de suas coxas, seus quadris, sua bunda. Seu
cabelo está em uma trança solta, balançando entre as omoplatas; a
manga de seu suéter deslizou para baixo, revelando a protuberância
de seu ombro nu.
Ela não é sua. Eu engulo minha vontade. Eu venho sendo capaz
de separá-la de mim como uma mulher, como uma mulher sob
minha proteção, como uma mulher sob minha proteção dormindo,
respirando, tomando banho a poucos metros de mim, durante toda a
semana passada. Porém, cada vez mais, à medida que nossos
silêncios ficam mais carregados e amigáveis, à medida que roubo
esses momentos vulneráveis dela, mais difícil se torna não olhar
realmente para Daisy. E a ver pelo que ela poderia ser.
"Cal."
Sua voz perfura meus pensamentos. Eu percebo que ela está
olhando para mim sobre seu ombro nu, os olhos apertados. "Sim."
"Você está me encarando."
Eu não digo nada. O que diabos eu poderia dizer? Eu
simplesmente mantenho meu olhar no dela. É tão indecifrável como
sempre, mas estranhamente sisudo. Sem dizer uma palavra, ela se
levanta e pega o uísque na cozinha. Quando retorna, dá a volta na
mesa de café para o meu lado, e me serve outro copo.
Ela se move para o lado tão próxima que seu joelho pressiona
contra o meu; ela se vira para servir, curvando-se
ligeiramente. Meus olhos traçam as curvas de seu corpo elegante
novamente. A sensação de sede por ela aperta dentro de mim, mas
minha mente permanece cautelosa, afiada. Este é um jogo,
exatamente como o que estávamos jogando.
Ela está me tentando. Mas por quê?
Porque ela viu você olhando, seu idiota.
Daisy coloca a garrafa na mesinha de centro. Eu me preparo
para ela se afastar. Me preparo para a ausência de seu calor e da
pressão de sua perna contra a minha.
Mas ela não vai embora. Em vez disso, ela afunda no sofá ao
meu lado.
Meu coração para. Meu braço está em torno da parte de trás do
sofá, e ela se inclina para trás até que ele encoste em seus
ombros. E então seu corpo desliza lenta e perfeitamente contra o
meu. Ela olha para a frente, mas eu olho para ela. Ela está tão perto
que posso sentir o cheiro de frutas cítricas em seu shampoo; tão
perto que posso ver as manchas âmbar em seus olhos escuros.
O que diabos ela está fazendo?
Sem olhar para mim, ela desliza a mão na minha coxa.
"Daisy", eu rosno, um aviso que eu sei que tenho que dar,
mesmo que eu não queira.
Daisy se vira para mim. "Cal."
"O que você está fazendo?"
"Me distraindo", ela diz, e a resposta é tão honesta, tão clara e
transparente que parte do medo, da raiva e da vergonha sai de mim.
Mas isso não torna tudo certo. Ela não sabe sobre o acordo que
seu pai fez; ela não sabe que não está aqui apenas para que eu a
proteja. Ela está aqui para ser minha esposa, para ser a mãe de
meus filhos, para ajudar a pavimentar o caminho para o meu legado.
Eu sou tão ruim quanto o pai dela, eu percebo, com o coração
despencando. Tudo o que ela odeia em seu pai – sua arrogância,
seus títulos, sua indiferença – ela vai odiar em mim também, assim
que souber a verdade.
Ela ainda não sabe.
Daisy se inclina para mim. Eu digo a mim mesmo para impedi-
la. Para me afastar. Para dizer alguma coisa.
Em vez disso, me inclino em direção a ela, deslizando minha
boca contra a dela. Ela tem gosto de vinho, amargo e rico, e seus
lábios são tão suaves que parecem acetinados. Vou estragar tudo,
diz aquela vozinha. Eu vou estragar tudo, portanto eu deveria
aproveitar – só dessa vez, eu devia aproveitar ela.
Envolvo meu braço em volta dos seus ombros e a puxo para
perto. Eu esperava que ela me envolvesse, macia, flexível
e apoiadora, mas em vez disso ela se senta, sobe habilmente para o
meu colo. Suas mãos deslizam pelo meu cabelo, segurando
suavemente, e ela separa meus lábios com os dela.
O desejo me enrijece e eu agarro seus quadris, crescendo mais
a medida que ela desliza sua língua em minha boca. O que
começou como suave e leve, imediatamente se torna mais
selvagem e desesperado.
"Cal", Daisy sussurra, suas mãos caindo na minha camisa,
desabotoando os botões o mais
rápido que seus dedos pequenos conseguem ir.
Pare. Pare. Pare.
Mas eu não quero.
Alcanço meu cinto, me inclinando para frente para Daisy poder
puxar minha camisa fora, arregalando os olhos com o que vê de
mim, os lábios entreabertos e rosados pintando suas bochechas.
Então ela está me beijando de novo, mais forte desta vez, e sua
língua quente está acariciando a minha, suas mãos viajando sobre
meu peito, meu abdômen, meus braços. Eu me sento, levantando-a
e colocando-a embaixo de mim no sofá, as mãos procurando a
bainha de sua calça.
Ela levanta os quadris em resposta, se contorcendo livremente, a
calcinha branca, brilhante e elegante, em sua rica e macia pele
morena. Eu largo minha mão em sua coxa, traço o interior dela até
meus dedos alcançarem a renda clara.
Daisy parece sentir minha hesitação. "Não é nada", ela sussurra,
e eu encontro seus olhos brilhantes e intensos. "Tudo bem. Isso não
quer dizer nada."
É o que preciso ouvir. Nesse momento, eu sou uma necessidade
dela.
Nada mais importa.
Ela me puxa para baixo, pega minha boca com a dela. Ela está
me sentindo de novo, e sua atração só me faz desejá-la mais. Suas
palmas estão geladas e procurando, traçando minhas costelas e as
cristas do meu abdômen até que ela alcance meu pau, rígido e
lutando contra minhas calças. Ela faz um som suave de prazer
contra a minha boca, deslizando a mão por baixo da minha boxer e
me agarrando com força.
Eu faço um som áspero enquanto ela me puxa para fora,
abaixando minha boca para beijá-la abaixo da mandíbula. Já faz um
tempo desde que estive com uma mulher – mais ainda desde
que estive com uma da qual gostava.
Gostar. Não, não é o que eu sinto por Daisy – nem perto
disso. Mas o que sinto por ela está enterrado em mim, escondido
fora do campo de visão, assim como ela esconde seu instinto
assassino, seu terceiro trilho de alta tensão. Se eu deixar
transparecer, estarei admitindo muito mais do que minha atração por
ela, muito mais do que apenas meu interesse por ela.
Vou admitir que preciso de mais na minha vida do que
tenho. Mais do que um casamento barato e falso. Mais do que um
sacramento utilitário para produzir filhos que possam colher o que
semeei quando partir.
Estarei admitindo que não quero o que comprei do pai dela.
Eu quero a Daisy como ela é. Tudo o que ela é.
E ela quer uma distração.
"Cal", ela diz novamente, seu hálito quente contra meu
ouvido. "Eu preciso de você."
Foda-se.
Eu preciso de você também.
6
DAISY

E u deslizo minha mão vagarosamente para cima e para baixo


na base de seu pau duro e quente, o prazer flui através de
mim, as minhas veias se acendem e incandescem. Abro minha boca
para sua língua faminta, deliciando-me com o calor abrasador de
suas palmas, deslizando ao longo das curvas de minhas coxas,
agarrando minha bunda. Ele arrasta sua língua pela curva da minha
garganta, desliza meu suéter e sutiã para baixo, e acaricia meu
mamilo com lambidas lentas e deliciosas.
Eu guio sua virilidade entre as minhas pernas, suspirando com
prazer enquanto os dedos de forma intuitiva puxam minha calcinha
de lado. Sua pele está extremamente quente contra a minha,
e quando ele sente o quão molhada estou, ele resmunga, sua boca
buscando a minha mais uma vez. Alinhando seu pênis, eu levanto
os meus quadris, bloqueio minhas pernas em volta dele, e o libero
para dentro de mim.
Ele empurra para dentro lentamente, deliberadamente, e a
deliciosa dor de seu comprimento traz um gemido aos meus
lábios. Eu afundo meus dedos em suas costas, arqueando minha
espinha para levá-lo mais fundo, mais fundo. Sim. Lá. Sua mão se
estende contra a parte inferior das minhas costas, levantando-me
em direção a ele, montando um ritmo cada vez mais profundo e
acelerado. Ele grunhe, seu prazer acendendo o meu até que eu não
aguento mais.
Eu me inclino para frente. Ele lê meu desejo e se
levanta, apoiando as costas contra o sofá e me puxando para o seu
colo. Eu envolvo meus braços em volta de seus ombros, montando
nele, esfregando os quadris, cada vez mais rápido, o calor de sua
pele, do seu pau dentro de mim, queimando em êxtase. Ele enterra
o rosto no meu peito, a respiração quente enquanto persigo meu
prazer.
"Daisy", ele rosna, e o som do meu nome em sua boca
desencadeia meu clímax facilmente. Sua respiração se acelera
enquanto a minha aumenta lentamente, com eletricidade zumbindo
em meus ossos, meu sangue, cada centímetro da minha pele.
Eu jogo minha cabeça para trás e grito, levando-o para mais
fundo com minhas últimas estocadas famintas. Eu sinto ele gozar
em mim, com seus dedos afundando profundamente em meus
quadris, um tremor correndo violentamente através de seu corpo até
que nós dois fiquemos pendurados um no outro, ofegantes.
Seus dedos estão emaranhados no meu cabelo, seu braço em
volta da minha cintura. Eu não quero me mover ainda. Eu não quero
que isso acabe. Eu acaricio meu rosto em seu pescoço quente, o
agarro contra mim.
"Obrigada", eu finalmente sussurro para ele enquanto seus
dedos começam a traçar círculos hipnóticos contra meu couro
cabeludo. "Isso foi... distrativo."
Ele ri um som baixo e quente que vibra através de suas costelas
e nas minhas. "Não é a melhor coisa para ouvir depois de uma
foda."
"Neste caso? Considere isso como um elogio." Eu me inclino
para trás, olhando em seu rosto. Deus, ele é gostoso. Por que eu
não vi isso antes? Porque você não queria, sua idiota. Sim,
isso mesmo. Ficar presa em uma cabana com um chefe da máfia
escocesa estoico e mal-humorado com a tarefa de proteger minha
vida a todo custo é uma tarefa tragicamente sexy. E levou só uma
semana para que eu desistisse. "Sério. Obrigada."
Espero que ele entenda que não quero dizer apenas por isso –
quero dizer por tudo isso. A calma em sua voz quando fala comigo,
o aceno que ele dá quando faço perguntas sérias, e que ele
reconhece que mereço respostas sérias. As aulas de tiro. O
xadrez. O uísque. E isto. Isto também.
"Não foi nada", diz ele com um sorriso malicioso. "Não é?"
"É." Eu sorrio, deslizando de seu colo. "Nós poderíamos fazer
nada no chuveiro também, sabe."
Seus olhos brilham. Para minha surpresa, ele se inclina em
minha direção, pega minha boca com a dele. Este beijo é suave,
quente – profundo. Ele acaricia minha bochecha com as costas da
mão. "Eu posso fazer mais um pouco de nada."
O lugar acima do meu umbigo tensiona. Quando ele se
afasta, me vejo olhando em seus olhos, minha diversão se foi,
substituída por fome. "OK."
"OK."
Ele se inclina para me beijar novamente.
Zzt zzt zzt!
Seu telefone na mesa vibra. Nós dois olhamos para ele com
surpresa.
"Merda. É Stevie..." Cal se levanta, puxando as calças para
cima e agarrando sua camisa. "Verificação de chuva?"
O medo frio mergulha em meu estômago. Eu me visto
rapidamente. "Você vai sair?"
"Não. Só dar um pulo ali fora."
"O que é? É o Leith?" Dizer seu nome deixa minha língua com
gosto de cobre. Eu puxo meu suéter para perto, envolvo meus
braços firmemente em volta do meu corpo. "Cal. Me diz."
"Ainda não sei, Daisy", ele responde. Quando eu começo a
protestar, ele estende a mão para mim, mas não parece saber onde
tocar. Depois de um momento, ele abaixa a mão. "Eu vou te contar
tudo."
"Promessa?" Eu sei que pareço petulante, chorona até, mas não
consigo evitar.
Ele sorri tristemente, e então o sorriso desaparece. "Eu
prometo."
Eu o vejo ir, a ausência de seu calor me deixa gelada até os
ossos.

Eu passo o tempo que ele está ausente tomando banho – minha


necessidade de me lavar supera meu medo de ser assassinada com
um machado – e fazendo esteira. Finalmente, desisto e me sirvo de
um copo de uísque, com o crepúsculo iluminando as janelas em um
rubi misterioso. Eu tomo rapidamente, despejo outro, e boto goela
abaixo esse também.
Quando a esteira fica cansativa, meus ossos protestam, depois
de incontáveis horas de malhação, tiro, e agora aquela brincadeira
deliciosa, eu me sento e me forço a praticar xadrez.
Não, Daisy, ouço a voz do meu pai dizer. Pense
antecipadamente. Nem um movimento, nem dois – dez. Se você
não consegue fazer isso, nem tente jogar. Você perderá todas as
vezes.
Sua voz, fria como uma faca e brilhante, se tornava real demais
pelo zumbido do álcool em minhas veias. Eu me afasto. Prefiro tirar
fotos, marchando através da grama alta e molhada, limpando a
chuva dos meus cílios, e respirando vapores frios. Eu preferia atirar,
o mundo reduzido a apenas três coisas: eu, a garrafa de
vidro e o peso frio e pesado de uma arma em minhas mãos.
Eu movo uma peça.
Não olhe para a rainha ou rei. Olhe para os do meio – você
imagina que os reis têm todo o poder, não é? Mas eles não
têm. Jogue corretamente e um peão será tão poderoso quanto a
própria rainha.
O que Stevie viu? O que ele ouviu? Leith está aqui? Leith, que
encorajou Cal a matar, que o roubou às cegas e o jogou aos lobos e
fugiu como uma criança – ele me encontrou? Ele vai me matar?
Cal será capaz de me proteger?
Adormeço no sofá, segurando um peão contra o peito e
implorando à voz do meu pai para me deixar em silêncio.

"Daisy."
Cal. Sonhei que suas mãos estavam no meu corpo. Não
– me lembrei. O doce peso de suas palmas, o calor e os golpes de
sua língua, o impulso dele dentro de mim...
"Daisy." Um toque morno de uma mão contra meu rosto, a
vibração de seu sotaque em meu ouvido, uma injeção direta que me
deixa tremendo de desejo. "Ei."
Eu abro meus olhos. Cal está sentado acima de mim, com
o rosto contraído e as sobrancelhas grossas franzidas. "Merda", eu
sussurro, lutando para reconciliar o Cal dos sonhos do Cal real. Este
não está nu. Tá bom. Eu me forço a sentar, grogue. "Tudo bem?"
"Sim e não."
Eu tremo. O fogo se foi, e a cabine está gelada. A luz do
amanhecer empalidece a janela. "Você me deixou dormir a noite
toda."
"Eu estava arrumando as coisas."
"Arrumando...? O que..." É então que eu registro que ele mudou,
fez a barba e está vestindo um belo casaco de lã. Ele está lindo. Ele
parece... apresentável. "Você está saindo?"
Ele olha para as próprias mãos.
"Você não pode", eu digo, muito bruscamente. Corro uma mão
sobre meu cabelo, meu coração lateja contra minhas costelas, muito
rápido. "Você disse que não me deixaria; essa é a razão de eu estar
aqui, você deveria me proteger..."
"Daisy." Ele toca meu rosto, a palma da mão quente e áspera
contra minha bochecha. "Olhe para mim."
Eu olho teimosamente para longe. Não me importo se estou
agindo como uma criança. O que diabos ele está pensando? "Você
está me deixando completamente vulnerável."
"Todos os meus homens estarão com você."
"Se você considerasse isso o suficiente, não estaria aqui desde
sempre." Eu disparo nele um olhar cúmplice. Ele tem a graça de
desviar o olhar. "Cal. Isto não está certo. Você sabe, como nos
filmes de terror, onde as pessoas decidem se separar? Você sabe
que nunca termina bem?"
Um sorriso toca os cantos de sua boca. "Eu não assisto filmes de
terror."
"Cal."
"Você confia em mim?"
Eu engulo o sim instintivo que sobe na mesma hora para a
minha língua. Depois de um momento, eu me permiti acenar.
"Leith quer se encontrar."
O frio me percorre, deslumbrante e duro como a água do
mar. "Não faça isso."
"Daisy... "
"Cal, não." Eu me levanto, andando para longe dele, passando
minhas mãos pelo meu cabelo. A trança se desfez, e o cabelo fluiu e
soltou. Eu me viro para enfrentar Cal. "As únicas coisas que você
me disse sobre Leith são de que ele está conivente e disposto a
fazer o que tem que fazer para conseguir o que quer. Se ele está
atraindo você para longe... "
"Ele não está me atraindo. Nós dois concordamos."
Se você não consegue pensar dez movimentos à frente, nem
tente jogar – você só perderá. "Ele está manipulando você."
"Você disse que confia em mim."
"Eu confio... "
"Então confie em mim." Cal mantém distância, me olhando com
frieza. Não consigo ler sua expressão – mas sua voz de repente é
tão familiar.
Eu sinto tudo em mim que se abriu para ele se fechar e
trancar. Meu coração, inflamado por ele – sua proteção, sinceridade
e calor – congelam. Eu fecho minha expressão, e meu carinho,
como uma porta. "OK."
Ele ouve a mudança na minha voz. "Volto amanhã."
Eu aceno, tentando não parecer ou soar petulante ou
frustrada. "Vejo você amanhã."
Cal me observa por apenas mais um minuto. Então ele se vira
sem outra palavra, sem um toque, e atravessa a porta da frente.

Em algum ponto, há uma batida na porta, enviando uma onda de


medo frio pela minha espinha. Já estou segurando o rifle e olhando
pelo olho mágico quando percebo que é apenas Stevie.
"Daisy", diz ele para a porta. "Estou bem aqui, OK?"
"OK", eu digo, esperando que ele não consiga ouvir o medo
áspero em minha voz. "Obrigada."
"Meu número está no seu telefone. Se você precisar de alguma
coisa, é só ligar."
"OK."
Sem outra palavra, ele corre para fora da varanda e sai para a
garagem, postando-se entre os abetos gotejantes. Também vejo
outros lá fora: manchas escuras andando pela floresta como
animais, aparecendo e desaparecendo entre as árvores. À luz
dispersa da lâmpada penetrante da varanda, tudo é retratado em
um negativo frio: árvores brancas, céu negro, lascas de pálido por
onde os homens caminham. Parece assombrado.
Eu verifico todas as fechaduras novamente. Tenho verificado a
cada quinze minutos mais ou menos. Eu não conheço essas
pessoas. E se um deles desse uma chave para Leith?
E outra voz, mais baixa e sombria no fundo da minha mente, me
lembra, eu também não conheço Cal.
Balancei minha cabeça. Mesmo se for verdade, quero confiar
nele, mesmo que apenas por causa da minha
sanidade. Eu preciso confiar nele.
Quando estou satisfeita com as portas trancadas, volto ao meu
posto na porta da frente. Ele poderia usar uma janela. Ele poderia
quebrar a porta dos fundos. Ele poderia matar cada pessoa do lado
de fora e entrar direto pela porta da frente.
Eu realmente valho tudo isso?
Eu me encosto na porta e fecho os olhos. Tudo o que vejo contra
o negro de minhas pálpebras é a minha mãe, esparramada
elegante como um anjo caído – cabelo e pele pálidos – o carmesim
se expandindo como uma explosão estelar por baixo dela, riachos
espessos de sangue que cruzam o chão em rios para tocar meus
sapatos. Minha mãe, porém, não era um anjo – caído ou não.
Afinal, ela era apenas uma pessoa, e morreu como uma.

Eu sinto olhos sobre mim, equilibrados e gélidos.


Eu pisco, metade de mim na sombra de um sonho ou sono
profundo, e a outra metade acordando. A luz do sol da manhã enche
a cabana, envernizando de amarelo as paredes de painéis de
madeira e transformando as janelas em painéis de fogo. Alguém
acendeu a lareira; está quente demais para estar confortável, o calor
é denso e opressor. Sinto cheiro de café.
Cal. Meu coração dá um salto.
Até eu me sentar e encontrar seus olhos e sentir cada gota de
sangue escorrendo pelo meu rosto.
Um homem está sentado no sofá à minha frente. Ele está
reclinado, as mãos cruzadas na frente dele, as pernas bem
abertas. Ele é mais jovem do que eu imaginava, ou pelo
menos parece mais jovem; ele é mais próximo da minha idade do
que Cal. Ele tem cabelo preto, cheio e grosso, penteado para trás
em cachos despenteados, com uma marca de barba traçando a
linha da mandíbula. Se eu não estivesse paralisada de terror,
poderia achá-lo bonito, seus olhos azuis brilhando e as argolas
prateadas em suas orelhas refletindo a luz.
Mas dada a situação, eu não posso pensar além da implicação
dele estar aqui, nem mesmo por um instante.
"Daisy", diz Leith. "Não é?"
Minha mão está presa ao rifle. Devo ter adormecido agarrada a
ele. Por que me deixou ficar com ele? Consigo persuadir meus
membros rígidos a se mover, puxando-o para o meu colo e
apontando-o para a mesa de centro.
"Leith", eu digo friamente. "Não é?"
Ele sorri. Ele tem incisivos afiados. Eles o fazem parecer
diabólico, ainda mais jovem do que já é. Ele se move, e eu armo o
rifle. Ele solta uma risada suave. "Aí, pega leve. Somos todos
amigos aqui."
Imperturbado pelo tambor balançando em sua direção, ele pega
a xícara de café à sua frente na mesa, com o vapor saindo da
superfície preta em espirais vertiginosas antes de continuar. "O Cal
que te contou, né? Que já fomos amigos uma vez?"
Eu não digo nada.
"Beba. É uma boa maneira." Seu sotaque escocês engancha as
pontas de suas palavras como farpas. Eu sigo seus olhos para a
xícara na minha frente. Quando eu não me movo, ele diz,
novamente. "Beba, ou seja mais rápida em colocar uma bala em
mim do que eu serei em você."
Eu olho da xícara para seus olhos. Em um movimento tão rápido
que borra, ele puxa uma Glock de baixo do braço e a aponta para
mim.
Seus olhos brilham. "Beba."
Dez movimentos à frente. Meio sonolenta, eu não pensei além
da implicação dele deixando o rifle ao meu lado. Ele acendeu o
fogo, fez café, portanto fica claro que ele levou o tempo que
precisava enquanto eu dormia, inocente. Uma criança. Ele tirou as
balas, portanto o rifle é inútil.
Coloquei o rifle no sofá. Eu não posso atirar nele, mas eu o deixo
ao alcance para o caso – seria um bom cassetete se fosse
necessário. Pego meu café e dou um sorriso de escárnio para
Leith. "Eu tomo com açúcar", eu digo friamente. "Não com creme."
"Vou me lembrar disso na próxima vez."
"Talvez você não seja tão bom quanto acha que é. Você deveria
saber como eu tomo meu café." Ainda assim, tomo um gole,
avaliando-o por cima da borda da minha caneca. "Meu pai saberia."
Uma contração no canto da boca – mas não é um sorriso. É uma
careta. Ele mostra seus nervos facilmente. Saber como ferir a porra
dos sentimentos dele não será suficiente. Não se precipite.
Leith me olha suavemente. "Meu chefe me disse que você era
um pouco... espinhosa."
"Sério? Gosto de me considerar alegre e otimista. Acho que só
tenho uma baixa tolerância com bandidos e gente canalha."
"Canalha? Qual é. Claro, eu sou um bandido. Mas você não
sabe se eu sou um canalha."
Eu inclino minha cabeça para o lado, examino o fogo crepitante,
o café fumegante em cada uma de nossas mãos. "Arrombar a casa
de alguém, acender uma fogueira, fazer café, descarregar meu rifle,
me observar dormir... não sei. Canalha parece a palavra certa para
mim."
Agora Leith sorri, e é puro veneno. "Você é inteligente."
"Não. Só tenho experiência."
"Meu chefe disse isso também." Leith bebeu
profundamente, deixando escapar um suspiro de prazer antes
de afastar sua xícara de café. "Era sua mãe, né?"
Eu me arrepio, incapaz de esconder o quanto suas palavras me
enojam e ofendem. "Não diga uma porra de uma palavra sobre a
minha mãe."
Para meu choque, o sorriso de Leith se dissolve e seus olhos se
fixam em mim, examinando e procurando. "Cal contou a você como
minha mãe morreu?"
Parte da raiva em mim vacila. Eu culpo minha fraqueza. "Não."
"Imaginei. Não é uma história para a qual ele se importe
muito." Leith coloca sua Glock no coldre e desliza as
palmas das mãos sobre as pernas da calça. "Quando estávamos
juntos, houve um acidente. Um acidente estranho, por assim
dizer. Minha mãe estava mexendo em algo no sótão e a escada
desabou quando ela começou a descer."
Um calafrio corre pela minha espinha. Ele está mentindo. Ele
provavelmente está mentindo. A história tem o tom venenoso de
uma mentira – mas não de Leith. De outra pessoa. Já ouvi centenas
de histórias como essa de meu pai, de amigos dele e de amigos e
familiares deles... e a implicação de Leith é clara, mesmo antes de a
história terminar: não foi um acidente – foi uma mensagem.
"Ela caiu na escada", Leith diz, ainda mantendo atenção em
meus olhos como se me desafiasse a desviar o olhar primeiro. "Era
uma escada de metal, uma coisa frágil e velha. Passou direto por
ela; três degraus quebrados, direto através das costas e entranhas."
Não vacile. Não é um instinto mostrar meu destemor – mostrar
meu respeito sim, eu percebo. Da mesma maneira que ouso as
pessoas a não vacilarem quando lhes conto sobre minha mãe. A
história de Leith não é um conto de advertência, e o da minha mãe
também não. Não é um aviso. É a verdade, e é a realidade, e é a
imagem com a qual viverei até encontrá-la no túmulo.
"Levou horas para ela morrer", Leith diz, sua voz ficando
repentinamente muito suave. "Foi o que nosso chefe me disse
quando me visitou na prisão. 'Houve dor', disse ele. 'Eu gostaria de
poder dizer que ela se foi pacificamente, Leith. Mas no final, ela
sofreu.'"
Estou impressionada com o instinto bizarro de alcançá-lo. Em
vez disso, simplesmente mantenho seu olhar e não desvio dele.
"Nós o matamos", diz Leith. "Depois, quando saímos. Achei que
matá-lo me faria sentir melhor. Achei que me faria sentir algo. Mas
isso não aconteceu."
Eu finalmente olho para baixo. Suas palavras são tão familiares,
com gosto de cinzas. Semelhante às palavras que pronunciei
durante a minha infância. Eu nunca agi por minha própria sede de
vingança. Achava isso infantil. E de qualquer maneira, eu nunca
havia estado na posição de vingar minha mãe. Mas eu conhecia
aquele sentimento de ódio, tão profundo, insondável e onipotente
que, depois de algum tempo, se tornava nada. Entorpecente. Um
abismo.
"Cal queria mais do que se vingar. Ele queria seu próprio
império. Eu não podia segui-lo nesse caminho." Os olhos
de Leith ainda estão em mim. Posso senti-los, pesados, penetrantes
e à procura de algo. "Eu o conheço há muito tempo, o Cal. E se ele
quisesse comandar um império maior que o de nosso chefe, ele o
faria. Ele mataria tanto quanto. Caçaria tanto quanto. Exploraria
tanto quanto. Ele deixaria pelo caminho tanto território arrasado
quanto nosso chefe fez. Ele criaria outro par de usurpadores, assim
como nós."
"Daí você o traiu", digo, olhando para cima, "para o seu próprio
bem?"
A diversão brilha nos olhos de Leith. "Não foi por
altruísmo. Mas você já sabe disso, não é? Foi por ganância e
covardia. Eu pensei que poderia sair. Mas o que você
conhece? Assim que cruzei o canal, eu estava de volta exatamente
onde havia começado – procurando alguém para olhar de baixo,
alguém para me dar ordens. Era tudo o que eu conhecia, sempre
foi."
"E agora você está aqui. Obedecendo ordens. De me matar." As
palavras não têm gosto de nada. Dizê-las não me faz sentir nada. É
aquele vazio novamente. Está frio e crescendo
para me arrastar para suas profundezas em espiral. "Bem, você
venceu, então. Você me encurralou. Então, por que se incomodar
em me contar uma história triste? Você está sozinho? Com ciúmes?"
Leith sorri, recostando-se. O sorriso não alcança seus
olhos. "Não sei."
"Eu sei. Quando olho para você, vejo todos os homens para
quem meu pai já trabalhou. Cada um. Cada homem neste mundo de
servidão masculina é intitulado e alcança o seu pedaço, e ainda
assim quer mais. Você não é diferente. Portanto, não aja como se
fosse." Me sento no sofá, cruzando as mãos diante de mim e
encontrando seus olhos, tornando os meus tão frios como
gelo. "Então vá em frente. Porra, me mata logo."
"Você gostaria disso, não é? Isso seria mais tranquilo para o
Cal." Leith também se inclina para a frente. Ele não desvia do meu
olhar, e eu não desvio do dele. "Acho que devemos tornar isso um
pouco mais... interessante. Não acha?"
7
CAL

"O que diabos eu devo fazer com isso?" Eu perguntei, correndo


uma mão sobre meu rosto cansado. Um sangue pegajoso sai
dele. Não o meu – o deles. Eu olho para Al, que está enviando
mensagens de texto rapidamente. Seus olhos estão arregalados e
atormentados, seu rosto cinza. Não esperávamos matar um bando
de idiotas que não tinham conhecimento dessa reunião. Um
tiroteio, talvez. Mas isso não. "Ele está bem?"
Al balança a cabeça, deslizando o telefone no bolso da
jaqueta. Ian está andando entre os corpos – quatro no total –
e agachando para revistá-los, verificar os pulsos, examinar carteiras
em busca de identidades ou telefones que não estejam bloqueados.
"Stevie acabou de falar com ela. Ela está bem. Nada do lado
deles."
Eu aceno, um pouco da tensão na minha espinha diminuindo. Eu
lhe disse que tinha tudo sob controle mas, claramente, não
tinha. Achava que contanto que só a minha vida estivesse
em perigo, estaria tudo bem. Contanto que ela esteja segura, o que
quer que aconteça comigo não importa.
Estúpido, diz a voz no fundo da minha cabeça. Você é quem
deveria protegê-la. Se algo acontecer com você, quem vai salvar
Daisy?
Eu ignoro a voz, embora esteja certa.
Eu ando ao longo do asfalto preto, o vento frio cortando através
dos enormes contêineres de armazenamento que se aninham nesse
canto abandonado da baía. Está muito frio para ter moscas, mas
conforme o dia passa, vai esquentar, assim como os
corpos. Devíamos despejá-los e limpar tudo. Mas meu instinto dizia
para não perder tempo; eu precisava voltar para ela. Mesmo que
Leith não esteja lá, ele também não está aqui. Isso é motivo de
preocupação mais do que suficiente.
E de qualquer maneira, Leith sacrificou estes homens
inexperientes, portanto ele deve compensar desse custo
pessoalmente. Eu cutuco um com a minha bota. É um cara jovem,
talvez na casa dos vinte anos, olhos arregalados e vidrados, sangue
escorrendo de uma narina. Tinham começado a disparar no minuto
em que saímos do carro para o asfalto frio e preto. Não consigo
imaginar que Leith achou que eles iam suceder.
Então, qual era o objetivo?
"Vamos", eu digo e viro minhas costas para os corpos.

"Ele não estava lá", eu digo, pendurando minha jaqueta no gancho e


então fechando e trancando a porta atrás de mim. O caminho de
acesso está como eu deixei – totalmente patrulhado com carros e
homens postados. A luz do sol brilha através das árvores, lançando
sombras dançantes contra as janelas da cabine. Daisy está
percorrendo as fotos em sua câmera.
Ela não levanta os olhos quando eu entro. "Eu sei."
Eu congelo. Coloco minhas mãos sob a bica da pia, sangue flui
para fora delas e em espiral pelo ralo. Eu estava perto de um dos
homens que morreram, vestígios dele se grudaram no meu
pescoço e no meu cabelo. Eu consigo apagar, esquecer tudo isso –
o eco forte de tiros, gritos agudos de dor, o ruído gutural da bala
atingindo a carne – e escuto apenas o silêncio severo que cai entre
Daisy e eu.
Enxugo minhas mãos e entro na sala de estar. Ela está dobrada
sobre o sofá, com os pés enfiados debaixo dela. A calma em
pessoa. "Você sabe?"
Seus olhos se elevam ao mínimo, breves e cheios de
gelo, e então voltam para a câmera. "Ele esteve aqui."
Meus joelhos ficam fracos, minha cabeça zumbindo. "Ele..."
"Esteve aqui", ela terminou, gesticulando irreverente
na sala. "Ele me fez café."
Eu me movo rigidamente para o sofá, afundando na frente
dela. Meu coração parece uma pedra, fria, dura e sem vida em meu
peito. "Me diz o que aconteceu. Exatamente o que aconteceu."
"Acordei bem aqui. Ele estava bem ali." Ela aponta para onde
estou. "Tomamos café e conversamos. Daí ele foi embora."
"Foi…"
"Pela porta dos fundos." Ela se inclina para frente e pega sua
xícara da mesa, bebendo melancolicamente. "Não se preocupe; ele
foi um cavalheiro."
Meu rosto está queimando, não com humilhação, mas com total,
pura, e absoluta raiva. "Stevie disse que falou com você."
"Pela porta. Leith me fez dizer que tudo estava ótimo." Ela pousa
a xícara com mais força do que o necessário. Finalmente, o verniz
frio se dissolve e ela me nivela com um olhar de gelo. "Como foi
com você?"
"Daisy..."
"Eu disse para não ir."
"Eu tive que ir."
"Não teve", ela responde, empurrando a câmera sobre a mesa e
sentando-se para frente. "Ele tirou as balas do rifle. Acendeu a porra
do fogo. E eu estava dormindo porque tinha ficado acordada a noite
toda preocupada com você."
Ela está certa. Eu sei que ela está certa. "Achei que poderia
resolver isso com ele."
"E você?" A expressão sombria de sua boca me diz que ela já
sabe a resposta. "Como posso esperar que você me proteja,
Cal? Você não consegue nem se proteger."
Ela se levanta e passa por mim. Eu pego a mão dela. "Eu vou
proteger você."
"Como posso ao menos confiar nisso agora?" Daisy olha para
mim, seu joelho contra o meu, mas não se afasta. "As pessoas me
querem morta. Que porra o Leith quer, Cal? Que diabos existe entre
vocês dois que tudo que ele fez foi vir aqui, beber café, e ir
embora? Ele não recebeu ordem de me matar? Ele está
desobedecendo ao chefe só para foder com você?"
A raiva pulsa através de mim. Ele era o mais inteligente, não era,
Cal? Você atira primeiro, faz perguntas depois. Você é só o músculo
burro. "Não sei."
Um olhar estranho cruza o rosto de Daisy então, e eu o
reconheço como simpatia, breve como um piscar de olhos,
substituído com a mesma rapidez por uma determinação de aço.
"Precisamos ir para outro lugar. Voltar para a casa na cidade, talvez,
ou... não sei. Em algum lugar bem longe. Em algum lugar que ele
não conheça."
Eu tenho muitos lugares como esse. Casas escondidas nas
montanhas, cabanas e unidades de armazenamento, barcos na
água esperando para nos levar para qualquer lugar, esperando para
nos levar para longe daqui. Não sei se é a escolha certa. Se Leith
entrou aqui, então há uma possibilidade de um dos meus homens
não ser fiel a mim. Não vou contar isso a Daisy; ela está apavorada
o suficiente, mesmo que não demonstre. De qualquer forma, tenho
certeza de que ela já adivinhou a mesma coisa.
Não será seguro nem fácil, mas Daisy está certa: não podemos
ficar aqui. Nossa melhor aposta é acocorar-se em algum lugar ainda
mais longe de Plockton, mais longe das antigas ruas as quais
Leith e eu costumávamos percorrer juntos. Para longe da nossa
história.
"Daisy", murmuro. Quando a puxo para mim, ela me permite. Eu
a puxo para o meu colo. Talvez tenha ultrapassado o limite – afinal,
o que aconteceu entre nós não deveria significar nada. Mas o medo
da noite parece tê-la amolecido. E de qualquer maneira, eu estou
desesperado pelo calor dela em meus braços. Ela se inclina para
mim, dócil e pequena, deslizando os braços em volta dos meus
ombros e enterrando o rosto no meu pescoço.
"Sinto muito", digo, palavras inadequadas, mas são tudo o que
tenho.
Ela me segura com mais força. Sua respiração é quente contra
minha pele, o ritmo dela é tão doce e reconfortante que consigo
esquecer minha raiva e terror, mesmo que apenas por um segundo.
"Eu vou te levar embora", eu sussurro, acariciando seu
cabelo. "Eu vou te manter segura. Eu prometo."
Ela suspira, o resto de tensão em seu corpo parece se
dissolver. "OK."
"Você ainda confia em mim?"
"Eu não sei", ela diz, mas há um toque de diversão nas palavras,
e ela se inclina para trás para olhar no meu rosto. "Preciso de mais
provas de que você realmente pode cuidar de mim."
Eu me aproximo dela – talvez não devesse, mas não consigo
evitar – e passo o polegar em sua bochecha. "Eu posso te mostrar."
O sorriso nos lábios vacila, e seus olhos se arregalam
ligeiramente. Isso não é traição, raiva ou medo – é desejo, claro
como o dia, e é sobre mim. Sobre você? Você não passa de uma
distração. E um mentiroso. Assim que ela souber...
"Me mostra", ela sussurra e toca seus lábios no canto dos
meus. "Me faz esquecer do que aconteceu."
"Devemos nos mudar..."
"Seus caras estão lá fora", diz ela, beijando minha
mandíbula. Ela me morde na carne tenra do meu pescoço, e minha
mão em seu quadril aperta. "Temos um tempinho. Não é?"
Vou arranjar tempo. "Nós nem tomamos aquele banho."
8
DAISY

"V ocê vem?", eu pergunto, correndo minhas mãos pelo meu


cabelo sob o jato quente, tentando ignorar a disparada do meu
coração. Parcialmente, é desejo. Mas por trás desse desejo, existe
um medo com um fundamento real. Medo de que um dos caras de
Cal tenha se voltado contra ele. Medo de que isso seja maior do que
eu. Medo de ser um peão, de já estar caindo no abismo de outra
pessoa e de me afogar. "Não me faça ir aí."
Cal puxa a cortina e sinto meu queixo cair. Quando o tinha visto
antes, havia ficado tão atordoada com o que estávamos fazendo e
com o meu próprio desespero em fazê-lo, que me afastei da
realidade. Agora não havia nada entre nós, exceto vapor, e eu podia
ver tudo.
E que visão do caralho. Eu deixo cair minhas mãos, sentindo um
pulso de desejo carnal puro fluir através de mim. Ele entra, a água
bate em seu corpo nu em riachos vítreos, deixando-o em perfeita
clareza. O inchaço espesso de seu peito, as cristas de seu
abdômen e as curvas cheias de veias de seus bíceps. Meus joelhos
enfraqueceram, e eu o toco sem pausas, arrastando minhas palmas
sobre seus ombros, seus peitorais, as linhas claras de seu
pescoço...
Ele está duro quando entra, e eu embrulho minha mão em torno
de seu pênis, fechando o espaço entre nós e puxando-o para baixo
para me beijar. Sua respiração engata contra meus lábios enquanto
eu deslizo minha mão levemente para cima e para baixo em seu
comprimento. Sem um instante de hesitação, ele me empurra de
volta contra a parede do chuveiro, a mão deslizando em meu
cabelo, segurando com força.
Eu suspiro suavemente enquanto ele puxa minha cabeça para
trás, gentil, mas diretamente, e encontra meus olhos.
"Não significa nada", ele diz, sua voz quase em um
rosnado. Mas há uma suavidade na maneira como ele olha para
mim, uma pergunta em sua voz.
Ele está pedindo permissão, eu percebo, e a emoção disso – o
poder, o desejo – faz meu coração disparar. "Não significa nada", eu
respondo, mantendo seu olhar.
Ele me beija, sua boca quente e gentil, suas mãos no meu corpo
explorando e com suavidade e... delicadeza.
Contra tudo em mim, penso nesta manhã: acordando com olhos
sobre mim. O medo frita meus nervos, fazendo meu coração
escorregar e minha mente cambalear. Não. Fique aqui. Fique
firme. Não deixe isso te afetar.
Eu aperto Cal com mais força, deslizo minha língua em sua
boca. Mas ele só me segura com ternura. Ele sente muito. Ele se
sente culpado. Claro, ele sente. Talvez ele devesse. Mas só havia
uma maneira de me compensar agora.
"Não seja gentil", eu sussurro, me afastando. Seus olhos
procuram os meus. "Eu não vou quebrar, Cal."
Seu polegar encontra meu lábio inferior, puxando-o para baixo
suavemente. Ele me beija. "Daisy..."
Eu recuo novamente, minha mão ainda travada em torno
dele. Ele ocupa muito espaço, seu corpo é um escudo, uma
parede. Eu não quero que ele me toque como se eu fosse feita de
vidro. Eu não sou fraca. "Me fode", eu digo.
As sobrancelhas de Cal se erguem. Ele não diz nada, mas a
questão ainda paira entre nós no vapor e na água quente.
Vou tornar mais fácil para você. Me viro, deslizando minha bunda
contra ele, plantando minhas mãos na parede: um convite.
Felizmente, é tudo de que ele precisa.
Cal desliza as mãos sobre meus quadris, até meu abdome,
tomando meus seios em suas palmas calejadas. Sua boca está
contra minha nuca, sua língua quente entre minhas
omoplatas. Meus mamilos endurecem sob seus dedos circulando e
acariciando, e uma umidade se acumula entre minhas pernas.
Eu posso sentir seu pau duro contra minha bunda,
esfregando lenta e deliciosamente entre minhas coxas. Sua mão
desce, procurando e me encontrando facilmente. Ele grunhe com o
quão molhada estou, e guia seu pau entre as minhas pernas.
"Sim", eu digo, sem fôlego. "Me fode."
"Você é má", ele murmura, seus lábios contra o meu
ouvido. "Você é encrenca."
O prazer vertiginoso inflama minhas veias. "Assim como você."
"Acho que somos feitos um para o outro, então", ele rosna,
beliscando minha orelha. Seu pau me acaricia suavemente,
aveludado e quente como uma marca. Eu empurro meus quadris em
direção a ele, praticamente implorando. "Não é?"
"Sim", eu ronrono. Esta manhã, a noite passada, a sua ausência
– lembrar dessas coisas parece sonhador e inebriante. Não consigo
mais segurar, mesmo quando tento.
"Como você gosta de ser fodida?"
As lembranças se foram. Não há nada além de Cal. Essa voz –
pesada e inundada por sexo – e seu corpo atrás do meu. "Com
força", eu suspiro, e fico chocada com a palavra. Não tenho certeza
de já ter usado ela antes. Algo nele abaixa minhas defesas. Algo
nele me torna mais eu - despojada e exposta. E aparentemente, por
baixo de tudo – do medo, da fachada de boa menina, a família – eu
sou um pouco selvagem.
Cal abre minhas coxas e empurra para dentro de mim. Eu grito,
atordoada, o prazer estoura em minhas veias. Suas mãos
encontram as minhas, e ele as trava na parede.
Sem mais palavras. Seus grunhidos famintos me deixam mais
molhada, e meu corpo obedece ao seu avidamente, recebendo o
que ele dá: estocadas fortes, profundas e completas, cada uma
arqueando minhas costas, curvando meus quadris para receber
mais, para receber tudo dele.
Porra. Meus gemidos, ásperos e desesperados, atravessam as
paredes. O vapor enche minha boca e embaça minha cabeça. Não
consigo prestar atenção em nada além do prazer fluindo através de
mim. Cada centímetro de seu pau é estimulante, o tamanho dele
consegue me alcançar em lugares tão profundos que eu nem sabia
que existiam.
Eu mal consigo respirar. Tudo que eu sei, tudo que meu corpo
sabe, é que ele quer. Suas mãos deixam as minhas e agarram
meus seios, os polegares acariciando meus mamilos, soltando
pulsos elétricos através de cada nervo. Eu balanço de volta para
ele, mais rápido, mais rápido.
"Mais forte", eu finalmente consigo, num suspiro irregular,
enquanto meu êxtase começa a se reunir, concentrado, quente e
úmido entre minhas pernas. "Cal."
Ele obedece. Me empurra para a frente, com minha
cabeça contra a parede, segurando meus quadris enquanto
mergulha o pênis em mim, mais e mais, seus grunhidos vivificantes,
o meu pulso fora de controle...
Ele goza primeiro, seu corpo se torce com força,
um grunhido longo e irregular sai de seus lábios. Sua rigidez me
engatilha, e eu me contorço de volta contra ele, fechando os olhos
com força enquanto chego ao clímax. Eu posso ouvir meus gritos
fortemente retorcidos à distância. Seu punho está no meu cabelo, o
leve beijo de dor deliciosa enquanto o recebo em mim.
O prazer perdura, a névoa cobre minha mente, mas meu corpo
fica fraco. Eu caio contra a parede, ofegante. O corpo de Cal me
prende na parede, me mantendo na posição vertical.
"Jesus", eu digo fracamente, baixando minha cabeça. "Essa
foi..."
"Outra boa distração." Mas seus braços estão em volta de mim,
próximos e protetores. Contra tudo em mim, me sinto segura
novamente. Ele me abraça e eu permito, embora isso torne o ar ao
nosso redor nebuloso com algo muito, muito mais sério do que uma
distração: afeto. "Você é..."
"O quê?", deixei meus joelhos fraquejarem, deixei seu corpo
quente e úmido envolver o meu.
"Você é sexy", ele finalmente admite, mordendo minha
orelha. "Encrenca."
Eu rio e gostaria que pudéssemos ficar aqui, assim, só mais um
pouco. "Você é que é encrenca", eu digo suavemente. Eu fecho
meus olhos e me inclino para ele. "Eu gosto de encrenca."
Ele não diz nada, mas seus braços me apertam e ele não me
solta.

Cal ficou lá fora bastante tempo. Quando ele volta, simplesmente


me entrega meu casaco. Os eventos do banho parecem ter sido
esquecidos, e a maior parte de mim está grata por isso. Ele é uma
distração e isso é tudo. Isso é tudo que ele pode ser. Cal não é meu
amigo nem meu namorado. Ele é meu protetor – e levemente
menos importante do que isso – ele é um amigo da família.
Lembre-se disso, digo a mim mesma enquanto recolho minhas
coisas e o sigo na tarde quente, úmida e ensolarada. Enquanto subo
na caminhonete ao lado dele, ele vira a chave, dá ré na
estrada e segue para a rodovia. O tempo todo, ele está olhando
para frente, e eu para ele. Lembre-se de que ele não está aqui para
estar com você. Ele está aqui para mantê-la viva. É isso. Isso é tudo
que somos um para o outro – obrigações.
No entanto, não parecia que era assim, por um minuto. Até a
reação de Cal quando descobriu sobre Leith me surpreendeu. Ele
não estava na defensiva. Ele não estava com raiva – pelo
menos não de mim. Ele estava ferido. Por suas próprias ações me
colocarem em perigo.
Eu surrupio uma olhada de canto para ele enquanto dirigimos
para bem longe de Plockton, da idílica e encantadora localização, e
no trecho esmeralda insondável das montanhas. Nuvens índigo
pairar atrás delas, a luz do sol refletindo fora das colinas, dando a
elas um olhar estranhamente roubado. Como se elas soubessem de
algo que nós não sabíamos. Como se elas estivessem nos
protegendo, nos avisando. Voltem.
Mas é tarde demais. O jogo de Leith havia começado, tendo Cal
percebido ou não. Não sei que jogo era esse. Não sei que
movimentos virão ou qual será o desfecho. Mas posso reconhecer a
manobra inicial quando vejo uma. E Leith, aparecendo enquanto eu
dormia, atraindo Cal para outro lugar em algum tiroteio violento –
essa tinha sido uma manobra foda.
Cal fica em silêncio enquanto dirigimos. Ele está emitindo algum
tipo de sentimento, mas não tenho certeza do que é. Quando o
conheci, achei que ele era fácil de ler. Um homem simples. Mas
não. Ele é misterioso, e confuso, e sexy, e... surpreendentemente
emocional. Eu quero me consolar com isso. Afinal, um homem
emocional é a antítese de meu pai, o oposto das masculinidades
prejudiciais que odeio.
Eu me lembro novamente: Cal não está aqui para ser minha
alma gêmea, ou meu marido, nem mesmo meu amante. Eu não
posso cair nessa armadilha. Não posso começar a amar alguém,
não em uma situação como essa. Especialmente quando essa
pessoa leva o mesmo tipo de vida perigosa e de alta combustão, o
que significa que muito provavelmente ele perderá a vida nela.
Você não gostaria disso, não é, Daisy? De perdê-lo?
Eu esboço a intenção de me esticar para alcança-lo, para me
assegurar de que ele ainda não está morto; que ele é real, está
respirando, está vivo, e bem ao meu lado – mas me contenho. A
maioria das pessoas que amei em minha vida, eu perdi. Posso
perdoar minha mãe por isso, até certo ponto. Ela não pediu a vida
na qual meu pai a arrastou.
Mas o Cal?
Ele escolheu isso. Não escolheu no início, mas escolhe agora,
dia após dia. Ele queria seu próprio império, diz a voz intrusiva de
Leith no fundo da minha cabeça. Eu não poderia segui-lo nesse
caminho.
Eu também não vou. Tenho mais autopreservação em meu
sangue do que isso.
Não importava o quanto eu queira.
Encaro a janela e respondo ao silêncio de Cal com o meu.

Já está escuro há um bom tempo quando paramos no caminho para


o que parece ser um complexo de segurança abandonado. Uma
série de edifícios brancos baixos, emendados em um sulco entre
colinas de mata alta. Um carca de arame farpado revolve o
perímetro. Janelas escurecidas revestem as fachadas e os holofotes
mostram uma camada pálida de neve.
Eu olho para Cal com horror. "Isso parece algo saído de um filme
de zumbi."
Ele me dá um sorriso pequeno e tenso. "Pode muito bem ser",
ele diz e sai.
Está muito frio lá fora. Alguns carros passam por trás do nosso,
os faróis brancos cegando. Ouço portas de carro batendo, o barulho
de botas na crosta da geada. Stevie e alguns outros que reconheço
aparecem em meio a escuridão, com a respiração nebulosa e os
olhos brilhando na névoa dos holofotes.
"Aos postos", diz Stevie, me olhando envergonhado. Espero que
ele não se sinta tão responsável por Leith passar furtivamente pela
sua guarda. "Vocês dois ficarão no prédio principal."
Prédio principal? Jesus. O quão grande é esse lugar? E como se
esconder em uma extensão complexa de edifícios nos tornará mais
seguros do que estávamos na cabana? Esse era um alvo mais fácil.
Digo a mim mesma para confiar em Cal. Leith o torna volúvel. Eu
entendo isso agora, e entendo o porquê. Mas Leith... posso lê-lo
facilmente. Conheci homens como ele. E se Cal me permitir, posso
ajudá-lo.
Posso ajudá-lo a matar Leith.
O pensamento é tão estranho, tão horrível, que me dá um
arrepio na espinha. Eu me forço a ignorar a voz fria em minha mente
que os proferiu, a que fala com a voz do meu pai. Eu me enfio no
casaco e vou para o lado de Cal. Ele está dispensando os caras.
"Pronta?" Ele me pergunta, trancando a caminhonete
e caminhando em direção à cerca.
"Não sei. Pronta para quê?" Eu me apresso para alcançá-lo. Os
edifícios cobertos em sombra são ainda mais ameaçadores de
perto. "Que lugar é esse?"
"Costumava pertencer ao escritório federal de jogos. Esta filial foi
fechada há alguns anos. Eu tenho um amigo que faz os checkouts
aqui. A energia vem de um gerador, e ele faz vista grossa." Cal
destranca um portão e me faz passar. "Nós o usamos para..."
Ele se afasta, indo até as portas de vidro duplo, trancadas com
correntes pesadas.
"Usam para...?" Eu continuo, me aconchegando na minha
jaqueta. Em Plockton, ela era quente demais. Aqui, nas
montanhas, ela estava começando a ser insuficiente.
"Não importa." Cal abre as portas. Eu o sigo no espaço frio,
escuro e imenso. "Há uma quitinete que modificamos. Por aqui."
"Cal." Eu não saio da entrada, mesmo depois que ele fecha e
tranca as portas atrás de nós, e começa a subir um conjunto de
escadas forradas em linóleo. Ele para, olhando para mim. Seu
rosto é inescrutável. Não vejo um centímetro do homem que fez
amor comigo no chuveiro. "Isso é... sabe, isso não é excessivo?"
"Prefiro ser cauteloso do que..." Ele dá de ombros, áspero. "Do
que ter você morta."
Um arrepio desce pela minha espinha. Não com as
palavras, mas com sua casualidade, sua insensibilidade em dizê-
las. "Certo."
"Por enquanto, até que eu saiba exatamente com o que estamos
lidando, esta é a melhor opção para você."
"Para mim."
"Para nós."
Eu fecho minhas mãos em punhos com elas enterradas em
meus bolsos. "Há algo que você não está me contando? Sobre
Leith?"
A expressão de Cal endurece. "Por que você me pergunta isso?"
"Não sei."
"Então talvez seja melhor não perguntar."
Uau. Algo mudou entre nós. O que havia para mudar? Não
existia nós, não é? Afinal, era eu quem havia insistido que ele é
apenas uma distração; que não podia haver nada entre nós por
causa de quem ele é, o que ele faz, e como ele está ligado ao meu
pai.
Mas isso não significava que ele podia simplesmente me
desligar. Ainda é a minha vida em jogo. Eu firmo minha voz. "Eu
disse que confiava em você."
Ele me observa. Não diz nada.
"Então me dê algo no que confiar, Cal", eu digo, mais forte do
que pretendia. "Eu fui para onde você me mandou ir. Eu fiz o que
você me disse para fazer. Então, o que aconteceu quando você foi
encontrar Leith?"
Ele desvia o olhar. Na escada, sua silhueta é meio luz, meio
sombra. Procuro qualquer vestígio do homem que jogou xadrez
comigo, que atirou comigo no quintal, que...
Você se deixa apegar. A constatação sopra o ar dos meus
pulmões. Involuntariamente, dou um passo para trás. Meus ombros
batem nas portas fechadas e acorrentadas, fazendo um barulho
percussivo pelos grandes corredores vazios. Cal olha para mim
bruscamente.
Merda. Eu tinha minhas defesas. Eu havia estabelecido
limites. Como esse homem perigoso, arrogante, emburrado e
rabugento conseguiu ultrapassar todas elas?
Não importa. Não pode importar. Tudo o que importa é que isso
não vá para frente. E que saiamos vivos.
"Tá bom", eu digo ao seu silêncio. Enfio as mãos nos bolsos e
passo por ele na escada, subindo pesadamente no
escuro. "Mantenha seus segredos."

A quitinete é mais agradável do que eu esperava: um escritório


reformado com tapetes grossos, cofres para armas, uma pequena
cozinha e um quarto separado com uma cama enorme.
Cal se senta com pesar na ponta depois de trancar a
porta. "Eu pensei que você não estivesse com raiva."
"Eu não estou." Meus nervos me superam. A ansiedade revira
em minha barriga e minhas mãos estão suando. Eu me encosto na
porta e tento recuperar o fôlego. "Esquece."
"Minha história com Leith é... complicada."
Eu coloco as costas da minha mão na boca. "Você não me
contou sobre a mãe dele."
Cal desvia o olhar. "Eu não queria assustar você."
"Eu não me assusto facilmente", digo bruscamente. "Você sabe
disso."
"Tudo que eu disse a você sobre ele é verdade. Por que
qualquer coisa que ele disse a você importa?"
Eu fecho meus olhos. A voz de Cal parece incrivelmente alta,
embora eu saiba que não está. O mundo parece estar se inclinando
embaixo de mim. "Esquece."
"Daisy."
"Esquece, Cal..."
"Você está bem?"
Eu abro meus olhos. Seu rosto está contraído, uma ruga
entre as sobrancelhas. Ele fica de pé, as mãos ligeiramente
levantadas, como se estivesse persuadindo um animal ferido.
"Eu estou bem", digo, mesmo que de repente eu esteja
queimando, com suor formigando entre minhas omoplatas. "Eu
estou só..."
Meus joelhos cedem de repente, horrivelmente, e eu me sinto
caindo rápido demais. As mãos de Cal estão em mim e ele está me
levantando em seus braços. Eu me esforço para me manter
afastada, o amargo fluorescente solta faíscas de luz em minha
visão.
"Estou bem", insisto, mas até para mim minha voz soa fraca e o
custo de usá-la é totalmente exaustivo. Cal está quente e, de
repente, estou congelando. Eu me enrolo nele e deixo o som de sua
respiração me varrer para a escuridão.

A chuva está batendo forte nas janelas. O som é agradável, rítmico


e sinto cheiro de café vindo de algum lugar. Por um segundo, um
breve, acho que estou de volta aos Estados Unidos. De volta ao
meu pequeno apartamento, com as paredes cobertas de fotos e
minhas câmeras espalhadas por toda parte. A jarra de café sempre
no coador e as janelas abertas, mesmo no inverno, com um pouco
de neve espanando o peitoril.
Mas antes mesmo de abrir os olhos, sei exatamente onde
estou: no complexo do Cal. É aqui que ele armazena
drogas e armas. Talvez até pessoas. Eu estou cercada por um
deserto gélido, e há um grupo de pessoas atrás de mim. O homem
que lidera o ataque é inimigo de Cal. O chefe do homem é...
desconhecido. Talvez sempre seja. Ele é inimigo do meu pai
e, assim como minha mãe, estou pagando o preço.
Se não consegue pensar dez movimentos à frente, nem jogue.
Uma resolução fria espalha pela minha barriga, propagando para
preencher meus ossos com chumbo e calcificar cada veia. Eu não
vou morrer aqui, porra. Eu não vou morrer assim. Eu tenho uma vida
para viver.
Eu abro meus olhos.
Cal está parado perto da janela, mandando mensagens de
texto. Quando ele me vê, ele se endireita e vem direto para o meu
lado. "Ei. Como você está se sentindo?"
"Bem." Meu estômago está retorcido, mas apesar disso não há
nenhum outro vestígio da náusea avassaladora ou dos pontos em
minha visão. "O que aconteceu?"
Cal balança a cabeça. "Não sei. Temos um médico a
caminho. Falei com ele ao telefone quando você... ele disse que
você deveria estar bem até ele chegar."
Eu aceno. Esperar por um médico não é exatamente um
privilégio em um lugar onde um tiroteio não é apenas possível, mas
provável. "Por quanto tempo eu dormi?"
"A noite inteira. É quase de manhã."
Eu aceno, mas uma pontada fria de apreensão toca a coroa da
minha cabeça e se move para baixo do meu corpo. "Que dia é
hoje?"
Ele franze a testa. "Dia oito. Por quê?"
Ah. Porra. Eu balancei minha cabeça. "Por nada. Curiosidade."
"Daisy..."
"Vou me refrescar." Eu me apoio nos cotovelos, engulo um fluxo
de náusea e passo por ele em direção ao banheiro. "Avise-me
quando o seu médico chegar, tá?"
"Daisy." Seus olhos estão tempestuosos, seus ombros, rígidos.
Algo na maneira como ele está olhando para mim me faz
parar. "O quê?"
"Tem..." Ele respira fundo. De repente, sua expressão fecha. Ele
se levanta em linha reta, os ombros eretos – ele está olhando
diretamente para mim. "Tem algo que você e eu precisamos
discutir."
Que diabos? Um arrepio desce pela minha espinha. "OK..."
"É sobre o seu pai."
O frio se espalha mais. Meu coração falha uma batida. "O que
tem ele?"
"Você foi enviada aqui para que eu pudesse protegê-la."
Sinto minhas mãos se fechando em punhos
involuntários. "Sim. Isso ficou bastante claro."
"Mas ... havia um preço." As mandíbulas de Cal se
fecham tão apertadas que um músculo pulsa.
"Um preço", repito, sentindo o gosto amargo, a familiaridade das
palavras.
Cal desvia o olhar de mim. "Seu pai mandou você aqui para se
casar comigo."
Dou um passo para trás, os ombros tocando a porta do
banheiro. Uma explosão de terror passa por mim: presa. "Tá de
sacanagem", é tudo o que consigo sussurrar.
"Não." Cal ainda não está olhando para mim. Ele encara a
parede, sua expressão fria como gelo e totalmente desprovida de
emoção. Mas suas mãos estão cruzadas na frente dele, apertadas
demais, os tendões em seu pescoço tensos. "Seu pai pediu
ajuda. Eu não tinha motivo para ajudá-lo. Ele me disse que tinha
uma filha na idade certa, pronta para se estabelecer, ter filhos..."
"Ter filhos", eu digo venenosamente. "Como se eu fosse uma
porra de uma incubadora."
Algo pisca em sua expressão. Seus olhos encontram os meus,
pelo mais breve dos instantes, e estão escuros de dor. Tão rápido
quanto, ele se recompôs, com a expressão rígida.
"Nós vamos nos casar", ele diz, como se simplesmente não
tivesse me ouvido. Como se ele não me conhecesse. Como se as
últimas semanas tivessem sido nada, significado nada.
Eles de fato significaram nada, diz a voz cruel no fundo da minha
cabeça. Você deu essa certeza. Você disse para ele que não era
nada. Você disse que ele era uma distração. Agora você vai chorar
por isso?
Desvio o olhar, envergonhada pela picada de lágrimas em meus
olhos. "Vai se foder. Eu não vou casar com você."
Cal não diz nada.
"Mas você sabia que eu diria isso", eu percebo. "Não é? Você
sabia que eu não concordaria com isso." Você me conhece.
"Não importa, Daisy", murmura Cal. "Isso é o que seu pai quer."
Estou impressionada com a necessidade que sinto de esbofeteá-
lo. Fico onde estou, com medo de que o movimento me faça
vomitar. "Você é um bastardo."
Sua mandíbula aperta. " Lamento que tenha de ser assim."
"Você não pode me forçar", eu digo friamente. "Você não faria
isso."
"Vou fazer o que for preciso, para protegê-la."
"Não faça isso", eu estalo. "Não aja como se você se
importasse. Você não se importa, porra. Você está tendo o que
deseja — seu pequeno império." Já pode estar começando. Eu toco
minha mão na minha barriga. Fomos tão imprudentes. "Você é igual
a todos eles, não é? Meu pai, os homens que me perseguem,
o Leith. Você deseja algo, e você simplesmente leva embora se
precisar."
Cal fecha os olhos. Para minha surpresa, ele se senta
pesadamente na cama. "Pensei que você soubesse."
"Soubesse...?"
"Sobre o acordo, Daisy."
A revelação me surpreende. A força cresce em mim – veja, ele é
bom, ele é diferente, você sabia que ele era diferente – mas eu a
retenho. "E quando você percebeu, no dia em que nos conhecemos,
que, claramente, eu não sabia? Você me fodeu mesmo assim?"
Cal se encolhe. "Não era meu plano."
"Qual era o seu plano, Cal?"
"Não sei. Eu não esperava..." Seus olhos encontram os meus, e
eles me perfuram, me deixando sem fôlego. "Eu não esperava
sequer ter um futuro, com ninguém."
Não. Não. Não se atreva a tornar isso mais difícil do que tem que
ser. Eu selo meus lábios, engulo as palavras estúpidas e ingênuas.
"Eu não esperava me apaixonar por você."
Eu fecho meus olhos. "Cal."
"Daisy. Por favor. Me escuta. Tudo isso..." Eu o ouço se levantar,
mas a náusea está crescendo em mim abruptamente, rápido
demais...
"Cal..." Eu giro para o banheiro e bato a porta atrás de mim, mal
alcançando o toalete antes de vomitar.
"Daisy", sua voz, urgente na porta. "Você está bem? Daisy –"
"Vá embora", eu digo acidamente. "Só vai." O suor alfineta
minhas têmporas. Eu agarro a louça, um suspiro torce através de
mim. Eu mal consigo suprimir a próxima onda, o coração batucando
no meu peito. Ao longe, ouço a porta se fechando.
9
CAL

E stou andando do lado de fora da quitinete quando Stevie me


encontra, com o rosto contraído e pálido, o suor escorrendo do
couro cabeludo. "É o Leith", ele diz, simplesmente, me entregando
seu telefone. Ele recua enquanto eu respondo.
"Que porra você quer?" Eu digo o mais friamente que
posso. Meus olhos continuam voltados para a porta – o médico está
lá agora. O que ele vai descobrir? Isso importa? Daisy vai me deixar
chegar perto dela depois disso? Que porra eu fiz?
"Qual é, cara, isso é jeito de cumprimentar um velho amigo?" A
voz de Leith é solta e fria. Sempre tão legal. "Já está divertido pra
você, Cal?"
"Vai se foder", eu fervi. "Isto não é um jogo."
"Sim, é. Acho que você nunca entendeu isso. Ainda me pergunto
como diabos você acabou encarregado de qualquer coisa
sozinho. Nunca foi a lâmpada mais brilhante."
"Você me quer? Venha me enfrentar como um homem."
"Eu não quero você. Eu quero ela." Uma longa pausa, suave
como o vento por uma janela ou um carro em movimento. "Eu gosto
dela."
"Você vai ficar bem longe dela ou eu vou te matar, Leith."
"Ela é inteligente. Inteligente demais para você. Tenho certeza de
que ela já está cansada de você."
As palavras são tão verdadeiras, tão dolorosas e
precisas que engasgo com a minha respiração.
"Ahh", diz Leith, me lendo facilmente. "Então, ela de fato já está
cansada de você?"
"Você não tem ideia no que está se metendo", digo a ele, minha
voz fria como gelo. Corro para um canto e planto minha mão em
uma janela com filme preto, olhando para o horizonte
montanhoso. Um céu negro paira sobre a floresta, a chuva caindo
em cascata como se fosse varrer as colinas. "Você não está
fazendo isso para algum chefe – isso é pessoal."
A risada sai da voz de Leith. "Claro que é pessoal. Sempre será
pessoal entre nós, Cal."
Cerrei meus dentes, meu coração batendo forte.
"Você sabe disso desde o dia em que fui embora", diz Leith
sombriamente. "Nós poderíamos ter um império
juntos. Eu queria isso. Eu queria vingança tanto quanto você. Mas
no final das contas, eu não era bom o suficiente, era? Você me
queria fora, não é?"
"Eu não queria você fora", eu digo a verdade. "Mas sim, você
está certo – eu não queria que você dirigisse nada."
Leith está em silêncio. O gelo cresce em meus ossos.
"Você era imprudente", eu rosno. "Você estava fora de
controle. Você precisava de alguém a quem obedecer."
"Eu não era a porra de um cachorro", ele cospe. "Eu era seu
amigo. Seu irmão. Mas com tanta rapidez você se esqueceu disso –
no momento em que colocou as mãos em volta do pescoço dele, em
torno do poder, eu havia morrido para você."
"Você nunca esteve morto para mim."
"Não faça isso. Não banque o sentimental. É tarde demais para
essa merda. E não combina com você, de qualquer maneira." Leith
fica quieto por um longo momento. "Você quer se encontrar cara a
cara? Você quer resolver isso, de
homem pra homem? OK. Combinado."
Eu inalo profundamente. Ele não pode estar falando sério.
"Sem truques. Sem jogos. Só você e eu. Vamos lutar como
sempre fomos feitos para lutar."
Meu coração está na minha garganta, mas eu nem mesmo
hesito. "Combinado."
"Não, espera – se vou até você, se vamos realmente acabar com
isso, eu quero uma coisa." A voz de Leith não tem mais aquele ar
familiar de preguiça. É baixa, animalesca e gélida. "Eu quero que
ela assista."
"Você perdeu a porra da noção."
"Essa é a minha condição, Cal. Eu estarei lá esta
noite. Se vamos terminar isso ou não, depende de
você." Clique. E assim, a linha ficou muda e ele se foi.
Eu nem tenho tempo de processar suas palavras. A porta nas
minhas costas se abre e o médico – um homem em forma, mais
velho, com uma barba branca e olhos claros e penetrantes – sai da
quitinete.
"Como ela está?", eu pergunto, engolindo a raiva e o pânico
quem fluem livremente através de mim.
"Bem. Fale você mesmo com ela." O médico dá um passo para o
lado, abrindo a porta para mim. Daisy está sentada ao pé da cama,
parecendo pasma. Eu rapidamente o empurro. Antes que eu possa
agradecê-lo, ele está fechando a porta.
Eu olho para Daisy, procurando em seu rosto pálido qualquer
sinal, qualquer indicação do que ela está sentindo. "Daisy", eu
finalmente digo quando ela não diz nada. "O que há de errado?"
"Estou grávida."
Meu pulso para. Eu fico olhando para ela, para seus lábios
entreabertos, seus grandes olhos vazios. Grávida. Daisy – grávida.
Do meu filho.
Eu me ajoelho diante dela, olho em seu rosto. "O que nós vamos
fazer?"
Suas sobrancelhas franzem. Seus olhos estão procurando os
meus. "Nós?"
"Daisy..."
"Nós?"
"É meu, não é?"
"Sim", diz ela friamente. "É seu. Mas eu não sou." Ela se levanta,
dá um passo para longe de mim com as mãos na cintura. "Esse era
o seu plano o tempo todo, não era?" Ela não me encara enquanto
diz isso.
Estou feliz. Não consigo controlar a forma como meu rosto
cai. "Não."
"Me engravidar, me enganar para casar com você como a porra
de uma oferta de paz medieval", ela balança a cabeça. "Por Deus,
Cal."
Fico de pé, passando uma mão pelo meu cabelo. Já faz muito
tempo que não me sinto assim: Perdido. Ela está bem na minha
frente, ela é o que eu quero – tudo que eu preciso. E não consigo
nem começar a pensar em como entrar em contato com ela. "Eu ia
te contar", eu finalmente digo. "Naquele primeiro dia. Mas eu..."
"Mas você o quê? Você foi um covarde?" Ela se vira para me
encarar, com os olhos escuros brilhando. Um pouco de sua cor
voltou e, apesar de tudo, a gratidão cresce dentro de mim. Pelo
menos ela está bem – aqui e respirando. Pelo menos ainda não a
perdi. "Você não conseguiu confessar as suas próprias exigências
de merda?"
"Não foram minhas demandas", eu digo, segurando seus olhos
diretamente. "Foi ideia do seu pai. Pensei que você soubesse..."
"Eu não sabia!"
"Agora você sabe", eu digo, surpreso com a firmeza de minhas
palavras. O resto simplesmente sai de mim, verdadeiro e sólido
como aço, e eu não olho para longe dela enquanto as digo. "Agora
você me conhece. Agora você sabe quem eu sou. Você sabe há
quanto tempo não posso dizer isso a alguém, Daisy? Eu não
esperava me importar com você, não desse jeito. Eu não
esperava..."
"Eu sei." Ela envolve os braços em volta de si mesma, desvia o
olhar de mim. "Eu sei, e quero que signifique algo. Eu quero que
tudo isso importe. Mas você não entende, não é? Não
importa. Nada disso pode. Porque eu achava que tinha algum
controle sobre minha própria vida – ao menos um pouco. Mas eu
não tenho, não é? Nunca tive. Ele tem. E agora, você também."
Suas palavras me ferem mais do que ela pode imaginar. "Daisy",
eu digo, a voz falhando. "Eu nunca vou controlar você." A nitidez da
minha voz atrai seus olhos. Há algo neles, algo melancólico e
desesperado, algo que não consigo nomear.
"Você diz isso agora", ela sussurra. "Mas você não
sabe. Observei meu pai controlar minha mãe. Eu a observei
ficar. Ano após ano. Mentira após mentira. Perigo após perigo. Ela
ficou e eu a vi morrer."
"Daisy", eu digo, implorando. Eu não posso mais me conter. Eu
me movo em direção a ela, magnetizado pela profundidade da dor
em seus olhos. Eu pego suas mãos nas minhas, olho em
seu lindo rosto. Tento fazê-la entender. Por favor acredite em
mim. "Eu não sou seu pai."
A raiva de Daisy parece diminuir, mesmo que apenas por um
instante. "Eu sei disso."
"Não sabe não. E eu não culpo você. Mas vou te
provar, Daisy." Minha voz cai. Suas mãos são tão pequenas nas
minhas, tão quentes e fortes. Ela não se afasta, não desvia o
olhar. Ela mantém meu olhar, seu próprio ardor, e ferocidade,
e necessidade – que necessita ser dita. Prometer, convencer,
garantir e validar, e de repente isso se torna algo que eu sei que
posso dar a ela. "Você sempre virá em primeiro lugar se casar
comigo. Você e..."
Seus olhos se arregalam. Eu posso ver a esperança neles. A
esperança de que o que estou dizendo seja verdade. A esperança
de que ela possa acreditar que é verdade.
"Nosso filho", eu termino, levando sua mão aos meus
lábios. "Isso começou como um arranjo. Mas não precisa ser. Não
tem que vir do seu pai. Isso; nós – pode vir de nós." As últimas
palavras sobem à minha língua, aterrorizantes e verdadeiras, e me
permito dizê-las: "Eu posso ser seu."
Os lábios de Daisy se abrem em surpresa. Há um leve brilho de
lágrimas em seus olhos brilhantes, e sei que essa expressão é de
admiração, esperança e desejo. Nós dois queremos isso. Eu sei que
sim.
"Não", ela sussurra, se afastando de mim. A palavra é uma faca
em minhas costelas, torcida bruscamente. Eu me afasto dela. "Você
não pode", diz ela friamente. "Você é um homem. Você não tem
dona. Não assim. Mesmo que você queira."
"Daisy..."
"Deixe pra lá, Cal." Desta vez, quando ela me olha por cima do
ombro, seu rosto está cerrado e gélido. "Acabou. Isto está acabado."
É como se o chão tivesse desmoronado sob meus pés. Eu dou
mais um passo para trás, como se suas palavras tivessem o poder
de me mover fisicamente. Cal, seu idiota; isto é tudo culpa sua. Não
ouse ficar surpreso por ter explodido na sua cara – como sempre.
"Estou indo para casa", diz Daisy, afundando na beirada da
cama. "Vou resolver isso sozinha."
"Você não está segura."
"Eu sei disso. Não sou idiota. Eu irei quando isso
acabar. Quando Leith estiver fora de cena."
"É o chefe dele que está atrás de você, Daisy. Ele é apenas um
soldado de infantaria."
"Eu sei", ela diz novamente, desta vez com o cansaço de quem
está realmente resignada. "Não importa o tempo que demore. O
tempo que eu precisar ficar, ficarei. Mas nós – você e eu, estamos
terminados." E então, mais quieta, quase para si
mesma. "Precisamos estar."
E mesmo que eu não queira, eu sei, naquele momento, que ela
está certa. Eu não a mereço. Nunca a mereci. Talvez eu soubesse
no minuto em que ela apareceu na minha cozinha naquela noite –
talvez seja por isso que eu não podia contar a verdade. Porque eu
sabia que ela iria embora no minuto em que ouvisse.
"Ok", eu digo finalmente.
Ela olha para mim, acena com a cabeça uma vez, resoluta, seu
rosto contraído e cansado. "OK. Então, como vamos sair dessa
bagunça?"
Não tive nem um segundo para pensar sobre nossa situação
desde que entrei por aquela porta. Mas agora a voz de Leith surge
em minha mente, aguda e sibilante, seguida pelo clique da linha
telefônica ficando muda. Ele quer acabar com isso de uma vez por
todas, e eu também. Antes, eu não tinha muito a perder. Nem vida,
nem casa, nem dinheiro.
Mas agora...
Eu olho para Daisy, e ela olha para as próprias
mãos. A compreensão de que meu filho está crescendo dentro dela
agora, neste exato momento, me atinge.
Agora, com Daisy ficando ou indo embora, eu tinha tudo a
perder. Eu não seria o motivo da morte dessa garota. Mesmo que
me custe tudo, vou protegê-la.
E se Leith acha que vou usá-la como uma isca, como algum
incentivo para vencer, ele é louco.
Eu me cruzo para Daisy e me agacho diante dela. "Eu vou cuidar
disso. Você está segura agora."
"Cuidar como?" Seus olhos estão desconfiados, a testa
franzida. "Da última vez..."
"Não vai ser como da última vez", eu digo baixinho. "Eu sei como
lidar com Leith."
"Lidar com ele? Você vai encontrá-lo de novo?" Seu rosto está
aguçado e penetrante. Ela é inteligente demais para você. Eu me
levanto. "Cal, não. Ele está brincando com você."
"Pode ser." Mas desta vez, eu vou brincar também. "Eu tenho um
plano, Daisy. Você estará segura depois disso. Eu prometo." Eu a
considero como ela é: linda e cheia de fogo, familiar e
desconhecida. Parece impossível que eu a conheça há menos de
um mês. Parece impossível que, conforme minha história termina, a
nossa possa estar começando. "Eu te amo."
Seus olhos se arregalam e ele se levanta. "Você vai fazer algo
estúpido", ela sussurra, "não é?"
Eu toco seu rosto, atordoado quando ela se inclina na palma da
minha mão, quando as lágrimas enchem seus olhos. "Talvez", eu
digo, "mas, finalmente, será por algo que vale a pena."
"Cal, não", Daisy diz suavemente. "Tem outro jeito. Tem que
haver outro jeito..."
"Ele é meu demônio, Daisy. Nada do meu passado te
pertence. Me deixa fazer isso." As palavras parecem
certas. Percebo então o quão profundamente, quão
verdadeiramente as digo. "Deixe-me fazer por você o que seu pai
nunca fez – me deixe assumir a responsabilidade."
Daisy morde o lábio. Ela parece mais vulnerável, com mais medo
do que nunca. E não é pela vida dela – é pela minha. É tudo que
preciso.
"Com alguma sorte, eu vou te ver de novo", eu digo, traçando
sua bochecha com meu polegar. "Senão..."
"Cal", diz ela, enterrando o rosto no meu peito. Eu envolvo meus
braços em volta dela e a seguro rápido, saboreio o som e a
sensação de sua respiração, o cheiro de seu cabelo e a maneira
como ela se encaixa em meus braços perfeitamente. Poderíamos
ter tido uma vida juntos. O pensamento tem gosto de amargura.
Tão rápido quanto ela caiu sobre mim, Daisy recuou. Mais uma
vez, seu rosto está fechado. Ela acena com a cabeça uma vez,
friamente, e se afasta de mim. "OK."
"OK."
Eu me viro para a porta e minha mortalidade aparece. "Daisy",
eu digo, engolindo todas as declarações e desejos e medos que
sobem à minha língua. Não tire o controle dela. Eu não a
encaro. Com minha mão na maçaneta da porta, escolho as minhas
palavras com cuidado. "Se eu não voltar, você será
cuidada. Vocês dois." Eu acrescento, mais suavemente, "Se você
assim decidir".
Eu não espero pela resposta dela. Não posso. Abro a porta e a
fecho, mas não olho para trás.
10
DAISY

I sto é loucura.
Estou ficando louca, andando pela sala como tenho feito nas
últimas semanas, me sentindo mais encurralada e indefesa do que
nunca. Eu congelo, capturando meu reflexo no espelho através da
porta do banheiro. Na penumbra, pareço selvagem, com medo.
Eu pareço uma presa.
Minha mão cai sobre minha barriga, plana como sempre foi –
mas em breve, não mais. Grávida. Sempre fui cuidadosa. Mas com
Cal, tudo aconteceu tão rápido, tão selvagem e fora dos trilhos. Meu
Deus, é quase como se eu quisesse que acontecesse.
Eu não estou acostumada com isso. Não estou acostumada a
ser a garota irresponsável, a garota imprudente, a garota doente
pelo... o quê? Desejo? Afeição? Amor?
De jeito nenhum. É cedo demais para isso. E de qualquer
maneira, Cal... ele é tudo que eu odeio.
É? É mesmo?
Eu lentamente afundo na beirada da cama, tocando meu
abdome. Eu sei que é muito cedo para pensar em uma criança
saindo daqui. É muito cedo para imaginar: uma vida com um
bebê, uma vida com Cal... e eu não posso desejar isso. Eu não
posso. Certo?
Eu nunca irei controlar você. E ele não o fez. Quase tudo que
pedi, ele me deu. Respostas. Transparência. Proteção.
Instrução. Ele próprio. Eu deito na cama e olho impotente para
o teto branco e vazio.
Eu estou dizendo a mim mesma que o odeio desde o início
porque ele vem do mesmo mundo que o meu pai. O mesmo mundo
do qual cresci odiando e fugindo; o mundo que tirou minha mãe de
mim.
Mas se eu virar as costas para o meu passado e olhar para Cal,
olhar de verdade para Cal, que semelhanças existem entre ele e
meu pai? Meu pai nunca me escuta, muito menos dá crédito aos
meus conselhos ou pensamentos. Ele não se oferece para me
ensinar a me proteger. Não, esse trabalho é delegado a outros, a
homens e pessoas mais capazes.
Cal me trata como se eu fosse capaz. Porra, às vezes ele me
trata como se eu fosse mais capaz do que ele. Ele fala comigo com
respeito. Ele não me coloca de lado, menospreza ou me comanda.
Ele não tinha que admitir a verdade sobre meu propósito aqui, mas
ele o fez, e o único prejudicado com isso foi ele próprio.
Eu não esperava me apaixonar por você.
Um arrepio desce pela minha espinha quando ouço essas
palavras novamente. Eu fecho meus olhos e lembro de seu toque,
seu corpo, seus lábios e sua voz. Todo esse tempo ele não se
escondeu de mim. Ele é rude e masculino e às vezes frio, mas
houve tantos momentos de vulnerabilidade entre nós...
Ele quer isso, eu percebo de repente. Realmente,
verdadeiramente, de fato deseja isso.
Ele não quer nenhum casamento arranjado, ou um escambo, ou
uma incubadora para seus filhos. Ele me quer. Ele não imaginava
querer, mas quer.
Ele me escolheu.
Uma lágrima escorre pela minha bochecha, quente e
pungente. Eu a afasto. Minha garganta está apertada, meu coração
martela. Não me abro para alguém há muito tempo – talvez desde
que era criança. Talvez desde que minha mãe ainda estava viva,
mas de alguma forma, Cal atravessou minhas defesas, o meu
humor, minhas paredes, minhas regras, e meus preconceitos. De
alguma forma, ele fez com que eu me apaixonasse por ele também.
Ele me escolheu e eu vou perdê-lo. O frio desliza pela minha
espinha. Ele está lá agora, vai enfrentar Leith e provavelmente vai
morrer. Tudo para me proteger. Tudo porque ele está apaixonado
por mim.
Cal, eu penso. Seu idiota.
Eu me sento. Não posso deixar ele fazer isso. Mesmo que ele
esteja decidido a morrer por mim, não vou deixar isso acontecer
assim. Leith é um jogador. Sem dúvida, ele já está dez movimentos
à frente. Se isso for verdade, talvez já seja tarde demais. Mas tenho
que tentar.
Reúno minha coragem, me levanto e me olho no espelho. Pelo
Cal. Por mim. Pelo futuro que podemos ter.
Abro a porta e congelo.
"Desculpe, Dais."
O frio me atravessa, me enraizando no lugar. Não é Cal diante
de mim, mas Leith. Ele me dá um sorriso frio e preguiçoso. Ele está
vestindo um capuz, jaqueta preta, e metade do seu cabelo preto
arenoso puxado para trás. As argolas em suas orelhas brilham e
seus olhos são penetrantes.
"O nosso Cal", Leith diz, ainda me dando aquele sorriso. "Ele
nunca aprende, não é?"
11
CAL

E stúpido. Estúpido.
Estúpido pra caralho.
No minuto em que saí, fui abordado. Meus homens estavam fora
de seus postos, seus carros foram deixados na estrada empoeirada
de neve. Ele tinha cuidado deles. Como? Eles estão mortos?
Os homens de Leith me colocaram de joelhos em poucos
instantes. Eu até acertei uns bons golpes e sei que quebrei algumas
costelas em um deles. Mas não foi o suficiente. Ele veio preparado
desta vez. E ele veio pessoalmente.
Com sua Glock pressionada contra minhas costelas, Leith me
puxou para perto, com a voz baixa em meu ouvido. "Onde ela está,
velho amigo?"
Agora estou preso a uma cadeira, algo cobrindo minha
cabeça. Não consigo ver nada além de uma faixa de luz branca
através do saco e as pontas dos sapatos de alguém. Eles enfiaram
uma mordaça na minha boca. Um dos caras de Leith me deu uns
bons golpes e posso sentir o gosto de sangue. Eu sinto deslizar no
meu olho através de um corte na minha sobrancelha.
Eu disse a Daisy que ia protegê-la, e irei.
Passos ecoam por um corredor. Eu o sinto mesmo antes de ele
falar.
"Eu não consigo acreditar que você está tentando esconder essa
garota, Cal", Leith diz com uma risada. "Você é insano. Como você
fez isso, afinal? Ela é jovem demais e bonita demais para
você. Aqui, vá em frente, Dais. Tire."
Cada músculo do meu corpo está rígido como aço. Em seguida,
o saco é levantado cuidadosamente do meu rosto. Eu olho para
cima, piscando no brilho ofuscante das lâmpadas
fluorescentes. Daisy me olha de cima a baixo. Espero ver o medo
em seu rosto, mas eu já devia saber – ela parece absolutamente
calma, quase fria. Sem dizer uma palavra, ela toca meu rosto com a
ponta dos dedos e eu leio em seus olhos: Eu cuido disso.
Ela se afasta de mim. "E então? Qual é o objetivo disso tudo?"
Leith puxa uma cadeira dura de plástico, deixada em uma sala
que costumava ser um espaço parecido com uma cafeteria. Ele se
senta para trás, com os sapatos pros lados. "Adivinha."
"É um jogo", ela diz facilmente. Ela afunda lentamente em uma
cadeira perto de mim.
Conto quatro homens de Leith, armados até os dentes e
observando com olhos penetrantes e famintos. Eu matei seus
amigos, percebo, sentindo o calor do ódio irradiando deles, mesmo
no silêncio. Ela está certa. Isso tudo era algum tipo de jogo para ele.
A voz de Daisy fica fria como o gelo. Para Leith, ela diz: "Você
está se divertindo?"
Seu sorriso se alarga. Ele a olha com uma espécie de intriga que
me faz querer arrancar seus olhos. "Tenho que dizer que
sim, estou. E vocês?"
"Ainda não."
Leith tamborila os dedos nas costas da cadeira e olha para mim,
depois de volta para Daisy e de volta para mim. "Me diga
honestamente, Dais, já que somos amigos agora. Ele rende uma
boa foda?"
Desgraçado. Involuntariamente, vou na direção dele. Um de
seus caras me joga de volta no chão, e Leith ri.
"A melhor que já tive", diz Daisy sem perder o ritmo. Ela nem
mesmo olha para mim enquanto o homem me enfrenta. Ele
recua rapidamente assim que estou acomodado, e eu gosto de que
ainda haja medo nesses homens. Eles deviam estar com medo
mesmo. Eles mexeram com as pessoas erradas. "Por que você
pergunta? Ficou interessado?"
"Cara, como eu gosto de você", Leith diz, balançando a
cabeça. Posso ver na expressão sombria de sua boca que ele está
falando sério. "Tem certeza que não quer mudar de lado? Eu
poderia te proteger melhor do que esse idiota. O problema dele é
ser bonzinho. Ele não é estúpido e não é ruim no que faz. Ele só é
bonzinho. É difícil ser um cara bondoso nesse ramo de trabalho,
entende o que quero dizer?"
"Sim." Daisy o olha com frieza, mas posso ver suas mãos nos
joelhos, segurando com tanta força que os nós dos dedos estão
brancos. "É isso que você quer? Que eu o traia? Isso faria você se
sentir melhor?"
"Ooh, cuidado, Daisy. Eu gosto de você, mas estou aqui para te
matar. Melhor não me dar motivos." Os olhos preguiçosos de Leith
me encontram e ele gesticula com sua Glock. "Eu tive uma visão de
como isso acontecia, sabe. Ele te traz para fora, nós largamos as
armas e ferramos um ao outro, e o último homem que ficar de pé vai
embora, com você no braço."
Daisy estreita os olhos. "Ele é inteligente por não confiar em
você."
"Tá vendo, talvez isso seja verdade. O problema é que hoje em
dia sou um homem de palavra."
"Hoje em dia?"
"Você está me dizendo que as pessoas não podem mudar,
querida?" Leith se levanta e vai até ela. Sem aviso, ele empurra sua
cadeira em volta, de modo tão brusco que ela quase cai. Ela está
me encarando agora. Leith está com uma das mãos nas costas da
cadeira e a outra segurando uma pistola na têmpora dela. "Me diga
que esse filho da puta não mudou."
Daisy encontra meus olhos e, por baixo de sua serenidade e
calma, existe um medo real. "Eu não o conhecia antes."
Leith solta um assobio baixo, se inclina sobre a cadeira, com a
boca perto do ouvido dela. Ele me observa enquanto diz: "Fique feliz
por isso."
Eu rosno, a raiva ilumina minhas veias como fusíveis. Daisy me
olha sem expressão. Ela não consegue me entender por causa da
mordaça.
"Ele era um canhão desgovernado naquela época", continua
Leith. "Você devia ter visto ele. Matando caras a torto e a direito. Ele
costumava aceitar todos os trabalhos sem perguntas. Matar
ele? 'OK.' Matar eles? 'OK.' Qualquer coisa para livrar o pai das
dívidas. E depois, qualquer coisa para colocar as mãos
em mais. Mais dinheiro, mais armas, mais drogas. Daisy, você tem
certeza que esse é o cara que você quer transando com você?"
Daisy não recua. "Já acabou. Não há nada que você possa fazer
para me envenenar contra ele."
Leith teve a boa vontade de parecer surpreso. "Você tá de
sacanagem comigo."
Daisy se vira, com os olhos brilhando de fúria, e fixa em Leith um
olhar capaz de secar rosas. Casualmente, quase delicadamente, ela
afasta a arma de seu rosto. "Eu sou a porra de um peão", ela diz
acidamente. "Não tenho nada a ganhar aqui. Ponto. Mentir? Ser
franca? Não importa. Vocês dois vão jogar seus jogos, e eu vou
assistir, e dependendo de quem sair vivo, eu também sairei. Não
tente me convencer do contrário."
O sorriso de Leith se desfaz. Ele olha para ela com a testa
franzida e a cabeça inclinada. Ele está tentando entendê-la. "Você é
uma putinha fria do caralho, né?"
"Vai se foder."
"Vamos ver o quão fria." Leith a deixa, vindo em minha
direção. "Quanta consideração você dá pro velho Cal aqui?"
Daisy estreita os olhos. "Tanto quanto eu dou para você."
"Excelente." Sem hesitar, ele me acerta no rosto com sua Glock.
Estrelas voam em minha visão. Eu pisquei para dispersá-
las, a dor pungente e radiante. Ele me acertou na têmpora e
uma pulsação quente de sangue veio quase instantaneamente.
Quando consigo processar o que estou vendo, percebo que a
expressão de Daisy não mudou. Ela está com a palma da mão na
barriga.
"Olha, estou impressionado." Leith balança a cabeça. "Sabe, é
engraçado. Ouvi dizer que seu pai estava de boa com meu velho
amigo Cal, e não pude evitar de colocar meu ouvido no chão. É tão
fácil de mover peças quando você está tão longe que ninguém sabe
que você está jogando. Meu chefe, o chefe dele, o chefe do seu pai
– você sabe quem está realmente no controle? O cara com a arma."
"Isso é besteira", diz Daisy, os olhos fixos nos de Leith. "E você
sabe disso."
Leith sorri. Se eu não o conhecesse, agora, pensaria que ele
estava se apaixonado por ela. "Sim, de fato é. O cara que nunca
toca nas armas é o cara que está no controle."
Daisy faz uma careta. Ela concorda.
"Eu tenho que confessar, eu não tenho mais um chefe." Leith se
inclina na minha cadeira. "Eu dou minhas próprias ordens
atualmente. Um amigo me disse que você estava vindo para cá, e
ele queria um pouco de sangue. Seu pai matou alguém de quem ele
gostava – uma namorada, talvez, não sei. Em troca disso, ele queria
você. Mas trabalhos como esse me dão muita liberdade. Posso
fazer de forma tão simples ou tão complexa quanto eu desejar,
contanto que você acabe morto e todos saibam quem fez isso. Eu
tenho que admitir, até o momento, esse trabalho é o mais divertido
que eu já tive."
O maldito bastardo. No final, tudo isso havia sido um jogo para
se vingar de mim, para tornar minha vida um inferno. E Leith estava
usando Daisy para fazer isso. Teria sido muito simples, caçá-la e
matá-la sob minha proteção. Eu teria parecido fraco pelo resto da
minha carreira, se não pelo resto da minha vida. No mínimo, eu teria
perdido minha aliança com o pai de Daisy.
Mas com Leith sabendo o que sinto por ela... coloquei um alvo
ainda maior nas costas dela.
"Os homens que estavam atrás de mim antes de você", diz
Daisy, a voz fria e inabalável. "Eles simplesmente recuaram e
deixaram você tomar as rédeas? Uma cortesia ocupacional?"
"Recuar, levar tiros por não obedecer, qual a
diferença?" Leith sorri para ela. "Gosto do desafio em um não,
sabe? Esses caras atrás de você, eles realmente queriam
você. Quem quer que seu pai tenha batido, deve ter sido importante
para alguém. Todos esses caras estavam competindo entre si,
totalmente dispostos a morrer para provar sua lealdade e sua
crueldade. Tudo o que eles queriam era o pedaço de carne sem
nome e sem rosto que seu homem havia ordenado. Eles não se
importavam que você fosse inocente – você é inocente, certo,
Daisy?"
Ela olha para ele, mas eu noto que ela está mais pálida.
"Mal tinham pisado na Escócia quando coloquei minhas mãos
neles. Um massacre agradável e limpo – do jeito que eu gosto. Eles
poderiam ter passado livremente, mas o que me importa? Alguém
pagou muito dinheiro por essa sua linda cabeça, Dais."
"Acho que você está planejando pegar o dinheiro depois disso",
ela diz secamente.
"Não, não. Oh, Daisy. Não estou fazendo nada por dinheiro, e
você sabe disso. Isso é puramente pela emoção. Todos aqueles
cadáveres terem o meu nome sobre eles é meramente um bônus,
certo? Esses daí não vão mexer comigo de novo."
Daisy aperta a mandíbula, mas responde apenas com silêncio.
"Isso poderia ter sido muito mais fácil", disse Leith com
simpatia. "Tudo que eu queria era que você observasse, pequena
Daisy. Mas Cal não aceitaria."
"Eu estou aqui agora." Ela estreita os olhos para ele. "Vamos ver
do que vocês são capazes."
12
DAISY

U m jogo.
Finalmente, algo que posso fazer direito. Não me permito
olhar para Cal, para seu rosto sangrando e machucado, ou para
seus olhos – flamejantes, perigosos e cheios de fogo. É minha culpa
estarmos nessa bagunça. Por minha culpa, ele já tinha caído em
uma armadilha. É minha culpa estarmos aqui agora. Eu nunca
deveria ter me permitido chegar perto dele.
Eu nunca deveria ter me apaixonado por ele.
Tudo o que ele fez foi me colocar em primeiro lugar. Não confiei
nele para me proteger, e agora olhe onde estamos. Entre nós
dois, acabamos nos sabotando perfeitamente. Poderíamos até ter
matado um ao outro.
Não se eu puder evitar.
Leith está me olhando com frieza, com uma pergunta em seus
olhos. Ele sabe que estou jogando com ele – ele só não sabe como
ou por quê. "Você quer me ver lutar contra seu novo namorado até a
morte?"
Não olho para Cal, mas o conheço. Seu corpo, sua mente, sua
força. Leith é um pouco mais jovem, um pouco mais ágil. Mas ele
não tem o impulso cego que Cal tem; isso ficou claro para mim
desde que nos conhecemos. Leith tem uma linha de
autopreservação que Cal não possui. Cal – meu Cal – morrerá antes
de perder, se isso significar proteger minha vida.
E possivelmente a do nosso filho.
Cal me pediu para confiar nele. Repetidamente, ele me pedia, e
eu concordava, mas alguma vez, realmente, verdadeiramente, fiz
isso? Eu disse que confiava nele, mas uma parte de mim nunca
chegou a confiar.
Eu não sou seu pai. Não, ele não é. O que ele diz, é exatamente
o que ele tem intenção de fazer. E se ele estava me deixando mais
cedo para enfrentar Leith de uma vez por todas, era porque ele
sabia que poderia fazer isso com sucesso.
Ou pelo menos matar Leith no processo.
"Ele não é meu novo namorado", eu digo calmamente. "Eu disse
que tínhamos terminado. Era apenas sexo, de qualquer maneira."
"Você é uma boa mentirosa." Os olhos de Leith brilham com
diversão.
"Sim. Eu sou, mas não estou mentindo. Estive nisso minha vida
toda, talvez tanto quanto você. Eu sei como funciona. Eu conheço
muito pra me apegar. E sei que não significa nada para nenhum de
vocês – você, Cal, meu pai ou os inimigos dele. Eu sou a carga,
colateral. Não importa com quem eu esteja no final do dia. Contanto
que eu esteja viva."
Sinto os olhos de Cal em mim. Eu não os encontro. Pelo que sei,
ele está comprando o jogo que estou jogando. Ou, pior, ele sabe
que estou jogando e está implorando para que não o faça. Afinal, ele
não queria que eu me envolvesse. Mas aqui estou.
Leith passa por Cal e vem até mim, se ajoelhando. Ele olha para
o meu rosto. "Você está me dizendo", ele diz suavemente,
levantando uma sobrancelha, "que se eu vencer e matar o grande
Cal ali, você vai sair daqui comigo?"
Um arrepio desce pela minha espinha, mas não demonstro meu
medo. Confie em Cal. Acredite que ele pode fazer isso. "Sim."
"Mentira."
"Não é."
"Você está me dizendo que não dá a mínima de maneira alguma
se esse cara morrer? Leith aponta sua arma para Cal, e o frio se
espalha mais, entorpecente e amargo. Eu ignoro isso. Não deixe
que eles vejam você suar. "Você está me dizendo que tem transado
com esse cara, ficado com ele, passado todos os dias com ele e
não tem nenhum sentimento por ele?"
Oh, Cal. Eu não olho para ele. Olho Leith diretamente nos
olhos. "Sim."
"Prove."
Minha respiração engata. Leith se inclina em minha direção,
olhos selvagens, expressão perigosa e frio como gelo. Não quebre
agora, Daisy. Não se atreva a parar, porra. Quando seus lábios
encontram os meus, eu não recuo, embora tudo em mim diga para
fazer. Pelo Cal. Pelo Cal. Eu me inclino em direção a ele em retorno,
pego sua boca com a minha. É um beijo fácil, surpreendentemente
suave – Leith é bom nisso. E ele está gostando.
Sua língua separa meus lábios, a mão livre sobe para deslizar
em meu cabelo. Ele me beija profundamente, se levantando
de modo que minha cabeça fique inclinada para trás.
Sinto muito, Cal. Confie em mim. Por favor, confie em mim.
Eu beijo Leith com toda tenacidade e calor que tenho em mim,
equivalendo ao seu avanço. E quando ele rompe, olhando para mim
com brilhantes olhos e lábios entreabertos, há uma expressão de
diversão e crueldade no rosto. Mas há algo mais, também – algo
genuíno.
Entendi.
"Você realmente não dá a mínima", diz Leith, maravilhado. "Isso
é interessante."
"Eu não me importo com o que é interessante", eu digo. "Eu me
importo em sair daqui viva."
"Cal, deixou essa aqui te cravar as garras? Nunca pensei que
sentiria pena de você, cara." Leith me dá uma olhada observadora –
um último esforço em encontrar um ponto fraco na minha
armadura. Ele parece não ter encontrado nada e então se vira para
Cal, convencido de que eu não tenho aliança com ele. "Tá bom. Sou
um homem de palavra, né? O que você me diz, Cal?"
"Sem armas", eu digo para as costas de Leith. "Sem reforço. Só
você e ele. Justo."
"Olha só você, fazendo exigências." Leith ri, mas acena para um
de seus homens. O cara corre para frente, rapidamente cortando as
amarras de Cal. "Se eu te deixar viver, posso ficar contigo,
afinal." Então, de forma conspiratória, para Cal. "Eu gosto de uma
lutadora, você sabe."
Cal se levanta, praticamente vibrando de ódio. Eu finalmente me
permiti olhar para ele, olhar de verdade. Seu rosto está manchado
de sangue, ambas as têmporas ferradas e sangrando muito. Seus
olhos estão negros de raiva, punhos cerrados, vários nós dos dedos
partidos e inchados. Estou impressionada, mas com o quão jovem e
ágil Leith se parece ao lado dele – como um jovem leão desafiando
o líder do clã.
Eu engulo a onda de preocupação que sobe em mim. Foi um
erro? Quando Cal me deixou na quitinete, ele o fez com a energia
pesada e filosófica de um homem resignado à morte por uma boa
causa. Quando ele saiu, eu queria dizer algo – dizer a ele que
por trás da minha raiva, havia um verdadeiro afeto por
ele. Que apesar de tudo em mim, estou me apaixonando por ele
também, que vou ficar com esse bebê se ele continuar crescendo
dentro de mim. Que eu vou pensar nele sempre que eu a segurar...
Ela. Lágrimas queimam meus olhos. Eu acabei de pensar
'ela'? Algo naquela palavra envia uma pulsação de calor escaldante
por cada centímetro de mim, descongelando minha dormência,
queimando meu medo, minha desconfiança e derrubando o que
restava das minhas paredes.
Acabei de imaginar uma vida, uma vida de verdade, com ele?
Pelas costas de Leith, encontro os olhos brilhantes de Cal. Eu
não posso falar agora. Não posso contar a verdade a ele. Não
posso dizer a ele que quero nos dar uma chance, que preciso que
ele ganhe agora, que preciso que ele viva. Só espero que ele leia
em meus olhos.
Sua expressão é sombria, a violência emana dele como o calor
de uma chama aberta. Mas a raiva estilhaça quando ele vê meu
rosto. Naquele instante, uma carga elétrica ganha vida entre nós,
uma corrente invisível, viva e perigosa ao toque. Os olhos de Cal me
dizem que ele entende.
Espero que os meu digam, Vença.
"Chega de brincadeira", diz Leith, revirando os ombros. "Estou
esperando por isso há muito, muito tempo." Ele retira o paletó,
passando sua Glock e outra arma do cinto para o seu homem de
guarda. Outro cara que revira Cal com mais força do que o
necessário. Quando ele tem certeza de que Cal está limpo, empurra
ele na direção de Leith. "Tem certeza que quer fazer isso, velho
amigo?"
"Sim." A única palavra dos lábios de Cal é um rosnado.
"Tem certeza? Ela não é um grande prêmio para você." Leith me
dá um sorriso venenoso. "Troca de lado como um toca-discos, cara."
"Eu não estou fazendo isso por ela", Cal diz facilmente. Ele vira
um olhar furioso para mim, e é tão convincente que, por um
segundo, faz meu estômago furar. Ele está aprendendo, percebo
com uma pontada repentina de orgulho. Ele está jogando. Agora
sim, nem mesmo Leith viu essa chegando. "Também estou
esperando por isso há muito tempo."
"Seja honesto", diz Leith. "Vamos fazer de forma justa."
Seus caras recuam. Quando me levanto para fazer o mesmo,
Leith pega meu ombro. Eu afundo na minha cadeira, observando-o
com cautela.
"Eu quero você com vista privilegiada, Dais", ele diz
suavemente. "Quero que você assista."
Não olho para Cal, embora queira. Em vez disso, cruzo os
braços e imobilizo Leith com o olhar mais frio que consigo.
"Me deseje sorte", diz ele.
"Vai se foder."
Com um sorriso, ele encara Cal. "Preparar?"
"Vamos acabar com isso."
Eles se movem um em direção ao outro tão rapidamente que
quase não percebo. Meu estômago embrulha e me sento para frente
bruscamente enquanto os dois homens se chocam. Achei que
haveria ritmo – medição, trabalho de pés, talvez algumas fintas ou
provocações.
Mas não. Não há hesitação. Cal agarra Leith na mandíbula ao
mesmo tempo que Leith enterra o punho na lateral de Cal. Ambos
emitem grunhidos guturais horríveis. Não há pausa entre esses
golpes e os próximos. Cal dá um direto em Leith no estômago, dois
socos rápidos e pesados, fazendo-o cambalear para trás.
Cal vai atrás. Para um homem tão grande, ele se move com uma
graça animal surpreendente. Ele consegue colocar Leith no meio da
sala, e os dois homens batem no linóleo, rolando. Eu não deixo de
reparar o estalo vicioso do crânio de Leith contra o chão ou o olhar
de choque atordoado em seus olhos no instante seguinte. Em
seguida, o olhar se vai, o seu rosto é pura raiva sombria. Ele torce o
corpo, ágil e com facilidade, colocando os braços fortes em volta do
pescoço de Cal e as pernas em volta da cintura.
Eu me levanto.
"Senta!", um de seus homens grita, agarrando meu ombro e me
jogando de volta no lugar.
Meu coração está na minha garganta. Eu mal registro a força de
contenção dos dedos do homem, cavando no meu ombro e na
minha clavícula. Meus olhos estão fixos nos dois, em Cal, e minha
mente de repente está cantando essas palavras em ecos
insondáveis, repetidamente: até a morte, até a morte, até a morte.
E eu percebo, tarde, muito tarde – que eu tenho que parar com
isso.
Cal está deitado de costas, Leith sob ele, ambos os
corpos emaranhados e travados com tanta força que mal parecem
se mover. Suas forças são surpreendentemente rivalizadas. O
tamanho e a força de Cal; a resistência e a velocidade de Leith. Eu
mordo minha bochecha para não gritar. Cal, vamos. Saia daí. Saia,
saia.
A mandíbula de Cal está tão apertada que eu posso ver todos os
músculos. O suor goteja na testa de Leith, umedecendo
seu cabelo preto arenoso. Seu braço está preso em volta da
garganta de Cal, as veias salientes em seu antebraço e punho.
Cal, por favor, por mim. Por nós.
Cal tem suas grandes mãos enroladas sob o braço de Leith. Ele
treme com o esforço, mas apenas por um momento. Então,
subitamente, ele quebra o domínio de Leith com um suspiro
pesado, batendo com o cotovelo nas costelas de Leith. Leith salta,
indo para o pescoço de Cal novamente, mas Cal o agarra, com uma
mão espalmada contra seu rosto, e bate seu crânio de volta no
chão.
Eu estremeço com o toque suave, úmido e visceral do
impacto. Leith permanece de costas enquanto Cal se levanta, dando
um passo cambaleante para trás. Seu cabelo está coberto de suor,
seu rosto e os nós dos seus dedos sangrando muito.
Leith se senta com enorme tensão. Sangue salpica o chão onde
seu crânio atingiu, brilhando em escuro e vermelho em seu
cabelo. Seu rosto está em branco – contundido, se não estiver ferido
mais gravemente – mas depois de um segundo, ele se levanta
lentamente. Ele não está mais sorrindo.
"Vamos terminar isso", Cal rosna, e eu posso dizer pelo olhar
sombrio em seu olho que ele não está mais jogando um jogo. Ele
quer Leith morto. Ele o quer morto, agora.
Leith olha para mim. "Você me quer morto, Daisy?"
Eu fico olhando para ele com surpresa. Eu sei que sim vai subir
aos meus lábios o mais rápido que consigo pensar na palavra, mas
algo em mim vacila. Ele está jogando com você, eu me lembro. É
um truque. Um jogo. Mas alguma voz no fundo da minha mente me
lembra da maneira como Leith falou comigo na
cabana. A compreensão em seus olhos quando me falou sobre a
morte de sua mãe, sobre seu próprio medo, sobre seu desamparo.
Empatia é insidiosa, meu pai diria. Ele te infecta como um
câncer.
"Eu não me importo com qual de vocês vai morrer", eu digo,
fracamente e tarde demais. Sinto os olhos de Cal em mim, a
pergunta em seu rosto, a ruga entre as sobrancelhas. Daisy, que
porra é essa? "Dá no mesmo para mim."
O sorriso de Leith é torto e afiado como uma faca. "Mentirosa."
Eu encontro seus olhos, os argumentos sobem para minha
língua, lentos demais, e antes que eu possa dizer qualquer coisa –
crack crack crack! Tiroteio. Cal e Leith olham atentamente por cima
do meu ombro, de volta para o corredor.
"Leith?" Diz um de seus homens, com uma pitada de pânico na
voz.
Leith dá um movimento petulante com o pulso, e cada um de
seus homens sai, passos ecoando pelo corredor. "Você estava se
perguntando como eu havia entrado, Cal?"
Cal torna o olhar para ele, os olhos se estreitaram.
"Eu não matei seus caras, se é isso que você estava se
perguntando. Tínhamos o elemento surpresa, mas, cara, você tem
um exército bem grande. Não pude trazer muitos caras comigo
quando me dirigi para cá." Leith sorri, mas é mais uma careta. Ele
está suando, com o rosto contraído e pálido, e o meu estômago está
embrulhando. " Eu deveria ter deixado mais dos meus caras na
frente, hein? Você sabe o que é engraçado? Eu estava preocupado
com você. Preocupado que, depois de todos esses anos, você ainda
pudesse quebrar a minha cara. Honestamente, eu estava pensando
em fazer um deles meter uma bala na sua cabeça se você chegasse
perto de me matar."
Estou segurando as bordas do meu assento com tanta força que
meus dedos doem. Com os caras de Leith se foram as únicas armas
na sala. Eu estava pensando em como desarmar um deles, colocar
minhas mãos em uma Glock, e manter Leith na mira até que ele nos
deixasse ir. Ou apenas atirar nele eu mesma. Mas agora...
"Mas eu queria saber", Leith diz, balançando um pouco – o
menor mover de dedos já ativaria um alarme em seus olhos. "Queria
saber se você conseguiria. Estúpido, né?"
"Você sabia que não poderia vencer", rosna Cal, e mesmo que
ele esteja certo, as palavras parecem cruéis de alguma forma. "Você
sabia que eu iria matá-lo."
"Porra. Talvez eu também quisesse te matar. Quer saber de algo
patético?" Leith recua alguns metros, afunda lentamente na cadeira
que chutou para o lado. Ele está tão pálido agora que poderia ser
um cadáver. "Eu tive medo de você, por todos esses anos. Nós dois
fizemos coisas ruins para o outro, certo? Talvez nós dois
merecêssemos o que recebemos. Por um tempo, nós dois
perdemos tudo, hein?"
Horripilantemente, um fio escuro de sangue escorre de uma das
narinas de Leith. Ele esfrega, vê as gotas vermelhas em sua mão e
faz uma careta.
"Mas eu tinha medo, o tempo todo", diz ele, mais
suavemente. "Medo de que você estivesse enviando homens. Medo
de que você estivesse nas sombras, esperando em algum beco, em
algum lugar, ou aparecesse na minha sala de estar uma
noite depois de voltar para casa do pub." Ele solta um suspiro longo
e trêmulo. Seus olhos estão com as pálpebras pesadas. "Você era
meu irmão, cara."
Eu ouço o pop pop muito distante de tiros – ecoa fracamente. A
luta acabou. Leith não está em condições de continuar lutando. Ele
está desarmado, possivelmente morrendo. Agora é nossa chance,
se tivermos uma.
"Cal", eu digo, um aviso. Ele olha para mim e eu me levanto
lentamente. "Vamos."
"Sabia", murmura Leith. Eu olho para ele e o encontro sorrindo
severamente. "Droga. Achei que tinha uma chance com você, Dais."
Eu olho para ele, tentando fazer a minha expressão dura, mas
não consigo. Há algo nele que não posso deixar de reconhecer
como um reflexo meu. Isso não faz com que valha a pena poupá-lo,
muito menos salvá-lo. Deixe-o. "Desculpe", eu digo, e acho que
estou falando sério.
"Você é um bastardo", diz Cal friamente. "Eu disse que mataria
você. E eu vou." Ele dá um passo à frente, mas eu pego seu braço,
olhando para ele. Ele balança ligeiramente. As surras tiveram um
peso maior do que eu mesmo percebia. "Não vamos deixá-lo vivo."
"Ele vai morrer", eu digo, procurando os olhos de Cal. Uma parte
dele tem que se preocupar com Leith. Alguma parte dele sempre
será irmão de Leith, com ou sem traição. Assim como meu pai
sempre será meu pai. Eu poderia não o salvar se fosse necessário –
mas eu sei que todo o ódio dentro de mim não me faria colocar uma
bala em meu pai também. A cruz que você carrega é a sua cruz. Eu
tenho a minha e esta não será uma delas. "Mas você não precisa
matá-lo."
"No entanto, você devia", diz Leith. "Se você me deixar aqui, se
eu sobreviver, voltarei a vocês. A ela."
Cal urge em direção a ele novamente, mas eu o puxo de volta.
"Daisy", ele rosna, um aviso.
"Não tenho medo dele", digo baixinho, e imagino meu pai
quando digo isso. "Não tenho medo de nenhum deles. Qualquer um
deles. Não mais." Eu respiro fundo e deixo o resto das paredes
caírem. Eu olho Cal nos olhos e falo a verdade. Sem jogos, sem
mentiras. "Não enquanto nós tivermos um ao outro."
Os olhos de Cal se arregalam, sua testa franze. Ele examina
meu rosto, mas não precisa mais procurar - estou cansada de
mentir. Estou cansada de me esconder.
"Eu ia dizer para você voltar", consigo dizer, em resposta à sua
pergunta não feita. Eu me encontro de repente incapaz de engolir
todo o medo, dor, horror e trauma desta noite. Lágrimas ardem em
meus olhos e as deixo deslizar pelo rosto. "Quando você saiu, eu ia
dizer para você voltar para mim – para nós."
Cal solta um suspiro suave e trêmulo. Ele toca meu rosto com a
palma áspera. "Eu não mereço você."
Apesar de tudo, eu rio, num som triste e quebrado. Eu fico na
ponta dos pés e pressiono meus lábios nos dele. "Talvez não nos
mereçamos."
Sua palma é uma marca no meu quadril. Ao longe, ouço gritos –
todos os tiros silenciaram. "Eu tenho que matá-lo, Daisy."
Ele é meu demônio. Eu ouço as palavras não ditas e olho de
volta para Leith, que está vendo através de olhos em dor, um rosto
pálido e encharcado de suor. "Ele está morrendo, Cal. Deixe-o."
"Não", Leith diz, com sua voz grossa, rouca de dor. "Termine o
que você começou, Cal. Me mata."
Cal me olha em dúvida. "Ele não vale a pena", eu digo em
resposta.
"Diga-me na minha cara que não valho."
Estou atordoada pelo clique suave, fraco, quase impossível de
uma pistola engatilhando. Quando me viro, meu corpo rígido de
medo, encontro Leith com uma arma na mão, apontada
diretamente para mim. Cal me empurra para trás dele.
"Cal", eu digo desesperadamente, o medo rasgando através de
mim. "Não..."
"Cal", diz Leith bruscamente, seus olhos endurecidos e
brilhantes. "Não."
"Seu desgraçado de merda", Cal rosna. "Luta justa – você não
reconheceria uma luta justa nem se ela batesse em você."
"Tive que manter minhas peças no tabuleiro", diz Leith com um
sorriso amargo. "Você acha que eu sou estúpido suficiente de ficar
cara a cara com você sem apoio? Você é incrivelmente mais
estúpido do que parece."
"Cal", eu digo, agarrando seu braço. Mas não sei o que
dizer ou que aviso dar. Eu não quero que ele morra. Não é uma
novidade, mas me dói desta maneira. Por um instante, pensei que
estávamos seguros. Nunca estaremos seguros.
"Me dê um motivo para não matar vocês dois", diz Leith, pálido
e rígido em sua cadeira. Meus olhos vão para a mancha de sangue
no chão. Esse som, seu crânio batendo no linóleo com tanta força
que se partiu, ecoa em minha mente. Empatia é um câncer. Não
sinta nada. Não sinta nada.
É isso que meu pai
aconselharia? Frieza? Entorpecimento? Nada? Morte?
"Cal", eu digo mais suavemente. Ele olha para mim e eu imploro
com meus olhos. De alguma forma, este homem que conheço há
menos de um mês me entende perfeitamente. De alguma forma, ele
confia em mim. Com a mão na minha, ele lentamente se afasta. Eu
posso ver o quanto isso custa a ele, o quanto isso o dói. Mas ele faz
de qualquer maneira. Eu nunca vou controlar você, Daisy.
Não digo nada a Leith, apenas atravesso a sala até ele. Ele não
desvia a pistola para mim, mas a mantém apontada para
Cal. Quando eu o alcanço, me ajoelho para baixo e olhar para
cima em seu rosto.
"Viva", eu digo suavemente. "Por favor."
Seus olhos encontram os meus. "Por quê?"
"Você não vai quebrá-lo", eu digo. "Nunca. Não o matando. Não
fazendo com que ele te mate. Deixe para lá. Considere acabado. Vá
viver sua vida e nós viveremos a nossa."
Os olhos de Leith brilham. "Você é boa demais para ele."
"Não sou." Por que sinto por Leith? O que em mim, em meu pai,
em Cal, vejo nele? "Eu quero que você viva."
Os olhos de Leith se arregalam, apenas uma fração. "Saia, Cal."
"Você está fora de si..."
Eu olho de volta para Cal. Ele encontra meus olhos, os seus
próprios brilhando em fúria. Estarei bem atrás de você, digo a ele
com meus olhos. Confie em mim. Para ser justo, ele hesita um
momento antes de lentamente cruzar para onde estamos. Ele
estende a mão para a Glock, e depois do que parece ser uma
eternidade, Leith dá a ele.
Cal vira para mim e toca minha bochecha com as costas
de sua mão sangrenta. "Eu estarei lá fora."
Ele vai, e quando sinto sua ausência, olho nos olhos de Leith.
"Você devia vir comigo", ele diz com um pequeno sorriso
triste. "Faríamos uma boa equipe."
"Você poderia ter me matado na cabana", eu digo. "Facilmente."
O sorriso de Leith murcha. Ele não desvia o olhar de mim, mas
uma ruga aparece entre suas sobrancelhas. "Eu ia."
Um arrepio passa por mim, do topo da minha cabeça às pontas
dos pés. "Eu não acredito em você."
"Sim. Eu não te culpo. Mas eu ia. Eu ia atirar em você ali mesmo,
no sofá dele, onde você parecia tão bonita, profundamente
adormecida ao sol." Leith levanta a mão, toca minha bochecha onde
Cal me tocou. Seus dedos permanecem lá, e eu não me afasto,
embora saiba, lá dentro, que deveria. "Você foi apenas um dano
colateral. Mas a maneira como você olhou para mim..."
Eu pressiono meus lábios, odiando a maneira como seus olhos
me perfuram agora, a forma como meu pulso dispara com seu
toque.
"Sem pena", ele finalmente diz. "Isso não acontece muito."
Eu abaixo meus olhos.
"Você me entende", diz ele, traçando minha bochecha com o
polegar. "E eu nunca terei você."
"Não", eu digo.
"Não é irônico? Cal finalmente tem algo que eu quero."
"Cal não me tem", eu digo, olhando para ele. "Cal me ama. É
diferente."
"Pode ser." Seus olhos brilham. "Veremos."
Eu me levanto, sua mão cai do meu rosto. Ele parece meio
morto ali, pálido, abatido e sangrando. Sinto, em algum lugar dentro
de mim, uma pontada de dor estranha e mal colocada. Percebo que
espero que ele não morra. Ele é um monstro. Ele é cruel, terrível e
perigoso. Mas nele, eu vejo um eco de quem eu poderia ter
sido. Nele, vejo um eco de quem sou agora.
"Me beija", diz Leith.
Quando olho para ele, não vejo um homem indefeso e à beira da
morte. Vejo o jogador, de olhar aguçado e inteligente, atacando
antes de fazer perguntas, dormindo com armas sob o
travesseiro. Eu me curvo, levanto seu queixo com um dedo e
pressiono meus lábios nos dele. Demoro mais do que deveria, mas
o beijo tem gosto de tempos passados e chances perdidas, e
descubro, misteriosamente ou não, que quero que dure.
Quando me afasto, há um pouco de cor em suas bochechas, um
pouco de luz em seus olhos. Ele não diz uma palavra enquanto eu
viro minhas costas e me afasto.
13
CAL

S tevie.
Stevie de joelhos, implorando por misericórdia.
Stevie, um dos meus mais antigos, mais tranquilos e melhores
aliados. Comprado por Leith como uma prostituta barata. Ele o
deixou entrar na cabana, a minha mente fraca e traidora me lembra
quando piedade e sentimento falam alto o suficiente para parar a
minha mão. Ela teria morrido se Leith não tivesse gostado dela. Ele
é um traidor e isso é justiça.
Stevie se ajoelha diante de mim no ar frio e oco do contêiner de
armazenamento, as mãos levantadas e os olhos arregalados. Lá
fora, gaivotas choram enquanto circulam acima. Poucas semanas
atrás, abatemos os homens de Leith feito cães. Stevie – traindo
irmão atrás de irmão. Velhos. Novos. Os meus. Os de Leith.
Uma lealdade como a dele não pode sobreviver.
"Eu sabia que ele não iria matá-
la", diz Stevie desesperadamente, com a voz trêmula. "Cal, Jesus,
era só pelo dinheiro..."
Pop. Há uma onda de sangue no alumínio, um eco fraco do tiro
através do silenciador. Stevie fica de pé por um instante e depois cai
pesadamente de lado. Eu saio, as botas ressoam no metal
duro. Meus caras vêm atrás de mim.
"Alguma coisa?" Frankie pergunta, me seguindo até minha
caminhonete. Ele queria Stevie morto com mais firmeza do que eu
depois que descobrimos. Estávamos juntos quando vimos a
filmagem de segurança de Stevie deixando os homens de Leith
entrarem no complexo. Eles eram amigos, Frankie e Stevie – desde
que eu os conhecia. Abandonar um traidor, entretanto, isso é
lealdade de verdade. "Sobre Leith?"
Eu balancei minha cabeça. "Eu te aviso."
Ele balança a cabeça enquanto eu entro na caminhonete, bato a
porta e os deixo lá. Frankie bate no topo da caminhonete com a
palma da mão e eu entro na rodovia, indo para casa.
Não quero falar sobre Leith. Não quero pensar nele. Daisy e
eu concordamos quando saímos de lá vivos que Leith está
morto. Se não para o mundo, então para nós. Para mim.
"Isso teria te assombrado para sempre", disse Daisy depois que
o deixamos lá. Ela estava segurando minha mão, com os olhos
arregalados e febris. A neve estava chicoteando ao nosso redor,
grudando em seu cabelo. "Matar um irmão – você não esquece
disso. Você não supera isso."
Eu acreditei nela na época. Eu acredito nela agora. Mas essa
imagem volta para mim, às vezes, a forma como ela se dobrou
diante dele quando se beijaram. Não importava que ele a tivesse
sob a mira de uma arma. Suas palavras, embora fossem mentiras,
me cortaram até os ossos, e ainda não me deixaram. Suas palavras
e aquele beijo.
Mas eles só vêm a mim em momentos de fraqueza, quando
penso em como eu falhei com ela; como, há tantos anos, falhei com
Leith.
Mas Leith foi embora. Ele tentou me jogar para os lobos.
Já Daisy – ela ficou.
Quando penso nos olhos afiados e brilhantes dela, a risada
suava, e os dedos delicados sobre peças de xadrez ou copos de
uísque, as palavras e o beijo desvanecem.
No final das contas, Daisy é minha e eu sou dela.
Leith não é nada além de um fantasma.

Ela mira o rifle e aperta um olho. "Menino ou menina?"


Eu olho por cima do meu próprio rifle e depois para seu alvo: um
pode de conserva mais longe do que ela já havia atingido
antes. "Por que você está me perguntando isso agora?"
"Porque eu tenho teorias", ela responde sem olhar para mim. "E
eu queria ouvir as suas."
"Durante um tiro ao alvo?"
"Sim." Ela brinca com o gatilho. "Eu acho que é uma menina."
Eu penso nisso, olho para o suave, doce, e sempre tão delicado
inchaço da barriga de Daisy. Em alguns meses, não seremos
capazes de vir aqui assim. Em alguns meses, não serei capaz de
fazer com ela o que estou planejando fazer daqui a alguns breves
momentos.
"Um menino", digo apenas para desafiá-la. Ela ri. "O quê?"
"Você está errado, com certeza", diz ela, divertida. "Mas eu gosto
de uma boa discordância."
"Eu sei que você gosta." A névoa cai por entre as árvores; o
inverno está a caminho. Riachos escorregam da jaqueta de Daisy e
umedecem seu cabelo escuro em cachos contra sua testa e
bochechas. Ela parece selvagem assim, de rifle na mão e seu corpo
ainda como uma predadora. Ela parece nascida para isso. "Vamos
discordar sobre algo lá dentro."
Ela abaixa o rifle e me dá um sorriso malicioso. "Podemos
discordar de algo aqui."
Eu olho para o alvo dela, além de um tapete de folhas de
pinheiro e vidro quebrado. Eu aceno com a cabeça em direção ao
pote de conserva, nada mais do que um piscar de luz de estanho na
floresta esmeralda. "Acerta aquilo e veremos."
Daisy traz o rifle para seu olho, dá uma respirada, e então aperta
o gatilho. A serenidade abafada da floresta é quebrada pela
percussão de vidros estilhaçados. Daisy me dá um sorriso
enorme. "Agora você tem que me foder."
Eu endureço com suas palavras, com o brilho em seus olhos
escuros, e coloco meu rifle de lado. "Venha aqui."
Ela vem em minha direção, colocando sua arma ao lado da
minha. "E faço o quê, Cal?"
Eu não digo uma palavra. Eu apenas olho para ela,
comandando-a com meus olhos. Ela obedientemente sobe no meu
colo.
"Você é encrenca", ela sussurra para mim, esfregando os lábios
no meu pescoço. Sua respiração toca meu ouvido, palavras
aveludadas suaves e ousadamente perigosas. "Não é?"
Eu deslizo minhas mãos por seus ombros, sobre seus seios e ao
longo de sua cintura até os quadris. Eu as coloco lá, endurecido
pelo volume dela sob as palmas das minhas mãos e seu peso no
meu colo. "Me diz você."
Eu toco meus lábios em seu pescoço, o lugar vulnerável sob sua
orelha. Sua respiração engata e eu a belisco suavemente, satisfeito
com o som baixo que ela faz, sedenta por mais.
"Você é", ela diz, e eu acaricio sua pele com minha língua:
pescoço, garganta, clavícula. Meus dedos encontram seu zíper,
puxo para baixo o suficiente para que eu possa traçar a linha de seu
decote, as protuberâncias de cada seio. "Você é encrenca, você é
perigo, e você é meu."
Eu deslizo minhas mãos ao longo do cós da calça jeans,
desabotoando e abrindo o zíper com facilidade. "Sou seu."
"Sim", ela diz, ficando sem fôlego. Eu puxo a gola do suéter para
baixo, traço a parte superior de seu sutiã com minha língua. Minha
outra mão desliza para baixo de sua cintura, e ela suspira
suavemente enquanto eu acaricio a linha de seu osso do quadril,
mais abaixo, mais abaixo... "Meu."
"E você?" Meus dedos acariciam sua calcinha e meu pau
endurece enquanto seus quadris se fecham mais apertados em
torno de mim.
"Eu sou sua, Cal", ela diz, me puxando para perto. "Me mostra
que sou sua."
14
DAISY

O s dedos pesquisadores de Cal me deixaram molhada, meu


corpo inteiro embolado e implorando pelo dele. Os primeiros
meses de gravidez não conseguiam conter minha sede por ele, e
temos aproveitado todas as oportunidades, cientes de que não
durarão para sempre.
Estranhamente, me vejo ansiosa por tudo isso – os meses mais
difíceis da gravidez, o parto, as primeiras semanas difíceis...
Imagino que minha mãe ficaria tão animada. Ela estaria lá no
hospital ou esperando em casa. E mesmo que não esteja, a fantasia
me deixa excitada e orgulhosa também. Eu vou ter um filho. E essa
criança não terá a vida que eu tive. Vou me certificar disso.
E Cal – imperfeito, mas perfeito – e
o Cal irritantemente teimoso. Tudo que fazia era me
apoiar. Poupando Leith, se mudando para a cabana na floresta,
recuando das partes mais práticas do seu trabalho e delegando-as
àqueles mais abaixo dele... Ele tem feito tudo o que eu pedi, e muito
mais. Se eu quisesse sair de Plockton, ou da Escócia, ou do Reino
Unido, ou de todo este mundo dele – eu sabia que ele faria num
piscar de olhos. E é por isso que fiquei.
Não somos os meus pais. Ele não é meu pai. E eu não sou a
mãe de Leith. Nós somos nossos. Nós somos um do outro. E em
breve – o nosso nós ficará um pouco maior. Espero pela chegada do
medo, da ansiedade, do pânico, mas nunca chegam. Com Cal,
apesar de tudo – ou talvez por causa de tudo – me sinto segura.
Seus lábios deixam um rastro incandescente no meu pescoço,
entre meus seios. O ar frio é um alívio em minhas bochechas em
brasa, e eu me inclino para trás, respirando com dificuldade,
enquanto seus dedos deslizam sob minha calcinha. Ele grunhe com
a minha umidade, seus lábios se separam do meu pescoço e
os dentes encontram minha pele. Eu gemo baixinho, encantada com
a doce dor. As pontas dos dedos dele me acariciam lenta e
deliciosamente.
Eu trago seu rosto em minha direção, deslizo minha
boca contra a dele. Sua língua entra em minha boca no mesmo
instante em que seu dedo entra em mim, e eu gemo contra seus
lábios. Minhas mãos encontram seu cinto e o desafivelam com
fome. A chuva fica mais espessa ao nosso redor, batendo contra a
copa da floresta. Em algum lugar nas montanhas, o trovão ressoa.
Os dedos de Cal mergulham para dentro e para fora de mim com
uma facilidade perigosa e experiente. Eu monto sua mão
desesperadamente, já tão molhada para ele que sei que não vou
segurar por muito tempo. Me dispo da minha calça jeans e a puxo
para baixo no encharcado e enlameado chão da floresta atrás de
mim.
Ele me prende lá, pressionando seu pau entre minhas pernas,
sua língua na minha boca.
Eu gemo quando ele me acaricia, sua ponta lenta e
deliberadamente procurando minha entrada. "Cal", digo
desesperadamente, passando minhas mãos por seu cabelo espesso
e molhado. "Por favor."
"Não", ele rosna contra o meu queixo. "Se você quer que eu te
foda, implore. Eu gosto quando você implora."
O desejo aperta dentro de mim. Eu agarro seu comprimento e
o guio em minha direção – ele não consegue resistir. Ele empurra
para dentro de mim com um grunhido afiado de prazer, afundando
os dentes no meu pescoço. Eu pressiono meus lábios em seu
ouvido. "Eu também gosto de te implorar."
Ele rosna, segurando meu quadril enquanto desliza para fora de
mim e depois volta para dentro, num ritmo faminto e profundo. Eu
travo minhas pernas em torno de seus quadris, me inclinando para
trás em êxtase e levando-o para dentro, agarrando sua camisa em
meus punhos e pedindo a ele mais, mais forte.
Eu mordo meu lábio, mas o peso de seu corpo contra o meu, o
calor de sua pele, me faz gemer em segundos. Eu arqueio minhas
costas, abro minhas coxas, dou boas-vindas a cada centímetro de
seu pênis. O êxtase passa por mim, frio, ondulante e brilhante ao
redor, fazendo com que cada célula do meu corpo sequer possua
peso.
"Eu te amo", murmura Cal, arrastando beijos ao longo da minha
clavícula. "Eu te amo, Daisy."
"Eu te amo", respondo sem hesitação, cada palavra saindo de
dentro de mim, ditas quase em um gemido. "Meu Deus, eu te amo
muito."
E eu amo. Realmente, mesmo, verdadeiramente.
Que surpresa. Talvez seja melhor não pensar dez passos à
frente. Eu enterro meus dedos em suas costas, mordendo de volta
as ondas de prazer que seu corpo invoca. Qual a diversão nisso?
"Cal", eu suspiro, perto. Ele se senta, se inclinando comigo em
cima dele. Eu começo a montá-lo, a chuva calmante e fria bate em
minha pele incandescente. Eu balanço meus quadris contra seu
pau, o ângulo perfeito e feliz e – com um grito, jogo minha cabeça
para trás, a voz ecoando pelas árvores enquanto gozo.
"Porra", ele grunhe, agarrando meus quadris com força,
empurrando profundamente em mim enquanto ele finaliza
também, satisfazendo a dor faminta dentro de mim.
Eu solto um suspiro, o prazer ainda balançando por mim, e me
seguro com as palmas das mãos contra seu peito. Com o corpo
fraco e deliciosamente exausto, eu me inclino para frente,
descansando contra seu peito. Seus braços se levantam para me
envolver.
"Satisfeito?", pergunto com uma risada suave.
Seus braços se apertam. Contra meu cabelo, ele diz, num
sotaque áspero, "Nem perto disso."
"Bem", eu digo, beijando seu queixo, saboreando o calor, o
conforto e a segurança dele. "Estamos sujos agora."
Ele ri, o som vibrando em suas costelas e nas minhas. "Acho
que precisamos de um banho então, não é?"
"Acho que sim."

Mais tarde, quando estou excluindo fotos, encontro aquela


que tirei dele naquele dia na floresta. Me pego olhando para ela,
para ele, para a maneira como ele olha para a câmera – verdadeiro,
cru, vulnerável e imperfeito. Não, não do jeito que ele olha para a
câmera.
A maneira como ele me olha.
A maneira como ele estava olhando para mim, ainda naquela
época. Ele sabia, eu me pergunto? Será que ele sabia tão
cedo assim que estaríamos juntos? Ele sabia que ia se apaixonar
por mim?
Eu sabia?
Eu toco a pequena protuberância da minha barriga.
Não, acho que não. Se soubesse, se soubesse de verdade, teria
fugido, como fugi de tudo que era grande, assustador ou
desconhecido em minha vida. Eu não teria me permitido beijá-lo,
nem dormir com ele, nem jogar xadrez com ele, nem beber, nem
atirar, nem rir com ele. Eu não teria engravidado. Eu não teria
confiado nele. Eu não teria confiado em mim mesma.
Eu rastreio o rosto de Cal na foto, tão familiar agora, mesmo
depois de apenas alguns meses. Se eu soubesse que alguma
dessas coisas estaria por vir, nunca teria permitido.
Se você não consegue pensar dez jogadas à frente, pra que
jogar?
Porque a vida não é um jogo. As pessoas não são prêmios e
as vidas não devem ser sacrificadas, ganhadas ou perdidas.
Desligo o computador e me levanto com a mão na barriga e um
sorriso nos lábios. No final do corredor, posso ouvir Cal
cantarolando baixinho enquanto prepara o jantar. Não é a vida que
imaginei, mas não a faria de outra maneira. E, no final, não é melhor
se surpreender?
Eu sei que é.
EPÍLOGO
DAISY

E la está chorando em meus braços, suas bochechas rosadas e


pequenas mãos apalpando. É quase impossível
acreditar que essa nossa garotinha já está no mundo há três
meses. Cal afirma que ela tem o cabelo dele, mas
aqueles cachos escuros e macios são totalmente meus, e aqueles
cílios com franjas grossas também. Ela se parece mais com ele
quando sorri – brilhante e deslumbrante e forte, em todas as
vezes. Não há meias medidas para Angel, nosso anjinho – tudo que
ela faz, ela faz com toda a força.
É outono de novo, como era quando vim pela primeira vez para a
Escócia, envolta por duplicidade e mentiras
frustrantes. Um verdadeiro desespero por algo real, uma fuga ou
liberdade ou, por sorte, amor. Outono de novo, e parece o destino,
estarmos aqui na floresta salpicada de sol enquanto o tempo
considera esfriar. Quando olho para Angel, na maioria das vezes
fico cega pela felicidade incandescente – pela descrença. Esta
criaturinha perfeita é toda minha. Veio de mim, e eu vou fazer tudo
em meu poder para ficar aqui, ao seu lado, enquanto eu puder.
Mas às vezes, quando olho para ela, fico impressionada com o
quão perto estive de perdê-la. De perder tudo: Minha vida. Meu
futuro. Cal. A vida e o futuro que construímos para nós
mesmos. Loucura, não é, o quanto a vida pode levar?
Mas primeiro, ela tem que te dar alguma coisa, né?
Angel murmura e eu enterro meu rosto em seu pescoço macio e
quente, agradecendo a cada coisa grande e terrível que nos trouxe
até aqui.
Ouço a porta da cabana fechar e, um momento depois, os dedos
quentes de Cal acariciam minha nuca. Ele se senta ao meu lado, o
braço em volta dos meus ombros, sua grande mão se erguendo
para segurar Angel onde ela está em meus braços.
Ele não diz nada, e nem eu. Não precisamos.
Mas quando ele não está olhando, eu dou um olhar furtivo para
ele. Sua expressão, feliz e plena, repleto de calor, traz um sorriso
inescapável para os meus lábios. Há algo em seus olhos que não
estava lá antes, ou talvez, não tão forte como agora.
Antes ele estava sobrevivendo. Antes de ele me conhecer. E
agora, Cal, amor da minha vida, pai da minha filha – está vivendo.
Eu descanso minha cabeça em seu ombro, Angel em nossos
braços.
Eu prometo para ela que nunca vou deixá-la, mas
definitivamente, eu não acho que terei que fazê-lo. Cal e eu não
correremos nenhum risco. Agora sabemos pelo que vale a pena
lutar, mudar, viver – está bem aqui.
E nunca deixaremos isso ir embora.

FIM

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