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Dedicatória

Para todas as 'doces' irmãs deixadas para trás, que seus


reinados sejam infames.
Sinopse

1 Apelido para a cidade de Chicago.


2 O Ímpio.
Capítulo Um

Fui acordada na manhã do meu casamento por alguém


batendo na porta.

— Levante-se, Sophia! — Chamou uma das minhas tias.

Eu gemi e rolei na cama.

A porta se abriu e entrou um fluxo de minhas amigas e


membros da família. Elas me puxaram da cama e me jogaram
no banho. Minha pele foi lavada até ficar vermelha e minhas
pernas depiladas até sangrarem. Meu cabelo foi puxado e
escovado, com grampos sendo enterrados no meu couro
cabeludo para alcançar a perfeição.

Meu conforto não era importante.

Afinal de contas, era o dia do meu casamento.

Não houve entusiasmo. Em vez disso, cada mulher


cumpriu sua tarefa, evitando contato visual comigo.
Nenhuma garantia foi oferecida. Nenhum toque suave ou
abraço foi dado.

Eu já participara de centenas de casamentos e ajudei as


noivas algumas dezenas de vezes. Mesmo que a noiva
estivesse nervosa com suas núpcias, o clima geral era de
entusiasmo. Uma nova aliança, uma nova família, era sempre
algo para celebrar.

Exceto no meu caso.

Meu casamento era mais parecido com o sacrifício de


uma virgem sendo ritualisticamente morta em nome de
deuses pagãos.

Eu observei minhas amigas e familiares através do


espelho. Até Elena Agostino, que sempre foi tão sincera, se
recusou a encontrar meus olhos.

Cat teria olhado para mim.

Meus olhos se fecharam por vontade própria.

Minha irmã nunca deixaria isso acontecer. Seja com ela


ou comigo. Ela sempre foi mais forte, mais esperta. Enquanto
eu muitas vezes evitava perturbar nosso pai, Cat teria
queimado nossa casa protestando contra meu casamento.

Mesmo se ela não tivesse conseguido impedir, ela estaria


aqui comigo. Fazendo-me rir, beliscando minhas bochechas.

Ou, pelo menos, olhando para mim.

— Por que todas estão tão solenes? — As palavras


escaparam antes que eu pudesse detê-las. — Nós não
estamos no meu funeral.

— Ainda não. — Elena reclamou.


— Fique quieta, Elena. — Respondeu uma voz aguda,
pertencente a uma das minhas tias.

Eu dei um sorriso falso e me virei no assento. O


cabeleireiro bufou de irritação. — Tia Chiara, conte-me sobre
sua nova neta. Ouvi dizer que ela é adorável.

A conversa cresceu rapidamente no quarto com a


menção de um novo bebê. Eu voltei a me virar, aliviada, e
permiti que o cabeleireiro completasse seu trabalho em mim.
Ouvir a conversa da minha família era reconfortante, mesmo
que elas estivessem tomando muito cuidado para falar sobre
mim ou do meu casamento. Ou qualquer coisa relacionada
aos Rocchetti.

O nome deles estava na boca de todos, mas ninguém


ousou dizer nada.

Finalmente chegou a hora de me vestir. Meu vestido de


noiva foi a melhor coisa que eu já usei e todo mundo correu
os dedos pela seda, tentando absorver sua beleza. Tinha
mangas compridas, gola alta e saia grossa que se estendia
para uma longa cauda branca. Muitos pequenos detalhes em
renda decoravam os punhos e a bainha.

Meu cabelo estava preso, com cachos dourados,


complementado por uma pequena tiara que mantinha o longo
véu no lugar.

Eu me olhei no espelho quando o véu foi puxado sobre o


meu rosto.
— Você está muito bonita, Sophia. — Alguém disse de
forma suave.

Eu parecia uma noiva.

Tantas vezes eu tinha ofegado de admiração e prazer ao


ver a bela noiva. Toda vestida de branco, com seu mais belo
vestido. Eu tinha até chorado quando vi minha prima,
Beatrice Tarantino, passar pelo corredor, tão graciosa e
elegante.

Mas ao me ver... eu só sentia medo

— Seu buquê, Sophia. — Elena passou o ramo de flores


para mim.

Meus dedos congelaram antes que eu pudesse tocá-lo.

O buquê foi pago por ele. Era costume o noivo pagar


pelo buquê de sua noiva. Foi a primeira coisa que me foi dada
por ele, de certa forma. O anel de noivado era uma herança.

Era um lindo buquê, notei estranhamente. Uma cascata


de rosas, lírios brancos e mosquitinho branco. Todas as flores
estavam ligadas com uma fita de seda.

— Sophia? — Elena me chamou.

Peguei dela com um sorriso. Agora eu estava pronta


para ser sacrificada. — Obrigada.

— Você não precisa me agradecer. — Foi tudo o que ela


disse.
Houve uma batida suave na porta.

Cada mulher parecia querer dizer mais alguma coisa,


mas abandonaram suas palavras. Na saída, elas me deram
abraços e beijos leves. Tomando cuidado para não estragar o
visual que levou horas para ser concluído.

Elena apertou minha mão. Mas, não disse nada.

A porta foi aberta e meu pai entrou. Ele não era um


homem muito alto, uma característica que eu ganhei dele. Na
verdade, papai e eu éramos muito semelhantes na aparência.
Com o mesmo cabelo loiro, olhos castanhos e pele caramelo,
nós dois parecíamos estar cobertos de ouro.

Quando Papai me viu, pressionou a mão no peito. Ele


estava vestindo seu melhor terno.

— Você está linda, bambolina3. — Ele murmurou.

— Obrigada, Papai.

Um pouco de tristeza apareceu em seus olhos quando


ele se aproximou. Papai havia se desculpado pelo casamento,
por incrível que pareça.

Eu esperava alguém mais gentil para você, bambolina,


ele havia dito no dia em que me contou. Ter um membro da
poderosa família Rocchetti como parente, significava grandes
coisas para os negócios, mas papai parecia bastante

3 Italiano para ‘querida’


resignado com o acordo. Mas não se resignou o suficiente
para negar minha mão.

Papai deu um passo à frente. — Bambolina...

— Está tudo bem, papai. — Eu sorri para ele.

Ele suspirou profundamente e apertou minha mão. —


Você sempre foi uma garota tão boa, mesmo que eu tenha
sido um pouco indulgente com você. — Papai encontrou
meus olhos. — Se você se comportar, tenho certeza de que ele
não terá motivos para puni-la. Tudo que precisa fazer é se
comportar.

— Eu sei.

Papai estendeu o braço para mim. Eu aceitei, grata pelo


apoio. — Você teria que se casar com alguém, Sophia. Agora
sou um homem velho e não estarei vivo para sempre para
cuidar de você. Eu sei que você desejou o contrário.

Eu desejei.

Após a morte de Cat, eu esperava que papai me deixasse


morar com ele. Cuidar dele e da casa, em sua velhice. Mas
não era assim que nosso mundo funcionava.

— Virei visitá-lo, então você não estará solitário. — Eu


murmurei. A ideia dele sozinho naquela casa grande fez meu
coração doer.

— Se você tiver permissão, é bem-vinda a qualquer


momento.
Se eu tiver permissão.

Engoli as palavras.

Papai sempre fora talvez um pouco tolerante com Cat e


eu, vendo a criação dos filhos como trabalho de mulher, e
não se incomodando em se preocupar com isso. Nossa
disciplina foi dada pelas nossas babás e madrastas. Mas
aprendemos rapidamente que, se fôssemos ao papai antes de
nossa punição, ele geralmente seria persuadido a nos deixar
ir após algumas palavras suaves.

Eu sabia que não era assim com todos os pais e filhas.

Especialmente não era assim entre marido e mulher.

Papai me conduziu pela casa, ajudando-me a passar


pelas escadas e portas. Eventualmente, chegamos ao carro do
lado de fora e ele me ajudou a entrar.

O homem no banco do passageiro se virou. Ele tinha um


maxilar duro e cabelo em um corte militar. No colo, uma
espingarda descansava.

— Pronta, madame?

— Sinto muito, mas eu não te reconheço. Você é novo?


— Eu sorri em saudação, enquanto tentava domar minhas
saias.

Ele piscou para mim. — Não, madame. Eu trabalho para


o Sr. Rocchetti como parte de sua equipe de segurança.
Sinto-me honrado em ser encarregado de protegê-la.
Agora era minha vez de piscar de surpresa. The Godless
já havia enviado sua segurança para mim? Ainda não
tínhamos nem chegado à igreja.

Eu me recuperei rapidamente. — Obrigada senhor…

— Oscuro, madame. Francesco Oscuro.

— Bem, obrigada, Sr. Oscuro. Eu imagino que você


preferiria estar com seu Capo4. — Dei-lhe um sorriso
caloroso.

Oscuro realmente pareceu corar antes de se virar no


banco e sinalizar para o motorista dar partida no carro.

Observei as ruas passarem enquanto nos movíamos


para a cidade. Eu cresci nos arredores de Chicago, deixando-
me com um entendimento básico da cidade. Mas eu sabia
onde ficava a igreja. Tínhamos visitado a mesma igreja todos
os domingos durante toda a minha vida. Eu tinha visto
casamentos e funerais lá, e agora era a minha vez.

Engoli em seco.

Meus olhos se voltaram para papai.

Talvez tudo isso não passe de um sonho estranho,


pensei. Talvez, em um minuto, eu acorde e conte a Cat sobre
meu sonho aterrorizante, onde tive que me casar com o
Príncipe de Chicago.

4 É um cargo de importância elevada na hierarquia de uma família da máfia italiana. O Capo é o


subchefe, está abaixo apenas do Don (o padrinho).
Mas não acordei e o carro continuou a se mover em
direção à igreja.

No momento em que ela apareceu, a realidade começou


a me atingir.

A igreja era um belo edifício. Com pináculos altos e


arcadas e telhados curvos. Enormes degraus levavam às
portas e lindos vitrais decoravam as paredes. A neve caiu no
chão, mas uma passagem desgastada havia sido traçada
desde o carro até as portas da igreja.

Virei minha cabeça para o outro lado, como se eu


pudesse banir a existência dela se não ficasse olhando. Corri
meus olhos sobre a rua gelada, prestando atenção aos
pinheiros e ao Dodge Charger5 no final da estrada.

— Vamos lá, bambolina. — Papai abriu a porta e saiu.

O ar frio entrou rapidamente e eu tremi, apesar das


camadas do meu vestido. Papai me ajudou a sair do carro,
segurando-me com força, enquanto eu me firmava no chão.

Oscuro já estava fora, com a arma apertada contra o


peito. — Por aqui, madame.

Papai me levou atrás de Oscuro, que abriu as portas


laterais para nós. Dentro da igreja estava muito mais quente
e eu podia ouvir a conversa suave dos convidados atrás das
paredes. Oscuro nos deixou, deslizando silenciosamente pela
porta principal. Ele sinalizaria para os Rocchetti que eu

5 Modelo de carro.
estava aqui, já que uma noiva ausente prejudicaria as
festividades.

Esperamos perto das duas grandes portas, ouvindo os


sons das daminhas de honra e dos pajens andando pelo
corredor. Sons de murmúrios ecoaram de volta.

Eu olhei para a parede.

Do outro lado, um monstro me esperava. Alessandro me


prenderia a ele, me levaria para casa e faria de mim uma
esposa. Então eu engravidaria e seria forçada a uma vida de
servidão.

— Papai. — Apertei a mão dele.

— Sophia. — Seu tom era de aviso. Ele estava


analisando meu rosto.

— Por favor... — Eu olhei nervosamente para as portas.


— Me caso com qualquer outro. Apenas, não ele.

Papai suspirou profundamente. — Bambolina, não


podemos voltar atrás agora. A reputação da família será
destruída.

Eu estava começando a tremer. — Por favor, papai. Você


ouviu os rumores. Sobre o que aconteceu com as outras
mulheres Rocchetti. Não posso...

— Sophia. — Ele avisou.


Eu me agarrei mais apertado a ele. Papai trouxe seu
rosto para o meu, encontrando meus olhos. Com muito
cuidado, ele colocou um polegar na minha bochecha. — Eles
não vão nos deixar ir agora, bambolina. — Ele deu um beijo
suave na minha testa. — Ouça-me, Sophia. Seja boa,
comporte-se.

Eu pisquei rapidamente. Meu peito estava afundando.


— Eu vou.

— Não dê a ele um motivo para machucá-la.

Não havia nada a dizer sobre isso.

Meus olhos se fecharam brevemente. Eu queria tanto


minha irmã naquele momento, que doía fisicamente. Em vez
de papai ao meu lado, eu queria minha irmã. Minha melhor
amiga desde antes que eu pudesse me lembrar. Tínhamos
mães diferentes, mas ela tinha sido minha alma gêmea.

A música começou a mudar. Eu ouvi todos se


levantando.

Abri os olhos e olhei para o pai.

Ele colocou minha mão em seu braço. — Está na hora,


bambolina. — Seus olhos brilharam para mim. — Lembre-se
do que eu disse.

Antes que eu pudesse garantir meu entendimento às


suas palavras, as enormes portas se abriram.
A luz me atingiu primeiro, seguida pela melodia
poderosa do órgão.

Então eu estava me movendo. Papai me levou pelo belo


corredor, os bancos decorados com flores e laços de seda.
Todos que conhecíamos estavam lá, vestidos de forma
impecável, me observando. Alguns olhares estavam cheios de
pena, outros estavam me avaliando. Absolutamente ninguém
parecia feliz por mim.

Mais e mais perto agora...

Corri meus olhos pelos bancos. Na primeira fila, a


família Rocchetti sentou-se. Todos vestidos lindamente, com
os mesmos cabelos e olhos escuros. Todos eles tinham a
mesma energia letal, agitada - como um bando de animais
selvagens trancados em uma gaiola. O Don parecia orgulhoso
e forte, com seu filho Toto, o Terrível, ao lado dele. Eu
encontrei os olhos de Don Piero e ele sorriu.

E rapidamente desviei o olhar.

Quase lá…

Paramos nas escadas que levavam à plataforma.

Houve um pequeno chiado, olhei para baixo e vi uma


das daminhas me encarando com expectativa. Eu não pude
evitar meu pequeno sorriso quando lhe entreguei meu buquê.
Era grande demais para ela, mas segurou-o com orgulho e
voltou para perto da mãe.
Minha felicidade durou pouco quando papai beijou
minha bochecha. Ele apertou a mão do meu noivo, antes de
estender a minha em sua direção.

Por um segundo rápido, eu esperava que ele não


aceitasse. Ele me acusaria de traição ou algo assim, algo que
o tiraria desse casamento.

Mas então sua mão grande e quente se enrolou


levemente em torno da minha. Sua palma era áspera, mas
seu aperto não era doloroso.

Ele esperou enquanto eu subia na plataforma.

Eu só podia olhar para as nossas mãos unidas. Pele


oliva escura contra pele levemente bronzeada. Ele tinha
unhas curtas, enquanto as minhas eram longas e pintadas
para o casamento. Pequenas cicatrizes marcavam sua pele,
prova da vida violenta que ele levou, enquanto minhas mãos
estavam impecáveis e macias.

O sacerdote deu um passo à frente, com a Bíblia na


mão.

Meus olhos se prenderam em seus sapatos brilhantes.


Eles eram tão limpos que eu quase podia ver meu reflexo
neles.

O padre começou a falar sobre a beleza do casamento,


dando seu pequeno discurso. Eu tentei ouvir, tentei
acompanhá-lo quando ele começou um longo versículo da
Bíblia sobre amor e casamento. Ele disse algo sobre o amor
ser paciente e gentil, eu acho.

— Sophia Antonia. — Disse o padre.

Eu olhei para ele.

— Você aceita o homem à sua frente como seu legítimo


marido, para ter e manter, a partir de hoje, para o bem ou
para o mal, na riqueza ou na pobreza, na saúde e na doença,
para amar e respeitar, até que a morte os separe?

Até que a morte os separe.

Minha língua estava pesada.

Você tem que concordar, murmurou uma voz na minha


cabeça. Sua recusa causará muito mais danos do que sua
aceitação.

— Eu aceito. — Eu disse.

O padre assentiu para mim e se virou para o noivo. Ele


repetiu as mesmas palavras e ele declarou seu 'eu aceito’
muito mais rápido e muito mais confiante do que eu.

— Por favor, apresente as alianças.

Um menino avançou com as alianças de ouro simples


em uma almofada. Ele os segurou para nós.

Meu noivo pegou um anel e estendeu para mim.


Eu ofereci meus dedos e ele deslizou o anel. O padre
tossiu suavemente. Eu rapidamente me lembrei das minhas
falas. — Tomo este anel como um sinal do meu amor e
fidelidade em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. —
Em cada palavra minha voz tremia um pouco mais.

Meu noivo foi muito mais atento quando tive que colocar
o anel no dedo dele.

O padre sorriu. — Agora os declaro marido e mulher.


Você pode beijar a noiva.

A igreja explodiu em aplausos e vivas.

Mas eu mal conseguia ouvir alguma coisa.

Com muito cuidado, ele levantou meu véu sobre minha


cabeça.

Você tem que olhar para cima, Sophia. Você tem que olhar
para cima.

Inclinei o queixo e encontrei os olhos escuros de


Alessandro Rocchetti.

Minha irmã e eu costumávamos provocar uma à outra


com os Rocchetti.

Em vez de temer o bicho-papão ou o monstro debaixo da


cama, nós temíamos a família real do crime. Sempre que
brincávamos de assustar, gritávamos o lema da família e nos
vestíamos como eles para perseguir uma a outra pela casa.
Como garotinhas que estavam acostumadas a armas no
balcão da cozinha e nosso pai voltando para casa antes do
jantar coberto de sangue, não éramos sensíveis quando se
tratava de medo.

E, no entanto... a família criminosa Rocchetti enchia


nossos corações, por inteiro, de completo terror.

Eles não eram mais homens, mas eram monstros. A


Realeza do Crime.

As histórias e lendas que os cercavam eram suficientes


para fazer um homem adulto se sentir enjoado. Até meu pai,
um homem criado no mundo sangrento da máfia, não se
aproximava dos Rocchetti.

E eu deveria me casar com um.

Alessandro Rocchetti. The Godless. Príncipe de Chicago.


Segundo filho de Toto, o Terrível.

Se você fosse estúpido, o consideraria bonito. E ele era,


de certa forma. Pele oliva e lindos olhos escuros. Seus cabelos
castanhos escuros eram curtos e penteados para trás,
combinados com uma barba curta. Ele tinha o queixo e a
linha da mandíbula afiados, dando-lhe uma aparência dura,
mas linda. Era alto, bem constituído e sempre vestido
impecavelmente.

Mas havia algo nele que o impedia de ser completamente


lindo. Um brilho feroz em seus olhos, uma aspereza na
mandíbula, uma curva não domesticada em seu sorriso.
Todos os seus instintos o alertariam para ficar longe dele, da
mesma maneira que eles avisariam sobre um animal
perigoso.

A primeira vez que falei com Alessandro foi quando ele


me passou meu anel de noivado. Eu disse que era muito
bonito e ele respondeu que era uma herança de família. Eu
tinha ficado aterrorizada por ele naquela época e estava
igualmente aterrorizada por ele agora.

Alessandro Rocchetti não sorriu quando ele se inclinou


para me dar um beijo suave. Só manteve seus olhos escuros e
bem treinados em mim, da mesma maneira que um leão
observaria uma gazela.

Então as janelas quebraram.


Capítulo Dois

Alessandro se afastou e me empurrou para o lado.

Eu tropecei, segurando minhas saias para não tropeçar


ainda mais.

Ao nosso redor, um lindo arco-íris de vidro foi


derramado. A Santa Maria Madalena, os anjos e santos
brilhavam como diamantes. A visão pareceu mágica por
apenas um segundo até que figuras escuras saltaram das
janelas sem vidro. Eles seguravam armas enormes e as
apontavam para a multidão.

Então começaram a atirar.

Os gritos irromperam, tão penetrantes e horripilantes. —


As crianças! — As pessoas gritaram. — Peguem as crianças!

Os Made Men6 começaram a reagir, sacando suas armas


e atirando nos agressores. Na minha frente, Alessandro sacou
uma arma e mirou em um dos atacantes. Um tiro, e o homem
bateu na parede atrás dele, sangue jorrando por toda parte.

— Oh, Deus, — eu tropecei novamente. — Oh, Deus...

Alessandro virou a cabeça em minha direção e


arreganhou os dentes. — Saia daqui agora.

6 Os Homens Feitos são os homens iniciados da máfia.


Um homem apareceu atrás dele.

Eu apontei. — CUIDADO!

Alessandro se moveu mais rápido do que meu olho pôde


registrar e derrubou o homem com um tiro. Outro homem
tomou o seu lugar e Alessandro também lidou com ele.

Tive uma sensação estranha de estar vendo um homem


fazer exatamente o que nasceu para fazer.

Alessandro matou com tamanha precisão e facilidade,


mas sem esconder sua selvajaria e deleite. Parecia um grande
jogo para ele, movendo-se para o lado como uma cobra e
depois avançando para onde o assaltante menos esperava.

Uma mão forte apertou meu braço.

Eu gritei.

— Quieta, garota!

Eu me virei e encontrei Don Piero ao meu lado. Um


homem grande e intimidante com um rosto enrugado e olhos
velhos, ele não era alguém com quem você queria cruzar.
Construiu a família Rocchetti do chão e foi um dos Dons mais
temidos que já existiram.

E agora era meu avô.

Ele aumentou seu aperto. — Me siga. Eu protegerei


você.
Eu me virei para Alessandro. — Deixe-o fazer o que ele é
treinado para fazer.

Ao nosso redor gritos e tiros ecoavam. As portas da


igreja estavam abertas e eu podia ouvir buzinas altas e mais
gritos vindos da rua.

Don Piero começou a me arrastar para trás da estátua


da Virgem Maria. — Abaixe-se! — Ele grunhiu.

Fiquei de joelhos e encostei-me à pedra fria. O cheiro


avassalador de incenso e sangue encheu o ar. Olhei para Don
Piero. Ele estava encostado na estátua com a arma na mão. O
sangue encharcava sua camisa branca.

— Senhor, você está machucado.

Ele nem olhou para a ferida, apenas piscou seus olhos


escuros para mim. — Geralmente é o que acontece quando
você leva um tiro.

Eu ofeguei alto.

Seus olhos viraram-se para trás de mim, procurando


por qualquer atacante. — Você precisa chegar ao lado da
igreja, está me ouvindo? De lá pode tomar a saída de trás.

— Eles não estão cobrindo todas as saídas? — Eu


perguntei.

Don Piero olhou rapidamente para mim, mas foi salvo de


ter que responder por uma mão grande agarrando sua
camisa e puxando-o para cima. Não sendo o tipo de homem
que se deixaria ser arrastado por aí, Don Piero cavou seus
calcanhares no chão e ficou diante do homem.

O homem estava vestido de preto, com uma espingarda


na mão. Ele tinha cabelos castanhos curtos e um nariz torto.
E sorriu para Don Piero, revelando dentes ensanguentados.

De repente, me senti muito fraca.

— Piergiorgio. — Sibilou o homem.

— Apenas minha santa mãe me chamava assim. —


Disse o Don. — Que tipo de negócios você tem que te trouxe
ao casamento de meu neto?

O homem olhou para mim, viu meu vestido branco e


sorriu. Então ele olhou para Don Piero. Os nós dos dedos da
arma se apertaram. — Os Gallagher dizem olá.

Rápido como um chicote ele apontou a arma para mim e


atirou.

Eu gritei, mas nenhum barulho saiu.

Algo me agarrou e me puxou para longe. Fui jogada no


peito de alguém, tropeçando nas minhas saias no momento.
O fedor do sangue metálico na camisa do meu salvador
entrou em minhas narinas e boca, me fazendo recuar e quase
cair.

Eu me virei para cima.


Alessandro Rocchetti olhava para mim. Seus olhos
negros estavam lívidos. — Pegue o Don e dê o fora daqui.
Agora.

Eu não conseguia nem responder. Eu me virei,


desesperada para ver para onde a bala tinha ido.

O chão atrás de mim estava limpo.

Com uma lenta e repentina realização, eu olhei para o


meu vestido. Sangue derramava sobre o tecido da lateral do
meu corpo, onde um rasgo distinto revelava um pedaço de
pele.

— Eu levei um tiro. — Não podia acreditar nas palavras


saindo da minha boca.

— É apenas de raspão. — Alessandro estalou. Agarrou


meu braço e me afastou. Eu podia ouvir Don Piero e o homem
com o nariz torto gritando. — Pegue isso!

Encarei a mão dele, que estava segurando uma pequena


faca.

Peguei sem hesitar.

— Agora vá.

Cambaleei para frente, segurando minha lateral. Agora


que eu tinha notado a ferida, tudo que eu conseguia pensar
era na dor do disparo. Eu tropecei e bati na parede, ofegando.

Deus, doía muito.


Como Don Piero estava absolutamente bem? Fui
arranhada por uma bala e estou prestes a desmaiar.

Agarrei as paredes e me levantei.

Minha testa pressionou contra a pedra fria. Ao meu


redor, eu ouvia tiros, gritarias e berros. O cheiro de incenso e
sangue estava por toda parte. Dor trespassou meu corpo. A
faca na minha mão cravou na minha palma.

Eu levantei minha cabeça, virei e corri.

Ao longo de todo lado da igreja havia um corredor


separado, conectado à área principal através de arcos. Eu me
ajoelhei e engatinhei, me escondendo atrás das paredes
curtas, tentando não choramingar quando os sons da agonia
das pessoas ficaram mais altos.

Vidros quebrados pressionavam meus joelhos, mas teria


sido muito pior se eu não estivesse usando esse vestido
ensanguentado.

Cheguei à beira do corredor, onde a alcova se abriu. A


porta que dava para a igreja estava a menos de dois metros
de distância.

Muitas pessoas conseguiram sair, mas algumas ainda


estavam tentando rastejar. Todas as suas lindas roupas
estavam rasgadas e manchadas de sangue.

Espiei por cima do arco.


No altar, um confronto parecia estar acontecendo.
Alessandro ficou com Don Piero, arma apontada e pronta.
Toto, o Terrível, e outros Rocchetti estavam lidando com
outro grupo no corredor. Alguns dos agressores não faziam
parte de nenhum dos dois grupos e voltaram sua atenção
para os retardatários.

Eu virei minha atenção para a porta. Nem todo mundo


tinha conseguido sair ainda.

Oh, Deus, eu estava prestes a assistir essas pessoas


serem massacradas?

Antes que eu pudesse perceber o que estava fazendo,


levantei-me e gritei: — Ei, rapazes Gallagher, estou aqui!

Imediatamente eles começaram a avançar em minha


direção.

— Venha aqui, noivinha. — Arrulhou um deles. Sua


arma estava apontada diretamente para mim.

Oh, Deus.

Eu me abaixei no momento em que as balas


ricocheteavam. Olhei para o muro de pedra atrás de mim,
agora coberto de balas.

— Para onde você foi? — Perguntou um atacante, com


uma voz cantada.
Não sabia para onde ir. Para sair, eu teria que arriscar a
vida das pessoas do lado de fora da igreja e, para ficar,
estaria arriscando minha vida.

Comecei a rastejar de volta pelo caminho que vim.

Atrás de mim, ouvi o som de botas batendo no chão.


Então, uma mão agarrou as costas do meu vestido e me
puxou para cima.

Eu gritei e torci nas garras do meu atacante.

O soldado Gallagher apertou a arma na minha têmpora


e sorriu, parecendo um maníaco. — Hora de morrer...

Passei minha mão em sua garganta.

Seus olhos se arregalaram de surpresa e depois horror.

Sangue começou a derramar de seu pescoço. Parecia


uma cachoeira.

O aperto do homem em mim afrouxou e ele tombou para


frente.

Eu caí com seu corpo, atingindo o chão com força.


Pequenos cacos de vidro ficaram presos no meu vestido,
cavando minha pele. A umidade cobriu meu pescoço e eu
pude senti-la encharcando meu vestido.

É sangue.

Oh, meu Deus, eu estava encharcada do sangue de


outra pessoa.
Com uma força desconhecida, alimentada por nojo e
desespero, empurrei o homem de cima de mim e me afastei. A
cauda do vestido dificultou ficar de pé, mas consegui me
levantar um pouco.

Eu mal podia respirar.

Meu coração estava batendo tão forte, meu peito


subindo e descendo rapidamente.

Acabei de matar um homem.

Tiros ecoaram por toda a igreja e eu pressionei a mão na


boca para não choramingar.

Um homem pulou o arco e caiu na minha frente. Ele


olhou para o corpo à minha direita e depois voltou seu olhar
estrondoso para mim.

— Sua puta... — Ele fez uma tentativa para me atingir.

Recuei, levantando minha faca ensanguentada. — Fique


longe de mim!

O homem parou por um momento, depois caiu no chão.


Seus olhos ficaram em branco e sua boca se abriu em
choque.

Antes que eu pudesse reagir, uma sombra pairou sobre


mim. — Senhora?
Eu olhei para cima. Oscuro estava me encarando. Ele
estava coberto de sangue e segurava duas armas, uma em
cada mão.

— Levante-se, senhora Rocchetti. É hora de ir.

Eu tropecei, com Oscuro me ajudando. Sobre os arcos,


pude ver que os grupos se fundirem em uma grande massa.
Com os membros da Outfit7 à esquerda e os agressores à
direita. Don Piero parecia um rei olhando para os seus
súditos, mãos nos bolsos e sangue escorrendo pelo smoking.

Alessandro estava ao lado de seu avô, coberto do líquido


vermelho e segurando suas armas. Ele parecia algo que eu
evocaria em um pesadelo.

— Sra. Rocchetti, você realmente deveria sair agora.

De repente, Alessandro levantou os braços e matou dois


dos agressores. Sua família derrubou os outros.

Os corpos caíram no chão em sincronia, armas batendo


contra o chão de mármore.

Parecia uma execução.

Por um momento houve silêncio. A luz do sol do inverno


entrava pelas janelas sem vidro, iluminando os corpos, o
sangue e o vidro que cobria o mármore. Estátuas de nossos
santos captaram a luz e brilharam, algumas delas rachadas e
ensanguentadas.

7 Nome dado à máfia de Chicago.


Então, olhei para o vidro quebrado.

No reflexo, pude ver minha imagem destroçada. Meu véu


estava rasgado e pendurado desajeitadamente, meu cabelo
desarrumado e caindo frouxamente em volta dos meus
ombros. E meu vestido... o sangue cobriu meu espartilho e
saia, espalhando-se como uma mancha.

Eu era uma bloody bride8.

O som das sirenes da polícia irrompeu do lado de fora.

Dr. Ettore Li Fonti era o irmão de um Made Man e o


médico favorito entre a Outfit. Ele tinha mãos macias e uma
voz gentil. Quando ele desinfetou minha ferida e eu assobiei
com a sensação de ardência, ele esfregou meu braço e me
contou uma história engraçada.

Sentamos nos bancos de madeira da igreja. Ao meu


redor, homens e mulheres feridos estavam sendo tratados. Os
feridos foram levados para casa, incluindo todas as crianças,
exceto os Made Man que andavam por aí com armas e
expressões furiosas.

8 Noiva sangrenta.
O Dr. Li Fonti me disse que tivemos sorte com os
ferimentos. Nenhum deles era particularmente sério, pois os
Rocchetti e eu tínhamos sido os alvos. Mas alguns
convidados inocentes foram pegos no fogo cruzado e houve
três baixas.

Os Rocchetti comandavam a igreja. Don Piero tinha ido


lá fora falar com a polícia e eles ainda não tinham feito
nenhuma tentativa de prisão, não que fossem fazer. Os
outros membros da sua família estavam protegendo-o ou
limpando os corpos. Alguns até escolheram andar pela igreja,
vasculhando todos os cantos e fendas em busca de algum
lugar clandestino. Ninguém questionou os Rocchetti e todos
seguiram a liderança deles.

Papai estava colado ao meu lado, arma na mão. Sempre


que ele olhava para mim, a dor brilhava em seus olhos.

— Quem são os Gallagher? — Perguntei suavemente.

O Dr. Li Fonti fingiu não ouvir.

Papai suspirou. — Eles são uma gangue irlandesa que


tem nos causado alguns problemas ultimamente. Nada com
que você precise se preocupar.

Eu estava a ponto de discordar, mas mantive minha


boca fechada. Estava cansada demais para tentar encontrar
uma resposta educada.

As portas da igreja se abriram e meu marido entrou.


Alessandro examinou a área antes que seus olhos escuros
pousassem em mim. O sangue cobria seu smoking e seu
cabelo estava uma bagunça desalinhada. Mas seus passos
não vacilaram e ele não parecia tão enjoado quanto eu.

Quando ele me alcançou, enfiou a arma no paletó.

— Ela está remendada? — Alessandro perguntou ao Dr.


Li Fonti.

— Estou. — Respondi.

O Dr. Li Fonti rapidamente empacotou seus


suprimentos e passou para a próxima pessoa ferida. Ele
murmurou algo sobre eu precisar de um paracetamol.

Alessandro olhou para meu pai. Então piscou seus


olhos escuros para mim. — Você está bem para andar
sozinha?

— Estou bem. — Murmurei. Eu duvidava que ele


quisesse ouvir sobre a dor que eu sentia. Meu estresse.
Minhas mãos ensanguentadas.

— Estamos indo embora agora. — Ele me disse.

Alessandro não era um homem habituado a ser negado,


então eu só acenei com a cabeça e me levantei.

Papai se levantou comigo, colocando uma mão gentil


nas minhas costas. — Deixe-me ajudar Sophia até o carro.

— Se ela diz que pode andar sozinha, então ela pode. —


Alessandro respondeu, seu tom conciso.
Em vez de dizer adeus, meu pai apenas apertou meu
braço levemente e me implorou com os olhos para lembrar de
seu aviso.

As pessoas moveram-se do meu caminho quando saí do


banco, apesar da minha insistência em que descansassem.
Antes de sair pela porta, Alessandro agarrou meu braço. Seu
aperto era firme.

Eu olhei para ele, sentindo meu estômago embrulhar.

Tive um pensamento repentino sobre minha noite de


núpcias. Beatrice e minhas tias haviam explicado
dolorosamente o que ia acontecer, não que eu fosse
totalmente ignorante. Frequentar uma escola católica
significava que sexo era um conhecimento proibido e, por
esse motivo, todas estavam obcecadas em saber sobre isso.

Durante a cerimônia e depois a luta, eu estava


preocupada demais com pensamentos de medo e dor para
sequer pensar no futuro.

Alessandro se inclinou para minha orelha e tentei não


ficar tensa.

— Mantenha a cabeça erguida. — Ele murmurou. —


Você é uma Rocchetti agora e os Rocchetti não mostram
fraqueza.

Eu assenti uma vez.


Quando saímos, me virei e encontrei os olhos de papai.
Ele me olhou estranhamente, como se realmente não
estivesse me vendo.

Eu voltei-me para frente novamente, com rapidez.

O ar frio do inverno me atingiu quando saímos. Mas


meus pensamentos foram rapidamente direcionados para os
carros da polícia e para os convidados agrupados. Os
policiais estavam com Don Piero, mas eles viraram a cabeça
para mim enquanto Alessandro me guiava escada abaixo.
Cada policial me observou com curiosidade, mas ninguém se
atreveu a me abordar para uma declaração.

Levantei meu queixo, deixando meu marido me levar até


a rua.

Um Range Rover preto esperava no meio fio, estacionado


ilegalmente na calçada. Alessandro abriu a porta e deu um
passo para trás para me deixar entrar. Manobrar as saias
ensopadas de sangue foi difícil, mas finalmente desisti de
todas as tentativas de conforto e deitei minha cabeça no
encosto do banco.

Alessandro bateu a porta atrás dele. — Dirija. — Ele


latiu.

O motorista, um homem que eu não reconheci, deu vida


ao carro e saiu acelerando na rua. No banco do passageiro,
Oscuro estava sentado com a espingarda no colo.

Fechei os olhos brevemente.


A adrenalina estava começando a escorrer do meu
corpo, deixando apenas a exaustão em seu rastro. Ao meu
lado, Alessandro estava latindo ordens em seu telefone.
Peguei alguns nomes, mas meu cérebro estava tendo
problemas para entender a realidade e o mundo ao meu
redor. Antes que eu percebesse, estávamos entrando em uma
garagem subterrânea escura.

O carro estava estacionado perto do fundo, entre uma


Lamborghini preta e um segundo Range Rover enorme. Não
era preciso ser um gênio para descobrir que essa era a
coleção particular de carros de Alessandro.

— Aqui está sua faca. — Estendi a lâmina.

Alessandro não olhou para isso. — Fique com ela.

Assim que o carro parou, eles saíram e eu corri para


acompanhar. Minhas saias ensanguentadas apertadas em
minhas mãos.

Nós pegamos um elevador privado até a cobertura. O


elevador estava silencioso, apesar do forte cheiro de sangue e
suor que irradiava tanto de meu marido quanto de mim.
Alessandro olhava zangado para o telefone, enquanto Oscuro
e o homem sem nome estavam em silêncio e vigilantes.

Tentei sorrir para o homem que eu não conhecia. — Sou


Sophia. E você é?

— Beppe Rocchetti, senhora.


Eu sabia seu nome. Beppe era o filho de Carlos Jnr.
Rocchetti e de sua amante.

Crescera com o nome Rocchetti e seus olhos escuros,


mas não lhe foi permitido ter uma posição oficial na família.
Sua aparência era como a de toda a família, mas seu cabelo
era mais claro e trançado atrás de sua cabeça. Como Oscuro,
ele era um homem bem desenvolvido, com mãos que podiam
partir meu pescoço e músculos que eram maiores que
minhas coxas. Um homem musculoso, então.

Eu sorri em saudação.

O elevador apitou e Alessandro foi o primeiro a sair.

Eu segui, ofegando em silêncio admirando enquanto


ocupava o espaço.

A residência era linda. Uma cobertura com vista para


Chicago, com uma bela visão do rio. Grandes janelas de vidro
estendidas ao longo dos fundos e pé direito alto. Quando você
entrava inicialmente, se encontrava na moderna sala de estar
cinza em couro marrom, com a cozinha e a mesa de jantar à
esquerda. Havia uma porta ao lado da cozinha - deve ser o
escritório, imaginei.

À direita, havia escadas que conduziam ao andar de


cima. Mas o segundo andar foi construído de tal maneira que
havia uma varanda se abrindo para o térreo, criando a
sensação de um imenso espaço aberto.
Apesar de sua beleza, a cobertura era fria. Era decorada
com perfeição insensível, nem um único toque de
personalidade nos cantos. Tudo era formado por linhas duras
e bordas afiadas. Até os livros nas prateleiras e na mesa de
café pareciam estar lá para decoração, não para diversão.
Nenhuma arte adornava as paredes, nenhuma tigela vazia
deixada na pia.

Senti mais acolhida no túmulo de minha irmã do que no


apartamento de Alessandro Rocchetti.

— Cesco mostrará seu quarto. — Alessandro disse,


antes de se virar e caminhar para o escritório. Beppe o
seguiu.

— Por aqui, senhora Rocchetti.

Eu segui Oscuro escada acima. Do segundo andar, pude


ver Alessandro em seu escritório, com o telefone na mão.

O andar de cima era igualmente frio e moderno. Havia


alguns objetos nas paredes, com portas no final dos curtos
corredores. Oscuro me levou até a porta no final.

— Este é o seu quarto, senhora. — Ele apontou para ele.


— Se você precisar de alguma coisa, desça as escadas.

— Obrigada, Oscuro. — Eu sorri firmemente para ele. —


Por me mostrar ao redor e por salvar minha vida hoje.

Ele abaixou a cabeça. — É o meu trabalho, senhora.


Olhei para a porta e depois para o escritório. — Você
sabe se o Sr. Rocchetti vai demorar?

Oscuro balançou sobre os calcanhares, parecendo um


pouco desconfortável com a minha pergunta. — Ainda há
muito a ser resolvido, senhora.

Agradeci mais uma vez, antes de abrir a porta do quarto


e desaparecer lá dentro.

O quarto era tão imaculado quanto o resto da casa. A


cama grande ficava no meio, com vista para a bela cidade.
Havia uma lareira ao lado, com um pequeno conjunto de
poltronas à sua frente. Uma estante vazia repousava na outra
parede. Atrás da cama, um pequeno vestíbulo conduzia ao
closet e à um banheiro moderno.

Fui direto para o banheiro e me agarrei a pia.

Eu estava aqui.

Eu estava na casa de Alessandro Rocchetti.

Como sua esposa.

Meses atrás, quando papai me disse o que estava para


acontecer, ainda havia uma leve descrença. Nem sequer
acreditei quando Alessandro me deu meu anel de noivado ou
quando tive que arrumar algumas caixas para serem
enviadas para sua residência.

Mas agora…
Eu era Sophia Rocchetti. Esposa do The Godless.

E eu estava coberta de sangue.

Olhei para o meu reflexo no espelho. Sangue estava por


toda parte. Minha pele estava coberta disso. Meu cabelo, meu
rosto, minhas unhas.

Eu olhei para a pia e vomitei.

Esse banheiro, outrora lindamente limpo, agora exibia


marcas de sangue e vômito.

Tenho certeza de que veria coisas muito piores durante


a minha estadia.

Levei um tempo para tirar meu vestido, mas através de


um raro surto de raiva, eu consegui me livrar dele. Deixei-o
no chão com meu véu enquanto caminhava para o chuveiro e
liguei a água às cegas. A água gelada salpicou sobre mim,
mas eu nem mesmo a senti realmente.

Tudo a que eu conseguia prestar atenção era ao sangue


deslizando por mim em direção ao ralo.

Naquele momento, tudo que eu queria era minha irmã.


Cat estaria ao meu lado, me ajudando a tirar o vestido e me
lavando. Ela teria me acalmado o melhor que podia, me
fazendo rir e quebrando o silêncio que eu odiava tanto.

Pressionei minha testa contra os azulejos frios e fechei


os olhos.
— Cat. — O nome dela saiu como um soluço.

Eu queria saber o que tinha feito para merecer isso. Eu


tinha perdido minha mãe, minha irmã. Eu fui criada em uma
gaiola bonita, cada movimento que eu fazia sendo observado.
E agora eu tinha sido vendida, sem um segundo pensamento,
para The Godless. O Príncipe de Chicago.

Alessandro Rocchetti, que tinha se tornado Made Man


aos treze anos, depois de matar três homens com uma única
faca. Ele se tornou Capo aos 17 anos, cuidou pessoalmente
dos traidores e arrancou a língua de um homem com as
próprias mãos porque o desafiara pelo poder.

Enquanto eu treinava como líder de torcida e sonhava


com Leonardo Di Caprio, meu marido estava torturando e
sangrando por sua família e pela Chicago Outfit. Ele estava
tomando banho de sangue e adormecendo com os gritos de
seus inimigos.

Respire fundo, a voz de Cat disse em minha mente.


Respire fundo.

Não me lembro de sair para fora do banheiro ou secar


meu ferimento, mas não sentia vontade de dormir. Ao invés
de sentir as consequências da adrenalina, meu corpo parecia
reacender seus instintos de sobrevivência para lidar com a
noite de núpcias.

Apertei meu roupão e esperei.


Uma hora se passou num piscar de olhos. Por um
momento, pensei que ele não iria aparecer. Talvez ele não
gostasse de mim ou até mesmo, não se sentisse atraído por
mim.

Mas assim que o pensamento entrou na minha cabeça,


alguém bateu na porta.

Alessandro pode não gostar de mim, mas o dever era


inevitável.

— Entre. — Chamei.

A porta se abriu e Alessandro entrou no quarto. Ele não


era o noivo bonito ou o príncipe assassino, em vez disso,
parecia ligeiramente mais casual. Seu cabelo estava
despenteado, não perfeitamente arrumado, e ele usava calças
simples e uma camiseta.

Não havia nem sapatos nos pés dele.

Porém, descontraído não era uma palavra que eu


pudesse dizer sobre Alessandro. Ele não podia ser
caracterizado como calmo ou casual. Não quando havia uma
coceira sob a pele, um ataque perigoso por trás de cada
movimento que ele fazia.

Os olhos escuros e intensos de Alessandro se fixaram


em mim. Eles não estavam excitados com as atividades desta
noite.

Isso faz dois de nós, eu pensei.


— Sophia. — Ele cumprimentou. Ouvir meu nome de
sua boca era atordoante.

— Senh... Aless...— eu parei de falar. Não fazia a menor


ideia de como me dirigir a ele. — Olá.

Alessandro olhou para mim sombriamente. — Você pode


me chamar de Alessandro. Afinal, somos marido e mulher.

Tentei me fazer sorrir, mas parecia mais uma careta no


meu rosto.

O silêncio cresceu pelo quarto.

Meu nervosismo se apoderou de mim e eu murmurei: —


O Don está bem?

— O Don está bem. — Ele disse secamente. — Por que


você se importa?

Abri a boca e a fechei, sem saber direito como


responder. O Don era o fundador da Outfit, não deveria me
preocupar com o bem-estar dele? Mas ele ajudou a causar o
desastre no meu casamento. Então, talvez eu deva não gostar
dele. Eu o temia o suficiente, no entanto.

— Minha ferida dói, — eu sussurrei. — Não consigo


imaginar como ele se sente. — Alessandro fez um barulho
sombrio. Poderia ter sido uma risada.

— Ele sobreviveu a muito pior. — Como uma pantera


preparada para a matança, Alessandro se inclinou para mais
perto de mim, com seus olhos intensos. — Espero que você
não planeje gostar do Don. Você é minha esposa, não dele.

— Eu sei. — Respondi. A mudança em sua postura,


assim como seu tom, fizeram meus nervos aumentarem como
alarmes.

Seus olhos escuros me prenderam no lugar. — Você


deve saber não confundir sua lealdade. Está em uma posição
muito privilegiada, esposa. Jogar entre Don e eu não é do seu
interesse. Jogar com qualquer pessoa não é do seu interesse.
— A violência cintilou nas profundezas de seus olhos. —
Porque eu vou te pegar, Sophia.

— E me matar?

Alessandro inclinou a cabeça para o lado.

— Esse é o fim da sua frase. Me pegar e me matar.

— Possivelmente. — O que realmente significava que


sim.

Engoli em seco. Alessandro deveria ser, sem dúvidas,


um homem desconfiado, um homem cheio de paranoias o
tempo todo. Papai tinha sido o mesmo - como todos os outros
homens mafiosos que eu tinha crescido ao redor. Eles
desconfiavam do governo, de outras máfias, uns dos outros.
Suspeitar de sua esposa não era uma grande diferença.
Eu disse as palavras que me ensinaram a vida inteira:
— Só quero ser uma boa esposa para você e uma boa mãe
para seus filhos.

Alessandro parecia legitimamente desconfiado, mas


inclinou a cabeça.

Meus olhos piscaram para o relógio. Eram apenas sete


horas da noite. Eu me sentia um milhão de anos mais velha
do que naquela manhã, quando fui puxada da cama por
minha família e amigas. Eu me casei, me tornei uma
assassina e fui baleada no mesmo dia.

E agora você está prestes a perder a virgindade, disse


uma voz na minha cabeça.

Tentei me fazer parecer mais corajosa do que me sentia,


quando eu disse: — É melhor continuarmos com as coisas. —
Minhas bochechas esquentaram. — Você sabe... para que
não tenhamos problemas.

— Problemas. — Alessandro murmurou a palavra com


desconhecimento. — Por não foder? Que conceito
interessante.

Eu não ouvia palavras tão vulgares desde meu tempo na


escola católica. — Oh. — Eu disse, porque não tinha certeza
de como responder. — Acho que... é melhor acabarmos com
isso. Para que possamos ir dormir... tenho certeza que você
está cansado, depois de, você sabe... matar aquelas pessoas.
— Você matou algumas pessoas também, pelo que eu
ouvi.

Náuseas apertaram meu estômago com força e rapidez.


— Apenas uma.

Alessandro me olhou com uma expressão ilegível.


Depois apontou para a cama: — Você sabe o que esperar? —
Ele ainda estava de pé na minha frente, enquanto eu me
empoleirava nervosamente na beira da cama. Eu assenti.

Quando eu tinha sete anos, entrei nos resquícios de


uma noite de núpcias. Eu tive um pesadelo e fui procurar
meu pai. Eu sabia que não tinha permissão para entrar no
quarto dele, principalmente sem bater, mas o pesadelo me
deixou abalada.

Eu abri a porta e parei. Minha madrasta estava na


cama, cobertores puxados para trás e pernas abertas. Ela
usava um pano para limpar a parte interna das pernas e, nos
lençóis à sua frente, manchas de sangue eram visíveis. E seu
rosto estava contorcido de dor.

Lembro-me de perguntar se ela tinha sangrado pelo


nariz.

Papai me viu e me arrastou para fora do quarto. Ele


nunca esteve tão zangado comigo. Ele me deu um tapa na
bunda, me fazendo correr para o meu quarto. Na manhã
seguinte, todos agiram como se nada tivesse acontecido.
Mas sempre que minhas amigas falavam de suas noites
de núpcias, tudo em que eu conseguia pensar era no sangue
nos lençóis. Na expressão de dor da minha madrasta.

Não que minhas amigas tenham dito algo que


contradissessem meu conhecimento. Beatrice ficou ainda
mais pálida quando perguntamos a ela sobre sua noite de
núpcias. O sexo nem sempre era discutido, mas quando era,
as mulheres mais velhas sempre pareciam ter as mesmas
ideias. Deite-se, aguente e reze para engravidar.

Você pode fazer isso, eu disse a mim mesma. Você


assistiu pornô e se masturbou. Esperançosamente, ele
terminará rápido e você poderá dormir.

As palavras do papai ecoaram na minha cabeça. Não dê


a ele um motivo para machucá-la.

Levantei-me e desamarrei meu roupão. Minhas mãos


tremiam, mas consegui desfazer o nó. A seda deslizou para o
chão, revelando minhas roupas íntimas curtas. Elas foram
presentes das outras mulheres em comemoração à minha
noite de núpcias.

Eu olhei para cima e vi o olhar de Alessandro trancado


em mim. Um olhar predatório, sombrio, tomou conta de seu
rosto.

Por um momento, quase fingi que era uma noite normal.


Que eu era uma garota normal e Alessandro era um garoto
normal. Provavelmente, estávamos juntos há um tempo antes
de fazer sexo, provavelmente confiávamos um no outro e
talvez até nos amássemos.

Provavelmente o namoraria no mundo exterior.


Alessandro era lindo, era inegável. Ele teria sido um garoto
bonito e normal, e eu estaria apaixonada.

Mas nenhum garoto normal usaria essa expressão.


Nenhum garoto normal se moveria com uma graça tão letal
ou exibiria cicatrizes de faca por todas as mãos e dedos. E
assim minha fantasia desapareceu de minha mente, para
nunca mais ser considerada.

Eu não tinha certeza do que fazer, então deitei na cama


e abri minhas pernas. Alessandro se posicionou na minha
frente, me dando um olhar escrutinador.

— Não vou demorar. — Ele disse. — Então você pode ir


dormir.

Balancei a cabeça, com muito medo de falar.

— Vai doer. — Ele me avisou.

— Eu sei. — Eu chiei.

Alessandro me examinou mais uma vez antes de


deslizar lentamente as calças. Desviei o olhar, subitamente
envergonhada. Eu olhei para o teto, tentando acalmar minha
respiração. Pense em outra coisa, eu disse a mim mesma.
Pense na Inglaterra.
Suas mãos quentes correram para cima e para baixo
nas minhas coxas. Eu fiquei tensa, sentindo minha pele
formigar. Alessandro foi tirar as mãos, mas eu falei: — Está
tudo bem. Eu só não estou acostumada a...

— Mãos perto de sua boceta? — Ele perguntou.

Eu corei e me enterrei mais profundamente na cama. —


Sim. — Flexionei os dedos dos pés. — Você está quase
pronto?

— Ainda nem comecei. — Ele murmurou. — Sophia, seu


corpo não está pronto para mim. Vai doer.

— Vai doer, independentemente de qualquer coisa.

— Isso não é verdade. — Alessandro se inclinou sobre


mim, forçando-me a olhar para sua expressão. — Nós
poderíamos usar lubrificante. Ou eu poderia fazer você ficar
molhada.

Eu me remexi debaixo dele, me sentia incrivelmente


assustada. — Porque você se importa se eu me machucar? —
Soltei. E instantaneamente me arrependi. — Sinto muito, não
deveria ter falado com você dessa maneira. Eu só estou...
cansada. Isso não vai acontecer...

— Eu não ligo. — Ele me disse simplesmente. — Vou


usar lubrificante. Então não precisarei tocar em você.
Alessandro desapareceu em segundos. O ar frio deslizou
sobre a pele que ele estava aquecendo apenas momentos
atrás.

Sentei-me rapidamente, pressionando meus joelhos. Não


precisarei tocar em você. As palavras doíam, mas eu entendi.
Alessandro não tinha me escolhido para ser sua esposa, tanto
quanto eu fui um peão para seu Don. Talvez eu tenha tido
sorte de ele não estar me punindo por não ser do seu gosto.

Alessandro era um homem muito ativo sexualmente,


pelo que eu sabia. Os rumores dele dormir com metade de
Chicago, me seguiram desde que nosso noivado foi
anunciado. Até Beatrice, a adorável e suave Beatrice, ouvira
falar dessas conquistas sexuais.

Se ele não gostar de mim, pode voltar a isso, pensei.


Talvez se ele realmente não gostar de mim, podemos fazer
fertilização in vitro e nunca mais precisar nos tocar.

Alessandro voltou rapidamente com uma garrafa de


lubrificante. — Isso tornará mais fácil. — Ele disse.

Para evitar me tocar, acrescentei em minha mente.

Voltei à minha posição original e Alessandro ficou entre


minhas coxas. Eu o ouvi destampando o lubrificante e
aplicando-o silenciosamente. Nem um momento depois, ele se
colocou na minha entrada, pressionando delicadamente
minhas dobras.
Doeu. Eu não estava preparada para o quão invasivo,
não apenas doloroso, o sexo realmente era.

Engoli um grito de dor, mordendo minha língua.

Respire fundo, respire fundo.

Felizmente, acabou rapidamente. Alessandro se retirou


após com a respiração trêmula. Ele não disse nada quando
eu me ergui. Ele me limpou e se limpou rapidamente e com a
ponta da sua camisa.

Eu estava muito ocupada olhando para a mancha de


sangue no colchão para perceber completamente sua
presença.

— Boa noite, Sophia. — Foi tudo o que ele disse.

A porta bateu suavemente atrás dele quando saiu.


Capítulo Três

Eu acordei ofegante.

Levei um momento para perceber que estava


encharcada de suor e que os cobertores estavam enrolados
em volta das minhas pernas. Eu me desenrolei antes de
tomar um momento para me situar onde estava.

Apartamento de Alessandro Rocchetti.

Lá fora, o céu estava escuro como breu. As luzes da


cidade brilhavam abaixo de mim e eu pude ver os carros
zunindo pelas ruas.

Eu não tinha dormido por muito tempo, apenas por


algumas horas, de acordo com o relógio. Ainda não era meia-
noite, mas estava perto.

Por um momento, considerei me virar e voltar a dormir,


mas meu estômago roncava furiosamente, a lateral do meu
corpo doía e havia sensibilidade entre minhas pernas. Eu
precisava de algo para comer e um paracetamol.

Felizmente, Alessandro estaria dormindo.

Encontrei minhas caixas no armário e as virei,


espalhando-as e vasculhando através delas como um
cachorro passando pelo lixo. Eventualmente eu encontrei
algumas leggings e uma camiseta. Além disso, peguei minhas
meias fofas favoritas. Confortável, mas modesto o suficiente.

A cobertura estava fria e silenciosa. A única luz acesa


era a da cozinha, iluminando meu caminho enquanto eu
descia as escadas em direção a ela. Lá fora, a cidade estava
acordada, mas os sons não chegavam até nós, dando-me
uma sensação estranha de me desconectar da cidade, apesar
de estar no meio dela.

Chequei a cozinha. Não havia muita comida, mas tinha


o suficiente para um sanduíche.

Não parecia que Alessandro cozinhava. Não havia


farinha, nem macarrão. Até vegetais pareciam estar em falta.
A coisa mais promissora que encontrei foram o pão e a
manteiga. Pão e manteiga eram os alimentos básicos de
Alessandro? Imaginei que seu gosto era um pouco mais
complexo.

Embora eu tenha certeza que, se ele fosse capaz, o


homem provavelmente se alimentaria de gritos, como um
demônio nascido no inferno, em vez de se preocupar com
comida.

Não encontrei o remédio. Talvez houvesse alguns nos


banheiros? Meu banheiro estava vazio, exceto por algumas
toalhas de reposição.

— O que você está fazendo?


Gritei e deixei cair a faca para manteiga que estava
segurando.

Pressionei uma mão no meu peito e olhei para cima.


Alessandro estava parado no pé da escada, me olhando
friamente. Ele estava vestido com uma calça cinza de
moletom e nada mais. Notei seus pés descalços antes de
notar seu peito nu novamente, por mais estranho que pareça.

Corei ao ver seu peito.

Eu já tinha visto peitos nus antes, em revistas e online.


Mas a visão dos músculos rasgados de Alessandro,
manchados de cicatrizes e tatuagens, a trilha de cabelos
descendo... me fez corar até as raízes dos meus cabelos.

— Eu estava com fome. — Respondi, sem olhar para ele


e recuperei minha faca. — Sinto muito se eu acordei você.

— Você não acordou.

Eu só disse: — Oh, isso é bom.

Podia senti-lo me observando enquanto continuava


fazendo meu jantar.

— Você quer um? — Perguntei, porque parecia ser o


correto. Nos filmes, o casal que acabara de fazer sexo sempre
comia depois.

— Não. — Alessandro respondeu secamente. Quase


como se ele estivesse ofendido com a minha pergunta. — Não
há muita comida, então você terá que fazer compras amanhã.
— Claro. — Eu disse firmemente. — Alguma coisa que
você gosta?

Encontrei seu olhar duro. Alessandro me examinou por


um momento antes de responder: — Não.

Eu apenas sorri em resposta antes de voltar para o meu


sanduíche.

Alessandro deu meia-volta e começou a subir de volta.

Antes de ele ir embora, falei: — Você sabe onde está o


paracetamol?

Ele parou no degrau. — No banheiro principal. — Então


continuou seu caminho de volta para a escuridão do segundo
andar.

Eu o observei desaparecer em seu quarto antes de


suspirar de alívio.

Falei com meu marido por três minutos e ele não me


matou. Isso foi um sucesso. Melhor ainda, ele não insistiu em
uma segunda rodada.

Depois que terminei meu sanduíche, subi as escadas,


esforçando-me mais para ficar quieta. Quando cheguei ao
meu quarto, uma pequena cartela de Tylenol estava na cama.

Eu pisquei em surpresa.

Sempre esteve lá? Ou Alessandro a colocou enquanto eu


estava no andar de baixo? Não o tinha visto fazer isso.
Então o pensamento mais estranho me atingiu: e se
estivesse envenenado?

As mulheres Rocchetti não tinham o melhor histórico


quando se tratava de estarem vivas. Talvez Alessandro não se
importasse de acrescentar sua esposa a tais estatísticas. Eu
não tinha ouvido nenhum rumor de envenenamento na
família, com os Rocchetti sendo um pouco mais ativos
quando se tratava de lidar com pessoas indesejadas.

No entanto, há uma primeira vez para tudo.

Peguei o pacote e o examinei. Então, para meu alívio, vi


que não estava aberto. O selo ainda não havia sido quebrado.

Olhei nervosamente para a porta.

Eu realmente não dormi de novo naquela noite. Apenas


olhei para a porta do meu quarto no escuro, segurando
minha ferida e esperando.

Mas ele não voltou.

Quando desci as escadas no dia seguinte, a casa estava


vazia.

Eu estava acordada desde o amanhecer; desisti de


dormir e, em vez disso, desempacotei todas as minhas
roupas. Eventualmente, minha diversão no quarto se
transformou em tédio e eu me aventurei na sala de estar.

Pelas janelas grandes, pude ver Chicago acordando para


outra manhã de inverno. A luz do sol brilhava na neve e as
estradas estavam limpas para o tráfego da manhã. Fiquei de
pé junto ao vidro e observei a cidade abaixo de mim.

Se eu morasse aqui quando era pequena, teria me


imaginado rainha do castelo. Cat e eu teríamos agido de
forma refinada e falado com sotaque engraçado. Teríamos
olhado para as pessoas abaixo de nós e as considerado
nossas súditas.

Afastei-me da janela.

Mas eu não era mais pequena.

Na verdade, agora eu era uma assassina.

A fantasia da infância desapareceu, como o vento, e


tentei bani-la da minha mente. Eu tinha problemas muito
maiores no momento do que minha esperança inútil.

Três pessoas morreram no meu casamento. Três


convidados inocentes.

Eu sabia que havia alívio pôr a contagem de mortes não


ter sido maior, mas ainda assim as mortes pesavam sobre
mim. Era um alívio que armas tivessem sido permitidas no
casamento ou então teria havido uma situação muito
diferente, imaginei.
Em respeito aos que perderam seus entes queridos, eu
usava preto, apesar de odiar a cor, e planejava visitar as
famílias.

No entanto, eu nem tinha conseguido entrar no elevador


quando um rosto familiar chegou e saiu no pequeno corredor
que separava o espaço de estar da entrada.

— Oscuro. — Eu sorri. — Como você está se sentindo


esta manhã?

— Bem, obrigado, senhora. — Ele apontou sem jeito


para minha bolsa. — Deseja sair de casa, senhora Rocchetti?

— Sim, eu estava a caminho dos Scaletta.

— Você precisa ter pessoal de confiança com você o


tempo todo, senhora Rocchetti.

Eu pisquei e depois ri. — Oh, eles estão logo no final da


rua, Oscuro. Tenho certeza de que ficarei perfeitamente bem.

Oscuro realmente parecia envergonhado. — Senhora,


perdoe-me, mas tenho ordens do Capo para estar ao seu lado
sempre que você sair da residência Rocchetti.

— Entendo. Nunca tive um guarda-costas antes.

Ter alguém me seguindo parecia um pouco


desconfortável, mas duvido que seja melhor para Oscuro.
Além disso, parecia que o pobre homem estava prestes a
desmaiar só de pensar em não obedecer seu Capo.
Então eu sorri em agradecimento e o conduzi em direção
ao elevador. — Duvido que me seguir seja tão interessante
quanto trabalhar com o Capo, mas farei o possível para
mantê-lo interessante.

— Pelo contrário, senhora... — Eu ri de sua expressão.


Mas minha diversão rapidamente se afastou quando
atravessamos o prédio. Era bonito e luxuoso, construído para
os mais ricos de Chicago. O saguão era tão grande quanto o
resto do edifício, com belos tetos altos e lustres brilhantes.

Não havia ninguém na recepção, mas o porteiro assentiu


em cumprimento. — Um táxi, senhora Rocchetti?

— Oh, não, obrigada. Eu vou logo ali. — Parei para falar


com ele. — Eu admito que você me tem em desvantagem.
Você sabe meu nome, mas eu não sei o seu.

Ele se animou. — Fred, senhora.

— Prazer em conhecê-lo, Fred. Tenho certeza de que


verei muito mais de você no futuro.

— Claro, senhora Rocchetti.

Oscuro e eu descemos a rua fria. A neve foi jogada nos


cantos da rua, longe das estradas, e pessoas de casacos
grossos apressavam-se. Vi o trem passando e os relógios
alinhados pelas ruas.

Conseguimos chegar à residência dos Scaletta. Eles


moravam em um condomínio de apartamentos. Era uma
construção mais tradicional do que a moderna em que eu
vivia. Lindos acabamentos dourados e quadros decoravam o
interior. Um porteiro com ombreiras estava à espera no
elevador.

— Bom dia. Estou aqui para ver os Scaletta. Você se


importaria de me mostrar a direção certa?

O porteiro olhou para Oscuro atrás de mim antes de


assentir rapidamente. Logo estávamos andando por um
corredor em direção ao apartamento deles.

Antes de bater na porta, parei e respirei fundo.

— Sra. Rocchetti, você está bem?

Dei a Oscuro um sorriso tenso por cima do ombro. —


Tanto quanto eu posso estar.

O que eu poderia dizer a essa família para aliviar a sua


dor? O ente querido deles morreu no meu casamento. Por um
inimigo que queria me usar para enviar uma mensagem. Eu
ainda tinha muitas perguntas sobre o ataque, mas sabia que
era improvável que elas fossem respondidas.

Com muito cuidado, bati na porta.

Uma mulher de meia-idade, vestida de preto, atendeu à


porta. A tristeza era evidente em seu rosto.

Deus, lembrei-me de como era sentir isso. A saudade


desesperada, raiva e tristeza pelo mundo e pelas pessoas ao
seu redor.
— Sra. Scaletta? — Perguntei quando a mulher não
disse nada.

Ela enxugou seus olhos. — Senhora Rocchetti. Perdoe


minhas maneiras, por favor, entre.

— Não há nada a perdoar. Eu vim para dar minhas


condolências.

A Sra. Scaletta me levou para a sala de estar. Alguns


membros da família, todos vestidos de preto, estavam
reunidos na mesma sala. O funeral não aconteceria por mais
algumas semanas, mas o processo de luto levaria mais de um
ano, oficialmente. No entanto, você nunca deixava de
lamentar um ente querido, mesmo quando não era obrigado a
usar preto.

Passei mais de uma hora conversando com os Scaletta,


tentando oferecer-lhes conforto. Eu sabia que eles estavam
tentando ser educados, perguntando-me sobre o meu
casamento e parabenizando-me, mas as palavras falharam e,
eventualmente, ninguém mencionou meu casamento
novamente.

O ente querido deles, Tony Scaletta, fora uma das


primeiras vítimas. Quando os agressores Gallagher saltaram
pelas janelas, Tony tinha sido baleado por um deles quando
alcançaram o chão. Ele havia morrido no local, deixando para
trás sua esposa e seu filho, Anthony. Como um Made Men,
Tony Scaletta era um homem respeitado da Outfit e sua
família seria cuidada. Muitos de seus parentes homens
também pertenciam à Outfit, e eu sabia que a vingança era o
que eles planejavam fazer.

Os Rocchetti buscariam vingança? Parecia uma


pergunta estúpida. Claro que sim. A vingança era tão boa
quanto dinheiro neste mundo.

Quando saí, encostei-me na parede do lado de fora,


respirando profundamente.

— Senhora? — Oscuro perguntou, preocupado.

Acenei para ele e me recompus. — Desculpe, Oscuro.


Fiquei um pouco sobrecarregada. — Eu sorri para ele para
mostrar que estava bem. — Talvez devêssemos ir para a
próxima casa.

— Você já comeu, senhora?

Meu estômago reagiu à pergunta de Oscuro,


borbulhando furiosamente. — Acho que é hora de comer.

Oscuro e eu encontramos um pequeno café perto do rio.


Devido ao clima, todos os clientes foram alocados para
dentro. Podia ouvir pratos estalando um contra o outro e o
suave barulho das conversas, misturado com o cheiro de café
e bolos quentes.

— Isto é perfeito. — Eu disse a Oscuro, sentando-me.

Ele se juntou a mim, examinando a cafeteria com um


foco impressionante.
Meus olhos brilharam sobre os clientes. Não reconheci
nenhum deles, mas reconheceria? Eu não tinha ideia sobre a
existência dos Gallagher até ontem e, mesmo agora, eu mal
sabia de nada.

Acabei pedindo uma fatia de torta de morango e um café


com latte de caramelo, enquanto Oscuro optou por apenas
café preto.

— Tem certeza de que não quer açúcar? — Perguntei. —


Talvez até um pouco de creme?

— Não, obrigado, senhora.

Eu desisti. — Você pode me chamar de Sophia, Oscuro.


Realmente não vou me importar.

Oscuro ficou um pouco rosado. — Acho que não seria


apropriado, senhora Rocchetti.

Senhora Rocchetti não era melhor que senhora, mas eu


desisti com um sorriso. A garçonete veio com a minha comida
naquele momento e eu comi feliz. O bolo era de morrer e eu o
engoli antes mesmo que me ocorresse oferecer um pouco a
Oscuro.

Embora ele mal tivesse tocado em seu café.

Oscuro checou seu telefone novamente enquanto eu


tomava um gole do meu café com leite.
— Você não pode parar de olhar para esse telefone. —
Eu pensei e balancei minhas sobrancelhas. — É uma amiga
especial?

— Não, senhora. É o Sr. Rocchetti.

— Oh, está tudo bem? — Eu coloquei meu café para


baixo. — Se você tiver que ir, apenas diga. Eu conheço as
regras dos negócios.

Oscuro balançou a cabeça. — Estou apenas


atualizando-o sobre sua localização, senhora.

Eu parei. Certamente, eu não entendi isso... —


Atualizando-o sobre a minha localização?

— Sim, senhora. O Capo exigiu isso.

Nunca tive meus movimentos rastreados e registrados


antes. Ter um guarda-costas era uma coisa, mas ter meu
paradeiro registrado era outra. Papai sempre foi protetor, mas
nunca ao ponto de estar basicamente nos rastreando.

Mas eu não era mais uma Padovino.

Agora eu era uma Rocchetti.

Os Rocchetti governavam o Centro-Oeste e eu era


considerada o membro novo e o mais fraco. Talvez fosse
necessário que eu tivesse algum músculo extra ao meu redor
o tempo todo. E o meu marido saber onde eu estava o tempo
todo.
Segurei com mais força o meu café. — Hoje de manhã
você disse que não posso sair da residência Rocchetti sem
segurança. Você pode, por favor, explicar melhor isso?

— O Capo deixou muito claro que alguém deve estar


com você o tempo todo, senhora, e que seu paradeiro sempre
deve ser conhecido por ele.

— Se eu tivesse outra amiga no apartamento, seria


capaz de deixar a residência sozinha, então?

— Não, senhora.

— E a casa do meu pai?

Oscuro me deu um olhar engraçado. — O Capo foi muito


claro. No entanto, tenho certeza que se você tiver um pedido
especial, poderia simplesmente perguntar a ele. — Entendi o
significado por trás das palavras de Oscuro. Ele era apenas o
mensageiro. Sorri em agradecimento e voltei minha atenção
para o café.

Eventualmente, terminei e estávamos de volta às ruas


de Chicago.

Passei o resto do dia visitando as famílias devastadas


pelo meu casamento. As duas outras baixas foram Nicola
Rizzo e Paola Oldani. Eu tentei o meu melhor para ser a mais
reconfortante que pude para as duas famílias, mas não havia
nada que eu pudesse fazer para aliviar sua dor.
Enquanto saía da casa da família Oldani, a Nonna9 de
Paola pegou meu casaco preto e suspirou miseravelmente. —
Apenas uma esposa Rocchetti usaria as cores do luto tão
cedo.

Eu não sabia como responder a isso, então apenas


apertei a mão dela e prometi entrar em contato.

Passamos pelo rio Chicago, coberto por finas camadas


de gelo quebrado. Fiz uma pausa e olhei para as profundezas
escuras. Oscuro ficou em silêncio ao meu lado.

Cat e eu costumávamos caminhar ao longo deste rio,


depois da Igreja. Papai cuidava dos negócios e íamos almoçar
em seu restaurante italiano favorito. Nos provocávamos sobre
empurrar uma a outra no rio ou irmos dar um mergulho.

Pressionei a mão contra a ferida no meu lado. Agora


parecia uma dor chata, apesar do quanto havia sangrado.

— Senhora, sua ferida está doendo?

— Não. Está bem. — Sorri para ele, mas senti que foi
forçado, então me virei.

— Talvez seja hora de voltarmos para casa? — Ele


solicitou.

A dica era clara, então consenti em ir para casa, mas


somente depois de comprar comida. Oscuro me seguiu

9 Avó, em italiano.
tristemente pelos corredores do supermercado, apenas
grunhindo quando lhe mostrava o que estava comprando.

Como Alessandro estava com muita coisa faltando, eu


também estoquei itens essenciais básicos.

Quando cheguei ao caixa, percebi que não tinha


dinheiro suficiente no meu cartão.

— Oh, me desculpe, Oscuro, mas...

Oscuro tirou um cartão prateado da carteira. — O Capo


disse que isto era para comprar comida.

Eu peguei com cuidado. O nome de Alessandro estava


impresso nele.

Logo as compras foram pagas e Oscuro me ajudou a


levá-las de volta ao apartamento. Eu sabia que ele queria
pegar um táxi, mas recusei, desejando o ar fresco e frio. Estar
apertada dentro de um táxi não me atraía agora.

Fred, o porteiro, sorriu para mim quando nos


aproximamos.

— Esteve ocupada, senhora Rocchetti?

— De fato. — Eu ri.

Ele se ofereceu para pegar algumas das sacolas e logo os


dois homens me seguiram até a cobertura, com as mãos
cheias de mantimentos. Eles me ajudaram a colocá-los no
balcão antes de sair educadamente.
Ofereci-me para fazer o jantar para Oscuro, mas ele
gentilmente recusou.

— Apenas volte se você mudar de ideia. — Insisti e ele


concordou em fazê-lo. Mas saiu mesmo assim.

Mais uma vez, a cobertura estava vazia e eu estava


sozinha.

Eu silenciosamente comecei a guardar as compras.

O elevador apitou.

— Eu sabia que você voltaria, Oscuro! — Falei.

Estava agachada na frente do forno, admirando meu


trabalho. A lasanha tinha dourado perfeitamente e cheirava
divina.

— Você acha que cheira...

— Não é Oscuro.

Levantei-me e me virei. Alessandro entrou na sala e me


deu um olhar frio.

Ele estava vestido com uma camisa preta simples e


calça, com botas de combate. Coldres de armas estavam
amarrados ao peito e havia uma faca saindo de seu cinto.
Pude ver uma mancha vermelha no pulso dele, como se ele
tivesse tentado limpar, mas falhou.

Ansiedade torceu meu estômago. Ele iria dormir comigo


de novo? Ele me dominaria da mesma maneira que dominou
todas as mulheres com as quais se relacionou até agora?

Pelo menos, elas poderiam sair. Eu não tinha saída.

Era esperado que eu fizesse sexo com esse homem para


gerar herdeiros para os Rocchetti.

Tente relaxar, disse a mim mesma, não ache que ele


gosta de ser seu marido mais do que você gosta de ser sua
esposa.

Hoje quase consegui fingir que não era sua esposa.


Houve um isolamento quase reconfortante enquanto
caminhei por Chicago. Mas eu não estava sozinha, eu era
uma esposa Rocchetti.

Alessandro começou a avançar, chamando minha


atenção de volta para ele. Parou no final da cozinha e olhou a
lasanha no forno. Seus olhos passaram por cima dos
ingredientes no balcão e no armário.

— Você conseguiu tudo o que precisava no


supermercado?

— Sim.

Ele assentiu bruscamente.


Atrás de mim, o forno sinalizou que a comida estava
pronta. Eu realmente não queria dar minhas costas para
Alessandro, então corri para tirar a lasanha do forno e a
coloquei no fogão para esfriar. Afundei uma faca
profundamente nela, testando se estava bem cozida.

— Tudo pronto. — Eu disse quando tirei a faca. Eu me


virei e vi Alessandro no mesmo lugar em que eu o havia
deixado. — Você gostaria de um pedaço?

Ele levantou uma sobrancelha. — Tudo bem.

Servi dois pratos. Alessandro decidiu que queria comer


no balcão da cozinha, então foi onde nós comemos em
silêncio.

Sua presença dificultou que eu comesse sem sentir que


ele poderia se virar e me sufocar até a morte, se sentisse
vontade. O calor irradiava dele e eu juro que podia sentir o
cheiro, sob sua colônia, do sangue metálico.

— Muito agradável. — Foi tudo o que ele disse quando


terminou.

Eu assisti enquanto Alessandro empilhou a louça na


máquina de lavar louça antes de desaparecer no escritório.

Um suspiro de alívio me deixou. Eu havia sobrevivido à


outra interação.

Alessandro saiu do escritório, com um telefone na mão.


E colocou na bancada na minha frente.
— Seu novo telefone.

Eu pisquei de surpresa. — Ah, eu já tenho telefone. Você


não precisa...

— Este telefone não pode ser rastreado. — Alessandro


me cortou. — Como Rocchetti, você precisa tomar mais
precauções quando se trata de privacidade.

Porque qualquer um poderia estar ouvindo.

Sorri forçadamente. — Claro. Obrigada.

Alessandro se inclinou para trás, me analisando com


um olhar duro nos olhos. Havia uma parte dele tentando me
avaliar. Provavelmente poderia quebrar meus ossos com a
pressão de seus olhos. Eu não queria saber o que ele
encontraria se continuasse olhando tão fixamente para mim,
então terminei o jantar e rapidamente comecei a arrumar a
cozinha.

Alessandro rondava, mas não fez nenhum movimento


para me ajudar.

— Você tem muito medo de mim.

Larguei o garfo que estava segurando, que caiu


ruidosamente na pia.

Ele riu, mas não havia alegria no som. Foi um ronronar


sombrio de uma risada. Era para me intimidar.
Por instinto, eu virei minha cabeça na direção dele. Seus
olhos escuros encontraram os meus.

— Eu não estou com medo. — Eu menti.

Alessandro franziu a testa. — Não minta para mim,


esposa. Posso sentir o cheiro desse seu medo.

Não tinha o que dizer. E se eu dissesse algo que o


provocasse? Talvez o silêncio fosse meu melhor modo de agir,
embora eu nunca tivesse sido boa em ficar quieta. Papai
sempre disse que eu podia conversar até com os pássaros nas
árvores.

— Você encontrou os Gallagher? — Eu soltei, ignorando


todo o pensamento racional.

Ele se encostou-se ao balcão da cozinha. — Nós já


sabíamos onde eles estavam.

— Eu quis dizer, aqueles que atacaram no casamento.


Os que planejaram isso.

— Isso é da sua conta? — Perguntou.

Eu lutei contra minha carranca. Não lhe dê uma razão


para punir você. — Claro, que não. Eu sinto muito. Fiquei
com as famílias das vítimas o dia inteiro e não pude oferecer
muito conforto.

Alessandro me observou em silêncio enquanto eu


limpava o resto da cozinha. Quando fiz um movimento para
passar por ele, facilmente se afastou. Eu senti como se
estivesse morando com um animal selvagem, movendo-me
lentamente para não chamar sua atenção. Ele tinha a graça
de uma pantera.

— Os Gallagher serão cuidados.

Inclinei minha cabeça para olhar para ele.

Alessandro olhou para mim. — Você pode dizer às


famílias que a vingança será servida.

— Eu farei isso. — Eu murmurei.

— Cesco me disse que você não gosta das medidas de


segurança em vigor. Espero que isso não leve você a fazer
algo estúpido e imprudente.

— Não sei nada sobre segurança. — Eu disse, dando-lhe


um olhar vazio, mas brilhante. Um que eu tinha dado a
papai, a Cat e as pessoas ao meu redor várias vezes. Cat
costumava dizer que era meu olhar eu sou apenas uma garota
estúpida, o que eu sei? — E confio nas medidas que você
tomou.

Alessandro me encarou. — Estou feliz. — Podia ouvir


um tom de suspeita em sua voz. Mas, como todo mundo que
eu conhecia, ele comprou minha inocência fingida e assentiu
bruscamente. — Dr. Li Fonti estará aqui amanhã para checar
seu ferimento.

Mencionar a ferida trouxe uma dor aguda ao meu lado.


Eu gentilmente pressionei uma mão contra ela.
— Não o faça esperar. Levante cedo. — Disse
Alessandro. — Ele é um homem ocupado.

A grosseria de Alessandro tanto me preocupou quanto


me incomodou. Se eu tivesse ousado falar com alguém da
maneira como ele falou comigo, eu já estaria morta. Mas você
pega mais moscas com mel do que com vinagre.

Então, eu apenas sorri, peguei meu telefone e


desapareci no andar de cima. Claramente, ele não tinha mais
nada a dizer porque partiu para seu escritório.

Do segundo andar, eu assisti, do outro lado da varanda,


enquanto ele desaparecia em seu escritório. Uma pequena
parte se perguntou como seria lá dentro. Que segredos
aquelas paredes ouviram? Que planos foram formados lá?
Aposto que o escritório sabia mais sobre os Gallagher do que
eu sabia, e eles tentaram me matar.

Quando o sol se pôs no meu primeiro dia como uma


esposa Rocchetti, eu me parabenizei por sobreviver. No
entanto, fiquei acordada a maior parte da noite, olhando para
a porta do meu quarto. Esperando, meio com medo e
antecipação, que ela se abrisse e meu marido entrasse.

Ele não veio.


Capítulo Quatro

Sonhei com Cat naquela noite.

Quando acordei, pude ouvir sua voz alegre no meu


ouvido e sentir o cheiro de seu perfume de lavanda no meu
nariz. No meu sonho, ela estava olhando para mim, cabelos
dourados voando ao redor. Sua boca estava aberta em uma
risada antes de se transformar em gritos. Corra, ela estava
gritando. Corra!

Balancei minha cabeça, tentando limpar os


pensamentos do meu pesadelo.

A luz do sol entrou no meu quarto, iluminando-o para o


dia. Eu podia ver flocos de neve sussurrando pela janela.

Assim que arranquei o cobertor, o ar frio congelante me


atingiu e eu rapidamente puxei o cobertor de volta em cima
de mim. Por que estava tão frio dentro do meu quarto? Até
agora, o apartamento estava relativamente quente para
combater o frio.

Enrolei meu cobertor em volta de mim e fui procurar o


aquecedor.

O andar de baixo estava quieto e frio. Desci as escadas


na ponta dos pés e procurei o termostato. Eu o encontrei
perto da porta da frente e desligado.
— Não é à toa que está tão frio. — Murmurei, ligando a
maldita coisa. Quem teve a ideia brilhante de desligar o
termostato?

— Você acordou cedo.

Eu me virei.

Alessandro estava diante de mim. Ele estava vestido com


um terno bonito, combinado com um casaco grosso, luvas e
um cachecol. Fazendo-o parecer que saiu de uma revista.
Obviamente, ele estava a prestes a sair, ou talvez apenas
gostasse de passear pela casa de casaco.

Percebi de repente como eu parecia em comparação.


Meu cabelo não estava penteado e agarrei meu cobertor em
volta de mim como uma esposa mandando o marido
marinheiro para o mar. Pior ainda, eu estava sem
maquiagem.

Quando fomos atacados pelos Gallagher e eu estava


coberta de sangue, estava usando muita maquiagem. Até
quando ele veio a mim na nossa noite de núpcias e eu estava
com medo além do mensurável, eu estava usando rímel.

Cada uma das minhas madrastas costumava descer


para jantar com o cabelo e o rosto arrumados. Quando
criança, eu achava isso um pouco estranho, mas, à medida
que envelhecia, papai também esperava que Cat e eu
tivéssemos a melhor aparência sempre que o víssemos. Papai
não me via sem maquiagem desde os quinze anos.
— Oh, desculpe, eu... estava frio... — Tentei olhar para o
termostato para esconder meu rosto.

Alessandro avançou. Eu fiquei tensa.

Ele estendeu um braço longo sobre mim e ajustou o


termostato. Alguns segundos depois, ouvi o ar quente
começar a soprar através das aberturas de ventilação.

— Obrigada. — Eu murmurei.

— O médico estará aqui em breve, então não volte a


dormir. — Disse. Sua voz era dura, mas seu hálito quente fez
cócegas na minha bochecha. Ele estava tão perto, muito mais
alto que eu. Poderia me esmagar tão facilmente. Meu coração
começou a acelerar. Eu me senti claustrofóbica,
sobrecarregada.

— Claro. — E me afastei dele. — Obrigada.

Ele não se moveu de onde estava, mas abaixou a cabeça


para encontrar meus olhos. — Você está no meu caminho.

Percebi com horror que estava bloqueando a saída.


Tropecei alguns passos, corando até as raízes do meu cabelo.

Alessandro passou por mim, indo para o elevador. —


Agora é uma Rocchetti. O Dr. Li Fonti se comportará de
maneira diferente em torno de você e, se não o fizer, você me
dirá. — Ele se foi antes que eu pudesse realmente processar
suas palavras.
O que ele quis dizer com o Dr. Li Fonti agiria diferente
ao meu redor? Eu o conhecia desde criança. Ele costumava
limpar os cortes e arranhões de Cat.

Agora, disse uma voz na minha cabeça com tristeza, ele


está limpando o seu.

Separei meu cobertor, levantei minha camisa do pijama


e olhei para o ferimento. Estava coberto com um curativo. Eu
não tinha esquecido que estava lá, a coceira constante não
me deixava, mas estava no fundo da minha mente. Sempre
que eu torcia para o lado ou deitava, sentia uma dor aguda
nessa área, lembrando-me.

O sangue fez a ferida parecer pior do que era.

Afinal, era apenas um arranhão.

O Dr. Li Fonti chegou logo depois disso.

Peguei o casaco dele e o conduzi ao sofá. Eu tinha ficado


apresentável em tempo recorde, vestindo uma blusa creme
simples e fazendo minha maquiagem.

— Posso pegar alguma coisa, doutor? Chá, café?

— Não, obrigado, senhora Rocchetti. — Ele sorriu em


agradecimento.
— Sra. Rocchetti? — Eu rio. — Há quanto tempo você
me conhece, doutor? Você pode me chamar de Sophia.

O Dr. Li Fonti afinou os lábios. — Eu não acho isso


sábio.

As palavras de Alessandro ecoaram na minha cabeça.

Você agora é uma Rocchetti. O Dr. Li Fonti se comportará


de maneira diferente em torno de você.

Parecia que até o médico da Outfit temia os Rocchetti.


Apesar de os curandeiros serem geralmente isentos de
violência. E estava me chamando de Sra. Rocchetti? Eu
conhecia esse homem desde criança e nunca tinha sido
chamada de nada além do meu nome por ele.

— Claro. — Eu murmurei, um pouco magoada e


levemente espantada.

A simpatia em sua expressão me acalmou. — Venha e


sente-se, querida. Não deveria estar se movendo tanto em sua
condição. — Eu fiz como me foi dito. — Há muito o que fazer,
infelizmente.

— Sim. As consequências do casamento às vezes podem


ser mais trabalhosas do que as pré-nupciais. — Ele abriu sua
bolsa.

— Como você está se sentindo?

— Tão bem quanto se pode esperar. — Eu disse. —


Sofremos muitas perdas.
— Eu sei. — O Dr. Li Fonti balançou a cabeça. — Atacar
um casamento. É uma coisa vergonhosa. Algo que nunca
teria acontecido no meu tempo.

— E você, doutor? Como você está se sentindo? Sei que


deve estar ocupado.

— De fato. Ainda bem, que os ferimentos não são tão


graves e todos devem se recuperar por completo. — Ele
gesticulou para mim. — Se você não se importa, querida,
preciso verificar o seu.

Eu me apressei em tirar minha camisa da calça,


revelando o curativo. Estava com um pouco de sangue,
vermelho, brilhante e arrepiante.

Dr. Li Fonti franziu a testa. — Vou corrigir isso. Está


causando muita dor?

— Foi apenas de raspão. Mas sim. Sempre que me mexo


ou espirro, a ferida dói.

— Está em um local muito complicado. — Com dedos


cuidadosos, ele arrancou a gaze e olhou a ferida sangrenta. —
Sim, — ele murmurou. — Vou limpá-la novamente. Em
seguida, reparar. Você tem paracetamol?

— Estou tomando Tylenol. — Ele assentiu.

— Bom, bom. Continue tomando isso. A ferida


continuará doendo por um tempo, embora esperemos que na
próxima semana comece a cicatrizar. — O Dr. Li Fonti
reparou a ferida com cuidado e teve muito cuidado para não
me tocar. Quando terminou, tossiu desconfortável. — Há
outro assunto a discutir, minha querida.

Eu tinha a sensação de que já sabia o que era. Dr. Li


Fonti parecia recuperar sua compostura profissional assim
que começou a falar. — Como agora você está se envolvendo
em atividade sexual, precisará fazer um exame de
Papanicolau a cada três anos. No entanto, muitas mulheres
da Outfit optam por tê-los com mais frequência. Porque quem
sabe o que seus maridos estão trazendo para casa. Posso
recomendar muitos médicos que são altamente conceituados
e estão bem classificados em sua área

Senti minhas bochechas esquentando. — Obrigada


Doutor. Vou aceitar essas recomendações. — Pisquei para
ele. — Se você os recomenda, eles devem ter verdadeiro
talento.

Ele me deu um sorriso satisfeito. — Estou feliz em ver


que o casamento não diminuiu o seu charme, minha querida.
— Dr. Li Fonti captou as palavras que disse e empalideceu
um pouco. — Eu não quis dizer...

— Está bem. — Eu disse com gentileza. — Sei o que


você quis dizer e não quis ofender.

Ele assentiu, parecendo aliviado.


O Dr. Li Fonti ficou para tomar uma xícara de chá por
minha insistência antes de sair. Quando ele pegou o casaco,
parou no elevador.

— Espero não estar sendo inadequado, senhora


Rocchetti. — A curiosidade tomou conta de mim. O que ele
poderia ter em mente? Esperava que não fosse nada contra
os Rocchetti. Acho que meu medo deles superava meu
carinho pelo médico.

— Impossível. No que você está pensando? — Eu usei o


meu tom brilhante.

O Dr. Li Fonti vasculhou sua bolsa e tirou um punhado


de caixas compridas. Cada uma delas escrita Teste de
Gravidez.

Meu estômago torceu.

— Você deveria ficar com isso, minha querida. Portanto,


se chegar a hora de fazer um teste de gravidez, poderá ter
mais privacidade do que teria se comprasse você mesma.

Encontrei seus olhos sábios. Nós nos encaramos


brevemente antes de eu pegar os testes dele. — Obrigada,
doutor.

Ele assentiu e saiu.

Passei meus dedos pelos testes de gravidez. O que ele


quis dizer? Ele quis dizer que eu teria mais privacidade se
nossos inimigos que poderiam estar à espreita na farmácia?
Ou dos Rocchetti, que certamente estariam interessados nos
resultados dos testes?

A gravidez ainda não havia passado pela minha cabeça.


Estava casada há apenas dois dias e outras coisas ocupavam
minha mente, mas era um assunto que eu precisava pensar
com seriedade.

Sabia que, para sobreviver a esse casamento, eu teria


que engravidar. Uma esposa estéril era propensa a acidentes.
Em especial porque imaginei que o único objetivo dos
Rocchetti, por trás de me ligar a Alessandro, era para que
eles pudessem continuar sua linhagem infame.

Escondi os testes de gravidez no meu quarto. Não no


banheiro, já que isso parecia um pouco óbvio. Porém,
escondido entre o estrado da cama e o colchão.

Apesar da dor do meu lado, eu desprezava a ideia de


ficar presa em um apartamento o dia todo. Então, mandei
uma mensagem para Oscuro e com rapidez me envolvi em
um casaco grosso e um cachecol. Estava puxando meu gorro,
com um pequeno pompom no topo, quando Oscuro saiu do
elevador.

— Como você está? — Perguntei enquanto caminhava


em direção a ele.

— Bem, senhora. — Oscuro estava de preto habitual,


mas combinava com o casaco de inverno. Eu sabia que ele
escondia uma quantidade impressionante de munição
debaixo dela. — O médico foi embora?

— Ele foi. O pobre homem tem muito nas mãos. — Fiz


um gesto para o elevador. — Vamos?

Oscuro me seguiu enquanto nos dirigíamos para o


saguão, silencioso e estoico como sempre. Seu silêncio me
irritou e me fez falar muito mais do que eu faria em um dia
normal. Durante toda a viagem, fiz uma revisão aprofundada
do itinerário do dia. Saíamos para almoçar com Elena e
Beatrice, antes de irmos para a casa do meu pai.

— Não há muito que fazer hoje, como ontem. — Eu disse


enquanto passávamos pelas ruas. — Vou tirá-lo do frio em
pouco tempo.

— Eu não me importo com o frio, senhora.

Lancei um sorriso para ele. — Você é irritantemente


bom no seu cargo. Alguém já te disse isso?

Um toque de sorriso cruzou seu rosto. Ou talvez ele


estivesse apenas se contraindo. — Sim, senhora.

Minhas amigas e eu decidimos almoçar em um pequeno


restaurante com vista para o rio. Mesas de madeira estavam
espalhadas pelas janelas e já estava ocupada. Lá dentro
estava quase quente demais e eu corri para tirar minhas
camadas. Oscuro apenas olhou para a garçonete quando ela
se ofereceu para pegar o casaco dele.
— Você quer sentar conosco? Não posso prometer que
não vamos provocar você. — Perguntei a Oscuro.

— Não, senhora. Vou esperar por você na frente. — Ele


apontou para uma pequena área de estar.

Eu me encolhi. — Tem certeza de que não quer algo


para comer?

— Eu não como no trabalho.

— Claro. — Eu sorri para ele. — Vou tentar ser rápida.

Vi minha prima Beatrice sentada em uma mesa no meio


da sala. Beatrice me notou e acenou em cumprimento.
Beatrice era tão adorável que só podia ser comparada a flores
e festas de chá. Eu não conhecia uma única pessoa que
pudesse pronunciar uma palavra ruim sobre ela.

Beatrice tinha um rosto de boneca, doce e imaculado.


Seus cabelos castanhos claros estavam enrolados em um
coque solto para trás, com cachos doces acariciando suas
bochechas redondas. Ela tinha olhos como corças, redondos,
gentis e castanhos claros.

Quando se casou, lembro-me de sentir tanta náusea de


ansiedade que não consegui dormir até saber que ela estava
bem.

— Olá, olá. — Eu cantei.

Beatrice se levantou e me beijou na bochecha. Ela


cheirava a flores recém-cortadas.
— Como você está? — Eu perguntei quando nos
sentamos.

— Como vai você? — Ela pressionou uma mão gentil no


meu pulso.

Eu dei-lhe um sorriso tranquilizador. — Estou bem.

Nós nos entreolhamos por um momento, nenhuma de


nós disposta a dar informações a outra.

— É tão adorável que você more tão perto de mim agora.


— Beatrice disse.

— Eu sei. — Eu concordei. — Quando a vida se acalmar,


Pietro e você terão que vir para o jantar.

Os olhos dela se arregalaram um pouco.

— Ou podemos sair. — Eu adicionei.

Beatrice assentiu, corando um pouco com alívio. —


Acho isso adorável.

Antes que mais pudesse ser dito, Elena Agostino entrou


apressada no restaurante. Ela nos viu no mesmo instante,
acenando com a mão em saudação. Um momento depois,
estava à mesa e xingando as estradas. Elena morava nos
arredores da cidade com sua família, então sua viagem era
muito pior que a de Beatrice e eu.

— Não acredito que sou a última dama solteira. — Elena


murmurou enquanto jogava os cabelos castanhos escuros e
lisos por cima do ombro. Nos últimos tempos tinha ficado
muito longo, fazendo parecer mais uma cortina do que
cabelos.

Ao contrário de Beatrice, Elena tinha um rosto muito


mais nítido. Menos como uma boneca e mais como um
daqueles elfos dos filmes que Cat costumava amar. Elena
parecia ter sido criada nos bosques, tão esbelta, com uma
adorável pele oliva e olhos verde-escuros, e tinha o
temperamento selvagem certo para sobreviver na floresta, se
quisesse.

— Isso dificilmente é preciso. — Refletiu Beatrice.

Examinei o menu, tentando não rir. — Sim, Elena,


estamos esperando.

Ela empurrou meu ombro brincando. Seus olhos


brilharam por cima do meu ombro. — O homem musculoso é
seu?

Nós três nós viramos para verificar Oscuro. Ele estava


sentado em um sofá, parecendo estar pronto para atacar a
qualquer momento. Com suas tatuagens e tamanho, era fácil
ver por que os outros clientes estavam o evitando. Quando
Oscuro nos notou olhando, todas nós viramos rapidamente.

— Uma precaução necessária. — Eu disse firmemente.


— Sempre que eu sair de casa, devo ter um guarda-costas
comigo.
— Isso faz sentido. — Beatrice murmurou. — Você é
uma Rocchetti agora.

Elena afinou os lábios e me olhou. Gostaria de saber se


ela estava procurando o Rocchetti em mim.

— Pietro não envia você com um guarda-costas. — Eu


disse para Beatrice. Depois, para Elena: — E seu tio não
envia você com um.

— Você sabia que a vida como Rocchetti seria diferente.


— Elena disse. — Não seja malcriada.

— Elena. — Advertiu Beatrice.

Eu sorri. — Estou apenas me adaptando. Se passaram


dois dias.

A menção do casamento escureceu o clima. Beatrice


olhou para a mesa enquanto Elena franziu a testa.

— Você ouviu alguma coisa? — Elena perguntou. —


Sobre quem atacou?

Isso fez Beatrice erguer os olhos. — Isso não é da nossa


conta, Elena.

— Não, eu não ouvi. — Dei um sorriso reconfortante


para Beatrice. — Mas eu sei que a Outfit buscará vingança,
então não há necessidade de se preocupar mais.

Elena se serviu de água. E me deu um olhar profundo.


— Quando os funerais começam?
— Em duas semanas.

— Você tem certeza que vai ficar bem em um funeral?

Eu parei. O último funeral em que participei foi o da


minha irmã. Tinha passado em um borrão, mas não rápido o
suficiente para não me lembrar do silêncio sombrio. As
lágrimas salgadas. Observando o caixão caindo no chão e
pensando: ela realmente se foi. Ela não vai voltar.

Ela me deixou.

— Sophia? — Elena murmurou.

Ouvir meu nome me trouxe de volta. — Desculpe. — Eu


murmurei.

— Está tudo bem. — Acalmou Beatrice.

Falar sobre funerais não traria de volta a minha irmã e


fiquei inquieta com a conversa. Peguei meu cardápio. — O
que vocês duas estão pensando em pedir? Estou dividida
entre o club sandwich10 e o peixe.

Ambas pegaram a sugestão e o tópico mudou.

Uma parte de mim queria falar sobre os últimos dias.


Sobre o medo de Alessandro, o terror do meu casamento e
noite de núpcias. Mas as palavras permaneceram na minha
garganta e não se saíram.

10 É um sanduíche de pão, aves cozidas fatiadas, presunto ou bacon frito, alface, tomate e maionese.
Eu não preciso sobrecarregá-las com todas as minhas
coisas, eu disse a mim mesma. Elena e Beatrice têm o
suficiente acontecendo em suas vidas.

Mas por baixo disso eu também tinha a inegável


sensação de que manter minha vida como uma Rocchetti em
segredo era o melhor.

As palavras que Alessandro me disse na nossa noite de


núpcias ecoaram nos meus ouvidos. Ele estava certo, era do
meu interesse ficar quieta.

Eu poderia ter dito a Cat, pensei. Cat nunca disse nada a


ninguém sobre mim. Ela teria mantido meus segredos.
Capítulo Cinco

Quando papai me viu, ele esticou os braços e me


apertou com força.

— Ah, bambolina, fico feliz em ver que você está


recuperada.

— Claro, papai. — Eu beijei sua bochecha. — Você está


bem?

Papai se afastou e me levou ainda mais para dentro da


casa. Estava tão quieto e escuro, mas era apenas ele e a
governanta morando aqui no momento.

Fazia apenas alguns dias desde que me mudei e, no


entanto, enquanto olhava em volta das paredes e das fotos
que conhecia a vida inteira, poderia ter passado um século.

Certamente senti como se tivesse envelhecido cem anos.

— Está tão quieto. Dita está aqui?

Papai olhou em volta como se não tivesse certeza de


quem estava ou não na casa. — Acho que não. Que dia é
hoje? Pode ser o dia de folga dela.

— É terça-feira, papai. Domingo é seu dia de folga. — Eu


dei um sorriso amigável para ele não sentir que eu estava
zombando dele.
Papai e eu sentamos na sala principal onde o fogo
estava crepitando. Eu nunca entendi por que papai não tinha
apenas um aquecedor instalado, mas o homem não era nada
se não estivesse tudo do seu jeito. Mas o fogo perdeu meu
interesse quando passei os olhos pelas fotos da família.

Uma foto de Cat e eu prende minha atenção. Eu estava


vestida com minha roupa de líder de torcida e Cat estava
segurando um certificado. Nós duas estávamos sorrindo
brilhantemente para a câmera, com os olhos reluzentes.

— Ela sempre foi tão inteligente, não era? — Papai disse


com um pouco de melancolia.

Eu olhei para ele. — Ela era.

Era verdade. Cat esteve em todas as equipes acadêmicas


que conseguiu encontrar e se destacou em todas as áreas de
aprendizagem. Eu, no entanto, nunca consegui sentar em
silêncio na sala de aula e aprender alguma coisa.

Cat havia entrado em muitas faculdades em seu último


ano. Lembro-me de estar surpresa por ela ter se inscrito, a
faculdade não estava nos planos para nós. Devíamos ser
esposas, depois mães e depois avós. Mas ela insistira em ir
para a faculdade. Até tentou me fazer me inscrever.

Não contei nada disso ao papai.

E apesar de toda a sua bravura, ela também não.


— Diga-me como a vida de casada está tratando você. —
Papai disse eventualmente.

Eu sorri. — Bem.

— Os Rocchetti são bons para você?

— Claro.

Seus olhos, os mesmos que os meus, me examinaram.


— Você está se comportando?

Eu estava? — Papai, é claro que eu estou.

— Porque eu posso suportar todo o seu falatório, mas


talvez seu marido não possa... — Ele avisou.

Tentei sorrir em agradecimento. — Eu sei, eu sei. E só


por esse motivo, talvez eu precise tagarelar por um tempo
agora.

Papai balançou a cabeça, mas não parecia zangado


comigo. — Como eles são? Os Rocchetti?

Que pergunta estranha. — Você os conhece, papai.


Muito melhor do que eu.

— Você mora na casa deles. Dorme sob o teto deles. —


Ele encolheu os ombros. — Estou interessado. Como são as
pessoas dele? Alessandro?

— Você é uma das pessoas deles, papai.


— Eu sou um dos Salvatore. — Respondeu meu pai. Um
interruptor pareceu ligar nele. Ele já não era o velho
desaprovador que eu chamava de papai, mas agora ele
parecia mais acalorado. Mais severo. Um soldati11 da Outfit.

Forcei meu corpo a relaxar. — Não conheci muita gente


deles. Apenas Oscuro e Beppe. Os negócios geralmente não
chegam em casa com Alessandro.

— Homens como Alessandro são o negócio. — Papai


disse secamente. — Oscuro? Beppe? Como eles são?

— Oscuro é meu guarda-costas e é muito bom no


trabalho dele, ele está lá fora agora, se você quiser conhecê-
lo. Só conheci Beppe brevemente, mas ele me pareceu muito
educado. — Examinei a expressão dura do meu pai. — Eu
não sabia que era uma espiã.

Papai revirou os olhos para mim e me olhou com


desconfiança. — Você não é tal coisa. Estou apenas me
certificando de que minha filha seja cuidada.

— Desculpe, eu não imaginava.

Por que papai estava tão interessado? Talvez ele


realmente quisesse saber se eu estava sendo bem tratada, ou
talvez ele quisesse mais informações sobre os infames
Rocchetti. Quando me casei, eu sabia que o pai se
beneficiaria por estar tão perto do Don e de sua família, mas
presumi que os negócios seriam melhores.

11 Soldado em italiano.
Papai e eu conversamos mais sobre as perdas que
ocorreram no casamento. Ele não mencionou Alessandro ou
os Rocchetti novamente, mas o nome deles pairava sobre nós.
A única vez que ele apontou para eles foi quando me disse
que era uma pena que eu não tivesse recebido uma recepção
de casamento.

— Você não se importa se eu pegar algumas coisas do


meu quarto? — Perguntei quando era hora de partir.

Ele me dispensou. — Pode ir.

A casa em que cresci havia mudado lentamente ao longo


dos anos e sempre pelas minhas próprias mãos. Às vezes,
nossas madrastas tentavam mudar as coisas, mas em poucas
horas a casa voltava ao lugar. Elas nunca duraram o
suficiente para causar um impacto real.

Cat e eu passamos nossa infância correndo por esses


corredores, nos escondendo entre as cortinas e usando essas
janelas para espiar os jardins abaixo. Era nosso esconderijo,
nosso castelo, nossa prisão.

Nossos quartos eram próximos um do outro. Fiz uma


pausa na frente do dela, mas depois entrei no meu.

Meu quarto tinha caixas espalhadas por todo o lugar,


mas fora isso, nada havia mudado. Os lençóis estavam
emaranhados, a mesa estava coberta de porcaria. A
maquiagem cobria todos os espaços disponíveis e minha
amada boneca de porcelana, chamada Dolly, descansava em
seu lugar habitual acima da cama. Em cada rachadura e
canto, fotos estavam grudadas.

Fotos de Cat e eu, meus amigos e minha família. Havia


até uma da minha mãe. Ela estava linda, comigo vestida com
minha roupa de batizado no colo. Eu era uma imagem
cuspida do meu pai, tanto que eu podia fingir que minha mãe
nunca existiu. Não me lembrava dela e papai nunca falou
sobre ela.

Puxei a foto e dobrei ao meio. Parecia uma traição à


mulher misteriosa deixá-la nesta casa tranquila, sozinha com
meu pai.

Arrumei outra caixa cheia de roupas e outras coisas que


estavam me fazendo falta. No último momento, tirei minha
amada Dolly e algumas fotos das paredes.

Uma foto de Cat comigo me fez parar. Nesta, não


estávamos vestidas com nossos uniformes escolares, mas
com belos vestidos. Eu usava um longo vestido vermelho,
enquanto Cat vestia um prateado. Nós duas estávamos na
frente de uma árvore de Natal, agarradas uma a outra e
rindo. Como se a câmera tivesse nos pego no meio de uma
piada.

Essa foi a última foto que tiramos juntas, percebi de


repente. Cat morreu em março.

Peguei a foto com cuidado e coloquei na minha caixa.


Ao sair, parei em frente ao quarto de Cat. Eu não tinha
entrado nele por quase dois anos e papai também não. Eu
nem tinha certeza se tudo estava empacotado.

Coloquei minha caixa no chão.

Agora que eu era casada, fazia sentido que papai


pudesse passar pelos nossos quartos e limpá-los. Afinal, por
que desperdiçar dois quartos perfeitamente bons?

Cat nunca se importou de eu passear em seu quarto,


bem, no final, ela tinha se importado. Enquanto crescíamos,
não tinha. Mas lembrei-me de entrar no quarto dela sem
bater e ela gritar para eu sair.

Provavelmente estava se masturbando, pensei. Eu


também teria gritado comigo.

Pressionei minhas mãos levemente na maçaneta. Não


sei por que senti como se estivesse quebrando as regras.

Isso é ridículo, pensei. Cat está morta. Ela não vai ficar
brava se você entrar no quarto dela e pegar algumas coisas.

Eu abri a porta.

Uma fina camada de poeira cobria todas as superfícies,


mas fora isso, o quarto poderia ter congelado no tempo. Sua
cama estava desarrumada, seus livros empilhados
bagunçados na mesa de cabeceira. Roupas e sapatos estavam
esparramados no chão. Até os lenços usados no cesto
permaneceram.
Entrei e respirei fundo.

Ainda cheirava como ela. Seu aroma fresco de lavanda,


que ela se recusara a mudar.

Lágrimas subiram aos meus olhos e eu as enxuguei


rápido. Não adiantava chorar agora.

O que eu poderia levar? A maioria das fotos em sua


parede eram cópias e parecia rude pegar suas roupas.

Em sua cama, uma boneca idêntica à que eu possuía


descansava. A maior diferença era que minha boneca usava
um vestido rosa, enquanto a de Cat tinha um vestido azul.
Tínhamos ganhado do vovô quando éramos muito jovens e
ficamos encantadas por ter bonecas idênticas. Cat havia
nomeado a sua de Maria Cristina, enquanto eu só chamava
minha de Dolly.

Tirei a poeira do rosto fino da boneca e depois a peguei.

Se você tiver filhas, poderia dar as bonecas para elas,


pensei de repente.

Embora ter filhas não fosse nada que uma mulher da


máfia aspirasse, senti-me um pouco confortada ao saber que
um dia essas bonecas seriam cuidadas por duas irmãs mais
uma vez.

Quando voltei, papai estava no mesmo lugar na sala de


estar. Ele deu uma olhada na caixa nos meus braços e
balançou a cabeça em desaprovação.
Antes que ele pudesse me dispensar, o telefone tocou.

— Eu atendo. — Coloquei a caixa no chão e corri para o


telefone. Papai se recusou a usar apenas um telefone celular.
— Residência Padovino. Sophia falando.

— Ah, minha adorável neta. Apenas quem eu estava


esperando conversar.

Meu coração acelerou. — Don Piero.

Don Piero deu uma risada calorosa do outro lado. — De


fato.

— Como posso ajudá-lo? — Eu me aprecei.

— Ouvi dizer que você está no seu pai e espero que


possa passar aqui antes de voltar para a cidade. — Nada no
seu tom sugeria que eu tinha muita escolha.

— Claro. — Digo. — Estou saindo do meu pai agora.

— Brilhante. Vejo você em breve. — Don Piero desligou.

Afastei o telefone da orelha, meio chocada. Don Piero, o


Capo di tutti i Capi12, queria me ver. Sozinha. Eu não teria
meu pai ou marido lá para tirar sua atenção de mim.

Engoli em seco contra minha garganta já seca.

12Capo di tutti capi (o Capo de todos os Capos) é a expressão utilizada para designar "o chefe de
todos os chefes".
— É melhor você ir. — Veio a voz do papai. Ele estava
olhando para o telefone na minha mão como se fosse uma
cobra. — Antes que ele venha te procurar.

Quando chegou à idade da aposentadoria, Don Piero


havia se mudado da cidade para uma casa enorme em um
impressionante pedaço de terra. Ele ainda era o chefe da
Outfit, mas todos sabiam que seu filho mais velho, Toto, o
Terrível, era o chefe interino da família. Don Piero dava os
comandos e seu filho os reproduzia.

Oscuro parou do lado de fora da impressionante


mansão.

Don Piero havia comprado a antiga mansão colonial


quando eu era muito pequena e lembro-me de papai
apontando sempre que passávamos. Lembrei-me de pensar
que era a casa mais bonita que eu já vi, mas agora parecia
grande e imponente, grande demais para abrigar um homem
com as mãos tão sujas.

A mansão era enorme, com suas paredes brancas


visíveis através das videiras que cresciam no chão, passavam
pelas janelas e pelo telhado. Uma grande escadaria curva
levava à enorme porta da frente e janelas ornamentais se
espalhavam de cada lado da casa, em paralelo.

Como ele poderia viver sozinho em uma casa tão


grande? Eu pensei. Embora talvez estivesse sempre cheio de
membros e funcionários da Outfit.
Antes que eu pudesse perguntar a Oscuro sobre os
habitantes da mansão, a porta da frente se abriu e Don Piero
saiu para me cumprimentar. Ele estava vestido com uma
calça cáqui e um suéter, fazendo-o parecer mais um vovô
gentil do que um tirano assassino.

Para um homem que levou um tiro quarenta e oito horas


atrás, ele parecia notavelmente bem.

Parado aos seus pés estava um grande Cane Corso13


preto com uma coleira decorada com pequenos espinhos.

Saí do carro e sorri em saudação.

— Ah, Sophia, — disse ele. — Estou tão feliz que você


conseguiu vir.

— Obrigada por me receber.

Don Piero me beijou na bochecha antes de me levar para


a casa quente, o cachorro seguindo. O interior era tão grande
quanto o exterior, com um enorme lustre e piso de mármore
brilhante. Enormes pinturas decoravam os corredores e
inúmeros artefatos decoravam as superfícies.

Acreditava firmemente que a maior parte foi roubada.

Don Piero segurou meu braço. Eu não conseguia parar


de pensar em todos os homens que ele matou com aquelas
mãos. — Como está você, minha querida? — Perguntou

13 Raça canina valorizada como cão de guarda.


quando me levou para a sala de estar. Uma empregada estava
esperando com o chá e começou a servir quando entramos.

Acima da lareira, havia uma enorme pintura de uma


linda mulher.

— Estou bem, senhor. E você?

— Saudável como um cavalo. — Ele me sentou em um


dos sofás antes de pegar o oposto. O cachorro enorme me
examinou por um momento antes de cair de bruços aos pés
de Don. — Seu pai?

Eu sorri para a empregada quando ela me passou uma


xícara de chá. — Obrigada. — Para Don Piero, eu disse: —
Ele está bem.

— Eu imagino que ele sente falta de ter você por perto.

— Eu gostaria de pensar assim.

Don Piero sorriu. — De fato. E meu neto? Espero que ele


tenha se comportado melhor.

Que estranho, observei, acabei de ter uma conversa


quase exata com meu pai. Talvez Don Piero também quisesse
saber como era a vida privada de Alessandro. Mas, de novo,
Don Piero muito provavelmente poderia ordenar que
Alessandro contasse a ele. Tenho certeza que ele não
precisava que eu lançasse alguma luz.

Mas então por que o aviso de Alessandro naquela noite?


Você está em uma posição muito privilegiada, esposa.
Jogar entre o Don e eu não é do seu interesse.

— Claro. — Eu sorri e tomei um gole do meu chá.

Os olhos escuros de Don Piero percorreram-me. Apesar


de toda a sua polidez, ele ainda não era um homem que você
podia cruzar seu caminho, e eu podia senti-lo brincando
comigo.

Dei a ele o meu melhor sorriso idiota e gesticulei para a


pintura acima da lareira. — Quem é a bela dama?

Os olhos dele se suavizaram fracamente. — Ah, minha


Nicoletta.

Nicoletta Rocchetti tinha sido esposa de Don Piero e mãe


de Salvatore e Enrico Rocchetti. Avó de Alessandro. Ela
morreu antes de eu nascer, mas, por tudo que era falado
sobre ela, ela poderia muito bem nunca ter existido.

— Posso ver de onde os meninos tiram a aparência. —


Eu disse a ele.

Don Piero sorriu. — Não de mim?

Eu realmente não sabia dizer se ele estava brincando,


então eu disse apressada: — E de você, senhor. — Por um
momento estúpido, sua simpatia me fez esquecer quem ele
era.

Não esqueça de novo, eu me avisei.


Don Piero tomou outro gole de chá. — Estava pensando
em refazer sua recepção de casamento. Sei o quanto as
mulheres adoram casamentos e parece uma pena que você
não tenha tido a chance de aproveitar o seu.

Com o ataque ou não, era muito provável que eu não


teria aproveitado do casamento. Eu sorri em agradecimento.
— Isso é muito gentil da sua parte. Mas, por favor, não se
incomode comigo. — Balancei minhas sobrancelhas. — As
recepções são apenas uma oportunidade para os convidados
ficarem bêbados.

Don Piero riu. — De fato, elas são. — Seus olhos escuros


me examinaram. — E seu lindo vestido de noiva foi
arruinado. Antes de tirarmos fotos.

— Eu não me importaria com outro desse. — Eu


respondi.

— Claro que você não se importaria. — Ele meditou. —


No entanto, não sei nada sobre vestidos de noivas. Então, eu
trouxe outro presente para você.

Eu comecei. — Senhor, você não tem que me dar nada.


Se alguém deveria receber um presente, deveria ser você por
me aceitar na família.

Don Piero afastou minhas palavras. Os olhos dele


brilhavam. — Absurdo. — Ele virou a cabeça. — Anna! Traga
o presente de Sophia.
Deus, o que ele tinha me dado? Era a cabeça de
alguém? Um facão? Metade de mim esperava que Alessandro
aparecesse e Don Piero me dissesse que estávamos refazendo
meu casamento.

Uma velha entrou na sala, que devia ser Anna, e nos


seus braços estava...

— Um cãozinho! — Ofeguei, meio encantada, meio


chocada.

Don Piero se levantou e pegou o cachorrinho das mãos


de Anna. Seu próprio cachorro levantou a cabeça com
interesse e mostrou os dentes uma vez. — Um dos filhotes da
minha melhor cadela. — Don Piero disse. — Um Vulpino-
italiano14. Cachorro perfeito para uma mulher. Ao contrário
do meu Lupo.

O filhote era pequeno, branco e muito fofo. Parecia


quase uma bola de neve, com pequenas orelhas e nariz. Em
volta do seu pescoço havia uma fita azul.

Don Piero passou para mim e eu ofeguei de prazer. —


Oh, muito obrigada! Ele é adorável. — Eu arranhei a barriga
do filhote. — Você não é a coisa mais fofa do mundo?

— Anna, eu te disse que ela iria gostar. — Don Piero


sorriu para mim. — Cachorrinho perfeito. Eu sei que
Alessandro não tem um espaço grande, mas esse tipo de
cachorro vai ficar bem.

14 Raça canina oriunda da Itália, semelhante ao lulu-da-pomerânia.


Eu segurei o filhote no meu peito. Ele se mexeu nos
meus braços, mas não parecia chateado. — Senhor, obrigada.

— Não mencione isso, minha querida. — Don Piero


sentou-se mais uma vez. Parecia haver algo ligeiramente
predatório sobre sua expressão. — Adorável raça, enérgicos.
Eles também são bons com crianças.

Eu sorri. A menção de crianças atenuou meu humor.

Don Piero e eu conversamos por uma boa hora. Parecia


como um jogo de xadrez, tentando fazer movimentos
estratégicos para não perder minha vida. Ele foi educado e
amigável, mas eu sabia que, por baixo de seu exterior, ele era
calculista e sedento por sangue. Não sabia por que ele queria
me testar, conversar a sós comigo, até que surgissem suas
perguntas mais sondadoras.

— Espero que Alessandro esteja mimando você. — Ele


disse. — Uma jovem noiva adorável como você não aparece
com muita frequência.

Eu não revelei nada. — Claro. Ele tem sido muito bom


comigo. — Ele dormiu comigo uma vez e não voltou. — Até me
deu seu cartão de crédito. — Oscuro o manteve.

— Ah, os ingredientes de um bom casamento. — Don


Piero tomou outro gole de chá. — Espero que ele não receba
seus amigos e deixe sua casa fedorenta. Se ainda estiver
agindo como um solteirão, eu certamente poderia falar com
ele em seu favor.
Eu arranhei a orelha do filhote. Ele estava dormindo no
meu colo. Um pouco de seu pelo branco ficou no meu vestido
e eu o limpei. — Não levou um único amigo para casa e todos
os seus funcionários foram muito educados. Mas, obrigada.
Se ele começar a se comportar mal, eu ligo para você. —
Pisquei para mostrar que estava brincando, mas Don Piero
parecia sério.

— Por favor, querida. — A seriedade saiu de seu rosto e


ele me deu um sorriso mais uma vez. — E o pessoal dele?

— Todos maravilhosos. — Eu já tinha dito isso. — Assim


como os seus. — Fiz um gesto para a porta onde Anna e a
outra empregada haviam desaparecido.

Ele assentiu.

Eventualmente, tive que me despedir. Don Piero insistiu


que Alessandro e eu nos juntássemos a ele para jantar
quando estivéssemos livres. Eu concordei e mais uma vez
agradeci pelo meu presente.

Quando ele me acompanhou até o carro, que Oscuro já


havia ligado, colocou uma mão dura nas minhas costas e se
inclinou perto da minha orelha.

Eu fiquei tensa.

— Se você precisar de alguma coisa, minha querida,


estou a apenas um telefonema de distância. Não hesite em
ligar. — Algo nas palavras dele me deixou nervosa, então eu
sorri em agradecimento e corri para o carro.
Oscuro avistou o filhote e afinou os lábios.
Desaprovação irradiava dele.

— Está tudo bem, Oscuro? — Perguntei a ele.

Ele assentiu bruscamente. — Está tudo bem, senhora.


— Não acreditei nele nem por um segundo.

Don Piero acenou quando saímos da garagem e


desaparecemos na rua. Havia algo pitoresco no Don da Outfit
de pé na pura neve branca, um enorme cão de guarda ao seu
lado, acenando de longe para nós como um doce e velho avô.

Até ver a arma na parte de trás da sua calça.

Assim que saímos do bairro e voltamos para a cidade,


recostei-me no banco e dei um suspiro de alívio.

Oscuro me deu um olhar conhecedor, mas não disse


nada.
Capítulo Seis

— Aqui está, meu amor. — Coloquei a tigela de carne


fatiada na frente do meu novo filhote, que eu havia chamado
de Polpetto. Ele cheirou a comida antes de cavar alegremente,
com seu pequeno rabo balançando. — Você gosta de carne,
sim? Vou me lembrar disso.

Levantei-me e voltei para a cozinha. O risoto de


cogumelos estava pronto, mas Alessandro ainda não tinha
voltado para casa. Eu sabia que era melhor comer antes que
o homem da casa chegasse.

Nem um segundo depois, as portas do elevador soaram


e Alessandro entrou. Imediatamente, seus olhos se voltaram
para Polpetto e ele fez uma careta.

— Você viu meu avô hoje.

Alessandro parecia o mesmo que esta manhã quando


saiu. Como se ele tivesse saído das páginas de uma revista
GQ.

— Então? — Alessandro estalou.

Oh, ele fez uma pergunta. — Eu vi. Ele me deu Polpetto


de presente. Isso não é adorável?
Alessandro não parecia compartilhar meus sentimentos.
Em vez disso, ele tirou sua atenção de Polpetto e caminhou
até mim. Uma escuridão tomou conta de seu rosto.

Recuei, mas me vi presa entre o balcão e meu marido.

Ele parou na minha frente. Seu cheiro de especiarias


escuras dominava e meu cérebro de repente estava
desprovido de todos os pensamentos coerentes. Calor
irradiava dele, misturado com poder e força. Deve ser assim
que as gazelas se sentem, pensei, quando o leão está
posicionado acima delas.

Alessandro agarrou meu queixo com força e levantou


meu rosto.

Meu coração começou a trovejar.

— Sobre o que vocês conversaram? — Perguntou. Seu


tom assumira uma perigosa calma.

— Nada demais. — Eu murmurei.

— Não foi o que eu perguntei. — Ele se inclinou para


mais perto. Sua respiração quente fez cócegas nas minhas
bochechas. Estava tão perto que poderia me beijar. — O que
você disse para ele?

Olhei em seus olhos. — Durante todo o dia as pessoas


tentaram aprender mais sobre você através de mim.
A raiva passou pelo seu rosto. — Tenho certeza de que
não preciso lhe dizer para ficar de boca fechada. Mais uma
vez.

— Não precisa. — Respondi.

Alessandro me examinou por mais um segundo, antes


de soltar meu queixo e se afastar. Segurei o balcão atrás de
mim para me impedir de deslizar para o chão. Não havia dor
onde ele tinha me agarrado, apenas a pressão maçante de
seu toque.

— Livre-se do cachorro.

Eu olhei de volta para ele. Sua expressão era dura. —


Não.

Alessandro voltou seus olhos para os meus. — Não?

Corri para explicar. — O Don ficará furioso se eu rejeitar


o presente dele. É muito mais seguro ficar com Polpetto.

— Por que você acha que ele te deu um presente? —


Perguntou.

Eu fiz uma careta confusa. — Disse que era uma


reparação pelo casamento arruinado. E disse que se sentiu
mal por eu não ter conseguido meu casamento de conto de
fadas.

— Eu não perguntei qual foi o motivo que ele te deu.


Pedi que me dissesse o que você acha que ele te deu um
presente. — Alessandro estalou.
— Eu? — Eu repeti. — Você quer saber o que eu acho?

— Sim, eu quero.

Eu olhei para ele. Ele realmente queria que eu


declarasse o que eu pensava? Ou ele queria que eu
concordasse com seu avô, seu Don?

Alessandro olhou para mim.

As palavras saíram de mim antes que eu pudesse detê-


las. — Por duas razões. — Eu resmunguei. — Primeira, ele
quer me suavizar. Fazer me sentir em dívida com ele, mas
também fazer de mim uma amiga. Segunda, os cães
obviamente têm algum tipo de significado. Você não tem um
cachorro e nem os membros da sua família. Ao me dar um,
ele está dizendo alguma coisa... mas não sei o que é.

Assim que as palavras saíram, eu me arrependi. Você


não vai chegar a lugar nenhum duvidando do Don, eu disse
furiosa. Especialmente para o neto e Capo.

Olhei para Alessandro. Ele me puniria?

Mas, em vez disso, ele estava me dando um olhar


curioso. — Meu avô adora cachorros. Sempre adorou. Ele os
cria e ganha muito dinheiro com eles. — Seus olhos escuros
voltaram-se para Polpetto, que havia terminado o jantar e
estava deitado, de barriga para cima e descansando. —
Quando o prefeito Salisbury foi eleito, ele enviou um Galgo
inglês para ele. E quando os Cubs venceram a World Series,
ele enviou ao treinador um Mastim Inglês.
Realização me atingiu. — Ele está reivindicando a posse.

Alessandro assentiu. — Exato. Esse cachorro


representa, para todos nós, que ele considera você dele.

Olhei para Polpetto. O cachorrinho era tão fofo que era


difícil acreditar que ele simbolizava uma mensagem tão
sombria.

— Por quê? Eu não sou nada além de uma esposa. A


esposa do seu neto.

— De fato. — Havia algo mais no tom de Alessandro.


Mas ele não ofereceu mais explicações. — O mantenha, se
você quiser. Só não esqueça o porquê.

Eu assenti. Palavras fugiram de mim.

Por que Don Piero estava reivindicando sua posse?


Estava a meu favor ou não? Para quem ele estava
sinalizando? O que isso significa para mim? Perguntas
zumbiram ao meu redor, mas fiquei quieta. Perguntar a
Alessandro não me ajudaria a longo prazo, as esposas de
Capo não fazem perguntas sobre o que o Don estava fazendo
ou querendo.

Para me distrair, servi o jantar enquanto Alessandro


pendurou o casaco e o cachecol. Meu estômago roncou ao ver
o risoto.

Nós comemos em silêncio. Não pela minha falta de


tentativa. Mais de uma vez tentei iniciar uma conversa,
qualquer coisa para interromper o som dos garfos raspando o
prato, mas Alessandro não estava interessado. Ele
resmungou, não disse nada ou estava ao telefone.

Enquanto eu guardava a louça, meu telefone tocou.

Eu olhei para ele. — Oh, é Elena. — Rapidamente abri


meu telefone e li a mensagem dela. Ela queria saber mais
sobre Polpetto, reagindo às imagens que enviei no chat em
grupo.

— Elena? — Alessandro levantou a cabeça do próprio


telefone.

— Minha amiga, Elena. Elena Agostino.

Ele estreitou os olhos. — Você sabe manter a boca


fechada para suas amiguinhas? Estou certo de que não
preciso lhe dizer isso.

Passei a língua pelos dentes. Respire fundo, Soph,


respire fundo. — Não. — Eu sorri. — Claro, que não precisa.
— Fiz um gesto para a louça. — Termine com a louça, sim?
Certamente, não preciso lhe dizer isso.

Saí antes que pudesse me desculpar por ser rude.

Nem dez segundos depois, eu estava me arrependendo


do meu temperamento. Eu não deveria cutucar o urso. Agora,
ele me puniria. Só podia imaginar como Alessandro cuidava
daqueles que ele considerava desrespeitosos. Ele cortaria
meus dedos? Ou me penduraria do telhado pelos tornozelos?
Eu me encostei na janela, com a testa no vidro.

As pessoas lá embaixo tinham as mesmas preocupações


que eu? Eu não era a única com problemas e era estúpida ao
pensar o contrário. Mas, por um momento, imaginei como era
não fazer parte deste mundo. Meu pai não me casaria, meu
marido não seria um assassino. Drogas, extorsão e crime não
aconteceriam das 9 às 5, naturalmente em horários
comerciais.

Talvez eu pudesse ter ido para a faculdade. Embora


fosse provável que não. Nunca tinha sido boa na escola,
preferindo passar meus dias conversando com amigas e me
divertindo. Talvez eu pudesse ter sido líder de torcida na
faculdade, ou algo assim.

Suspirei, tentando não rir.

Fui tão introduzida nesta vida que nem conseguia


imaginar uma vida alternativa.

Eu seria capaz de funcionar naquele mundo? A máfia


tinha seus defeitos, mas nós cuidávamos uns dos outros.
Quando perdíamos eletricidade, em poucos minutos, as
pessoas vinham para ajudar. As crianças eram cuidadas por
todos. Eu nunca tinha chegado atrasada à escola ou ficado
sem algo. As pessoas eram leais.

E havia o poder. Eu não temia multas por excesso de


velocidade ou problemas com as pessoas. Passei por eles,
intocável e com o conhecimento de que meu pai destruiria
qualquer um que me tocasse. Eu não tive que me curvar ao
governo corrompido e nada poderia me tocar.

Eu tracei o contorno da cidade com o dedo. Talvez tenha


romantizado em minha mente e, como mulher, minha versão
deste mundo era diferente da de um homem. Mas quando
olhei para as pessoas abaixo de mim, não senti inveja.

Cat ficava com inveja, lembrei. Ela queria tanto sair que
às vezes eu achava que ela arriscaria o castigo pela
recompensa.

Talvez algumas pessoas tenham sido feitas para este


mundo melhor ou pior que outras.

De repente, a porta do meu quarto se abriu. Alessandro


entrou, mal olhando para o espaço ao meu redor. Todo o seu
foco estava em mim.

Suor escorreu na parte de trás do meu pescoço. Ele está


aqui para me punir, pensei. The Godless está aqui e prestes a
me fazer implorar.

— Eu sinto muito. — Eu disse antes que ele pudesse


dizer qualquer coisa. — Não deveria ter falado com você dessa
maneira. Isso não vai acontecer novamente.

Alessandro parou um a um metro de mim e me encarou.

Ele não disse nada.

Eu abri minha boca. — Por favor...


— Não implore. — Ele cortou. Alessandro parecia um
pouco decepcionado. Com o que poderia estar decepcionado?
Que eu não tinha me jogado do prédio ainda?

O som de tamborilar suave no chão encheu o silêncio


entre nós. Nem um momento depois, Polpetto enfiou a cabeça
no quarto, me viu e veio trotando. Eu sorri por instinto para
ele. Como não poderia? Ele era a coisa mais fofa que eu já vi.

Agachei-me para pegá-lo e ele pulou alegre em meus


braços.

— Eu ainda acho que você deve se livrar da coisa. —


Alessandro disse.

Eu segurei Polpetto perto do meu peito. — O nome dele


é Polpetto. E as escolhas de seu dono não devem refletir sobre
ele.

— Mmm. — Os olhos de Alessandro vagaram pelo


recinto.

Percebi, horrorizada, que não o havia arrumado hoje.


Xícaras de café e roupas cobriam as superfícies, e eu tinha
desembalado a caixa que eu trouxe da casa do meu pai,
fazendo com que ela se espalhasse por toda parte. N nem me
preocupei em arrumar a cama.

— Este quarto está um chiqueiro. — Ele parecia um


pouco surpreso com esse fato.
Eu corei. — Pretendia limpá-lo, realmente pretendia.
Mas eu me distraí...

— Você está aqui há dois dias. Como está tão


bagunçado?

— Você deveria ver o meu quarto de infância. E eu fiquei


lá por 22 anos.

Alessandro olhou para mim. — Eu imagino que não é


nada menos que nojento.

— Você estaria correto. — Eu ri. Assim que saiu, parei.


Será que eu estava aqui, discutindo tópicos casuais com The
Godless? Será que ele estava me embalando para uma
sensação de segurança? Quando decidira me punir?

Seus olhos escuros vagaram por mim. — Você está com


medo de mim novamente. Eu posso dizer. — Ele não parecia
triste ou feliz com esse fato.

— E não deveria estar? — Sussurrei.

— O senso comum diz que você deveria. — Alessandro


respondeu. Eu balancei Polpetto em meus braços.

— O que me falta de senso comum, eu compenso com as


minhas maneiras.

Eu poderia jurar que Alessandro quase sorriu. Ou talvez


eu estivesse realmente ficando louca. Isso explicaria por que
eu continuava conversando com meu marido.
Alessandro examinou a cama mais uma vez. Um olhar
predatório tomou conta de seu rosto.

Meu estômago apertou.

— Nós vamos... — Eu parei, incapaz de dizer as


palavras.

Ele se virou para mim, lento e deliberado.

— Nós vamos foder? — Ele disse. — Era isso que você


queria perguntar?

Balancei minha cabeça.

Alessandro ficou muito animado. Ele caminhou até


mim. Recuei, mas bati na janela atrás. Vidro frio pressionado
contra a minha pele, em desacordo com o enorme homem
quente olhando para mim. Alessandro pressionou uma mão
em ambos os lados do meu rosto e se inclinou para encontrar
meus olhos.

Eu mal podia respirar...

— Como seu marido, tenho o direito de tê-la. Eu poderia


levá-la agora e seria meu direito.

Engoli em seco contra minha garganta seca. — Você vai?

Um sorriso cresceu em seu rosto. Não havia nada


divertido nisso. — Não. Ainda não. Não quando você não está
fisicamente apta para isso. — Ele estendeu um dos polegares
e o passou pelos meus cabelos. — Eu não gostaria de
prejudicar minha nova noiva. Não tão cedo, pelo menos.

Ele não iria dormir comigo de novo até que eu estivesse


curada? Curada do meu ferimento de bala ou da nossa
sessão anterior?

Alessandro se inclinou para mais perto e, por um


momento horrível, pensei que ele fosse me beijar. Em vez
disso, ele apertou o nariz na minha bochecha, respirando. —
Você está com tanto medo. Mesmo quando nem estou na
sala, posso ouvi-la colocando as coisas de forma gentil e
falando baixinho, para não acordar a fera.

— Esta é a sua casa. — Eu chiei. A presença dele era


demais. Muito quente, muito grande. — Não quero ser rude.

— Não, — ele riu suavemente. — Você nunca quer ser


rude, não é? Suas maneiras são exemplares, seu
comportamento é impecável e sua aparência é perfeita. Você
está além da reprovação, não é? Como um macaco treinado.

Mordi minha língua. É um trabalho árduo ser mulher


neste mundo, e até eu tropecei algumas vezes por dia.

— Você não tem nada a dizer? Claro, que não. —


Alessandro se afastou e encontrou meus olhos. — E aqui
estava eu, pensando que você estava escondendo algo feio
sob aquele exterior dourado.

Olhei de volta para ele. — Sou sua esposa. Vivo para


cuidar da sua casa e ter seus filhos.
Ele sorriu. A visão era selvagem e aterrorizante. — Se
você diz.

Alessandro se afastou de mim, me libertando da prisão


de seus braços. Puxei uma respiração através dos meus
dentes, me sentindo muito tonta. Nos meus braços, Polpetto
também pareceu relaxar.

— Durma bem. — Ele disse, soando como se realmente


não desse a mínima para como eu dormia. Eu assisti
enquanto ele caminhava em direção à porta. — Amanhã terá
outro dia cansativo sendo a Sra. Rocchetti.

Os dias corriam como água.

Todos os dias, eu começava a minha vida com um medo


paralisante, observando Alessandro por algum sinal de que
ele possa me machucar. Desde o momento em que acordava,
sozinha, o evitava o dia todo, o que não era difícil quando ele
trabalhava fora de casa, até o jantar. No jantar, trocávamos
uma conversa educada, mas tensa, sobre o jantar e o clima.

Toda noite, eu deitava na minha cama e olhava para a


porta até a exaustão me puxar na escuridão.

Apenas o lindo Polpetto, que fez xixi na casa três vezes e


fez cocô duas vezes mais, me trouxe algum tipo de
relaxamento. Mesmo se ele fosse um símbolo de algo maior,
ele não poderia falar. Portanto, Polpetto estava livre de ser
um espião.

No início de fevereiro, houve alguns dias mais quentes e


raros, e eu escolhi esse horário para levar Polpetto para uma
pequena caminhada. Ele parecia tão fofo em suas botinhas
que eu quase chorei.

Oscuro olhou para ele e balançou a cabeça.

— Você não acha que Polpetto parece bonitão? — Eu ri.


— Estou pensando em comprar um gorro para ele também.

— O que você achar melhor, senhora. — Mas o tom de


Oscuro deixou claro o que ele realmente pensava.

Eu ri de novo.

Toda a população de Chicago pareceu ter a mesma ideia


que eu e se aventuraram no dia. Uma camada de neve ainda
cobria tudo, mas era bom sentir o sol no meu rosto, mesmo
que fizesse pouco para combater meu nariz gelado.

Oscuro andou ao meu lado, ameaçador e vigilante.

Tentei entrar em uma conversa, mas, como de costume,


Oscuro não queria. Eu não queria falar pelos cotovelos, então
mordi minha língua para não falar.

Quando chegamos ao outro lado do parque, vi os


banheiros públicos. — Oscuro, você pode cuidar de Polpetto
por um momento? Preciso muito ir ao banheiro.
Oscuro afinou os lábios, mas assentiu. Ele se encostou
no banheiro, parecendo um pouco assustador. Suspirei, mas
não disse para ele se mexer. Não é como se ele fosse.

Estava congelando dentro dos banheiros, mas vazio.


Rapidamente fiz xixi e depois corri para a pia. Uma fina
camada de sujeira cobria todo o interior.

Não seja tão mimada, eu disse a mim mesma.

Uma porta se abriu, uma que eu assumi ser um


armário, e um homem entrou.

— Oh, senhor, acho que você está no lugar errado. —


Eu ri.

O homem se aproximou de mim e exibiu um distintivo.


— Agente Especial Tristan Dupont, FBI.

Meu estômago apertou. — Não tenho certeza do que


posso fazer por você, agente.

— Você é Sophia Padovino, sim?

Observei a aparência de Dupont. Ele parecia um federal,


com o botão da sua blusa azul desfeito e a calça formal. Seus
sapatos estavam gastos e seu cabelo loiro estava penteado
para trás. Na verdade, ele não parecia muito velho, talvez
alguns anos mais velho que eu, mas com certeza mais novo
que Alessandro. Mas apesar de ser policial, ele não era de má
aparência.
Na verdade, ele era muito bonito. Ele me lembrava um
viking do Báltico, quase.

— Sinto muito, senhor, mas tenho que ir...

— Estou trabalhando com uma força-tarefa


especializada para ajudar a derrubar as famílias criminosas
de Chicago. Sabemos que você foi forçada a se casar com
Alessandro Rocchetti e sabemos que ele não é um bom
homem. Se você trabalhar conosco, podemos oferecer
proteção e uma nova vida, livre de tudo isso. Não é isso que
você quer? Ser livre?

Eu olhei para ele. — Agente Dupont, não sei por que


você supõe que posso ajudá-lo. Não sei nada sobre as
famílias criminosas de Chicago.

— Não se faça de boba. — Dupont disse, parecendo


irritado comigo. — Eu quis dizer isso, nós podemos protegê-
la. Mantivemos as pessoas escondidas e seguras antes e
podemos mantê-la escondida e segura. Tudo que você precisa
fazer é trabalhar comigo.

Peguei minha bolsa na pia. — Gostaria de poder ajudar,


mas devo ir.

Dupont entrou na frente da entrada, bloqueando meu


caminho. Meu coração começou a acelerar.

— Sugiro que você me deixe passar, agente Dupont.


— Ou o quê, senhora Rocchetti? — Ele perguntou. — A
máfia não ensina suas mulheres a lutar.

Eu olhei para ele. — Porque eu precisaria saber como


lutar, senhor? Agora, eu peço de novo, por favor, deixe-me
passar.

Dupont pareceu desapontado. Por mim? Por si mesmo?


Eu não tinha certeza. Ele pegou um cartão do bolso de trás e
passou para mim. — Se você mudar de ideia, não hesite em
me ligar.

Eu não peguei. — Não acho que isso seja necessário.


Desculpe-me...

Ele deu um passo para o lado, me bloqueando.

Eu nem pensei, apenas gritei: — OSCURO!

Antes que Dupont pudesse registrar o que eu havia dito,


Oscuro entrou no banheiro, Polpetto debaixo do braço direito
e a arma na mão esquerda. Quando ele viu Dupont, ele
rosnou como um animal.

— Cuidado. — Avisou Dupont. — Eu ainda sou um


agente federal.

— O agente Dupont estava saindo. — Eu disse. — E se


ele sabe o que é bom para ele, não vai me incomodar
novamente.
Dupont olhou para Oscuro. Ele olhou para mim. Seus
olhos me imploraram para reconsiderar sua oferta, mas eu
desviei o olhar.

Depois de um segundo, ele saiu. Oscuro observou


quando saiu pela segunda porta, com o queixo apertado.

No silêncio do banheiro, esfreguei meu rosto. Eu tinha


um desejo irresistível de chorar, o que era ridículo.

— Senhora? — Oscuro perguntou.

Eu olhei para cima. — Desculpe, Oscuro. Não vou


chorar, realmente...

Ele se mexeu. — Não é isso, senhora. É só que... eu


tenho que te levar direto ao Capo. Ele precisa saber tudo o
que aconteceu.

— Claro. — Eu tropecei nas palavras. — Claro. Onde ele


está?

— No circuito, senhora.
Capítulo Sete

O Circuito de Chicago era uma enorme pista de corrida


que Don Piero construíra quando chegou ao país. Costumava
ser uma pista de terra ilegal, mas agora a pista era um
enorme negócio multimilionário que via milhares de corridas
todos os anos. Quase 600.000 mil pessoas poderiam caber na
arena e mais de uma dúzia de premiações aconteceram aqui.

Papai costumava me deixar segui-lo para a pista


algumas vezes por ano. Ele me colocava em um dos
camarotes enquanto trabalhava nos negócios. Eu me sentava
lá e assistia com um leve horror e espanto os carros. Eles
costumavam ir tão rápido.

Não tinha voltado há anos, mas a pista não mudou


muito.

Oscuro me levou através do prédio ao redor da pista. A


maioria dos escritórios ficava abaixo dos assentos, exceto o
escritório principal, que ficava no topo dos camarotes
particulares e dava vista para toda a pista de corrida.

Fiquei surpresa que eles estavam na pista de corrida. O


inverno tornava impossível qualquer evento, pois uma fina
camada de gelo cobria a pista. E teria sido muito frio para
sentar do lado de fora por um longo período de tempo. Os
corredores estavam silenciosos, apenas os passos de Oscuro
e eu eram ouvidos.

— O Capo está lá em cima, senhora.

— É tão quieto no inverno. — Eu ri. — Quando meu pai


me trouxe aqui, sempre estava tão cheio.

— A pista de corrida será aberta novamente em março.

Oscuro me levou até o último andar. O escritório era


uma sala enorme, com janelas se estendendo ao longo dos
fundos, revelando a pista abaixo. Uma mesa de madeira
estava no meio, com duas poltronas à sua frente. Estantes
meio vazias cobriam as paredes, com centenas de fotos de
carros decorando o resto do espaço.

Alessandro sentou-se à mesa, sua atenção no


computador.

— Você pode ir, Cesco. — Ele disse.

Oscuro inclinou a cabeça. Ele olhou para mim com um


toque de pena antes de desaparecer atrás das portas.

Por um momento, houve apenas silêncio. Então Polpetto


latiu para Alessandro, obviamente reconhecendo-o como o
dono da casa.

— Silêncio. — Eu sussurrei.

Alessandro ignorou Polpetto e voltou seus olhos intensos


para mim. — Sente.
Eu fiz como me foi dito.

Chegar mais perto dele não era algo que meu corpo
queria fazer, mas eu me forcei a esconder meu medo. Ele só
reagiria a isso.

— Você foi abordada por um federal. — Ele disse, com


sua voz calma, mas isso não me enganou.

— Eu fui. — Tentei manter minha voz firme. — Fui aos


banheiros públicos do parque, enquanto Oscuro e eu
estávamos andando com Polpetto. Ele entrou pela entrada de
serviço e se aproximou de mim.

Alessandro recostou-se na cadeira. Suspeita entrou em


seus olhos. — Você sabia que ele estava lá?

— No banheiro? — Eu fiz uma careta. — Claro, que não.

— Do que vocês falaram?

Alisei os pelos de Polpetto. — Ele se ofereceu para me


proteger como testemunha se eu trabalhasse com ele. Disse
que iria derrubar todas as organizações criminosas de
Chicago e que eu poderia ajudá-lo contando o que sabia.

— E como você respondeu?

Algo no tom de Alessandro me irritou. Certamente ele


não achava que eu traíra a Outfit? Estaria em grande perigo
se o fizesse. — Neguei qualquer conhecimento de qualquer
organização criminosa em Chicago e pedi para sair.
— E você? Saiu? — Alessandro perguntou.

— Não. Ele bloqueou a porta. Foi quando chamei o


Oscuro.

— Entendo. — Ele me observou. — Por que você não


chamou Oscuro quando o viu pela primeira vez?

Eu analisei seu rosto, tentando descobrir o que estava


acontecendo em sua mente. Mas sua expressão não revelou
nada.

— Fiquei sobrecarregada, mas também não queria


levantar suspeitas. Minha primeira tática foi tentar convencê-
lo de que não sabia nada sobre a máfia e não tinha conexões
com ela. Mulheres normais geralmente não têm guarda-
costas.

— Tenho certeza que ele já sabia quem você era.

— Ele sabia. Ele me chamou de Sophia Padovino, mas


sabia do nosso casamento. Ele mencionou. — Eu fiz uma
careta. — Parecia saber muito sobre isso, na verdade.

— Os federais fazem suas pesquisas. — Foi a resposta


fria de Alessandro. — Algo mais?

Eu olhei para as janelas. A neve estava começando a


cair. E eu pensei que fevereiro sinalizaria menos neve.
Claramente eu estava errada. — Foi estranho. Foi quase
como se ele me conhecesse. Ele esperava que eu aceitasse
sua oferta. Na verdade, ele ficou muito bravo quanto mais eu
me fiz de sonsa.

— Você agora é uma Rocchetti. Ele saberia quem você é.


— Alessandro disse secamente. — Imagino que toda a
Unidade do Crime Organizado, saiba.

Esse fato me fez sentir um pouco tonta... e um pouco


presunçosa.

— O que você acha que ele queria de você? —


Alessandro perguntou, como se ele já soubesse a resposta. —
Por que você acha que ele mirou em você?

Voltei meus olhos para Alessandro. — Suponho que ele


tenha a impressão de que eu saberia muito sobre a Outfit. Os
detalhes minuciosos que poderiam justificar uma prisão. —
Eu fiz uma careta. — Mas estamos casados há apenas uma
semana. O que eu saberia?

Alessandro encolheu os ombros. — Talvez Dupont


quisesse que você fosse uma informante.

— Ele nunca disse... — O agente só me ofereceu


proteção. Mas o que de bom eu realmente traria em derrubar
a Outfit? Eu não sabia muito e as coisas que eu sabia eram
de ouvir conversas ao longo dos anos. Nada que pudesse ser
usado no tribunal.

Eu tinha visto os Rocchetti matarem os Gallagher. Mas


seria minha palavra contra a deles? E a polícia local
certamente não se atreveu a prendê-los. Nem eles me
apoiariam se eu me falasse algo. Além disso, eu também
havia matado alguém. Não é assim que, para se tornar
alguém da máfia, você tem que matar alguém? Então você
não poderia desertar para a polícia sem ser acusado.

Algo chamou minha atenção. — Como você sabia que o


agente se chamava Dupont? — Perguntei. — Eu nunca disse
o nome dele.

Alessandro pareceu um pouco divertido. — Para cada


informação que eles têm sobre nós, temos dez vezes mais.
Além disso, Oscuro o reconheceu. Dupont está bisbilhotando
desde que ingressou no FBI há três anos.

Eu sorri levemente e murmurei: — Claro.

— Mais alguma coisa que você lembra sobre a reunião?


— Ele perguntou.

Eu repassei a interação. Dupont parecia que ele


realmente queria me convencer a desertar para a polícia. Ele
me chamou pelo meu nome de solteira. E sabia do meu
casamento com Alessandro e a reputação de Alessandro. Ele
sabia que as mulheres não eram treinadas para lutar. No
entanto, tudo isso pode ser informação pública.

— Não. — Eu murmurei. — Nós não falamos por muito


tempo. Nem um minuto.

Alessandro olhou para mim. — Espero que esteja


dizendo a verdade, Sophia. Tenho certeza de que não preciso
lhe contar o que acontece com os traidores da Outfit.
— Eu nunca...

— Guarde isso para você. — Ele interrompeu. — Já ouvi


essas palavras milhares de vezes e nunca provaram ser
confiáveis.

Não sabia o que dizer sobre isso.

Alessandro levantou-se de repente. Tão gracioso e


predatório. Deu a volta na mesa e se inclinou sobre mim,
segurando-se com uma mão. A presença dele me cercou.

Meu coração começou a bater forte no meu peito.

— Você tem certeza que pode dizer que nunca me


trairia? — Perguntou. Alessandro colocou o rosto bem na
minha frente, nossos narizes quase se tocando. Eu senti que
ia desmaiar. — Você não ficou nem um pouco tentada?
Aposto que imaginou, uma vida fora da máfia. Poderia ir para
a faculdade, escolher seu próprio marido. Poderia conseguir
um emprego, andar sem guarda-costas.

Por vontade própria, meus olhos correram para seus


lábios antes de voltarem para seus olhos escuros. Eles eram
muito intensos, muito conhecedores. Eu engoli alto. — Vivo
apenas para ser uma boa esposa para você e uma boa mãe
para seus filhos.

Um sorriso lento cresceu em seu rosto. — Oh, você é


perfeita, não é? Tão perfeita que aposto que nem pensou em ir
embora. — Alessandro se inclinou para mais perto, nossos
narizes se tocando. O suor começou a picar na parte de trás
do meu pescoço. — Apenas me diga. Não vou contar a
ninguém. Você já pensou em sair? — Abri minha boca, mas
ele me cortou. — E sem besteira, esposa. Minta e eu não
ficarei feliz.

Alessandro me imprensou contra uma parede e, pela


expressão dele, ele também sabia. Eu poderia dar minha
resposta obediente de sempre e arriscar sua raiva, ou dar
minha resposta verdadeira e também arriscar sua raiva. Sua
expressão se intensificou como se ele pudesse ler minha
mente.

Engoli. — Era tudo brincadeira... eu nunca iria embora.

Os olhos dele brilharam. — Conte-me. Você ficou


tentada a aceitar a oferta de Dupont?

— Dupont, não. — Minha voz era suave.

— Então quem?

Apenas seja honesta, mas não muito honesta, eu disse a


mim mesma. Antes que eu percebesse, as palavras estavam
saindo da minha boca. — Minha irmã. No último ano do
ensino médio, ela realmente queria ir para a faculdade, mas
papai disse que não. Fiquei tentada, então... pensei em ir com
ela. Mas isso foi há muitos anos.

Um olhar estranho apareceu no rosto de Alessandro. —


Sua irmã. — Seu tom era tenso. — Sua irmã morta.
Eu olhei para o meu colo. A dor tomou conta do meu
coração. — Sim, minha irmã.

Alessandro ainda não tinha terminado comigo. — Por


que você não foi embora então?

— Éramos meninas, o que sabíamos do mundo? Nós


nunca tivemos empregos, nem sequer lidamos com uma
conta bancária. E deixar minha família? — Balancei minha
cabeça. — Éramos apenas jovens garotas imaginando algo
diferente. Não havia peso por trás das palavras.

— Claro que não. — Ele parecia zangado novamente. —


Você nunca faria algo tão rebelde. Não a minha esposa
perfeita.

Mantive meus olhos treinados no meu colo. Polpetto


olhou de volta para mim.

Alessandro recuou. Comecei a respirar de novo.

Ele não se sentou, apenas se apoiou na mesa. Olhei


para cima para vê-lo passando os olhos escuros pela pista. O
silêncio pesou sobre mim. — Oscuro mencionou a abertura
da pista novamente em março.

— Se o tempo estiver bom. — Alessandro baixou os


olhos para mim. — Por que seu cachorro está usando
sapatos?
— Oh! — Levantei Polpetto, mostrando suas botas. —
São suas botas de neve, para proteger seus pezinhos do frio.
Não são fofas?

Alessandro parecia que queria chamá-los de muitas


outras palavras, mas não fofas. — Ele parece ridículo.

— Ele não parece. — Cocei a barriga de Polpetto. Ele


imediatamente rolou de costas, revelando sua barriga.

Alessandro deu a volta até a parte de trás da mesa. —


Tenho uma reunião com meus homens. Oscuro irá
acompanhá-la até em casa.

Eu sabia quando tinha sido dispensada. Levantei-me


com Polpetto nos braços e comecei a sair do escritório.
Quando cheguei à porta, Alessandro chamou.

— Sophia?

Fiz uma pausa e me virei para olhar para ele. Ele não
estava olhando para mim. Toda a sua atenção estava no
computador à sua frente.

— Da próxima vez, chame imediatamente por Oscuro.


Não importa se for uma pequena conversa. Estou sendo
claro?

Mesmo que ele não estivesse olhando para mim, a


intensidade por trás do comando era clara. — Claro. Isso não
vai acontecer novamente. — Saí antes que ele pudesse dar
mais comandos.
Os funerais de Paola Oldani, Tony Scaletta e Nicola
Rizzo foram realizados nos mesmos três dias. Foram
facilmente às setenta e duas horas mais deprimentes da
minha vida.

Todas essas mortes ocorreram no meu casamento. Eles


foram convidados inocentes e isso levou à sua morte. Eles
Não estavam no campo ou na linha de perigo. Apenas
sentado nos bancos de uma igreja durante uma cerimônia de
casamento.

Minha culpa era incapacitante. Tentei ser a convidada


perfeita. Trouxe comida para a família no meu melhor prato e
falei com cada membro da família individualmente.

Mas eu sabia o que era para eles. Talvez eu não fosse a


causa da morte de seus entes queridos, mas definitivamente
um fator que contribuiu.

Além disso, a igreja havia sido consertada, graças a uma


doação generosa da Outfit, e era na igreja em que os funerais
ocorriam. Cada vez que eu olhava em volta, minha mente
relembrava o dia do meu casamento. Do sangue quente no
meu pescoço, a ferida de tiro na lateral do meu corpo. O
medo, os cheiros.
A sensação de terminar com uma vida.

Alessandro não mostrou nenhuma reação... nem


nenhum outro Rocchetti.

Levantei-me e sentei-me com os Rocchetti durante cada


cerimônia. As pessoas evitavam nosso pequeno grupo,
olhando-nos com reverência e medo. Uma pequena parte de
mim sentiu uma contração de presunção, de poder. Mas eu a
reprimi.

— Um dia tão terrível. — Don Piero disse. Ele estava


sentado à minha direita, com Alessandro à minha esquerda.
Todos os demais estavam um pouco incomodados por eu
estar sentado tão perto do Don, mas ele havia insistido que
precisava de uma presença 'suave' para um dia assim. — Que
desperdício de vida. — Todos nós fizemos barulhos de acordo.

Achei difícil não pensar no funeral da minha irmã.


Sempre que olhava o mar de preto, ouvia os sermões do
padre ou até mesmo a terra batida no caixão, minha mente
voltava à minha irmã. Lembrava-me de Cat sendo abaixada
no chão, desaparecendo de mim para sempre.

A última vez que a vi, ela estava tão saudável e


brilhante. Recusava-me a ver o corpo, não querendo manchar
minhas lembranças dela. Mas talvez eu devesse ter visto.
Talvez isso tivesse me ajudado a restringir a conexão entre
nós, me ajudado a seguir para a terra dos vivos.
Está no passado agora, pensei. Vai fazer dois anos em
março.

Quando o padre se afastou do pódio, Don Piero


levantou-se. Ele não tinha dito nada nos outros funerais.
Seus filhos, Salvatore e Enrico, também estavam com ele.
Todos os Rocchetti usavam expressões calmas, enquanto o
resto de nós estava um pouco obscuro.

Eu olhei para Alessandro.

Ele olhou para mim. Algo nos olhos dele me disse para
me sentar e jogar com calma.

Don Piero foi à frente da igreja, enquanto seus filhos


desapareciam. Ele ficou embaixo da Maria Madalena e
esticou os braços. Comandava mais da igreja do que o
sacerdote.

— Meu povo, estou arrasado por estar diante de vocês


nessas circunstâncias. Fomos atacados, minha família e a
sua. Sangue foi derramado durante uma de nossas
cerimônias mais sagradas. — Don Piero balançou a cabeça.
— Eu prometi a vocês vingança e é vingança que eu concedo
a vocês agora.

Houve movimento ao lado. Todos nós assistimos quando


Salvatore e Enrico voltaram para a câmara, mas agora eles
estavam segurando um homem firmemente entre eles. O
homem lutou, mas não era nada comparado a Toto, o
Terrível, e Lil Rico.
A igreja ficou em silêncio enquanto eles arrastavam o
homem para o pódio. Até o padre parecia sem palavras.

Don Piero se inclinou, agarrou a parte de trás da cabeça


do homem e a puxou. O homem tinha um rosto forte, embora
gravemente espancado. Seu cabelo era um vermelho sujo,
quase combinando com a cor de seus olhos vermelhos. Em
seu pescoço havia uma tatuagem com a cruz e as palavras
IRISH PRIDE15.

— Eis aqui Gavin Gallagher! — Don Piero gritou. —


Filho de Angus Gallagher. Angus Gallagher, que atacou
nossos entes queridos e derramou nosso sangue.

A multidão começou a se remexer.

Mordi meu lábio. Eu sabia para onde isso ia dar e não


seria fácil limpar o mármore.

Don Piero abaixou a cabeça de Gavin e subiu para a


multidão mais uma vez. — Prometi vingança e agora concedo.
Ao matar nossos entes queridos, Angus garantiu que
devemos matar um deles.

Um senso de entendimento atravessou a multidão. Os


homens começaram a se levantar, com fome de ser quem
acabaria com a vida dos Gallagher. As crianças foram
empurradas para baixo dos bancos e instruídas a tapar os
ouvidos.

15 - Orgulho Irlandês
— Calma, meus homens. — Don Piero disse
suavemente. — Seu desejo de vingança é compreensível, mas
talvez ninguém mereça mais essa morte do que... — Ele
apontou para a primeira fila. — Anthony Scaletta, filho de
Tony Scaletta. Venha aqui, Anthony.

Anthony era um garoto jovem, talvez apenas quinze. Ele


era alto e magro, com cabelos castanhos desgrenhados e
olhos grandes. Mas uma raiva estranha se apoderou dele,
fazendo com que seu rosto jovem se apertasse severamente.

Don Piero tirou uma arma do bolso de trás e passou


para Anthony. — Esse homem ajudou a orquestrar a morte
de seu pai. A morte de Nicola Rizzo. A morte de Paola Oldani.
Ele merece continuar respirando, quando eles não?

— Não. — A voz de Anthony ainda não tinha


engrossado, mas isso não o impediu de soar terrível. — Não,
ele não merece.

— Não, ele não merece. — Don Piero concordou. Ele


gesticulou para Salvatore e Enrico. Eles soltaram Gavin e ele
caiu no chão, respirando pesadamente. — Faça o que você
deve ser feito, Anthony.

Anthony estendeu a arma, apontando diretamente para


Gavin. Havia um leve tremor em suas mãos.

Náuseas surgiram em mim. Mas esse era o jeito da


Outfit, da máfia. Esse garoto se tornaria um Made Man para
substituir seu pai, e era assim que ele faria.
Este pode ser seu filho um dia, uma voz estranha ecoou
em minha mente.

Virei minha cabeça para o lado, pressionando meu rosto


no ombro do meu marido. O cheiro reconfortante de
Alessandro me cercou.

Alessandro não me forçou a virar e assistir. Mas eu senti


seu corpo apertar antecipando o que estava por vir.

Houve um segundo de silêncio, de quietude.

Então o som de um tiro ecoou por toda a igreja.

Por instinto, virei-me para o barulho e senti meu


coração bater no peito.

Deitado no pódio, em uma poça de seu próprio sangue,


Gavin Gallagher olhava para o céu. Maria Madalena o
encarou do seu vitral.

Anthony ainda segurava a arma no lugar, com o rosto


frouxo de choque. Por um minuto, pensei que ele vomitaria,
eu com certeza o faria, mas Don Piero bateu uma mão pesada
no seu ombro e sua voz soou acima da multidão. — Anthony
Scaletta, Made Man da Outfit.

Um aplauso terno correu por toda a igreja.

Os homens se levantaram para parabenizar Anthony,


enquanto o resto de nós ficou em nossos lugares. Eu me senti
entorpecida, doente e triunfante. O triunfo era uma parte
muito pequena de mim e tinha mais a ver com as mortes
vingadas do que com a iniciação de Anthony. Talvez tenha
sido de mau gosto, mas não pude evitar quando olhei para o
corpo quebrado de Gavin.

Aquele homem havia ajudado a matar pessoas


inocentes. Ajudou a matar pessoas que eu conhecera toda a
minha vida, minha família de todas as formas, exceto sangue.

Depois disso, as coisas começaram a ficar lentas. Um


cobertor foi jogado sobre o corpo de Gavin para que crianças
e mulheres pudessem sair do funeral sem ter mais cicatrizes
do que já tinham. Anthony foi passado como um troféu, todos
querendo apertar sua mão.

Eu me separei dos Rocchetti e fui ajudar a Sra. Scaletta.


Ela estava pálida, mas havia um brilho saciado em seus
olhos. A vingança fora servida pela morte do marido e seu
filho cuidaria dela agora.

A Sra. Scaletta segurou minha mão com força enquanto


descíamos os degraus da igreja. Estava frio lá fora, mas ela
não pareceu notar.

— Sra. Scaletta, posso convencê-la a vestir seu casaco?


— Eu perguntei novamente.

Ela balançou a cabeça. Seu véu preto pegou pequenos


flocos de neve. — Não. — Ela murmurou. — Onde está meu
filho?

— Ele está lá dentro. Devo buscá-lo para você?


— Não, ele está ocupado. — A senhora Scaletta
procurou as pessoas reunidas. — Meu Tony está morto.

— Eu sei, senhora. Sinto muito.

Ela piscou seus olhos escuros para mim. — Por que


você sente muito, senhora Rocchetti? Você não fez isso. —
Um olhar melancólico a invadiu novamente. — La sposa
insanguinata. — A Bloody Bride.

Eu sorri, apesar do meu estômago apertar.

Um de seus parentes veio buscá-la e a Sra. Scaletta foi


escoltada até seu carro. As pessoas estavam começando a
sair, indo para o cemitério para enterrar Tony Scaletta.

Fui até Oscuro, que estava estacionado perto da frente


do prédio, mas algo chamou minha atenção.

No final da rua, havia um carro. Era um Dodge Charger


preto. Neve não cobriu o carro, mostrando que ele estava em
uso recentemente.

Que estranho, pensei, havia exatamente o mesmo carro


na frente da igreja quando me casei aqui.

— Senhora? — Oscuro chamou.

Percebi que estava olhando e rapidamente fui em


direção a Oscuro. — Eu sinto muito. Eu me perdi no país das
maravilhas por um momento.

— É um dia muito difícil. — Ele respondeu em resposta.


Olhei de volta para o carro na rua. Talvez pertencesse a
um dos donos das lojas ao redor? Mas por que eles
estacionariam na rua em vez de estacionar na vaga dos
funcionários?

Com um último olhar, entrei no carro.

Ainda assim, a sensação desconfortável me seguiu todo


o caminho de casa.
Capítulo Oito

14 de fevereiro veio com uma vingança impressionante.

Eu já estava casada por quase três semanas. Foram


talvez as três semanas mais estressantes da minha vida,
cheias de tormento, morte e muito sangue. A lembrança mais
brilhante do meu casamento até agora era Polpetto, que
estava ficando maior a cada dia.

Para garantir que não houvesse dúvidas por trás do


nosso casamento, Alessandro e eu tivemos que sair juntos no
Dia dos Namorados. Um casamento fraco era uma má
representação para a família, e poderia fazer parecer que
Alessandro não tinha as coisas sob controle.

Estava com medo do jantar e passei o dia inteiro quase


desmaiando.

Beatrice fez o possível para acalmar meus nervos, mas


nós duas sabíamos que eu era um caso sem esperança.
Embora ela tenha sido fundamental para me ajudar a
escolher um vestido para usar.

O vestido que escolhi foi um longo, de seda branca, feito


como um roupão, mas com um decote revelador.
Originalmente pertencia à minha madrasta, mas uma vez que
viu que ele chamou minha atenção, ela me deu. É claro que
eu era pequena demais para usá-lo, mas era o meu vestido
formal favorito.

Combinei com saltos com tiras de prata, um colar de


diamantes simples e brincos combinando. Meu cabelo estava
sobre o ombro esquerdo, perfeitamente penteado em ondas e
minha maquiagem estava impecável.

Levei horas para aperfeiçoar o visual e tive algumas


crises na frente do espelho quando meu rímel manchou.

Eventualmente, estava na hora de partir. Eu segurei


minha clutch e casaco em um aperto mortal enquanto
esperava pelo relógio chegar às seis horas.

— Eu tenho que ir agora, Polpetto. Seja bonzinho, sim?


— Eu cocei a cabeça dele. Ele balançou o rabo contente.

Eu estava nervosa por deixá-lo sozinho em casa, mas ele


deveria ficar bem por algumas horas. Eu tinha deixado sua
cama no andar de baixo, com todos os seus brinquedos e seu
jantar. Além disso, o tapete dele estava no banheiro do térreo.

Ele vai ficar bem, eu disse a mim mesma. Mas você não
ficará, se fizer Alessandro esperar.

Alessandro me disse para encontrá-lo na garagem


subterrânea. Talvez eu tenha tido sorte de ele não ter me feito
encontrá-lo no restaurante.

Quando cheguei à garagem, meu aperto na minha


clutch estava oscilante.
Você pode fazer isso, eu disse a mim mesma. Apenas
tenha uma conversa casual com ele. Não diga nada que possa
ser considerado uma ameaça ou opinião. Sorria, seja sonsa e
não deixe que ele lhe dê um motivo para puni-la.

Assim que dei um passo para fora do elevador, eu os vi.


Oscuro estava em pé, com Beppe a seu lado. Ambos usavam
roupas escuras com grandes botas de combate e armas
enfiadas nos seus cós e coldres. Segurança para a noite
então.

Antes que eu pudesse cumprimentá-los, avistei


Alessandro e senti as palavras morrerem na minha garganta.

Ele parecia espetacular, encostado no capô do carro com


os braços cruzados. Usava um smoking bem ajustado, com
um lenço prateado no bolso. Seus sapatos estavam brilhando
e o relógio em seu pulso brilhava na luz. Ele havia penteado
os cabelos escuros para trás e uma única mecha solta
escapava em sua testa.

Quando ouviu meus passos, ele levantou a cabeça e


encontrou meus olhos.

Eu não conseguia nem dar um alô.

— Sophia. — Alessandro disse. Seus olhos viajaram pelo


meu vestido, mas demoraram muito no meu decote exposto.
— Agradável. — Foi a sua resposta.
Agradável? É isso aí? Eu senti vontade de arrancar as
suas sobrancelhas e dizer a ele que só pareciam ‘agradáveis’
depois, como se ele não estivesse se rasgando de dor.

Em vez disso, sorri educada.

Alessandro gesticulou para eu entrar no carro antes que


eu pudesse conversar com Oscuro e Beppe. O carro era tão
baixo que quase tive que fazer um movimento de parkour
para entrar com meus saltos. Seu carro favorito, eu soube ao
longo das semanas, era o Lamborghini preto. As portas se
abriam estranhamente, que era a única peça de trivialidade
que eu sabia sobre isso.

Ele deu a volta na frente do carro e sentou no banco do


motorista.

Eu olhei em volta. — Oscuro e Beppe não estão se


juntando a nós?

Alessandro apertou um botão e as portas se fecharam.


— Eles vão nos seguir no Range Rover.

O motor rugiu e Alessandro saiu correndo da garagem.


Tentei esconder o fato de que estava segurando o assento
pela minha vida, mas Alessandro percebeu. Ele riu
sombriamente.

— Os carros esportivos não são feitos para ir devagar.

— Nem mesmo dando ré? — Eu chiei.


Alessandro acelerou na estrada principal, apenas
diminuindo a velocidade para evitar uma colisão. Atrás de
nós, o Range Rover lutava para acompanhar.

Chicago estava cheia de casais no Dia dos Namorados.


Em todo lugar que eu olhava, via pessoas de mãos dadas. O
parque estava cheio de piqueniques e os restaurantes até a
borda com clientes. As árvores foram decoradas com luzes
rosa e brancas, iluminando a neve e as ruas.

Eu assisti os casais. A maioria deles de mãos dadas, os


rostos brilhantes. Os casais jovens se beijavam em todos os
cantos, enquanto os casais mais velhos pareciam felizes em
existir na mesma área que eles escolheram para viver sua
vida. Vi um casal de idosos sentados em um banco, cabeças
pressionadas, cabelos grisalhos entrelaçados. Eles pareciam
estar em seu próprio mundinho.

Que estranho, pensei, nunca serei nenhum desses


casais.

Alessandro chegou ao restaurante.

O manobrista abriu a porta para mim e eu lhe dei um


sorriso agradecido quando saí do carro.

— Bem-vinda à Nicoletta. — Ele disse calorosamente.


Assim que viu Alessandro, seus olhos quase saíram da
cabeça. — Sr. Rocchetti, senhor.
— Lucas. — Cumprimentou Alessandro quando ele deu
a volta no carro. Ele passou as chaves do carro para ele. —
Regras de costume.

— Sim senhor, sim. — Lucas engoliu em seco antes de


correr para o carro.

Alessandro pressionou uma mão na minha parte inferior


das costas. Eu endureci. Fiquei agradecida por ter usado um
vestido com costas ou o contato pele a pele me faria
desmaiar. Sentir seu toque quente através do tecido já era
ruim o suficiente.

Pegamos o elevador até o restaurante. Nicoletta era um


belo restaurante sofisticado que pertencia a Outfit. O
restaurante era redondo, com vistas de todos os ângulos da
cidade abaixo. Centrou-se em torno de uma árvore cítrica
falsa. Ao longo das paredes, belas pinturas da Itália foram
mostradas e o teto estava pintado com um mural dos céus.

— Sr. Rocchetti. — Chamou uma voz ao nosso lado. —


Sua mesa de sempre é por aqui.

Seguimos a garçonete pelo restaurante. Senti os olhos


se aproximarem e se fixarem em Alessandro Rocchetti, o
Príncipe de Chicago. Então seus olhos foram para mim. Eu
senti a realização assentar sobre a multidão. Essa é Sophia
Rocchetti. Esposa de Alessandro.

Eu levantei meu queixo.


Alessandro puxou uma cadeira para mim e eu me
sentei. Nossa mesa estava localizada na parte de trás, nos
dando uma sensação de privacidade. Ao nosso lado, uma
enorme janela se estendia, mostrando a cidade tilintante
abaixo.

Puxei o menu para evitar conversas.

Eu durei cerca de sete segundos. — Onde estão Oscuro


e Beppe?

— Explorando a área. — Alessandro disse. — Não se


preocupe, eu posso protegê-la.

— Oh, eu não quis dizer...

— Eu sei que você não quis. — Ele pareceu irritado de


repente.

Eu me enterrei de volta no menu.

A garçonete apareceu com uma garrafa de vinho antes


de sair correndo. Ela quase derramou o vinho pelo quanto
estava tremendo.

Para tentar me impedir de falar, olhei em volta do


restaurante. Eu vi rostos levemente familiares, provavelmente
tendo os visto na televisão ou eles estavam associados ao
Outfit de alguma forma. Enquanto olhava ao redor da sala,
peguei alguns olhos. Como se eles estivessem me observando
primeiro.

Todos eles rapidamente desviam o olhar.


Voltei ao menu.

— O que você está pensando em pedir? — Eu perguntei.

Alessandro não olhou para cima. — Você nem durou


dois minutos.

— Desculpe?

— Em silêncio. — Ele encontrou meus olhos. Eu poderia


jurar que ele parecia quase... como se ele quisesse sorrir? Ou
talvez ele estivesse zombando? — Você não pode durar dois
minutos.

Eu corei. — Meu pai diz que eu posso conversar com os


pássaros nas árvores.

Alessandro assentiu em concordância. Ele não disse


mais nada.

— A família de Nicoletta são os proprietários desse


restaurante? — Eu perguntei.

— Sim, — disse ele, olhando para o menu. — Don Piero


o construiu pouco depois da morte da minha avó.

— Romântico.

Alessandro fez um barulho baixo na garganta. Ou de


acordo ou ele estava rindo de mim.

Eu brinquei com o menu. Ao meu redor, casais felizes


desfrutavam do jantar e da conversa. Até alguns casais que
não pareciam felizes estavam conversando. Mas nenhum
deles está sentado com o príncipe Rocchetti, disse uma voz na
minha cabeça.

— Por que você está se contorcendo? — Ele perguntou.

Eu parei. — Estou preocupada com Polpetto. Ele nunca


esteve em casa sozinho por tanto tempo antes.

Parecia que Alessandro iria revirar os olhos. — Tenho


certeza que seu vira-lata está bem.

A garçonete veio antes que eu pudesse responder. Ela


continuou olhando nervosa para Alessandro e anotou nossos
pedidos rápido. Assim que confirmamos, ela decolou
assustada.

Eu a observei ir. — Todo mundo aqui está com medo de


você.

— Incluindo você.

Olhei de volta para Alessandro. Ele me deu um olhar


frio. Não sabia como responder, já que eu tinha medo dele.
Mas talvez viver em harmonia tranquila com ele tivesse
reduzido um pouco disso. Eu dormia de costas para a porta e
não tinha medo de bater no escritório para perguntar se ele
queria jantar.

Ainda assim... quando ele olhava para mim. Ou movia-


se sobre mim. Sentia um choque de terror, de antecipação.

Eu simpatizava imensamente com a garçonete.


— Nada a dizer? — Ele meditou. — Não é como você.

Tomei um gole do meu vinho.

Um olhar predatório cresceu em seu rosto. Alessandro


estava me comendo com sua expressão, como se estivesse
rasgando minhas roupas em sua mente. — Você tem medo de
mim, esposa?

Eu engoli. — Sim. — Minha voz era tão suave que eu


mal podia ouvi-la através dos sons do restaurante.

— Você deveria ter. — Foi a sua resposta.

Encontrei seus olhos. Tão escuros e intensos. Meu


coração acelerou e meu estômago apertou. De repente, senti
muito calor. — Desculpe-me, eu preciso ir ao banheiro. —
Levantei-me tão rápido que sacudi a mesa.

Alessandro não se mexeu. Apenas se recostou e sorriu.

Tentei não fugir gritando pelo restaurante. Cabeças se


viraram enquanto eu andava pelas mesas e sussurros se
seguiram.

Os banheiros estavam ao dobrar em um corredor, meio


escondidos por uma planta cítrica falsa. Entrei no banheiro
das damas. Como o restaurante, era de tema mediterrâneo,
com paisagens da Itália atravessando as paredes e videiras
douradas rastejando em volta dos espelhos.

Entrei na primeira cabine vazia.


Eu nem precisava vir, e tentar usar o vaso com este
vestido seria uma tarefa difícil. Eu me encostei-me à parede e
respirei fundo.

Você pode fazer isso, eu disse a mim mesma. Não dê a


ele um motivo para machucá-la.

A porta do banheiro se abriu e vozes entraram.

— Ouvi dizer que ele a mantém em uma gaiola e só a


deixa sair quando precisa dela. — Uma voz alta disse.

— Realmente? — Exclamou sua companheira. — Acha


que isso é verdade?

— Eu acho que ele é aterrorizante.

— Todos eles são. — Suspirou uma delas. — Johnny


disse ter visto Enrico Rocchetti no saguão com sua amante.

— Sim, bem, diga a ele que Alessandro Rocchetti está


apreciando seu vinho a duas mesas da nossa. — Murmurou
aquela com uma voz alta. — Você conhece a Elizabeth?
Aquela do meu trabalho, ela é prima de uma garota que é
amiga de Nina Genovese. Elizabeth disse, que sua prima
disse, que Nina Genovese disse que uma gangue rival atacou
o casamento e Alessandro Rocchetti aparentemente acabou
com eles.

— Você realmente acredita nisso? — A amiga dela


perguntou.

— Definitivamente. Ele parece um sádico, não acha?


Eu me inclinei mais perto da porta.

— Sim, e lindo. — A amiga riu.

— Não seja tão fútil. Ele é um assassino, por completo.


Não sei por que a polícia não os prende a todos.

— Corruptos. — Concordou com sua amiga.

Elas lamentaram a corrupção das agências do governo


de Chicago antes de sair do banheiro. Assim que ouvi a porta
se fechar, soltei um suspiro profundo.

Talvez ser mantida em uma gaiola teria sido mais


reconfortante. Pelo menos eu saberia o que esperar.

Quando voltei à mesa, Alessandro mal percebeu minha


aproximação. Ele estava olhando friamente pela janela, como
se pudesse pular pelo vidro e descer para a cidade.

— Nina Genovese é casada com o Underboss16, Davide?


— Perguntei.

Ele cortou os olhos para mim. — Sim. Por quê?

— Oh, sem motivo. Queria convidá-la para almoçar e


não queria usar o nome errado.

— Mentirosa.

Tentei esconder minha culpa.

16 É uma posição dentro da liderança nas famílias da Cosa Nostra americana e Máfia siciliana.
Alessandro desviou sua atenção da cidade abaixo e a
direcionou para mim. Toda mulher se sentia assim quando
seus olhos intensos se fixavam nelas? Elas também ficavam
com o coração acelerado? Apertando as coxas?

— Por que você estava perguntando? — Ele pediu.

Nesse momento, a garçonete veio com nossas refeições.


Ela os colocou na nossa frente, tremendo muito, antes de
fugir.

Eu comi para evitar responder sua pergunta. Fiz uma


pausa e lambi o céu da minha boca. Havia um gosto quase
metálico na comida. Bebi um pouco de vinho para tentar
lavar o sabor, mas ele permaneceu.

Não querendo mais comer, olhei para cima e encontrei o


olhar do meu marido.

Alessandro me observou com pálpebras pesadas.


Parecia que ele ia me comer viva, ossos e medo também.

— Ah, Alessandro.

Nós dois levantamos nossas cabeças para a voz. Enrico


Rocchetti aproximou-se da nossa mesa, bem vestido e com
quase quarenta anos. Ao seu lado estava uma mulher de tirar
o fôlego, pelo menos uma década mais nova, vestida com um
longo vestido vermelho. Ela tinha traços delicados tão pálidos
que poderiam ser confundidos com uma boneca de porcelana.
Alessandro se levantou e apertou a mão do homem. —
Tio.

— Não quero incomodar você e sua esposa. — Ele disse.


— Eu só vim para dizer olá. — Ele sorriu para mim. Eu me
levantei e permiti que ele beijasse minha bochecha. —
Sophia, você está linda. — Os olhos de Enrico caíram no meu
estômago. — Ainda não está grávida?

Sorri através da minha tensão. — Não, ainda não. Ainda


não faz um mês, mas espero que em breve. — Para mover sua
atenção, gesticulei para sua companheira. — Eu sou Sophia,
e você é?

— Esta é Saison. Saison, meu sobrinho e sua esposa.

Ela sorriu tímida. — É um prazer conhecê-la.

— Você também. — Dei a ela um sorriso brilhante. —


Adorei seu vestido. É Chanel?

Saison assentiu. — Da linha primavera.

— É lindo.

Conversamos sobre nossos vestidos enquanto


Alessandro e Enrico discutiam outra coisa. Rapidamente,
Enrico pediu licença para sair com Saison. — Não estamos
aqui para interromper o seu Dia dos Namorados. — Ele disse
quando eles foram embora.

Alessandro e eu nos sentamos novamente.


Até Enrico e sua amante pareciam se dar melhor do que
Alessandro e eu, pensei.

— Saison é adorável. — Eu disse no silencio.

— Ela tem laços com a União Corse17. — Foi sua


resposta.

Não sabia o que isso tinha a ver comigo, então mantive


minha boca fechada e a enchi com o meu jantar. O som de
garfos raspando pratos encheu o silêncio, mas não fez nada
para me deixar à vontade. Ainda não está grávida, dissera
Enrico.

Todo o propósito da minha existência era engravidar e


ter um pequeno Rocchetti.

Tentei calcular minha última menstruação, mas não


consegui lidar com os números. Eventualmente, desisti e
raciocinei comigo mesma. Alessandro e eu só fizemos sexo
uma vez, havia muito pouca chance de concepção.

Olhei para Alessandro. Por que ele não dormiu comigo


novamente? Ele pode não estar atraído por mim, mas eu
duvidava que isso o impedisse de cumprir seu dever com sua
linhagem. O dever era inevitável.

Alessandro deve ter sentido o peso do meu olhar, porque


ele levantou os olhos.

Eu olhei de volta para o meu jantar.

17 Um dos grupos mais importantes da máfia corsa, proveniente da França.


Não seja estúpida, eu disse a mim mesma. Você deveria
estar ajoelhada agradecendo a Deus que ele não voltou sua
atenção para você novamente. Eu sabia dos rumores sobre
suas conquistas passadas.

— Não está com fome, Sophia?

Percebi que não estava comendo. Eu devo ter me


perdido em pensamentos.

— No que você estava pensando tanto?

Olhei para cima e encontrei seus olhos. Engoli. — Nada.

— Você não vai contar ao seu marido o que está


pensando? — Alessandro pousou o garfo. Ele havia
encontrado algo muito melhor para devorar. — Que tipo de
casamento é esse?

— O que você estava pensando? — Perguntei, antes que


eu pudesse deter as palavras. Minha boca grande parecia
piorar ao redor do meu perigoso marido.

Alessandro sorriu devagar. — Estou pensando em


empurrá-la sobre esta mesa, abrir suas pernas e enterrar
minha língua em sua boceta.

Meu garfo e boca caíram. A imagem veio até mim tão


rapidamente. Eu, pernas abertas, a sua cabeça escura entre
elas, minha cabeça inclinando-se para trás, o prazer
enquanto ele...
— Estamos jantando. — Era tudo que eu conseguia
pensar em dizer. As coisas ficaram muito quentes, muito
rápidas...

— Prefiro ter você a esse risoto. — Ele olhou para ele


com desdém. — Eu prefiro o seu, de qualquer maneira. Por
que isso?

— Eu faço meu próprio caldo. — Eu gaguejei.

Alessandro olhou para mim. Sua raiva pelo risoto foi


substituída por um olhar estranho. — Você faz seu próprio
caldo.

Meu coração estava batendo tão rápido. — Dita me


ensinou.

— Ah. Dita. — Ele meditou, seus olhos brilhando. A


leveza de seu humor repentino me surpreendeu. Ou talvez eu
tenha interpretado mal o tom e a expressão dele. Talvez fosse
apenas um truque da luz.

Eu tentei combinar sua facilidade repentina com a


minha. — Ela me ensinou tudo o que sei sobre culinária.

— Ela fez um bom trabalho.

Eu senti um sorriso verdadeiro crescer. — Obrigada.

Um zumbido suave veio do bolso de Alessandro antes


que qualquer outra coisa pudesse ser dita. Ele pegou o
telefone e franziu a testa para a tela.
— Está tudo bem? — Eu perguntei, realmente não
esperando uma resposta. Os negócios da máfia não eram para
mulheres, papai costumava sempre me dizer.

— Seu pai foi assaltado.

Eu comecei. — Ele está bem?

— Sim. — Alessandro colocou o telefone de volta no


bolso. Ele sinalizou pedindo a conta.

— O que foi roubado? — Eu perguntei.

— Ele ainda não tem certeza. Vou levá-la até lá agora e


você pode identificar o que foi roubado.

Eu fiz uma careta. — As coisas mais caras da casa


estavam no quarto dele. E depois as artes. Não sei quanta
ajuda...

— Foi no seu quarto e no da sua irmã.

Quarto de Cat? Meu quarto? Eles eram quartos de


crianças, não havia nada de valor lá. E qualquer coisa que
pudesse ter sido valiosa eu levara para casa de Alessandro. —
Bem, eles devem ter saído de mãos vazias. Não há nada em
nossos quartos.

Alessandro levantou-se quando a garçonete correu. —


Vamos, Sophia. Agora.
Ele não tinha mais aquele humor suave de um momento
atrás. Agora, meu marido estava bravo. Eu fiz como me foi
dito e corri atrás dele.

Quem em sã consciência roubaria dois quartos de


crianças?
Capítulo Nove

O quarto de Cat estava destruído.

Sua cama estava de cabeça para baixo, seus livros


espalhados e todas as suas molduras foram abertas. Até as
cortinas foram retiradas dos varões. No entanto, a coisa mais
estranha foi a destruição de seus bichos de pelúcia de
infância. Eles foram cortados, deixando pedaços por todo o
recinto.

Eu me segurei na porta.

A última prova restante de que minha irmã tinha estado


neste mundo, havia usado esse espaço, se foi. Rasgado e
destruído.

Meu quarto havia sobrevivido um pouco melhor. Os


bichos de pelúcia e as molduras haviam sido desmontados,
mas o espaço já estava meio vazio.

No final do corredor, pude ouvir Alessandro, Don Piero e


Papai. Don Piero já estava aqui quando chegamos, pois
morava apenas a algumas ruas de distância. Mas era
estranho ele se envolver em algo tão trivial quanto um
assalto. Talvez ele o visse mais como um arrombamento e
uma invasão sem sentido.

Eu olhei ao redor do quarto.


Foi mais do que uma invasão sem sentido? A destruição
não foi feita por diversão, eles estavam procurando por algo.
Passei os olhos pelos brinquedos e molduras destruídos,
pelos móveis rasgados.

Não parecia que eles tinham encontrado.

— Sophia? — Veio a voz dura de Alessandro.

Eu me virei para ver todos os homens vindo em minha


direção. Papai estava de terno. Ele estava fora quando o
assalto aconteceu? Com quem ele esteve? Eu não acho que
eu poderia lidar com outra madrasta neste momento, mas
seria bom papai não ficar sozinho nesta casa grande.

— Você está bem, bambolina? — Papai perguntou.

Eu assenti. — Sim. Mas eu não entendo... por que eles


não pegaram as artes ou as joias?

— Acreditamos que eles estavam procurando por algo.


— Papai me disse. Alessandro e Don Piero lhe lançaram um
olhar.

Então, minhas suspeitas estavam corretas. — O que eles


poderiam estar procurando no quarto de Cat e no meu? Um
teste com qual Jonas Brothers você é mais adequada para se
casar? — Don Piero sorriu com leveza.

— Não, minha querida. Mas você sabe alguma coisa de


valor no quarto da sua irmã ou no seu?

— De valor? As joias não foram tocadas.


— Não as joias. — Alessandro interrompeu. Ele estava
me olhando duramente. — Havia documentos importantes?

— Certidões de nascimento, passaportes? — Don Piero


acrescentou.

Documentos? — Os documentos de Cat estão no sótão.


Todos os meus estão na cobertura. — Olhei de volta para o
quarto da minha irmã. Ela estava escondendo algo lá? Não
deixe que os Rocchetti façam você suspeitar de sua irmã, eu
disse a mim mesma. Cat não fez nada de errado. — Não há
nada importante nesses quartos. Eles são quartos de
crianças. Eu não…

— Claro, bambolina. — Papai me deu um tapinha no


meu braço. — Provavelmente foi um roubo que não deu certo.

Eu pisquei meus olhos para ele. — Onde você estava?

Papai franziu o cenho para mim. — Não seja


intrometida.

Eu olhei para os Rocchetti. Alessandro e Don Piero


pareciam estar tendo uma conversa intensa, mas se
interromperam rapidamente. Alessandro me deu uma olhada
dura, enquanto Don Piero sorriu educadamente para mim.

Estranhamente, descobri que preferia a expressão de


Alessandro.

— Sophia, você se importaria de pegar a certidão de


nascimento da sua irmã?
Eu sei muito bem quando me dizem para sair.
Rapidamente me afastei, aliviada por ter um pouco de tempo
para mim. Ao virar o corredor, ouvi-os começar uma conversa
intensa. Eu sabia que havia mais do que me diziam - mas o
que mais poderia haver?

O sótão era meu lugar menos favorito na casa. Cat e eu


acreditamos firmemente que era assombrado. Costumamos
ouvir gemidos e rangidos. Quando criança, isso significava
que havia um fantasma morando lá em cima. Agora eu sabia
que era apenas a casa antiga, mas ainda assim... minhas
mãos começaram a suar um pouco quando subi a escada e
enfiei a cabeça no sótão.

Tossi quando a poeira me atingiu. — Cristo. — Eu


murmurei.

A caixa de Cat estava perto da frente, graças a Deus. Eu


a peguei, afastando a poeira. Estava cheio de livros e
documentos, mas consegui tirar a caixa do sótão
amaldiçoado. E rapidamente o fechei novamente.

Olhei para a caixa e senti meu coração apertar. Toda


prova de sua existência estava nesta caixa, e agora Don Piero
a queria.

Por quê? Eu não conseguia entender o porquê. Eles


pensaram que isso os levaria ao ladrão? Não havia nada aqui
além de documentos do governo. Continha a carteira de
motorista, o livro do bebê e a certidão de óbito. Que utilidade
essas coisas tinham?
Fiquei de joelhos e abri a caixa. A poeira voou, mas
acenei e olhei para a caixa.

Meu coração parou.

A caixa foi remexida. A pilha de papéis parecia menor e


as coisas haviam sido mudadas. Lembro-me de embalar esta
caixa há quase dois anos, e não parecia assim.

Talvez estivesse, eu disse a mim mesma. Você estava de


luto, talvez não se lembre de como o empacotou.

Olhei para a caixa por mais um segundo.

Então eu comecei a puxar as coisas.

Eu chequei enquanto passava pelos documentos.


Certidão de nascimento, passaporte desatualizado, carteira
de motorista, diploma do ensino médio.

No fundo da caixa, havia uma pilha de panfletos da


faculdade. Ela queria tanto ir. Acho que em um momento ela
foi às faculdades para verificá-las, mas não passou disso.
Papai disse que não e apesar de toda a ferocidade dela, Cat
acabou sucumbindo à sua vontade.

Peguei o panfleto da Universidade de Chicago. De todas


as faculdades de Illinois, a UC era a que ela mais falava. Ela
falava sobre as salas de aula e as áreas verdes com tanta
reverência que às vezes eu também queria ir.

Abri e um pedaço de papel caiu.


Deve ser outro panfleto, pensei enquanto o pegava. Mas
era branco e mais pesado.

Eu fiz uma careta e abri.

CATARINA ROSA PADOVINO. GRAU DE BACHAREL EM


DIREITO.

Era um diploma. Um diploma da Universidade de


Chicago. Havia um carimbo de ouro e assinaturas.

E foi concedido à minha irmã.

Eu mal podia respirar. O que era isso, alguma piada?


Ela fez isso para ser engraçada? Ou pior, era real? Minha
irmã conseguiu um diploma universitário sem o meu
conhecimento? Nós tínhamos vivido lado a lado, feito tudo
juntas, e o tempo todo ela estudava direito?

Passos soaram no corredor.

Dobrei isso e enfiei no meu casaco.

Um segundo depois, os homens viraram o corredor.


Alessandro passou os olhos por mim, vendo algo que eu não
queria que ele visse.

— Você está bem, bambolina? — Papai perguntou.

Eu sorri. — Apenas certificando-me de que nada está


faltando. — Peguei os últimos papéis da caixa. — Parece que
tudo está aqui.
— Isso é um alívio. — Don Piero disse. — Que tal
mantermos a caixa de sua irmã em um local mais seguro? Eu
ficaria feliz em colocar no cofre da família.

Papai desviou os olhos para Don, mas não demonstrou


raiva. Ele não estava muito feliz com a segurança de sua casa
sendo questionada. — Obrigado, Piero. Isso traria a Sophia e
eu muito alívio.

Eu olhei para Alessandro. Ele estava olhando para mim


como se estivesse me desfazendo pedaço por pedaço.

Eu sei que você está mentindo, seus olhos disseram.

Eu desviei o olhar.

Quando finalmente chegamos em casa na cobertura,


Polpetto correu para meus braços de alegria. Eu o segurei
perto de mim. A noite tinha sido muito longa, mas fiquei
aliviada por me aconchegar à minha vida favorita no mundo
no momento.

— Espero que você não tenha feito xixi pela casa. —


Sussurrei para ele.

Ele latiu feliz para mim.

Alessandro passou por nós, me olhando friamente. Ele


não tinha dito nada no caminho para casa, mas eu sabia que
estava apenas quieto para me deixar desconfortável. Nossa
conversa no jantar surgiu de repente no meu cérebro. Era
demais, a sensação fantasma de sua pele na minha, o calor
entre as minhas pernas.

Desviei o olhar e subi correndo as escadas.

Ouvi seus passos pesados atrás de mim, mas ele


desapareceu em seu quarto.

Assim que fechei a porta do quarto, soltei um suspiro


trêmulo. Minha irmã foi para a faculdade. Ela tinha mantido
um segredo de mim, realmente grande. Ainda havia uma
chance de ser falso... mas eu duvidava disso. O diploma
parecia formal demais para ser uma fraude.

Polpetto chiou nos meus braços e eu o coloquei na


cama. Ele deu três voltas antes de dormir.

Dei de ombros e tirei o diploma. O que eu deveria fazer


com isso? Jogá-lo na lixeira não era uma opção. Mas parecia
uma traição mantê-lo em casa. E se Alessandro o
encontrasse? Ele se importaria? Era apenas o diploma da
faculdade da minha irmã, não um namorado.

Examinei meu quarto. Nunca foi realmente limpo, mas


eu não queria arriscar perdê-lo. Talvez, eu olhei para o meu
arquivo de documentos, o colocar a vista fosse melhor.

Dobrei o diploma e o enfiei no meu passaporte. Isso teria


que servir por agora. Eu estava muito abalada para encontrar
um esconderijo melhor.
Para tentar me acalmar, tomei um banho quente e fiquei
debaixo d'água até meus dedos ficarem enrugados. No
começo da noite, eu me senti tão bonita e agora me sentia
usada e cansada. Meu sistema nervoso estava desgastado e
meu coração doía.

Abaixei minha cabeça sob os jatos d’água. Os cabelos


dourados, que Cat e eu compartilhamos, caíram frouxamente
ao meu redor.

Cat tinha sido minha melhor amiga. Nós


compartilhávamos tudo. Mas em todos esses anos eu achava
que nosso vínculo era intocável por segredos, ela havia
completado seu curso. Ela tinha feito isso on-line? Ou indo
para o campus?

Será que isso importava?

Cat mantinha um grande segredo. E não poderia nem a


confrontar sobre isso.

Eu pressionei meu rosto contra os azulejos e soltei um


soluço destruído.

Naquele momento, tudo que eu queria fazer era brigar


com minha irmã. Eu queria puxar o cabelo dela e roubar as
coisas dela. Eu queria exigir saber por que ela mantinha esse
segredo, por que ela morreu antes de me dizer a verdade. Eu
só queria ouvir a voz dela.

No entanto, com isso, senti uma lasca de orgulho. Eu


pensei que Cat tivesse recuado, não lutado pelo que ela
queria. Mas ela tinha. Ela havia conseguido um diploma de
bacharel em sua universidade favorita.

Eu gostaria de ser mais como Cat. Ela nunca teria sido


forçada a se casar com um monstro, nunca teria se curvado
aos Rocchetti ou ao Papai.

Outro soluço rompeu através de mim.

Quando esse sofrimento acabaria? Quando as garras da


morte me libertariam?

Nunca, uma voz suave na minha cabeça disse. Você


nunca será livre, bloody bride.

Consegui me recompor o suficiente para sair do


chuveiro e me secar. Minha maquiagem estava manchada e
escorrendo e eu tentei ao máximo tirá-la da pele.

Meu colapso fez um considerável impacto em mim. Meus


olhos estavam enormes e inchados, minhas bochechas
estavam manchadas de rímel e até minha barriga estava com
cãibras. Devo tê-la tensionado enquanto chorava, pensei
enquanto me limpava e trocava meu pijama.

Olhei para a cama e suspirei ansiosa. Antes de dormir, é


melhor verificar se Polpetto fez cocô na casa.

Enrolei-me no meu roupão, deslizei nos meus chinelos e


desci as escadas. A casa estava escura, apenas com a luz da
cozinha acesa. Alessandro nunca apagava todas as luzes
antes de dormir. E eu não gostava de uma casa escura, então
também nunca desligava.

Polpetto havia deixado uma pequena surpresa para mim


em seu tapete de cachorros. Eu rapidamente peguei e joguei
na lixeira grande. Pelo menos ele usou o tapete de cachorro
dessa vez.

Estava lavando as mãos quando a porta do escritório de


Alessandro se abriu. Eu me virei para ver Alessandro saindo,
seguido por Beppe, Oscuro e um homem conhecido como
Sergio Ossani, executor da Outfit. Tanto Beppe quanto
Oscuro olharam para longe assim que viram que eu estava de
pijama, enquanto Sergio me lançou um olhar intrigado.

Olhei para Alessandro, mas ele estava me dando um


olhar duro. Eu só podia imaginar o porquê, já que eu estava
de pijama, sem maquiagem e com uma aparência um pouco
desleixada. Papai ficaria bravo comigo se eu não estivesse
apresentável na frente dos convidados.

— Isso é tudo por hoje à noite. — Alessandro disse aos


homens.

Eles acenaram com a cabeça em respeito e se


despediram. Oscuro não se despediu de mim, no entanto,
apenas saiu rápido.

Assim que o elevador fechou, Alessandro estava em


mim.
— Eu não sabia que eles estariam aqui. — Rapidamente
disse. — Eu usaria maquiagem — Alessandro parou bem na
minha frente, invadindo meu espaço pessoal. O calor
irradiava dele e seu cheiro forte me envolvia. Ele ainda usava
o terno que usou para jantar, mas havia afrouxado a gravata
e tirado o paletó.

Ele me enjaulou, me fazendo pressionar contra o balcão.

— Isso não vai acontecer novamente... — Tentei, mas


seu olhar me silenciou.

Alessandro estava franzindo a testa para mim como se


eu fosse uma equação matemática difícil. Ele levantou a mão
e eu fiquei tensa. Mas em vez de me bater, ele passou um
dedo em volta de uma mecha do meu cabelo úmido. E puxou
levemente o fio.

Meu coração estava batendo forte no meu peito.

— Eu não vou bater em você, esposa. — Ele disse em


voz baixa.

Eu não acreditei nele.

— Diga-me, — pressionou os lábios na minha bochecha.


Estremeci com o toque deles. — Por que você estava
mentindo para o seu pai?

Não reaja, não reaja. — Sobre o que?

Seus dentes arranharam meu nariz. — Algo a aborreceu


na casa de seu pai. O que foi isso?
— Nada. — Eu sussurrei.

Alessandro recuou. Seu aperto no meu cabelo


aumentou, mas não foi doloroso. — Você está mentindo para
mim, Sophia?

Eu balancei minha cabeça.

— Para uma esposa tão perfeita, você mente muito. —


Ele se inclinou para mais perto. Nossos narizes se tocaram.
Estar tão perto dele era avassalador, eu mal conseguia puxar
ar para os meus pulmões. — Por que você ficou quieta no
caminho de casa, se não estava chateada?

— Eu não... eu não estou chateada. — Eu murmurei.

As sobrancelhas de Alessandro se ergueram. — Você


sabe que eu poderia forçar você a me dizer. — Uma emoção
sombria brilhou nas profundezas de seus olhos. — Posso ser
muito persuasivo e você não seria difícil de quebrar.

Minha boca secou. Tortura. Ele estava falando sobre me


torturar. Eu não vivia com a cabeça debaixo da areia, então
sabia que era uma técnica comum usada para obter
informações das pessoas. Papai costumava voltar para casa
coberto de sangue e não era difícil descobrir o que ele estava
fazendo.

— Você vai me machucar?

Ele franziu a testa. Então deu um grande suspiro. —


Não, Sophia. Eu não vou te machucar. — Eu quase desmaiei
de alívio. — Mas quero saber por que você mentiu para o seu
pai e por que está chateada.

Engoli. Certamente não poderia fazer mal? Cat estava


morta e papai não a puniria. Talvez Alessandro pudesse
evitar contar a ele. — Você não pode contar ao papai.

— Tudo bem. — Ele me olhou.

— Nas coisas de Cat, — ele se inclinou para mais perto,


— encontrei um diploma universitário.

Alessandro franziu a testa. Ele parecia confuso. — Um o


quê?

As palavras saíram correndo. — Ela sempre quis ir para


a Universidade de Chicago, mas papai sempre disse não. As
meninas não precisam de faculdade, ele disse. Especialmente
desde que ela não era permitida trabalhar, entende? Mas
encontrei um diploma que dizia que ela havia se formado em
direito e era da UC...

— Por que isso te chateou? — Ele demandou.

— Porque ela não me contou.

— O quê? — Alessandro parecia cansado de me pedir


para definir o que eu queria dizer.

Eu tropecei nas palavras. — Cat e eu nunca guardamos


segredos uma da outra. Nós éramos inseparáveis. Mas ela...
ela se formou e não mencionou? São quatro anos. Eles levam
quatro anos, certo? O curso?
— Normalmente. — Ele concordou. Seus olhos escuros
correram sobre mim. — Você ficou chateada porque sua irmã
não disse que ela tinha uma faculdade? É isso aí?

Estremeci. — É isso aí. — Eu disse calmamente.

Alessandro olhou para mim por um momento.

— Você não vai contar para o meu pai, vai? — Eu


perguntei suavemente.

— Isso importaria? Sua irmã está morta agora.

Eu olhei para o chão. — Eu acho que isso machucaria


uma situação já obsoleta. Minha irmã não está voltando. Não
faz sentido magoar meu pai... com o fato de Cat o ter traído.
— Alessandro fez um som baixo na garganta. Ele parecia
quase decepcionado. O que ele esperava que eu encontrasse?
Provavelmente queria que fosse um corpo ou algo assim.

— Isso é tudo? — Tentei parecer calma, mas saiu como


um chiado.

Ele passou a mão no meu pescoço, soltando meu cabelo.


Nossa conversa no jantar voltou para mim.

Eu prefiro comer você.

Alessandro sorriu arrogante como se soubesse


exatamente o que eu estava pensando. — Você está se
sentindo curada, esposa?

Eu não pude responder.


Com muito cuidado, Alessandro desamarrou meu
roupão. Ele caiu ao meu lado, revelando o short do meu
pijama e blusa. Com uma gentileza da qual nunca pensei que
ele fosse capaz, levantou a lateral da minha camisa e
inspecionou a ferida.

O calor de seus dedos, a aspereza de seus calos, estava


me fazendo sentir tonta.

O ferimento em si foi curado. Agora eu só sentia a dor


fantasma da pequena cicatriz rosa. O Dr. Li Fonti disse que o
choque de levar um tiro seria mais um trauma do que a
própria ferida.

Alessandro traçou levemente a cicatriz rosa. — Isso dói?

— Sim.

Seus olhos escuros piscaram até mim. Estava ficando


muito difícil respirar. — Mentindo de novo, Sophia? — Ele
estalou a língua com ironia. — Um hábito desagradável seu.

Eu estava com muito medo de responder.

Alessandro pareceu um pouco decepcionado. Ele


pressionou a cicatriz devagar. Não doeu. Mas a sensação de
seus dedos quentes pressionando minha pele sensível... era
quase demais. Seu toque era estimulante e eu não pude fazer
nada além de reagir. Pequenos arrepios percorreram meu
corpo, e minha respiração saiu mais rápida.

— Isso dói, Sophia? — Perguntou humilde.


Respirei fundo. Muito lentamente, balancei minha
cabeça.

Seus olhos escuros brilharam. Ele pressionou com mais


força. — E agora?

A pressão de seus dedos prendeu minha atenção muito


mais do que a dor monótona. Balancei minha cabeça.

Alessandro puxou os dedos para trás um pouco. Fiquei


tensa, pronta para ele agarrar a ferida com força total. Mas,
em vez disso, ele passou a mão sobre a minha pele.

— Não vou te machucar, esposa. — Ele disse. — Pare de


enrijecer.

— Eu não acredito em você. — As palavras saíram por


vontade própria.

Alessandro franziu a testa. — Ainda não te machuquei.


Por que eu começaria agora?

Talvez ele quisesse me trazer uma sensação de


segurança. A captura é provavelmente mais satisfatória
quando você tem que trabalhar para isso.

— Sophia? — Ele repetiu. — Eu disse que não vou te


machucar. Chega de medo.

Fácil para ele dizer. Alessandro sabia como revidar,


sabia como atacar e defender. Minha única habilidade era
falar até os ouvidos começarem a sangrar. Se ele me
atacasse, eu não teria outra escolha senão sucumbir.
— Diga algo. — Ele falou.

Eu abri meus lábios. — Você é o The Godless. Princípio


de Chicago. Meu marido. Eu como comida que você pagou e
vivo em uma casa que você possui. Minhas roupas são
compradas por você, a cama onde eu durmo foi comprada por
você. — Olhei fixamente para ele. — Estou completamente à
sua mercê. Por que você não me machucaria?

Alessandro olhou para mim com um olhar calculista.


Então se afastou de mim. O ar frio correu para os lugares
onde ele estava me tocando. Eu quase estendi a mão para ele,
mas me segurei.

— Eu não vou te machucar. — Ele disse. — Abuso em


casa significa que há falta de controle. E como você mesma
disse, eu sou o responsável por esta casa. — Alessandro me
olhou com expressão duvidosa. — Você ainda não confia na
minha palavra?

— Você não confia em mim também. — Eu murmurei.

— Não, suponho que não. — Alessandro deu outro


passo para longe de mim, sinalizando que terminou com a
conversa. — É o aniversário do Don na próxima semana. Ele
espera que nos juntemos a ele e à família para jantar.

A mudança na conversa veio tão de repente que tive que


tomar um segundo para processar o que ele disse.

— Claro, — eu disse, meus nervos coçando na garganta.


— O que ele quiser.
Alessandro emitiu um grunhido enquanto se afastava.
— Não o deixe ouvir você dizer isso.
Capítulo Dez

O aniversário de Don Piero era um evento muito


esperado pela Outfit. Embora, para mim, minha expectativa
fosse mais parecida com o pavor.

Até Alessandro parecia estar mais nervoso. Ele estava


mais frio do que o normal, distante e voltava para casa, todos
os dias da semana que antecedeu o jantar, coberto de sangue
e cheirando a violência. Fiquei fora do caminho dele, não
disposta a arriscar sua ira. Apesar das garantias anteriores
de que eu estava a salvo dele.

No entanto, no dia do jantar, fiquei do lado de fora do


escritório e bati timidamente. Já tinha feito tantas vezes e
perguntado se ele queria jantar, mas nunca quando estava
tão mal-humorado.

— Sim? — Eu o ouvi estalar do lado de dentro.

Enfiei a cabeça. Alessandro estava sentado em sua


mesa, trabalhando no computador e cercado de papéis. Ele
usava uma expressão congelada de raiva.

— De... desculpe incomodá-lo, — eu gaguejei


rapidamente. — Mas eu trouxe uma gravata para você usar
hoje à noite.
Ele olhou para mim por um momento. Então apontou
para a mesa. — Deixe aí.

Eu nunca tinha estado no escritório dele, apenas na


porta, mas seu tom não deixava espaço para discussões.

O escritório de Alessandro combinava com o resto da


estética moderna e fria da cobertura, uma mistura de
marrom claro e cinza escuro. Exceto que esta sala tinha
toques nele. As prateleiras estavam cheias de livros e
pequenas fotografias cobriam as paredes.

Eu me inclinei mais perto de uma. Era de uma mulher


bonita, com cabelos castanhos claros e olhos muito escuros.
Ela não estava sorrindo, mas não parecia chateada. A mulher
estava sentada em uma cadeira, com a mão na barriga
inchada. Havia uma familiaridade nela, na curva do queixo e
dos olhos. Danta Rocchetti, esposa de Toto, o Terrível, e mãe
de Alessandro.

— Terminou de bisbilhotar? — Alessandro estalou.

Corei, percebendo que estava olhando. E rapidamente


coloquei a caixa em sua mesa. — A gravata combina com
meu vestido.

Ele não respondeu.

Eu saí rapidamente.

Não o vi pelo resto do dia, permitindo que eu me


preparasse em paz. Polpetto sentou na minha cama e assistiu
com um rabo abanando enquanto eu andava em volta do
meu quarto. Eu estava além de nervosa por estar sozinha
com todos os Rocchetti. Seria ignorada? Ou pior, o centro das
atenções?

Orei para que eu pudesse passar pela noite como uma


sombra.

Mas sabendo da minha incapacidade de ficar quieta e


minha propensão a quebrar o silêncio, duvidava que minha
oração se tornasse realidade.

Meu vestido era azul escuro com um simples design de


um ombro que se agarrava a mim enquanto caía no chão.
Tinha poucos detalhes, o melhor de tudo era o brilho do
tecido sedoso. Para tentar fazê-lo parecer mais elegante,
acrescentei brincos de gota e um colar combinando.

Eu não conseguia decidir o que fazer com o meu cabelo,


então os deixei soltos. Esperemos que não se torne um ninho
de pássaros quando eu chegar à casa de Don Piero.

Eu me examinei no espelho. Você parece uma esposa da


máfia, a representação perfeita da riqueza do marido, disse
uma voz familiar na minha cabeça.

Polpetto me seguiu escada abaixo. Acho que ele


imaginou que eu estava saindo sem ele e não parecia feliz
com esse fato.
— Não vamos demorar. — Cocei a cabeça dele. —
Coloquei todos os seus brinquedos no térreo e você jantou. Se
se sentir sozinho, fique latindo na janela.

Polpetto não respondeu.

Alessandro já estava lá embaixo e a visão dele fez meu


coração acelerar. Usava um de seus melhores ternos,
combinado com a gravata azul que eu o havia dado. Ele
sempre parecia muito elegante quando se vestia, mesmo que
fosse semelhante a colocar uma gravata borboleta em um
animal selvagem.

Olhou para cima quando eu entrei e franziu a testa


levemente. Alessandro parecia como sempre foi, mas havia
algo de errado com ele... ele continuou puxando seus punhos
e endireitando o relógio. Ele estava nervoso?

Não, eu disse a mim mesma. Alessandro nunca ficava


nervoso.

Inclinei-me contra o corrimão enquanto colocava meus


saltos. — Você está bem? Parece... agitado. — Agitado parecia
menos acusador do que nervoso.

Alessandro me deu um olhar sombrio. Fico feliz em ver


que seu humor anterior não mudou, observei. — Estava
esperando por você. — Ele disse. — Você leva uma eternidade
para se arrumar.

— Desculpe. — Respondi sem nenhum peso real por


trás disso.
Alessandro apenas bufou e se encaminhou para o
elevador. Eu segui atrás dele, mas não antes de dar um beijo
de despedida em Polpetto. No elevador, ele ficou quieto e
rabugento. Não disse nada enquanto eu mencionava o
trânsito, apenas me olhou com desconfiança até eu cair em
silêncio.

Oscuro e Beppe já estavam nos esperando na garagem.


Ambos deram a Alessandro espaço e entraram no carro assim
que ele se aproximou.

O único pedaço de sua civilidade restante foi quando ele


fez um gesto para eu entrar primeiro no Range Rover.
Embora eu tenha certeza de que havia uma razão prática por
trás disso e não agia como um cavalheiro pela bondade de
seu coração.

Alessandro estava muito inquieto no carro. Ele se mexeu


irritado e latia as direções a serem tomadas. Lembrava de um
animal enjaulado na sua prisão. Para cima e para baixo, para
cima e para baixo. Mais frustrado com cada movimento
repetido.

Não queria arriscar seu humor, mas me sentia mal por


ele. Conhecia o nervosismo que se podia sentir ao lidar com o
Dom da Outfit... e a família.

Antes que eu soubesse o que estava fazendo, me inclinei


para perto dele e murmurei baixinho: — Você quer uma
bebida antes de irmos?
Alessandro olhou para mim. — Eu não estou nervoso.

— Claro que não. — Dei a ele um olhar perfeitamente


inocente. — Mas eu estou e odeio beber sozinha.

Ele revirou os olhos. — Não sou uma de suas


amiguinhas, Sophia. Não preciso da sua bebida piedade.

— É claro. — Recostei-me no meu assento.

Do lado de fora da minha janela, a cidade passava


reluzente. Eventualmente, os arranha-céus diminuíram e as
casas surgiram. Entramos no bairro fechado onde Don Piero
e a maioria dos membros da Outfit moravam. Casas tão
bonitas e grandiosas, Cat costumava dizer enquanto
caminhávamos, e ainda assim habitantes desagradáveis.

Isso não é justo, eu costumava responder. Você ama


muitas dessas pessoas.

Já havia alguns carros estacionados do lado de fora de


Don Piero quando chegamos. Não reconheci nenhum deles,
mas era óbvio que eles pertenciam aos outros Rocchetti.
Andando pelos carros havia homens musculosos e todos
pararam para olhar quando paramos.

Alessandro saiu primeiro e abriu a porta para mim. Ele


não me deu uma olhada quando eu saltei no chão e fiquei de
pé.

— Tente não parecer tão nervoso. — Eu disse a ele


gentilmente.
Ele virou os olhos para mim. Não disse nada, mas sua
expressão selvagem foi contida e ele se endireitou em uma
postura relaxada.

Foi como acender uma luz. Com um clique, Alessandro


mudou todo seu comportamento áspero.

Pressionou uma mão macia nas minhas costas quando


nos aproximamos da casa. Os homens musculosos
assentiram respectivamente para Alessandro e me olharam
com os olhos arregalados.

Ao nos aproximarmos da enorme porta, meus nervos


começaram a coçar. Tinha sido fácil ignorar meu medo
crescente quando eu estava me distraindo com Alessandro,
mas agora estou cara a cara com a perspectiva de ser servida
como jantar para os Rocchetti's.

Eu engoli. Certamente eles não me comeriam...

Alessandro se inclinou perto do meu ouvido, seu hálito


quente fazendo cócegas na minha bochecha. — Tente não
parecer tão nervosa.

Dei-lhe um sorriso tenso. — Boa ideia.

Não se deu ao trabalho de bater, apenas abriu a porta e


avançou até o foyer. Imediatamente, um lindo cão branco
com pelos longos veio correndo até nós em saudação.

Eu sorri de prazer e cocei a cabeça do cachorro. — Oh,


você não é uma beleza?
— Esta é Florence. Ela é um Pastor-maremano-
abruzês18. — Alessandro disse. Ele bateu no lombo dela e ela
se voltou para ele com interesse.

— Ah! — Veio a familiar e estridente voz de Don Piero.


Nós dois nós viramos para vê-lo parado na porta da sala. —
Meu neto e sua linda esposa. Entre vocês dois.

Don Piero estava elegante, e eu disse isso quando ele me


beijou nas duas bochechas.

— Você é charmosa demais para o seu próprio bem, —


ele riu, um grande som corpulento. E apontou para Florence
e piscou para mim. — Linda, não é? Que tal arranjar outro
presente para você?

— Não há mais espaço em nossa casa para outro


cachorro. — Alessandro interrompeu.

Don Piero desviou os olhos para Alessandro e lançou lhe


um olhar intrigado. — Muito bem. — Ele meditou. — Talvez
quando você sair daquele pequeno apartamento. Tenho
certeza de que seus filhos precisarão de mais espaço.

Sorri educadamente para ele, apesar do meu interior


contorcido. Ele não me tocou desde a primeira noite do nosso
casamento, senti vontade de gritar, mas muito sabiamente
não fiz.

Alessandro pressionou uma mão nas minhas costas. —


Vamos lidar com essa parte quando chegarmos a isso.

18 Raça canina oriunda da Itália.


Havia algo no tom deles que me fez sentir como se
estivessem falando sobre outra coisa, mas decorando seu
verdadeiro significado com palavras bonitas.

— Claro. — Don Piero fez um gesto para que o


seguíssemos. — Estamos tomando bebidas na mesa.

A sala de jantar era uma bela sala, decorada com


pesados móveis escuros e um lustre brilhante. Como o resto
da casa, a sala se encaixava na estética de Colonial tentando
se modernizar, mas não se esforçando muito. Don Piero
provavelmente preferia que a casa parecesse mais velha,
aposto que ele odiaria o estilo contemporâneo da cobertura.

A maioria dos assentos estava cheia de Rocchetti. Eles


fumavam e bebiam, todos em conversas acaloradas. Mas
assim que Alessandro e eu entramos, se calaram e lançaram
seus olhos escuros em para mim.

Eu era a única mulher nesta sala, e sabia que não era


realmente bem-vinda.

Alessandro deslizou a mão pelas minhas costas e


descansou no meu quadril. E deu à sala um olhar sombrio.

— Nós teremos que estar no nosso melhor


comportamento hoje à noite. — Riu Don Piero. — Temos uma
dama em nosso meio. — Ele me deu um sorriso áspero.

Eu sorri para ele, mas estava com muito medo de dizer


qualquer coisa.
Alessandro e eu nos sentamos perto de Don Piero,
separados por Toto, o Terrível. Meu sogro levantou-se quando
nos aproximamos e me deu um sorriso. Entretanto, não havia
nada de caloroso ou amigável nisso. Como seu filho e ao
contrário de seu pai, Salvatore não se preocupava com a
civilidade.

— Sophia, — ele meditou. — Ainda intacta, eu vejo.

— Quieto. — Alessandro estalou.

Toto, o Terrível, elevou-se ao tom do filho como uma


cobra a flauta.

— Salvatore. — Don Piero alertou. E lançou um olhar de


advertência ao filho.

Alessandro puxou minha cadeira e praticamente me


empurrou para ela. Ele sentou-se ao lado de seu pai insano,
ignorando-o. Ao meu lado estava Roberto, sobrinho de Don
Piero. Big Robbie, como era carinhosamente conhecido por
sua altura impressionante, não parecia satisfeito com seu
assento.

Cada homem olhou para mim com interesse ou


aborrecimento. Nenhum deles parecia saber o que fazer a
meu respeito.

Eles realmente não tinham tido uma mulher na família


por duas décadas, eu pensei. E aposto que estavam fazendo
uma contagem regressiva das horas até que eu tivesse
partido.
Virei à cabeça e vi Florence deitada no chão. Era apenas
Florence e eu contra todos esses homens.

Don Piero chamou a atenção deles. Ele dominava a


mesa com um óbvio punho de ferro, não se preocupando em
diminuir seu paternalismo aos Rocchetti's com simpatia e
civilidade, como fazia com o mundo ao seu redor. Aqui, ele
era o Don, sem dúvidas.

Recostei-me em silêncio enquanto eles discutiam a


ascensão de Anthony Scaletta. E debateram onde designá-lo.
Muitos concordaram que ele deveria ser mantido com sua
família e ter trabalhos completados em Chicago, enquanto o
outro lado discordou e pensou que separá-lo da cidade no
início de sua vida como um Soldati era para o melhor.

Alessandro achava que Anthony deveria ficar em


Chicago. — Ele tem a intenção de se vingar e os Gallagher
estão nesta cidade. — Ele apontou. — Ele não vai embora
enquanto acreditar que a morte de seu pai não foi vingada.

Quando Alessandro falava, a mesa ficou em silêncio e


prendia a atenção deles. O mesmo aconteceu com Don Piero e
Toto, o Terrível, mas todos os outros homens à mesa
pareciam não ter esse controle.

Agora que estávamos perto de sua família, Alessandro


havia relaxado, até certo ponto. Eu ainda podia sentir a
tensão do seu corpo e ver a irritação em seus olhos. Mas ele
escondeu bem sua inquietação. Havia mudado para o Capo
de Chicago, príncipe da família Rocchetti.
O jantar foi logo servido. Um assado bonito que deu
água na boca. Don Piero fez seu prato primeiro, mas depois
todo mundo foi autorizado a se servir.

Eu assisti os Rocchetti com interesse. Alguns instantes


estavam na garganta um do outro, mas agora passavam
pratos de comida e se ofereciam para servir vinho. Conversas
mais leves e casuais surgiram. Discutiram esporte,
entretenimento e outras coisas sobre as quais as famílias
conversavam.

— Batatas?

Eu me virei e vi Roberto segurando a panela. Eu sorri.

— Obrigada.

Ele jogou algumas no meu prato. — Isso é suficiente?

— Isso é suficiente, obrigada.

Roberto assentiu e se virou de forma brusca.

A conversa mais tensa que ocorreu durante o jantar se


referia a Beppe. Carlos Jnr fez um comentário malicioso a
Enrico sobre Saison Ollier, o que levou Enrico a perguntar
onde estava seu segundo filho. Santino, o meio-irmão mais
velho e filho legítimo de Beppe, lançou um olhar desagradável
sobre Enrico, enquanto Carlos Jnr apenas rosnou e disse a
Enrico para usar camisinha.

Eu os observei com interesse. Cat e eu nunca


conversamos uma com a outra assim, embora nosso
relacionamento não tenha sido sem brigas. Costumávamos
gritar e morder uma a outra, mas nunca comentários tão
nítidos quanto eles.

Alessandro ignorou a maior parte da conversa no final


da mesa. O topo da mesa incluía Don Piero, seu irmão Carlos
Snr, seu filho, seu neto e meu cunhado, Salvatore Jr. A
conversa deles foi muito mais calma do que as provocações e
brigas do outro lado da mesa. Fui convidada para as duas
conversas com comentários descartáveis. Até Salvatore Jr
falou duas palavras para mim, mas parecia me considerar
pouco interessado, de qualquer forma.

Procurei semelhanças entre Alessandro e Salvatore Jr.


Eles tinham o mesmo tom de pele Rocchetti, com pele oliva e
cabelos e olhos escuros. Mas Alessandro parecia muito mais
severo que Salvatore Jr. Meu cunhado também não tinha o
charme de Don Piero. Ele parecia ser esculpido em pedra,
uma estátua de gelo bebendo vinho bem na minha frente.

A conversa voltou aos negócios logo depois.

— Existe a questão do certificado. — Don Piero disse.


Alguns olhos suspeitos cintilaram em minha direção. O óbvio
desejo de eu não poder ouvir isso me fez ouvir ainda mais.

— Santino não pode pegar isso? — Roberto perguntou


ao meu lado.

— Não, — disse Alessandro. — Ele é um suspeito dos


assassinatos de Gallagher.
Santino parecia um pouco envergonhado. — Quem vai
receber o certificado então? — Ele perguntou. — Se não o
tivermos em março, não poderemos abrir a pista para as
corridas da primavera e perderemos muito dinheiro.

— Nós sabemos, Santino. — Salvatore Jr disse


friamente.

— Sophia pode pegar.

Eu pisquei. Alguém acabou de dizer meu nome?

Alessandro repetiu o que ele havia dito. — Sophia não


está ligada a nada no momento e é improvável que ela esteja.
Faça com que ela obtenha o certificado.

Encarei meu marido. Ele acabou de me oferecer como


voluntária nos negócios da Outfit?

Don Piero riu. — Continuo esquecendo que temos uma


beleza entre nós mais uma vez. Claro, Sophia deveria obter o
certificado.

— Ela pode ser confiável? — Carlos Snr perguntou. Ele


me deu um olhar de acusação.

— Ela é minha esposa. — Alessandro disse frio. — E ela


é uma Rocchetti.

Carlos Snr recuou.

Salvatore Jr virou-se para mim. Ter todo o seu foco era


equivalente a tocar um iceberg. Seus olhos escuros de pedra
correram de cima a baixo em mim, como se ele estivesse
tentando tirar minha confiança do meu interior. Então,
poderia julgar o quanto realmente podia confiar em mim.

Alessandro lançou um olhar mortal para o irmão. —


Algo que você queira dizer, irmão?

— Não, Alesso. — Eu nunca tinha ouvido Alessandro ser


chamado por um apelido. Parecia cômico ouvi-lo agora. —
Você acha que consegue o certificado, Sophia?

— Certificado? — Eu repeti.

Roberto bufou ao meu lado. Alessandro olhou para ele e


ele ficou em silêncio.

— O certificado anti-máfia, Sophia. — Meu marido disse.


— Nossos negócios não podem funcionar sem ele.

— Isso prova que não estamos associados de forma


alguma ao crime organizado. — Riu o Don. Ele levantou as
sobrancelhas para mim. — Então?

Eu me senti um pouco tonta, mas sabia como


responder. — Claro. O que quer que a família precise.

Alessandro e seu irmão trocaram um olhar ilegível. Eles


estavam tendo uma conversa particular. Cat e eu
costumamos fazer a mesma coisa. Em especial quando
sabíamos algo que alguém não sabia.

Engoli.
Por que Alessandro me ofereceu? Foi reação a algo mais
acontecendo? Ou era realmente tudo sobre a família?

Toto, o Terrível, inclinou-se para o filho e me deu um


sorriso louco. — Primeiro você empurra Roberto um assento
mais distante e agora você tem um emprego? Seu pai não
mencionou que você era tão diligente.

Dei a ele o meu melhor sorriso idiota. — Sou honrada


em ser bem-vinda em sua família.

Por um segundo, eu poderia jurar que havia um lampejo


de inquietação no rosto de Toto, o Terrível, mas desapareceu
em um tom de escárnio. Alessandro angulou seu corpo,
separando-nos um do outro.

— Chega, pai. — Advertiu Alessandro. — Você pode


brincar com quem quiser, mas não brinque com minha
esposa.

Não pude ver o pai dele, mas o ouvi rir. — Se você diz,
garoto. Ela é sua propriedade, afinal. — Algo em seu tom fez
os cabelos da minha nuca se arrepiarem.

Don Piero lançou um olhar de aviso para Alessandro e


seu filho. Ambos pareciam recuar ao mesmo tempo.
Alessandro não olhou para mim, mas apenas examinou os
olhos escuros sobre a mesa, procurando algo e parecendo um
pouco satisfeito quando não o encontrou.
Salvatore Jr me deu um segundo olhar. — Enrico diz
que você não está grávida. — Seus olhos foram para o vinho
que eu estava bebendo. — Ainda.

O vinho azedou no meu estômago, mas consegui dar um


sorriso hesitante. Na verdade, eu tinha começado a ter cólicas
ultimamente, o que significava que minha menstruação
estava a caminho. Dei de ombros casualmente, tentando
irritá-lo com minha boa naturalidade sobre o assunto.
Qualquer outra reação teria sinalizado para os leões
atacarem.

— Espero que isso mude até o próximo mês. Não seria


adorável ter um bebê no outono? — Eu sorri para ele. —
Muito melhor do que um bebê de verão. — Eu me virei para
Alessandro e ofeguei como se tivesse acabado de descobrir
algo incrível. — Seria bom ter um bebê de Natal? Então
poderíamos vesti-los com pequenas roupas de elfo.

Alessandro virou para mim e encontrou meus olhos.


Poderia jurar que havia um lampejo de humor neles.

Don Piero riu. — Um brinde, então, minha querida. —


Todos levantamos nossas taças. — Para certificados anti-
máfia e bebês de Natal!

Enquanto o som dos brindes nos rodeava, Alessandro se


aproximou do meu ouvido e murmurou contra a minha pele:
— Meu irmão é um bebê de verão.

— Eu sei. — Sussurrei de volta.


Capítulo Onze

Respirei fundo assim que a porta do carro se fechou.

Meu vestido estava agarrado a mim desconfortável e eu


me virei. Eu me senti cheia e cansada, e além de pronta para
ir dormir. Depois de passar horas tentando navegar pelos
viciosos Rocchetti, eu só queria ir para casa, comer uma
caixa de chocolates e assistir a reprises de The Sopranos.

Alessandro fez um gesto para Beppe para dar partida no


carro e logo estávamos saindo do bairro fechado.

Apoiei-me no meu assento e olhei para o meu marido.


Por que ele me ofereceu? Meu esforço para ficar escondida,
para ser percebida como nada além de uma linda esposa
burra, durou questão de segundos, assim que ele abriu a
boca.

A raiva cresceu em mim.

Não diga nada, eu me alertei. Não fique com raiva, não


lhe dê satisfação.

— Por que você está me dando esse olhar, esposa? —


Perguntou em voz baixa.

Meus pensamentos racionais voaram pela janela. — Por


que você me ofereceu para obter o certificado anti-máfia?
Alessandro lançou seus olhos escuros para mim. Havia
cálculo neles. — Você está questionando minha decisão como
Capo?

— Estou questionando sua decisão como meu marido.


— Inclinei-me para a frente, mantendo a voz baixa. Não
queria que Beppe ou Oscuro nos escutassem. — Por que você
me ofereceu assim? Eu fiz algo para te incomodar?

— Sim.

Engoli o nó na garganta. O que eu tinha feito? Embora a


melhor pergunta fosse: o que eu não tinha feito? Eu tinha
sido atrevida com ele muitas vezes, e embora tivesse dito que
não iria me machucar fisicamente, isso não significava que
não tentaria me manipular até a morte.

— Por quê? — Minha voz estava quase quebrando. — O


que eu fiz? Eu prometo que não quis dizer isso. Eu não vou
fazer isso de novo...

Alessandro ficou sobre mim, sua expressão furiosa. —


Chega do seu pequeno ato, Sophia.

Eu murmurei. — Ato.

— Sim, — ele rosnou. — Ato. Estou farto de você fingir


ser a esposa perfeita. Você canta palavras tão bonitas,
esposa, mas nenhuma delas é verdadeira.

Meu coração estava batendo forte. Tudo o que eu tinha


aprendido a fazer estava o irritando. Minha educação o estava
irritando? Os valores que eu tinha aprendido, até eu não
saber mais nada, o irritaram? Abri minha boca antes que eu
pudesse me acalmar.

— Você está cansado disso? — Eu assobiei. — Como


você acha que eu me sinto? Ter que ser cautelosa com cada
palavra que digo apenas para sobreviver? Meu bem-estar
depende de minhas bonitas palavras, marido.

Os olhos de Alessandro se iluminaram. — Aí, está ela. A


criatura sob esse exterior dourado. — Ele riu cruelmente. —
Eu tinha razão. Você não é gentil ou amigável, apenas outro
monstro.

— Eu não sou um monstro. — Eu soltei. — Você


simplesmente não consegue lidar com o fato de que às vezes
as pessoas são amigáveis. Às vezes as pessoas são legais.
Você quer que todos sejam exatamente como você. Miserável
e mau.

— Eu sou poderoso. — Ele atirou de volta. Nossos rostos


estavam tão perto que nossos narizes estavam se tocando. —
Miserável, talvez. Mau, definitivamente. Mas eu tenho poder.
Minha palavra é lei e minhas ações são cobiçadas. Não é isso
que você quer?

Eu senti meu passo tropeçar. — O que você quer dizer?

— Eu vejo isso na sua expressão, esposa. — Ele


ronronou. — A fome em seus olhos quando você olha para o
meu escritório, o triunfo que sente ao caminhar com minha
família, a maneira como você olha a cidade abaixo. Você até
se sentiu orgulhosa quando eu disse que os federais tinham
um arquivo inteiro sobre você.

Estava ficando cada vez mais difícil respirar.

— Você poderia ter saído com sua irmã. Você poderia ter
ido com ela para obter seu diploma. Mas você não queria
arriscar ser impotente. Você não queria arriscar fazer parte
de um mundo em que teria que se curvar à lei. — O olhar de
Alessandro me prendeu no lugar. — Tudo o que você faz é
para ganhar poder. Por que você está brava, se eu estou
deixando você ter um pouco?

Ele estava certo e errado.

— Nem tudo o que faço é para sobre poder. — Eu


sussurrei.

Alessandro bufou. — Por favor. Você manipula e


engana. Até sua gentileza comigo é uma tática para conseguir
o que deseja. Por que mais você tentaria acalmar o homem
que odeia? — Ele também não gostava de mim, pensei e
analisei sua expressão. Ele olhou para mim como se tivesse
me entendido afinal. Ele não estava mais tentando arrancar
minhas camadas. Ele havia conseguido e estava feliz com o
que havia encontrado.

Exceto que... ele não tinha visto tudo. Na verdade, acho


que algumas partes de mim, da minha pessoa, eram
irreconhecíveis para um homem como Alessandro. — Eu
estava tentando fazer você se sentir melhor porque senti pena
de você. — Eu disse.

Ele bufou. — Ninguém faz nada neste mundo pela


bondade de seus corações.

— Nem mesmo sua tentativa de dar mais poder? — Eu


assobiei. — Você não me ofereceu para obter um certificado
anti-máfia para me deixar ter algum poder. Você fez isso para
obter uma reação de sua família. Conheço uma jogada de
poder quando vejo uma, Alessandro.

Os olhos de Alessandro brilharam. — Lembre-se de com


quem você é casada, Sophia. Eu posso me envolver em uma
briga, mas não terei minhas decisões como Capo
questionadas.

— E eu não serei usada como um peão.

Ele riu, realmente riu. — Nascer neste mundo dita que


você é um peão. Você era do seu pai. Ele usou você para
ganhar mais poder e dinheiro. Mas agora você é meu peão. E
eu posso brincar com você como quiser, esposa.

Senti lágrimas de frustração crescendo nos meus olhos,


mas pisquei para tentar afasta-las. Você pode chorar em casa
quando estiver sozinha, eu disse a mim mesma. Não aqui,
nem na frente dele.

— Vocês são todos monstros. — Eu disse.

— Então você também é. — Alessandro ronronou.


— Não. — Eu balancei minha cabeça. — Estou tentando
sobreviver. Você faz isso... você faz isso por diversão. É isso
que faz de você um monstro.

Um músculo em sua mandíbula se contraiu. — Monstro


eu posso ser, mas também sou seu marido. Você deve se
lembrar disso.

Eu ri baixinho, ignorando meus instintos de


sobrevivência que estavam implorando para eu calar a boca.
— Você me incita a responder, a tirar minha máscara. Mas
no momento em que faço, e você vê algo que não gosta, me
diz para colocá-la no lugar. — Eu me afastei dele. — Talvez
você não seja tão esclarecido quanto pensa.

— Talvez. — Alessandro disse sombriamente atrás de


mim.

O resto da volta para casa foi em silêncio.

Os últimos dias de fevereiro foram quentes e passei a


maioria deles com Beatrice e Elena.

Se qualquer uma delas estava desconfiada de quanto


tempo eu passava com elas, elas não levantaram a questão.
Estávamos sentadas na cozinha de Beatrice, Elena e eu
no balcão enquanto ela estava cozinhando. O cheiro dos
ingredientes estava me deixando enjoada, mas eu engoli isso.

Os Tarantino moravam em uma linda casa na cidade,


uma que eu sempre cobiçara. Quando Beatrice se mudou, a
casa era fria e simples, mas durante os meses de seu
casamento, a casa ganhou vida sob seus cuidados. Agora
belas plantas floresceram e fotografias das pessoas próximas
decoravam as paredes e prateleiras.

Pensei na cobertura fria para a qual eu voltaria. Eu


posso ter sido uma esposa por um mês inteiro agora, mas a
cobertura não mudou pelas minhas mãos.

— Meu tio diz que está discutindo com os Falcone. —


Elena resmungou. Ela estava olhando para o chá com uma
expressão vazia. — Parece que, casar com uma garota da
Outfit será altamente benéfico.

Os Falcone eram uma família menor, localizada em Nova


York. Como Nova York era 'compartilhada' por várias
famílias, os laços entre elas eram imperativos para garantir
que uma guerra sangrenta não irrompesse. Mas ter a Outfit
de Chicago atrás de você provavelmente garantiria que sua
posição em Nova York fosse melhor apoiada.

E se o conflito surgisse, você teria uma chance melhor


de vencer do que todos os outros.
— Nada está certo ainda. — Tentei acalmá-la. Fui beber
meu chá, mas cheirava muito doce, então eu o coloquei para
baixo.

Elena cortou seus olhos verdes para mim, não


impressionada com minhas tentativas de conforto.

— Nova York não é tão ruim, Elena. — Beatrice tentou


enquanto colocava o bolo no forno. Ela também estava
tentando acalmar Elena. Evitando que ela faça algo estúpido.

— As lojas são realmente boas. — Eu ofereci.

Elena fez uma careta. — Eu ficarei sozinha. Casada com


um idiota.

Não pude evitar o meu sorriso. — Tenho certeza que o


idiota vai fazer companhia a você.

— Se eu fosse tão engraçada quanto você, Sophia. — O


sarcasmo escorreu de seu tom. — E duvido que você seja
uma boa candidata para apoiar um casamento arranjado.

Ela me pegou lá. — Meu casamento está bem. — Eu


disse com desdém. Deus, Beatrice tinha algum medicamento
para náusea? Eu sentia como se estivesse prestes a vomitar.
— Beatrice é a candidata perfeita. Pietro a adora.

Beatrice ficou levemente rosada. — Somos bons um


para o outro. — Ela deu a Elena um olhar reconfortante. —
Basta ter uma conversa honesta e aberta com ele sobre o
casamento. Os homens não querem voltar para casa em
conflito.

Elena revirou os olhos. — Sim, terei uma conversa


aberta com o chefe da família Falcone. Tenho certeza que ele
ficará satisfeito em saber que as mulheres têm pensamentos
e sentimentos.

— Poderia ser pior. — Eu disse, engolindo meu


desconforto. — Ele poderia ser um soldati. Pelo menos você
tem um chefe. — Elena parecia que ia me dar um tapa.

Levantei minhas mãos em sinal de rendição. — Só


estava tentando ser engraçada. Me ignore.

Beatrice disse outra coisa, mas eu não entendi. Tentei


bloquear o cheiro da cozinha da minha mente. Eu estava
enjoada com alguma coisa?

Uma mão macia tocou meu ombro. — Ei, Sophia, você


está bem?

Olhei para o rosto preocupado de Beatrice. Elena estava


franzindo a testa para mim também.

Eu sorri levemente. — Me desculpe, eu me sinto um


pouco para baixo. Você se importa se eu usar o banheiro?

— Claro que não. Pode ir. É logo no final do corredor.

Beatrice e Elena me observaram enquanto eu saía da


cozinha. A redução dos cheiros me fez sentir um pouco
melhor. Eu me sentia tão tonta que poderia estar flutuado no
espaço.

No banheiro, tentei vomitar. Às vezes você só precisava


vomitar para se sentir melhor, mas nada acontecia. Então eu
cedi e puxei minha calcinha para ir ao banheiro.

Eu fiz uma careta para minha calcinha. — O que é


isso... — Eu me inclinei mais perto dela e respirei fundo.

Pequenas gotas de sangue cobriam o tecido.

Fiquei levemente aliviada por não estar doente e eram


apenas sintomas da TPM, mas por baixo desse alívio estava a
sensação doentia de medo. Eu não estava grávida. Alessandro
teria que me levar para a cama novamente. Espero que
façamos fertilização in vitro, pensei.

As palavras de Beatrice vieram até mim de repente. Você


só precisa ter uma conversa aberta e honesta com ele sobre o
casamento.

Mas meu casamento não era como o de Beatrice.


Alessandro e eu mal podíamos nos suportar no momento. Eu
o evitava como a peste – já nem mesmo jantávamos juntos
mais. Normalmente eu só colocava seu prato na geladeira
com uma pequena nota em cima dele. Depois desaparecia no
meu quarto com meu prato.

Eu não sabia por que estava evitando-o pra ser exata.


Às vezes eu pensava que era porque tinha medo dele me
punir por ser rude, enquanto outras vezes não suportava a
ideia de ser deixada de lado por ele.

Eu olhei para a mancha e suspirei.

Quando voltei para a cozinha, Beatrice e Elena me


deram olhares curiosos.

— Você está se sentindo melhor? — Perguntou Beatrice.

Eu sorri para ela, engolindo minha náusea. — Estou.


Mas você se importa se eu pegar emprestado um absorvente?

— Ah, claro. — Ela saiu da cozinha e subiu as escadas.

Elena me olhou. — Você está menstruada?

— Sim. — Olhei pela janela o belo jardim de Beatrice. Na


primavera, era um espetáculo a se ver quando todas as
plantas floresciam. — Estou menstruada.

— Lamento. — Elena disse. O que mais havia a dizer?

Beatrice voltou naquele momento e me deu o


absorvente. Eu desapareci de volta no banheiro. Quando saí
mais uma vez, nenhuma delas trouxe à tona esse assunto.

Conversamos sobre o possível futuro da Elena antes de


passarmos a temas mais leves. Nina Genovese estava
organizando um almoço para as senhoras e tínhamos sido
convidadas. Discutimos o que iríamos vestir e se Chiara di
Traglia traria sua linda neta bebê.
Eventualmente, eu tive que ir para casa. Beatrice nunca
me disse que eu estava demorando demais ali, mas sabia que
ela tinha coisas a fazer.

Oscuro estava esperando do lado de fora da casa e


assentiu em cumprimento quando me viu. Por toda a polidez
dele, você nunca pensaria que ele tinha ouvido Alessandro e
eu brigando na outra noite, mas não estávamos exatamente
quietos no banco de trás do carro. Senti uma pontada de
vergonha, mas tentei ignorá-la.

Tenho certeza de que Oscuro tem preocupações maiores


que o seu casamento, disse a mim mesma.

Fiquei quieta no caminho para casa e Oscuro continuou


me enviando olhares preocupados, mas não exigiu uma
explicação.

A cobertura cheirava a produtos químicos de limpeza


quando chegamos. Polpetto estava esperando na porta e
gritou feliz quando entrei no apartamento. Peguei-o e o
segurei no meu peito, dando-lhe um carinho.

— Teresa. — Eu chamei.

Teresa enfiou a cabeça por cima do corrimão. — Sra.


Rocchetti, eu não sabia que você voltaria para casa tão cedo.

— É minha culpa. — Eu disse a ela. — Vou fazer um


almoço. Você quer um pouco? — Teresa balançou a cabeça.
— Não. — Ela ficou um pouco rosada. — Mas você ainda
tem alguma dessas pequenas bruschetta?

Eu ri. — Eu vou esquentar.

Eu gostava da Teresa. Ela era jovem, esposa de um


Soldati e sempre comia o que eu cozinhava, ao contrário de
Oscuro e Beppe, que sempre recusavam. Além disso, Teresa
estava sempre pronta para conversar e me fazer companhia.
E Polpetto gostava dela.

Quando terminou no andar de cima, Teresa desceu as


escadas com balde e esfregão.

— Lave as mãos. — Eu repreendi.

Ela riu, mas fez o que foi dito.

Uma cãibra repentina me atingiu e mordi meu lábio.


Onde eu coloquei o Tylenol? Acho que deixei no meu
banheiro.

— Vou demorar um pouquinho, Teresa.

— É claro, senhora Rocchetti. — Ela disse enquanto


mastigava alegremente sua bruschetta.

Teresa limpou o chão e limpou as janelas com perfeição.


Alessandro era naturalmente organizado e eu insistia em
limpar meus próprios cômodos, então Teresa nunca teve que
fazer muita coisa. Além disso, fazê-la limpar meu quarto e
meu banheiro seria cruel - já que normalmente eles estavam
uma pocilga.
Fui ao banheiro quando estava no andar de cima e
parei. Eu não tinha sangrado desde que vim da casa de
Beatrice. Isso foi estranho, em geral quando minha
menstruação começa, ela não parava até cinco dias depois.

Talvez fosse porque estava estressada? Eu sabia que o


estresse e uma mudança no ambiente poderiam interferir no
seu ciclo, mas isso era um pouco estranho. Estava
definitivamente no meu período, no entanto. Eu estava com
cólicas, me sentindo inchada e desconfortável.

Pobre corpo, pensei. Teremos uma noite de TLC19 hoje à


noite.

Levei um pouco de Tylenol para as cólicas antes de


voltar para o andar de baixo. Teresa me fez companhia até
que ela teve que ir.

— Volto semana que vem. — Coçou a cabeça de


Polpetto. Ele balançou o rabo alegre.

— Diga a Pasquale que eu disse oi.

Ela sorriu. — Vou dizer.

Teresa saiu e mais uma vez eu estava sozinha.

Quando Alessandro chegou em casa naquela noite, eu


me escondi no meu quarto. Eu podia ouvi-lo lá embaixo,
remexendo nas coisas. Polpetto e eu ouvimos quando ele
abriu a geladeira e bateu as portas.

19 Um canal da TV a cabo
Eu me sentia como uma intrusa quando pressionei uma
orelha na porta do meu quarto para ouvi-lo.

Não relaxei até ouvir a porta do quarto dele fechar.

Mãos quentes correram para cima e para baixo na


minha pele. Eu me senti arquear para trás, querendo mais.

Uma risada baixa encheu meus ouvidos. — Você gosta


disso, esposa?

Os dedos se aproximaram perigosamente entre minhas


coxas e eu gemi. Tudo parecia sensível demais, tudo parecia
eletricidade. O toque se afastou das minhas coxas e eu gritei
em negação. A risada voltou e senti o hálito quente sobre
meus mamilos expostos.

Mãos ásperas agarraram meus seios, apertando


levemente. Afundei meus calcanhares na cama, tentando me
impedir de explodir.

— Por favor... — Implorei, sem saber o que estava


pedindo, mas sabia o que queria.

Senti lábios macios correndo sobre minha carne


exposta. Arrepios seguiram atrás deles. — Você gosta que eu
segure seus seios, esposa? — Meditou a voz. Senti o arranhão
de dentes enquanto eles falavam.

Outro gemido escapou da minha garganta.

— Me responda. — A voz ficou mais dura.

Eu não conseguia falar palavras. Minha boca se abriu,


mas nenhum ruído legível poderia escapar.

O calor começou a evaporar do meu corpo e um


estranho sentimento gelado tomou conta. Eu me contorci,
querendo o calor de volta. Estava muito frio.

— Diga-me, noivinha.

De repente, um rosto familiar apareceu na minha frente.


Sangue escorria de seu pescoço cortado e seus olhos estavam
selvagens pela violência.

— Responda-me, noivinha. — Disse o homem com uma


voz suja. — Você gostou de cortar minha garganta, noivinha?

Abri minha boca para gritar. O sangue encheu minha


boca, úmida e grossa, bloqueando minha garganta e
impedindo qualquer ruído de escapar.

Minhas mãos empurraram o Gallagher, mas ele não se


mexeu. Seus lábios estavam se movendo e o sangue
continuava escorrendo.

— Você gostou, pequena noivinha? — Ele trovejou. —


Você gostou?
Não, nã..., tentei gritar, mas havia muito sangue.

— SOPHIA!

Eu me levantei, saltando do meu pesadelo.

O suor cobria cada centímetro de mim e eu mal podia


respirar. Estava tão escuro, eu não conseguia ver.

— Sophia, — veio uma voz familiar e severa. — Respire


fundo.

Respire fundo, eu disse a mim mesma. Respire fundo.

Chupei ar nos pulmões, tentando me estabilizar.

Devagar, o quarto começou a se juntar. Era noite, eu


estava na minha cama e sentado na minha frente estava meu
marido.

Alessandro usava calça de pijama sem camisa. Seus


olhos escuros estavam me analisando.

— Você teve um pesadelo. — Ele me disse.

Estremeci. Havia tanto sangue. Ainda podia sentir sua


presença fantasma em mim.

— Respire fundo outra vez. — Ele ordenou.

Chupei ar nos meus pulmões. Respira fundo, a voz


suave de Cat. Mas estava distorcida agora, mais profunda.
Respire fundo.

— Eu não quis te acordar. — Eu sussurrei.


Alessandro bufou. — Você estava gritando. Vamos
apenas torcer para que os vizinhos não acordem. — Ele me
examinou friamente. — O que você estava sonhando?

Lembrei-me do começo do sonho. O calor, a


sensibilidade. A sensação de calos ásperos contra a minha
pele macia. Eu olhei para baixo para esconder meu rubor. —
Sonhei com o casamento. Com homem que... eu matei. — A
palavra matei saiu em um sussurro duro.

— Sophia, olhe para mim.

Eu mantive meus olhos baixos.

As mãos de Alessandro agarraram meu queixo e


levantou meu rosto. Ele não estava me segurando o suficiente
para machucar, mas o comando em seu toque era inegável.
Ele encontrou meus olhos. — Se você não o tivesse matado,
ele teria matado você.

— Eu sei.

— Ótimo. — Me soltou. E ainda podia sentir o calor de


seus dedos. Ele se levantou, elegante e poderoso. — Tente
voltar a dormir.

Esfreguei meus braços expostos. Dormir era a última


coisa que eu queria fazer. Na verdade, eu senti vontade de
vomitar. — Ok.

— Ah, e eu gosto da sua máscara facial.


Máscara facial? Eu me senti boba e toquei minhas
bochechas e depois corei. Eu adormeci com minha máscara
facial depois de uma noite de TLC. — É de aloe vera. — Eu
disse.

— Isso é o que é esse cheiro. — Ele notou. Alessandro foi


embora, mas parou com a mão na maçaneta da porta. — Vou
sair de manhã por alguns dias.

Tentei tirar minha máscara. — Onde você vai?

— Columbus20. Há algumas... coisas que tenho que lidar


por lá. — Eu só poderia adivinhar o que eram essas coisas. —
Volto no dia 5.

— Tenha cuidado.

Alessandro me olhou com frieza. — Sim, você também.


— Então ele se foi.

20 É a capital do estado norte-americano do Ohio, EUA.


Capítulo Doze

Quando acordei no dia seguinte, meu absorvente ainda


estava limpo.

Ou este foi o período mais estranho que eu já tive... ou


algo mais estava acontecendo.

Eu me olhei no espelho e tentei recriar a conversa que


Cat e eu teríamos. Cat era a voz da razão em situações como
essas. Ela teria dito que era melhor prevenir do que remediar
e que apenas um pequeno teste não poderia doer.

Ignorar o problema não o fará desaparecer, ela


costumava me dizer sempre que eu me recusava a fazer a
lição de casa ou a lidar com os problemas dos amigos. Às
vezes você só precisa respirar fundo e arrancar o curativo.

Eu olhei para Polpetto. — O que você acha que eu


deveria fazer?

Polpetto sacudiu o rabo com a atenção.

— Sim, — eu suspirei. — Acho que a ignorância também


é uma benção. Mas também um privilégio.

Saí do banheiro e procurei os testes que o Dr. Li Fonti


havia me dado todas aquelas semanas atrás. Li as instruções
cinco vezes antes de conseguir a coragem para concluir o
teste. Polpetto ficou comigo o tempo todo, observando curioso
enquanto eu fazia xixi. Então ele tentou agarrar o palito,
pensando que era um brinquedo, mas eu me afastei dele.

— Você está sendo uma má influência. — Eu disse a ele.

O teste levaria alguns minutos para me dar o resultado,


então eu me forcei a sair do banheiro.

Tenho certeza que você não está grávida, disse a mim


mesma. Claro, você teve algumas manchas. Cólicas. E está se
sentindo desconfortável. E enjoada.

Mas você não está grávida. Você e Alessandro só fizeram


sexo uma vez.

A cobertura estava silenciosa, lembrando-me que


Alessandro tinha ido para Columbus. Era um pouco estranho
andar pela casa sem ele lá, mas também houve um pouco de
alívio. Eu podia andar ao redor da mobília e tomar sorvete no
café da manhã, e ninguém estaria lá para me deter.

Não fiz nenhuma dessas coisas, no entanto. Só comi


uma tigela razoável de cereal e me sentei no banco com o
jornal.

Eu não conseguia me concentrar nas palavras. Minha


mente continuou subindo para o meu banheiro.

Não tem como, eu disse a mim mesma. Nem se preocupe.


Você acabou de ter um período estranho.
Os minutos passavam. Segundo a segundo. Eu nem me
incomodei em tentar me distrair, apenas observei o relógio.

Faltam quatro minutos.

Bati minhas unhas no balcão.

Três minutos.

Você não está grávida. Você só fez sexo uma vez. Mas e
se…

Dois minutos.

As mulheres não deveriam saber? Elas não sentem isso?


Eu sinto que estou grávida? Como eu iria saber?

Um minuto.

Levantei-me do balcão e comecei a subir as escadas.


Senti como se estivesse em um filme de terror. Uma
protagonista estúpida que ouviu um barulho no andar de
cima e agora estava subindo para investigar. Polpetto trotava
ao meu lado.

Você pode fazer isso, eu disse a mim mesma.

Apenas respire fundo.

Entrei no meu banheiro e olhei para o balcão.

— Merda.
Gostava de Oscuro, mas não confiava nele.

Mas como eu conseguiria realizar uma consulta médica


sem lhe dizer o que estava acontecendo? Eu não poderia
mentir enquanto estávamos sentados na sala de espera do
ginecologista.

Oscuro falaria com Alessandro na primeira chance que


tivesse? Ou pior, falaria com os outros Rocchetti?

Que outra escolha eu tinha?

— Táxi, senhora? — Fred perguntou quando Oscuro e


eu saímos do prédio.

Balancei minha cabeça. — Não, obrigada, Fred. Oscuro


e eu vamos aproveitar o clima.

— Você acredita que é o primeiro dia da primavera


amanhã? Parece que vai ser quente.

Eu parei. O primeiro dia da primavera... — Amanhã é 1º


de março?

— Sim, senhora.

Meu estômago apertou. Eu considerei correr de volta


para dentro e chorar no meu travesseiro. Amanhã era 1º de
março. Um dia que seria amaldiçoado para sempre em minha
mente.
Como eu não tinha percebido? Estava tão perdida em
mim mesma que havia esquecido o pior dia do ano?

— Senhora Rocchetti? — Oscuro sondou. — Você está


bem?

Afastei meus pensamentos e sorri para ele. — Apenas


me perdi no país das maravilhas. Devemos ir?

Nós nos despedimos de Fred e andamos pela cidade


movimentada. A neve estava começando a derreter, deixando
as árvores nuas. O vento ainda estava frio, mas pelo menos
os raios do sol podiam ser sentidos mais uma vez. Parecia
que ia ser uma primavera quente.

Oscuro não perguntou para onde estávamos indo, mas


vi sua mandíbula apertar quando chegamos à frente do
consultório do ginecologista.

— Senhora Rocchetti? Ele questionou.

— Você pode esperar aqui fora, se esses lugares o


deixarem enjoado. — Eu disse a ele, subindo os degraus.

— O Capo...

Tentei dar a Oscuro um sorriso tranquilizador. — Só


estou aqui para um exame de Papanicolau. O Dr. Li Fonti me
recomendou um.

Meu guarda-costas corou. — Claro, senhora.


Oscuro ficou em silêncio quando entramos no prédio.
Era quente aqui dentro e bastante ocupado. Mulheres
grávidas estavam sentadas nas cadeiras e mulheres com
bebês. Meus olhos correram sobre elas e senti um ligeiro
vínculo com cada uma delas. Também estou grávida, queria
contar, vou estar como vocês em breve.

A recepcionista sorriu para mim quando me aproximei.


— Como posso ajudá-la hoje?

— Oi, eu tenho uma consulta com a Dra. Parlatore às


12h.

— Sophia Rocchetti? — Ela perguntou enquanto


digitava.

— Sim, sou eu.

— Encantador. — A recepcionista me passou uma


prancheta. — Preencha isso, por favor. A Dra. Parlatore a
receberá em um momento.

Agradeci e conduzi Oscuro às cadeiras. Ele parecia um


pouco desconfortável. E ficou olhando os diagramas de
vaginas e seios nas paredes com uma expressão horrorizada.

Dei um tapinha em seu braço. — Você pode esperar lá


fora.

— Estou bem, senhora. — Oscuro recostou-se na parede


sempre que uma mulher grávida passava. — Apenas... bem.
— Eu posso ver isso. — Preenchi o formulário. Mais de
uma vez eu quase escrevi Padovino em vez de Rocchetti,
deixando para trás muitos P's riscados. Quando vi a pergunta
de contato de emergência, parei. Ainda era papai? Ou agora
era Alessandro? De qualquer maneira, escrevi o do papai,
pois sabia todos os contatos dele.

Tivemos que esperar um pouco, mas o medo geral de


Oscuro me manteve entretida. Para um soldati tão grande e
forte, ele estava muito aterrorizado com a dádiva da vida.

— Nenhum pequeno Oscuro? — Perguntei.

Ele balançou sua cabeça. — Não sou casado.

— Você não precisa estar casado para isso. — Eu o


lembrei.

Oscuro me deu um olhar um pouco divertido, mas não


respondeu.

— Sophia? — Chamou uma voz.

Uma mulher de meia-idade, com lindos cabelos loiros e


jaleco branco, estava me chamando. Eu rapidamente me
levantei e me aproximei. Oscuro me seguiu.

— Sophia? — Ela confirmou.

— Sou eu.

— Sou a Dra. Parlatore. — Ela me acenou pelo corredor


e olhou por cima do ombro. — Seu parceiro?
— Não. — Oscuro disse rapidamente. — Apenas
segurança, doutora.

As sobrancelhas da Dra. Parlatore se ergueram, mas ela


não questionou. — Desculpe, pela espera. — Foi tudo o que
ela disse. Entramos no consultório dela, mas Oscuro ficou do
lado de fora. Ela também não questionou isso.

Fechei a porta atrás de mim.

A médica estava sentada na mesa dela. Em frente havia


uma sala de exames. Optei por sentar na cadeira ao lado da
mesa. Ao redor estavam suas credenciais e diplomas. Pensei
no diploma guardado no meu passaporte.

— Você está aqui para um exame de sangue, sim?

— Sim. — Engoli meus nervos. — Fiz um teste de


gravidez em casa e, quando liguei, a senhora disse que eu
deveria vir de imediato para confirmar.

— Sim, é o melhor. — A Dra. Parlatore levantou-se e foi


ao gabinete. Ela pegou uma variedade de aparelhos.

A médica teve muito cuidado enquanto ela tirava meu


sangue, falando comigo com uma voz suave quando viu meu
leve medo da agulha. Quando terminou, escondeu o sangue
da minha vista e tirou as luvas.

— Teremos esses resultados em algumas horas. Se você


estiver grávida, providenciaremos um ultrassom para você.

— Obrigada.
A Dra. Parlatore me deu um olhar gentil. — Você pode
estar se sentindo um pouco tonta, então não tenha medo de
beber um pouco de suco de laranja. Coloque um pouco de
açúcar em você.

— Um passe livre da minha médica para ingerir um


pouco de açúcar. — Eu ri. Coloquei o casaco de volta para
poder esconder a bola de algodão no braço.

— Sim. Para que mais estamos aqui? — Dra. Parlatore


se levantou e me conduziu para o corredor. — Nós ligamos
para você com os...

— Obrigada. — Eu a interrompi. Oscuro se levantou e


me deu um olhar estranho. — Até breve, doutora.

Dra. Parlatore olhou para Oscuro. — Até. — Ela se


despediu.

Corri para a recepcionista, paguei e depois conduzi


Oscuro. Estava me sentindo muito tonta. Oscuro me seguiu
em silêncio, olhando-me desconfiado.

Quando voltamos para a rua, insisti em parar no café


mais próximo. — Estou com vontade de comer alguma coisa.
E quanto a você?

— Você decide. — Ele respondeu.

Oscuro não era estúpido, mas pensei que tinha


escondido minha mentira muito bem. Ele contaria a
Alessandro? Meu estômago apertou. Ele com certeza mandou
uma mensagem para Alessandro da minha localização, como
era necessário. Seus dados móveis permitiu que meu
paradeiro chegassem a Columbus?

Claro, que sim Sophia, disse a mim mesma, não é 1997.

— Você está bem, senhora?

— Hã? — Eu pisquei para Oscuro.

Ele olhou para mim. — Você está murmurando para si


mesma.

Eu ri envergonhada. — Só queria saber o que fazer para


o jantar.

Oscuro não parecia acreditar em mim.

Eu falei pelos cotovelos enquanto fomos almoçar. Como


sempre, Oscuro era um bom ouvinte e grunhia quando a
conversa o exigiu também.

Eu gostaria de ter trazido Polpetto. Ele adoraria o clima


quente. Embora eu sentisse muita falta de vesti-lo com suas
pequenas roupas de inverno.

No próximo inverno, você terá um bebê para vestir, o


pensamento me veio de repente.

Depois de comer um bolinho açucarado, me senti muito


melhor. Se Oscuro notou minha recusa em pedir uma bebida
com cafeína, ele não disse nada. Só me perguntou se meu
milkshake de banana estava bom.
Quando peguei Oscuro em seu telefone, perguntei: —
Está falando com Alessandro?

— Apenas atualizando-o, senhora.

Girei meu cabelo. — Disse a ele... nossa localização?

Os olhos de Oscuro me examinaram. — Sim, senhora.

Raspei meu garfo no prato vazio, tentando pegar um


pouco do creme restante. — Diga a ele para não se preocupar
com o médico. Estou bem. — Tentei parecer casual, mas não
acho que fiz um bom trabalho nisso.

— Eu disse a ele que íamos almoçar.

Encontrei os olhos de Oscuro. Nós nos entreolhamos por


um momento. — Obrigada. — Eu sussurrei.

— Não precisa agradecer.

Sorri e lambi o resto do bolo do meu garfo.

— Oh, e senhora Rocchetti? — Eu olhei de volta para


Oscuro. Ele me deu um sorriso suave. Parecia desconfortável,
mas agradável, em seu rosto rígido. — Parabéns.

Eu sorri de volta para ele, brilhante e descarada.


A ginecologista me ligou algumas horas depois. Eles
confirmaram que eu estava grávida e fizemos uma ecografia.
Eu estava grávida de cinco semanas e meu sangue estava
bom.

— Tudo parece perfeito. — A Dra. Parlatore me disse. —


Poderemos contar mais quando fizermos o ultrassom.

E assim a véspera do pior dia do ano não foi tão ruim.


Fiquei ao mesmo tempo aliviada e chateada com minha
gravidez. Parecia egoísta sentir qualquer tipo de sentimento
negativo em relação à minha gravidez, especialmente porque
algumas mulheres não podiam conceber. Mas me senti
emboscada.

Mal conhecia Alessandro. E as partes dele que eu


conheci, não gostei.

Nós fizemos sexo uma vez e agora eu estava grávida.


Parecia uma grande piada cósmica.

Mas, por outro lado, foi um alívio. Ser capaz de


engravidar era um dos meus papéis como mulher, de acordo
com a Outfit. E talvez estar grávida pudesse ajudar minha
posição na família Rocchetti.

Afinal, uma esposa fértil não era motivo de escárnio.

Andei pela cobertura, levando as notícias para cada


quarto como se estivesse dizendo as janelas e os móveis.
Quando cheguei ao quarto de hóspedes, parei.
Este seria o quarto do bebê.

O bebê.

O termo me fez querer chorar e rir.

Coloquei a mão no meu abdômen. Que estranho pensar


que havia um feixe de células se formando ali no momento.
Aquele embrião minúsculo estava me fazendo sentir enjoada,
inchada e exausta.

O quarto de hóspedes era simples, com apenas uma


cama e uma poltrona complementar. A simplicidade disso me
fez sentir um pouco desconfortável, então peguei Dolly e
Maria Cristina do meu quarto e as coloquei na cadeira
sobressalente.

Espero ter uma garota, pensei. Para que ela possa cuidar
dessas bonecas que eu e minha irmã tanto amamos.

Pensar na minha irmã me fez querer chorar.

Papai insistiu que jantássemos hoje à noite, uma


celebração tranquila de sua vida entre as duas pessoas que a
conheciam melhor. Na verdade, nunca nos víamos no
aniversário, pois papai sempre dava uma desculpa para não
estar disponível.

Eu não me importei. Gostava de ficar sozinha no dia 1º


de março.

Dei uma olhada no quarto de hóspedes, nas duas


bonecas e depois saí.
Quando papai me viu, ele estendeu os braços e me
segurou contra seu peito quente. Sua colônia familiar, a que
ele usava a vida inteira, me fez querer vomitar. Mas, em vez
disso, eu o segurei.

— Ah, bambolina. — Papai se afastou. Ele piscou rápido


para esconder a névoa em seus olhos. Eu não mencionei isso.
— Você está linda, como sempre.

Eu discordava. Eu usava um vestido preto, a cor sempre


me fez parecer mais pálida. A saia tinha uma bainha em
formato de sino e flutuava a cada passo que dava. Mas era
apropriado usar as cores do luto nessa ocasião.

Papai me conduziu para dentro de casa. — Dita nos


deixou sozinhos esta noite. Ela fez o jantar e preparou tudo
para nós.

— Ah, isso é muito gentil da parte dela.

— Bem, ela sabe que tipo de dia é esse para nós.

Dita fez um belo assado, a grandeza disso não combinou


com o meu humor. Eu ficaria com as sobras, pensei. Para que
ela pense que eu comi mais do que eu também vou. Não quero
que se sinta menosprezada.
Papai sentou-se à cabeceira da mesa, comigo ao seu
lado. — Como você tem passado? — Ele perguntou.

— Bem. — Eu dei um tapinha em seu braço. — E você?


Você se sente bem, apesar do assalto?

— Don Piero acha que foi uma anormalidade. — Papai


disse. — Duvido que isso aconteça de novo. Atualizei nossa
segurança.

— Essas são boas notícias.

Ficamos em silêncio enquanto enchíamos nossos pratos.


Papai me ofereceu vinho, mas eu recusei. — Somente água
para mim esta noite, obrigada.

Ele me examinou. — Você está bem?

— Só não me sinto bem o suficiente.

O rosto de papai se suavizou. — Claro que não. É um


dia terrível. — Amanhã era um dia terrível, mas papai nunca
mencionava. — Você sabe que eu estarei ocupado amanhã,
infelizmente.

— Eu sei, papai.

Uma pausa então: — Como está seu marido?

— Em Columbus.

— Salvatore disse que você foi escolhida para garantir


que o circuito seja eliminado de quaisquer laços com a Outfit.
— Papai piscou seus olhos cor de uísque para mim. Meus
olhos da mesma cor dos seus.

Eu sorri. — É bom ser útil para a Outfit.

— Claro. — Papai se serviu de outra taça. Eu olhei para


ele. Ele já estava no segundo? — Mas eu gostaria que eles
não a tivessem dado uma tarefa dessas. Prefiro que você
esteja segura do que útil.

— Papai, — eu usei minha voz mais calma. — Você sabe


que eles nunca me colocariam em perigo.

Papai zombou. — Não, eu não sei. — E tomou outro


gole.

Devo tirá-la dele? Jamais tinha visto meu pai tão à


vontade com o álcool. Mas para ser justa... ele estava de luto
por sua primogênita. Eu o deixei continuar a beber seu vinho.
— Coma um pouco mais, papai. Não queremos que Dita fique
chateada.

— Você está certa. — Ele largou o vinho para comer


batatas. Coloquei mais frango no prato dele. Espero que isso
o ajude a segurar um pouco melhor o licor. — Ah, você é uma
garota tão boa. Sempre foi uma garota tão boa.

— Obrigada, papai.

Papai olhou para mim. Ele estava procurando algo na


minha expressão. Eu dei a ele um sorriso reconfortante, mas
isso só o fez franzir a testa. — Alessandro é um bom marido,
sim? Salvatore não pôde me responder quando perguntei se
Alessandro era bom para você

— Ele não me bateu. — Eu o acalmei.

— Às vezes há coisas piores que a dor física. — Ele


murmurou. E pegou seu vinho. Seria ousado demais dar um
tapa na mão dele? — Eu queria que você se casasse com o
filho de Tommaso. Ele é um jovem simpático, um pouco
idiota, mas não tem nenhum tipo de reputação. Ele teria sido
bom para você.

Nossa conversa de todos aqueles meses atrás voltou


para mim. Eu queria te dar a alguém mais calmo.

Mais calmo, papai? Eu queria perguntar. Não há homens


suaves neste nosso mundo.

— Você fez o que achou melhor. — Eu suavizei.

Papai riu severamente. Ele quase engasgou com o vinho


por estar rindo tanto.

Tentei tirar o copo dele, mas ele não cedeu. — Você quer
um pouco da minha água, papai?

— Não. — Ele largou o vinho. — Tome um pouco de


vinho, bambolina. É um dos bons. Dita pegou para mim.

— Não essa noite. Talvez na próxima vez.


Papai franziu o cenho para mim. Ele olhou para o meu
copo de vinho vazio e depois minha comida quase não tocada.
— Você está bem, bambolina?

— Estou bem.

Ele olhou para mim, com um pouco de choque. — Você


está grávida.

Mentir ou dizer a verdade? Eu queria dar boas notícias


ao meu pai, principalmente porque ele parecia tão chateado.
Eu sorri para ele e toquei seu pulso. — Estou. Apenas de
cinco semanas. Mas em outubro você será avô.

Nenhuma alegria tocou a expressão do meu pai. Em vez


disso, papai agarrou meu pulso e segurou firme. — Não conte
a ninguém.

Eu puxei, mas ele não me libertou. Seu aperto era


doloroso.

— Papai.

— Estou falando sério, Sophia. — Ele nunca me


chamava pelo meu nome. — Você não deve contar a ninguém.
Nem a suas amigas ou à Dita. Nem aos Rocchetti e, por
último, não ao seu marido The Godless.

Sua expressão era tão intensa, tão dura. Engoli.

— Papai... acho que você já teve o suficiente...


— Eu não estou bêbado. — Papai me apertou com mais
força. — Talvez um pouco, mas não tanto. Você precisa me
ouvir. Não me importo se não acredita em mim, mas precisa
me obedecer. — Ele se inclinou para mais perto de mim. Por
trás de toda aquela dureza, havia puro terror. Do que ele
estava com tanto medo? — Por favor, Sophia... por favor, me
prometa que manterá isso em segredo.

— Eu...

— Por favor, bambolina.

Analisei sua expressão. — Por que papai? Por que tenho


que esconder minha gravidez?

O medo tomou conta de seu rosto. — Eu não posso


dizer-lhe. — Sua voz quase quebrou. Nunca tinha visto meu
pai tão emocional. Foi aterrorizante. — Mas eu preciso que
você prometa. Prometa-me, Sophia.

— Se é tão importante para você...

— Isto é.

— Vou manter em segredo. Não vou contar a ninguém.

Papai soltou meu pulso e eu o peguei de volta. Ele


tomou outro gole do vinho. Seus olhos estavam vidrados. —
Oh, Deus. — Ele disse, miserável. — Você pegou minha
Catherine e agora veio para levar minha Sophia. Deixe-as em
paz... deixe minhas meninas em...
Eu levantei do meu lugar. — Vamos, papai, — eu
desafiei. — Vamos levá-lo para a cama.

Meu pai renunciou ao controle para mim. Ele me deixou


levá-lo para cima, tirar os sapatos e colocá-lo na cama. Dei a
ele uma aspirina e um copo de água. Papai estava ficando
cada vez mais cansado, mas seus murmúrios não pararam.
Ele continuou orando a Deus para deixar suas filhas em paz.

Tentei acalmá-lo para dormir. — Deus nos deixou em


paz, papai. Cat está segura no céu e eu estou com você. —
Acariciei seus cabelos grossos. Os olhos do papai vibraram
inquieto. — Tente descansar um pouco.

— Por favor, poupe minhas meninas... — Ele murmurou


novamente.

Apertei meus olhos com força. As lágrimas estavam


brotando, mas eu não queria incomodar mais meu pai. Em
vez disso, sentei-me ao lado dele até ele adormecer. Pouco
depois, roncou baixinho.

Em sua mesa de cabeceira, havia uma foto de Cat e eu


quando bebês. Cat era uma criança pequena e segurava meu
eu recém-nascido. Ela sorriu com dentes para a foto, e
travessura nos olhos.

Essa era a foto que ele guardava de nós, pensei.

Eu tracei o contorno das bochechas gordinhas de Cat. O


bebê iria se parecer comigo? Portanto, pareceria com a Cat.
Seria bom poder levar minha irmã para a próxima geração,
deixá-la viver novamente.

Beijei a testa do meu pai e apaguei as luzes.


Capítulo Treze

O 1º de março começou com chuva.

Enquanto me vestia, vi as gotas de chuva deslizarem


pelas grandes janelas. Isso me fez sentir como se estivesse no
meu próprio mundinho. O som dela batendo no telhado
assustou Polpetto e ele procurou conforto sob minhas
cobertas quentes.

— Vai clarear em um minuto. — Eu disse a ele. — É


apenas a Mãe Natureza limpando a neve para as flores.

A casa estava silenciosa e escura. Passei a manhã toda


igual a todos os dias. Fiz um bom café da manhã e depois
vomitei. Depois disso, optei por um chá quente e biscoitos.

Quando chegou a hora, peguei meu guarda-chuva e


coloquei as botinhas de Polpetto nele. Ele geralmente estava
animado para fazer caminhadas, mas parecia sentir meu
humor. Ele seguiu ao meu lado, sem pular ou tentar se
afastar como de costume.

No térreo, Oscuro estava esperando. Fui até a recepção e


pedi as flores. Eu tinha ordenado que elas fossem entregues
no dia 1º de março.

A recepcionista entregou com um sorriso simpático.


Oscuro ficou em silêncio enquanto caminhávamos para
o carro estacionado do lado de fora. Ele abriu a porta para
mim, tentando me proteger das gotículas.

Eu brinquei com o buquê enquanto dirigíamos para o


cemitério. Um lindo buquê de flores, alfazemas e orquídeas e
flor-de-cone. A cor favorita de Cat era roxa. É a cor da
realeza, costumava dizer a ela. A resposta de Cat por gostar é
que era uma cor relaxante.

Paramos do lado de fora do cemitério. A chuva começou


de novo.

— Senhora Rocchetti, você gostaria de companhia? —


Perguntou Oscuro.

— Não. — Peguei meu guarda-chuva. — Você pode, por


favor, fazer companhia a Polpetto? Ele não gosta da chuva.

— Claro.

Saí do carro e levantei meu guarda-chuva. Eu conhecia


bem este cemitério. Conhecia as trilhas e as sepulturas
melhor do que eu conhecia meu bairro. A maior parte dos
mortos da Outfit foram enterrados aqui e eu estive aqui há
alguns meses para os funerais de Tony Scaletta, Paola Ossani
e Nicola Rizzo.

Mas minha irmã estava localizada fora das trilhas, perto


de uma grande árvore.
Apesar do tempo azedo, a beleza silenciosa de seu local
de descanso permaneceu.

Papai não conseguiu uma estátua de anjo para vigiar


Cat, mas sim uma estátua de Catherine de Alexandria. Ela
era a santa de quem Cat recebeu seu nome. A estátua não
era muito grande, mas a mulher santa chamava atenção. Ela
usava uma coroa e encostava-se a uma espada, vestida com
suas roupas velhas.

A chuva deslizou pelo rosto da estátua, limpando-a da


poeira e da sujeira.

Abaixo da Santa Catherine, havia a placa de Cat.

Aqui reside Catherine Rosa Padovino,

Filha amada e querida irmã.

25 de novembro de 1991 a 1 de março de 2013.

Tenha fé que nos encontraremos novamente.

Deixei as flores na lápide. A chuva as umedeceu


imediatamente.

— Sinto sua falta, Cat. — Sussurrei. — Eu sinto sua


falta todos os dias. Eu procuro você em todos os lugares que
vou e anseio por sua presença o tempo todo. Ainda posso
ouvir a sua... — Parei, sufocando um soluço. Lágrimas
começaram a cair, combinando com a chuva. — Eu sinto
saudades. — Terminei me lamentando.
A grama debaixo dos meus pés estava perfeitamente
cortada e verde brilhante. Era estranho pensar que ela estava
a todos aqueles metros abaixo de mim, descansando em seu
sono eterno. Eu não queria vê-la em seu caixão e o funeral
tinha sido de caixão fechado. O acidente de carro... danificou
gravemente seu corpo.

Eu queria fazer uma cremação, mas essa não era o


costume da nossa religião.

Limpei minhas lágrimas. Eu deveria ter dito adeus a ela


corretamente, deveria ter tido a coragem e olhado para o
corpo. Mas eu não conseguia vê-la tão imóvel e quieta.

Tão... sem vida.

— Muita coisa aconteceu desde... desde a última vez que


te vi. — Eu engasguei. — Eu me casei. A última vez que te vi
eu estava noiva. Mas agora estou casada... — As lágrimas
vieram mais fortes. — E grávida. Você vai ser tia. — Uma
risada estranha me escapou. — Não, você não vai. Porque
você está morta. Já faz dois anos.

Respire fundo, disse uma voz baixa na minha cabeça.


Respire fundo.

Eu puxei o ar.

— Às vezes acho melhor que você tenha morrido. — Eu


disse a ela. — Você... não gostaria desta vida. Você não
gostava desta vida. O casamento, a violência. Pelo menos
agora está livre. — Abaixei minha voz. — Eu sei sobre o
diploma e está tudo bem, Cat. Não estou chateada. Magoada,
mas não chateada. — Esfreguei meus olhos. — Estou
orgulhosa de você. Desculpe-me por eu nunca poder te dizer
isso.

O vento aumentou, pegando meu cabelo.

— Mas, Direito? Eu nunca soube que você queria


estudar direito. Pensei que quisesse seu doutorado em
História e escrever artigos chiques em um escritório abafado
pelo resto dos seus dias. — Eu sorri um pouco. — Você era
inteligente o suficiente para fazer as duas coisas.

Um arrepio surgiu nas minhas costas e eu esfreguei


meus braços para tentar combatê-lo. — Eu tenho um
cachorro. — Adicionei. — O nome dele é Polpetto e ele é
perfeito. Ele é um Volpino Italiano e sabe disso. — Eu bufei.
— Sempre quisemos um cachorro, lembra? Mas papai sempre
dizia não... — A menção de papai me fez fazer uma careta. —
Oh, papai. Papai não está bem, Cat. Ele estava muito
estranho ontem à noite... acho que realmente sente sua falta.
Eu sei que vocês brigavam o tempo todo, mas você ainda é da
família.

A conversa da noite passada com meu pai me manteve


acordada por horas. Por que ele não queria que eu dissesse
às pessoas que eu estava grávida? O que o assustou tanto
que machucou meu pulso por causa de sua intensidade? Por
quanto tempo eu poderia manter isso em segredo?

Cedo ou tarde, isso se tornaria bastante óbvio.


— Algo está acontecendo, Cat. — Eu disse, expressando
o pensamento que nunca ousei admitir. — Não sei o que é...
mas algo está acontecendo. A maneira como as pessoas
falam, as mentiras os segredos. Eu sei que não é da minha
conta. — Suspirei. — Talvez as coisas estejam esquentando
com os irlandeses. Talvez a guerra esteja próxima.

— Falando em guerra, há conversas sobre Elena se


casar com o chefe da família Falcone. Eles estão em Nova
York. Eu sinto muito por ela. Estar tão distante de sua
família. Não tenho o casamento mais fácil do mundo, mas
pelo menos estou perto da minha família, perto dos meus
amigos. Perto de você. — Balancei minha cabeça. — Eles
estão pensando que ela se casará no outono se as
negociações forem bem-sucedidas.

Fiquei um pouco mais com o túmulo de Cat, contando a


ela mais sobre o mundo ao meu redor. Do qual ela não fazia
mais parte. Achava reconfortante, apesar do fato de eu estar
na verdade falando comigo mesma, sozinha, em um
cemitério.

Quando a chuva começou a piorar, eu me afastei. Sobre


o campo de lápides, vi outra pessoa tecendo a estrada. Eles
também estavam vestidos de preto com um guarda-chuva.
Um deles parecia ser uma mulher. Algo neles era familiar...
outros membros da Outfit?

A chuva estava forte, mas eu acelerei meu ritmo para


alcançá-los.
Eles me viram e começaram a correr.

O que, em nome de Deus? Eu parei. Talvez eu não os


conhecesse e acabei de assustar a luz do dia de alguém em
luto.

O guarda-chuva voou para o lado enquanto corriam e


cabelos dourados brilhavam.

Cat.

Eu saí correndo, mas eles estavam mais à frente do que


eu. O chão estremeceu sob minhas botas, mas eu não
diminuí a velocidade.

— Ei! — Eu gritei.

A pessoa correu mais rápido e entrou em um bosque de


árvores. Eu estava sem fôlego quando cheguei às árvores e
pressionei minha mão em uma para me equilibrar. A chuva
estava caindo forte agora.

Entre as árvores e a chuva, eu não conseguia ver nada.


Para onde eles foram?

Abri a boca para gritar o nome dela, gritar pela minha


irmã, mas fiquei em silêncio.

Eu acabei de perseguir uma pessoa inocente porque


pensei que ela era minha irmã morta?

Eu gemi e esfreguei meu rosto.


— Senhora Rocchetti? — Gritou uma voz familiar
através da chuva.

Oscuro estava vindo na minha direção, Polpetto debaixo


de um braço e arma no outro. Ele examinava ao meu redor.

— Você está bem? — Perguntou. — Por que você estava


correndo?

— Pensei ter visto... — eu parei. — Deus, eu pareço


louca. Eu pensei ter visto minha irmã morta. — Lágrimas
começaram a deslizar pelas minhas bochechas. — Eu
realmente pensei... — Soluços começaram a atormentar meu
corpo.

— Oh, senhora. — Oscuro deu um tapinha áspero nas


minhas costas. — Está tudo bem. O sofrimento nos faz ver
coisas. Isso nos deixa loucos.

Balancei a cabeça através dos soluços.

— Vamos lá, — ele parecia desconfortável. — Vamos


secar você, se sentirá melhor.

Oscuro me levou para o carro. Eu não conseguia parar


de tagarelar, mas consegui me controlar quando chegamos à
estrada.

Esfreguei minhas lágrimas, tentando não derramar mais


delas. — Sinto muito, Oscuro. Não sei onde estava a minha
cabeça...
— Está tudo bem, senhora Rocchetti. — Oscuro disse
gentilmente. — Tem muita coisa acontecendo.

Chupei ar, tentando controlar minha respiração. Tirei


Polpetto dos braços de Oscuro e o segurei contra o meu peito.
Seu carinho me confortou.

A chuva parou naquele momento. Eu ri. Claro que parou


agora.

Oscuro me ajudou a entrar no carro antes de contornar


até o banco do motorista. Eu descansei Polpetto no meu colo,
coçando suas pequenas orelhas.

No final da estrada, um carro escuro estava estacionado.


Eu senti simpatia por eles. Eles também tinham alguém
enterrado neste cemitério. É realmente péssimo, eu disse a
eles em minha mente. Eu entendo.

Oscuro ligou o carro e começamos a deixar o cemitério.


Enquanto o carro se aproximava, estreitei os olhos.

O carro era familiar... tão familiar...

— Pare! — Eu gritei. — Eu conheço esse carro, Oscuro!


Eles estão nos seguindo!

Oscuro não parou, mas sua mandíbula tremeu. — Meu


trabalho é saber quando alguém está te seguindo, senhora.
Eles não estão.

— Não, eles estão. Eles estavam estacionados em frente


à igreja no meu casamento e no funeral.
Oscuro pressionou o acelerador e passamos voando pelo
Dodge Charger preto.

Eu olhei para ele, pasma. — Oscuro, por que você


acelerou? Não estou louca. Eu reconheci o carro.

— Você reconheceu a placa? — Ele perguntou.

— Bem, não. Mas...

— Você sabe quantos Dodge Charger's existem nesta


cidade?

Caí de volta no meu lugar. — Eu não estou ficando


louca.

Oscuro entrou na estrada principal. — Você está


cansada, senhora. E grávida.

— Mas, não louca.

Ele não disse mais nada.

Virei minha cabeça para tentar localizar o carro. Ele


ficou menos visível à medida que avançamos. Quando a
chuva começou de novo, desisti.

O silêncio no carro tornou-se insuportável.

— Eu não estou ficando louca, Oscuro. — Eu murmurei.

— Eu sei, senhora. — Ele tinha o mesmo tom


paternalista que os homens sempre tinham quando tentavam
acalmar as mulheres. — Você tem muita acontecendo e hoje é
um dia muito emotivo.

Eu olhei para fora da janela. Talvez Oscuro estivesse


certo. Eu estava lidando com meu casamento vermelho,
minha união, minha gravidez. Acrescentar a morte de minha
irmã em cima disso era muito para assumir. Mas isso não
significava que eu estava ficando louca.

Também não significava que minha irmã estava de volta


dos mortos ou que eu estava sendo seguida.

Suspirei fundo e me recostei no meu assento. Polpetto


choramingou no meu colo.

Sua irmã não está viva e andando como um zumbi, eu


disse a mim mesma. Você apenas... perdeu a cabeça. E agora
terá que pagar algumas reparações a pobres mulheres por
todo o terror que você lhes causou.

Eu tracei as gotas na minha janela.

— Oscuro. — Eu o chamei.

— Sim, senhora.

— Podemos, por favor, ir para a Universidade de


Chicago?

Oscuro fez um barulho de surpresa. — Para que,


senhora?
— Eu... — Engoli em seco. — Eu só preciso verificar
uma coisa. — Oscuro não parecia convencido. — Por favor,
Oscuro. Isso me faria sentir melhor.

Ele piscou os olhos para mim e depois voltou para a


estrada. — Tudo bem então. — Ele resmungou. — Mas eu
vou entrar com você.

— Claro. Você tem que segurar Polpetto. — Eu voltei


para a janela. — Ele odeia a chuva.

A Universidade de Chicago era linda e enorme. Com


terrenos e velhos edifícios assombrados. Ao longe, você podia
ver a cidade. Parecia uma cidade fora da cidade, com um
campus talvez maior que o CBD21. Como Oscuro e eu não
conseguimos descobrir o melhor lugar para estacionar,
acabamos caminhando bastante para encontrar o prédio de
escritórios.

Olhei em volta com interesse para os estudantes. A


maioria deles era um pouco mais jovem do que eu, mas
muitos deles eram mais velhos. Era estranho para eu
entende-los. Eles não eram casados com mafiosos ou

21 Companhia de Canábis de Chicago.


estavam grávidas de seus filhos. Ao invés disso, estavam
preocupados com provas e tarefas.

Poderia ter sido você, disse uma voz na minha cabeça.


Jovem e livre.

Na verdade, não, respondi de volta. Eu sou uma idiota.

Alguns skatistas passaram e eu os vi ir com interesse. —


Você viu isso, Oscuro? — Perguntei.

Oscuro assentiu. Ele estava recebendo muitos olhares


nervosos dos alunos e professores. No entanto, Polpetto
estava recebendo a atenção que merecia. Muitos estudantes
pararam e o cumprimentavam.

— Você foi para a faculdade, Oscuro?

— Não, senhora.

Eu sorri para ele. — Estudou as facas, não foi?

— Eu prefiro armas.

— Oh, não foi isso que eu quis dizer... o prédio de


escritórios! — Passei a coleira de Polpetto para Oscuro. —
Certifique-se de que ele receba os beijos que merece.

Oscuro me deu um olhar de aviso. — Eu vou com você.

— Aqui diz proibidos cães. — Dei um tapinha em seu


braço. — Vou demorar cinco segundos. E você pode me ver
através das janelas.
— Se...

Entrei no prédio. Lá dentro estava quieto, mas quente.


As paredes estavam cobertas de conquistas e certificados.
Alguns troféus revestiam as prateleiras. A senhora da
recepção estreitou seus olhos para mim.

— Posso ajudar?

Eu dei a ela o meu melhor sorriso. — Oi, eu sou Sophia.


Fiquei pensando se poderia comprar algumas fotos da
formatura.

— Claro que pode. Qual o nome do aluno?

— Ainda posso pegar as fotos, mesmo que já tenha se


passado alguns anos? Nossa casa recentemente... inundou e
perdemos todas as fotos da minha irmã.

A recepcionista assentiu. — Elas estarão no sistema.


Qual o nome da sua irmã?

— Catherine Padovino. Ela formou-se em Direito, se isso


ajudar.

Ela bateu no teclado. Olhei para fora e vi Oscuro


olhando para mim através do vidro. Um grupo de meninas
estavam agachadas por Polpetto, coçando sua barriga. Acenei
para Oscuro antes de voltar para a recepcionista.

— Aqui vamos nós... — Ela clicou em algo. — Catherine


Padovino. A turma de formandos de 2013?
— É ela.

Ela fez uma careta. — Sinto muito, mas não temos fotos
dela registradas. Ela não conseguiu tirar fotos da formatura.

— Oh, — Meu estômago caiu. Ela deve ter falecido


antes. — Tudo bem. Desculpe incomodá-la.

— Ah, ah! Mas há uma foto dela recebendo seu diploma


mais cedo. Deve ter se formado cedo. Sua irmã é realmente
inteligente, não é? — A recepcionista virou a tela.

Cat estava sorrindo para mim, segurando seu diploma.


Ela estava vestindo um simples par de jeans e camisa roxa.
Seus cabelos dourados brilhavam no flash.

— Sim, ela era muito inteligente. — Eu sussurrei. —


Quanto?

— Depende. Você quer um chaveiro? Caneca de café?

Eu balancei minha cabeça. — Apenas uma foto normal.

A recepcionista pediu meu endereço e eu dei a ela a


cobertura. Felizmente, chegaria a mim antes de chegar a
Alessandro. Alessandro já sabia que Cat tinha um diploma.
Provavelmente, ela não daria a mínima para meus
sentimentos.

Depois que eu paguei, a recepcionista me ofereceu um


bom dia e eu saí. A chuva começou de novo.
— Você conseguiu o que precisa? — Oscuro perguntou,
zangado comigo.

Eu assenti. — Acho que sim.

— Bom. Vamos embora. — Ele puxou Polpetto. — Toda


a atenção está indo direto para a cabeça dele.

Fizemos nosso caminho lento para casa. Eu me senti


relutante em deixar o campus. Eu queria ver a biblioteca e
passear pelas árvores. Oscuro foi paciente comigo até o dia
começar a diminuir.

Imaginei minha irmã caminhando por esses caminhos e


estudando sob essas árvores. Todo o tempo em que estive em
casa sem saber de nada. Ela encontrou o que procurava
aqui? Isso tinha saciado sua sede por uma vida diferente?

Ou apenas a encorajou?

O dever é inevitável, costumava dizer a ela sempre que


ela ficava muito agitada.

Não, não é, costumava responder.

Sim, pensei para ela, como se pudesse me ouvir. É.

Naquela noite, tive a sensação mais estranha de sentir


falta de Alessandro. Era estranho apenas cozinhar para um,
sentar-se sozinha no balcão da cozinha. Eu o evitei nos
últimos tempos, mas ainda era familiar ouvi-lo se mover pelo
apartamento.
Agora, a cobertura estava silenciosa. Apenas as patas de
Polpetto eram ouvidas.

Andei pela casa, com o roupão sussurrando atrás de


mim e me senti um pouco rebelde. Não havia ninguém aqui
para me dizer o que fazer. Ninguém assistindo, ninguém
esperando para atacar.

Levantei-me no sofá e tentei pular, mas me vi


preocupada em quebrar alguma coisa. Passei pelo armário de
bebidas de Alessandro, mas não podia beber nada, então
também não havia graça. Eu até fui investigar em seu quarto,
mas não havia nada lá. Era tão frio quanto o resto da
cobertura.

Mas... o escritório.

Eu estava na frente da porta, meu coração batendo


rápido. Isso é errado, eu disse a mim mesma. Não é da sua
conta.

Se ele descobrir que você estava bisbilhotando, ele vai te


matar.

Coloquei minha mão na maçaneta da porta.

Isso é perigoso.

Girei a maçaneta e abri a porta.

Não sei o que esperava que acontecesse. Alguma parte


de mim pensou que um assassino iria pular e me matar por
ousar entrar no espaço do Capo.
Em vez disso, o escritório escuro me cumprimentou. As
cortinas estavam fechadas, mas os raios das luzes da cidade
conseguiram espreitar, lançando sombras ao redor do espaço.
Não parecia perigoso, apenas mais escuro. Mas meu coração
começou a bater forte e o suor picou na parte de trás do meu
pescoço.

Com muito cuidado, acendi a luz.

Atrás de mim, Polpetto choramingou.

— Não se preocupe, querido, — eu sussurrei, apesar de


estar sozinha. — Não há ninguém aqui além de nós.

Eu estava na porta do escritório.

Alessandro teria levado seu laptop e telefone com ele, e


qualquer coisa que considerasse importante. Mas o que ele
havia deixado?

Dei um passo hesitante.

O que é que eu tinha a ver com isso afinal? Estes não


eram meus negócios. Eu era apenas a esposa.

Dei outro passo.

A sensação de fazer algo errado se tornou demais. Virei-


me, apaguei a luz e fechei a porta.

Você não gostaria que ele vasculhasse suas coisas, eu


disse a mim mesma.
O dia 1º de março terminou da mesma maneira que
começara. A chuva caiu a noite toda e eu chorei com ela.

Minha irmã não estava aqui e também não estaria aqui


no próximo ano. Ou no ano seguinte. Ou naquele depois
disso.

O pensamento ficou comigo até eu adormecer.


Capítulo Quatorze

No escuro, acariciei a foto.

O ultrassom foi um sucesso. A Dra. Parlatore ficou feliz


com o crescimento do bebê e com meu líquido amniótico. Ela
disse muitas coisas inteligentes que correram da minha
cabeça como água, mas eu entendi a ideia geral. Meu bebê
estava saudável. E começava a formar seu pequeno coração.

Passei minhas unhas sobre a foto mais uma vez. O bebê


não passava de um tom de branco contra cinza, mas eu não
conseguia desviar o olhar.

Parecia um pouco surreal até esse ponto. Mas agora


olhando para ele... eu estava criando uma vida em meu
corpo, sozinha. Claro, eu estava enjoada e sentia dores
terríveis. Meus seios estavam tão sensíveis que eu não
conseguia me deitar de bruços sem chorar de dor.

— Por que seu avô quer manter você em segredo? —


Sussurrei. — Por que os Rocchetti são tão curiosos sobre
você?

Meu bebê não ofereceu resposta.

No andar de baixo, houve um estrondo repentino.


— Que diabos... — murmurei, levantando em minhas
mãos.

O medo tomou conta de mim. Quem estava em casa?


Alessandro não deveria estar aqui até esta tarde. Eram os
Gallagher? Eles voltaram para a segunda rodada?

Outro estrondo veio do andar de baixo. Seguido por


palavrões familiares.

Peguei meu roupão e saí correndo do meu quarto.

Na cozinha, Alessandro estava sentado na pia. Ele


estava sem camisa e coberto de sangue. Havia sangue por
toda parte. Além do sangue, havia gaze, antisséptico e pontos.

Sua cabeça escura estava abaixada, sua atenção no


sangue no peito.

Eu podia vê-lo tentando limpar um corte, mas não


parecia que a limpeza estava fazendo efeito.

Talvez a coisa mais surpreendente tenha sido Polpetto


aos pés de Alessandro. Ele estava sentado e abanando o rabo.

— Você pode segurar isso? — Alessandro perguntou a


Polpetto.

Polpetto apenas latiu em resposta.

— Maldito cachorro. — Ele resmungou. E se inclinou


para tentar pegar algo no chão, mas veio gemendo e de mãos
vazias. — Porra, inferno. — Sibilou.
Corri escada abaixo. — Me deixe fazê-lo.

Alessandro virou a cabeça para mim, estreitando os


olhos. Quando ele viu que era eu, um brilho acendeu em seus
olhos. — Ah, minha esposa.

Ele deixou cair um pacote de lenços antissépticos. Eu os


peguei e puxei um.

Alessandro se inclinou para trás, sem fazer nenhum


movimento para pegar o lenço de mim. Ao longo de seu peito,
havia grandes cortes. Alguém o tinha apanhado com uma
faca.

Eu fiz uma careta e pressionei uma mão gentil em um


deles. — Você terá que refazer suas tatuagens. Isso vai ser
difícil de cicatrizar.

Ele encolheu os ombros. — Vai limpar isso?

Ignorei seu tom e comecei a trabalhar limpando o peito.


Sentir sua pele dura sob minhas mãos me fez corar, mas eu
mantive minha cabeça baixa para manter alguma dignidade.
Se ele soubesse que eu estava corando, teria a chance de me
provocar.

Alessandro tinha três cortes. O que se encontrava


próximo ao seu coração era o pior, enquanto o da sua lateral
e o do abdômen não eram tão ruins. Os dois pararam de
sangrar devagar, mas o que estava perto de seu coração
precisaria de pontos.
— Apenas um banho vai tirar todo esse sangue. — Eu
disse, jogando o quinquagésimo lenço na pia. — E eles
continuam sangrando.

— Cortes fazem isso. — Alessandro resmungou. Ele


pegou a agulha e a linha.

Eu dei um passo para trás. — Nunca costurei nada na


minha vida. Minha professora de educação doméstica disse
que eu era impossível de ser ensinada porque sou canhota.

Ele fez um barulho que poderia ter sido uma risada. Ou


um rosnado. Alessandro pegou uma das agulhas e
posicionou-a na pele.

Oh, Deus, ele vai fazer isso...

— Você quer algo para morder? — Perguntei. — Ou


algum Tylenol, pelo menos?

Alessandro fez um grunhido desdenhoso. — Não.

Eu assisti, meio horrorizada, meio fascinada, quando ele


puxou a linha através do corte. Trabalhou metódico e rápido.
Era um pouco nauseante ver sua pele passar pelo mesmo
processo que o tecido passava. Meu cérebro ficava me
dizendo que isso estava errado.

Quando terminou, se recostou e respirou fundo.

— Fez um bom trabalho. — Eu disse a ele.


Alessandro piscou seus olhos escuros para mim. — Pode
colocar um curativo ou eu tenho que fazer isso também?

— Não, eu posso fazer isso. Deixe-me pegar a gaze.

— Está lá em cima. — Desapareci na despensa e voltei


com o Kit de Primeiros Socorros. Alessandro olhou para ele
como uma bomba prestes a detonar.

— O que é isso? — Ele perguntou.

— Comprei um kit de primeiros socorros. — Eu disse a


ele. Abri, revelando as coisas importantes que havia
comprado. Alessandro pareceu um pouco impressionado. —
Aqui está a fita.

Alessandro me observou, sob pálpebras pesadas,


enquanto eu colocava o curativo. Tentei evitar tocar sua pele,
mas era inevitável. Toda vez que eu sentia o calor dele, eu me
afastava. Quando eu cobri todas as suas feridas, Alessandro
se afastou para trás.

— Você não será capaz de tomar banho. — Eu disse. —


As feridas não podem molhar.

Ele inclinou a cabeça para o lado. — Está se oferecendo


para me limpar?

Eu dei um passo para trás. — Eu não quero que você


cheire mal na casa.

Um sorriso selvagem cresceu em seu rosto. O seu olhar


fez meu coração disparar.
— Como você se machucou? — Eu perguntei antes que
ele pudesse fazer algum comentário.

Alessandro não pareceu surpreso com a pergunta. Eu


meio que esperava que ele inventasse alguma mentira, mas
fiquei surpreendida quando ele me disse: — Fomos
emboscados no aeroporto. A retaliação dos Gallagher por
Gavin. — Ele bufou. — Foi uma merda desgraçada.

— Você foi esfaqueado três vezes.

Ele me deu um olhar estranho. — Sim, mas estou vivo.


O mesmo não se pode dizer daqueles que nos atacaram.

Meu estômago caiu.

Deslizei meus olhos para as mãos dele. Sob as unhas, o


sangue seco começava a escurecer.

Quão fácil eu esqueci quem ele era, pensei.

Havia algo neles, esses Rocchetti's. Eu me encontrava


desfrutando de sua presença e me envolvendo com eles.
Então diziam algo, ou faziam algo, e meus instintos
despertavam de seu encantamento e me lembravam com
quem eu estava falando. Isso acontecera com Don Piero e
Alessandro várias vezes.

— Ah, lá está ela. Minha esposa assustada. —


Alessandro não parecia convencido sobre isso. Em vez disso,
ele parecia irritado. — E aqui estava eu, pensando que você
tinha ficado um pouco mais corajosa.
Comecei a arrumar o kit de primeiros socorros. — Você
deve tomar um Tylenol e descansar um pouco.

Alessandro abriu a boca para responder, mas algo


chamou sua atenção. Eu me virei para ver por que ficou em
silêncio de repente, mas ele estendeu a mão como um chicote
e passou a mão em volta do meu pulso. Eu ofeguei e tentei
puxar de volta.

Seu aperto era firme, mas leve. No entanto, Alessandro


não tinha me agarrado apenas para dar as mãos. Estava
segurando meu pulso machucado, com fúria em seus olhos.

— Quem fez isto?

A expressão... o tom... minhas mãos começaram a suar.


— Eu tropecei. — Eu murmurei. — Descendo as escadas.
Cai... no meu pulso.

Seus olhos escuros se voltaram para mim. — Você


tropeçou? — Ele perguntou friamente. — E caiu no seu
pulso?

Eu assenti.

— No final da escada, havia alguém com cinco dedos? —


Alessandro levantou meu pulso, mostrando as marcas claras
de cinco dedos. — Quem fez isso com você, Sophia?

A expressão aterrorizada de Papai se formou em minha


mente. Por favor, Sophia... por favor, me prometa que manterá
isso em segredo.
— Se fosse importante, eu diria a você. — Tentei puxar
minha mão de volta, mas ele não cedeu.

Alessandro examinou minha expressão. Então, com


muito cuidado, ele abriu os dedos. Eu trouxe meu pulso ao
meu peito, segurando-o protetoramente. Uma expressão
sombria tomou conta dele.

— Foi Oscuro? — Perguntou.

Eu balancei minha cabeça. — Não, claro que não. Deixe


para lá, Alessandro.

— Se alguém a desrespeitou, são alguns passos para


desrespeitar a mim e à minha família. — Alessandro se
inclinou para mais perto de mim. O cheiro dele fez minha
cabeça girar. — Quem te desrespeitou, esposa?

— Eu não fui desrespeitada. — Eu sussurrei.

Os olhos dele brilharam. — Então foi Cesare.

Levantei minha cabeça. — Meu pai nunca...

— Você e eu sabemos que isso não é verdade. — Eu


fiquei quieta. Alessandro me encarou. — Eu preciso
conversar um pouco com meu sogro?

— Não. — Eu disse. — Ele... ficou um pouco bêbado. Foi


um acidente.

— E isso faz ser tudo bem?


Eu bati meus olhos nos dele. — Você ainda tem sangue
debaixo das unhas por matar pessoas e quer agitar a
bandeira da moral?

Algo semelhante ao deleite brilhou em seu rosto.


Alessandro levantou-se, parecendo um leão que viu uma
gazela mancando.

— Eu não deveria...

— Não peça desculpas. — Ele disse. — Você sabe que


isso me irrita.

Fiquei calada.

Alessandro olhou para mim. Parecia haver um desafio


em sua expressão. Vá em frente, seus olhos pareciam dizer,
fale. Deixe-me jogar um pouco mais.

Foi um esforço físico para manter meus lábios fechados.

— Não se preocupe. Eu vou fazer isso rápido. — Ele


disse.

Eu fiz uma careta. — Fazer o que rápido?

— Matar Cesare.

Gelo passou por mim. — Não, não, você não pode... —


Fui pegar Alessandro, mas ele agarrou meus pulsos. E me
segurou no lugar facilmente. — Por favor...

Alessandro se aproximou do meu rosto. — Ele


machucou a pele de um Rocchetti. Assim que ele te agarrou
com tanta força que o sangue sob sua pele estourou, ele
entrou na minha lista de mortes.

— Foi um acidente. Eu, eu estava estressando-o. — Eu


estava tropeçando nas palavras, perdendo minhas frases no
meio da tagarelice.

— Acidente ou não, ele machucou minha esposa. Ele


precisa ser punido. — Alessandro segurou meus pulsos um
pouco mais apertados, o suficiente para me atrasar. — Mas...
se você insiste em que ele seja poupado, o que eu ganho com
isso?

Eu diminui a velocidade. — O quê?

— O que eu ganho com isso? — Ele perguntou. — Eu o


quero morto, mas por você eu estaria disposto a poupar a
vida dele. O que você pode me dar em troca?

Minha boca secou. — O que você quer?

A fome tomou conta de sua expressão. — Oh, tantas


coisas, Sophia. Coisas que fariam você chorar e gritar. —
Alessandro sorriu para mim e eu sabia que o preço que ele
exigiria seria alto. — Eu quero um beijo.

— Um beijo? — Eu chiei. — É isso aí?

— Isso é tudo o que eu quero. — Ele ronronou. — Um


beijo da Bloody Bride.

Eu analisei sua expressão. Ele estava brincando


comigo? Ele tiraria esse beijo de mim e ainda exigiria a vida
do meu pai? O que eu poderia fazer para evitar que ele me
ganhasse?

— Prometa. — Eu pedi. Eu balancei a cabeça para a


tatuagem em seu peito, a que sinalizava sua aliança. — Jure
pelo seu voto Omertà22.

Alessandro sorriu. — Aqui está aquela astúcia que você


esconde. — Ele colocou uma mão no peito, trazendo meu
pulso com ele e disse: — Juro por minha honra como Made
Man que Cesare Padovino não morrerá em minhas mãos e,
em troca, Sophia Rocchetti me dará um beijo.

Minha mão estava corada contra a dele, descansando


em sua promessa. — Ok. — Eu murmurei. — Um beijo e meu
pai estará seguro.

Alessandro soltou meu outro pulso. Eu pendurei meu


braço frouxo ao meu lado. — Apenas um. — Ele cantou. — A
menos que você implore por mais. Então eu posso ser
convencido a lhe dar outro.

— Por favor. — Eu bufei. — Será você quem estará


implorando.

Ele me deu um sorriso feroz antes de se inclinar. Inclinei


minha cabeça, tentando ignorar o trovão do meu coração, o
aperto do meu estômago. A dor entre minhas coxas.

22Omertà é um termo da língua napolitana que define um código de honra de organizações


mafiosas do Sul da Itália.
Alessandro parou bem na frente dos meus lábios, olhos
brilhando em desafio. Ele abriu a boca para dizer algo, mas
eu não lhe dei uma chance. Eu empurrei meus lábios nos
dele, pegando-os.

Ele ganhou vida imediatamente, movendo-se contra


mim.

Tudo parecia muito quente, demais. Mas não consegui


parar. A suavidade de seus lábios, a aspereza de sua barba
por fazer. Seus dentes arranharam minha boca e eu gemi
com o choque e surpresa com a eletricidade que pulsava em
mim. Isso fez meus sentidos dispararem, estreitando-se em
uma constante: Alessandro.

Passei meu braço em volta da cabeça dele, enfiando


meus dedos em seus cabelos. Ele gemeu na minha boca e me
empurrou para trás. A geladeira me pegou. Alessandro soltou
minha outra mão e eu a juntei com a outra atrás da sua
cabeça, tentando segurá-lo o mais perto possível de mim.

Ele estendeu os braços sobre a minha cabeça,


posicionando-se acima de mim.

Um toque agudo de telefone cortou o ar. O som ecoou


por toda a minha cabeça.

Eu me afastei, batendo minha cabeça na geladeira atrás


de mim.

Alessandro xingou e tirou o telefone do bolso. Sua


expressão era mortal. — É melhor alguém estar morto, porra.
Descrença correu através de mim. Eu realmente estava
dando uns amassos em Alessandro Rocchetti? Meu corpo
palpitava com o calor e a necessidade por causa do The
Godless? Minha cabeça estava leve, minhas coxas
formigavam. Eu ainda podia sentir seus lábios contra os
meus.

Era como se eu sempre tivesse sentido.

Apenas o luto tinha sido intenso para mim. Tão intenso


que meu corpo carregava os restos de meu coração partido,
meu luto. Mas isso... definitivamente não era tristeza, e ainda
assim era tão intenso. Isso era outra coisa... e era muito
ruim.

Alessandro fechou violentamente seu telefone antes de


colocá-lo de volta no bolso. Ele me olhou com avidez, então a
raiva passou por sua expressão. — Eu tenho que ir.

— O dever chama. — Eu murmurei.

— Sim, dever. — Ele disse. Recuou, praticamente


vibrando de raiva. — Não pense que acabou, Sophia.

Eu joguei meus olhos no chão. — Você conseguiu seu


único beijo, Alessandro.

Alessandro riu sombriamente. — Sim, suponho que sim.


— Ele começou a se afastar, mas antes de desaparecer no
andar de cima, ele se virou e me encarou com seu olhar. —
Os documentos anti-máfia estão completos e na minha mesa.
Tenho certeza que você pode encontrá-los, você já esteve no
meu escritório várias vezes.

Virei minha cabeça na sua direção, mas ele já havia


desaparecido na escuridão.
Capítulo Quinze

Você pode fazer isso, pensei. Você pode fazer isso.

Depois da minha quinta conversa interna, saí do carro,


aterrissando no concreto com mais força do que o necessário.
A chuva havia diminuído e um lindo e ensolarado dia de
primavera enfeitava a cidade. Mas meu nervosismo me
impediu de desfrutar plenamente.

Na minha frente, a prefeitura apareceu. As pessoas


corriam para dentro e para fora do prédio vigilante. No
entanto, eles não estavam com tanta pressa que não viraram
a cabeça quando eu passei. Oscuro, que estava ao meu lado,
não era discreto, mas não era ele que eles estavam olhando.

Você é uma Rocchetti, a voz de Alessandro disse em


minha mente. Mantenha sua cabeça erguida.

Eu levantei meu queixo e entrei no prédio.

Usava minha roupa predileta para esse propósito. Meu


vestido rosa claro preferido, que era sexy de uma forma meio
profissional. Acompanhado de meus saltos altos brancos e
bolsa correspondente, eu me senti como algo bom para se
olhar. Algo com segredos e seriedades.

Coloquei uma mão gentil no meu estômago. Algo com


muitos segredos.
A prefeitura era um edifício antigo, mas grandioso. Chão
de mármore se desdobrava, tão limpo que refletia as luzes
douradas penduradas nos tetos altos. Os pódios se estendiam
dos dois lados, quebrando o lobby das asas que saíam dele.
Atrás da recepção, uma impressionante escada crescia.
Bandeiras americanas pendiam das paredes como lanternas,
liderando o caminho.

O recepcionista levantou a cabeça quando me


aproximei. — Como posso ajudá-la, senhora?

— Estou aqui para uma reunião com o prefeito


Salisbury.

Os olhos dele se arregalaram. — Sra. Rocchetti, perdoe-


me, é claro. — Eu não tinha soado rude, mas ele reagiu como
se eu o tivesse esbofeteado no rosto. — Vou ligar para o
prefeito Salisbury agora mesmo para que saiba que você está
aqui. Posso lhe oferecer uma bebida?

— Não, mas obrigada.

Oscuro e eu fomos para a sala de espera. — Pobre


garoto, quase caiu no chão. — Eu disse.

— Você é uma Rocchetti. — Foi a resposta do meu


guarda-costas.

Estávamos sentados apenas por poucos instantes


quando um homem de aparência familiar desceu as escadas.
Ele estava vestido com um blusão azul e calça cáqui marrom.
Sua gravata era tão apertada que eu poderia jurar que estava
bloqueando a circulação, com seus cabelos grisalhos e
expressão arrogante, não era difícil ver o político no prefeito
Salisbury. Corrupção incluída.

— Senhora Rocchetti. — Estendeu a mão. Então se


lembrou e apenas me deu um aceno de cabeça.

— Prefeito Salisbury. Que prazer finalmente conhecê-lo.

Ele sorriu. Eu podia vê-lo imaginando se meu


temperamento era um pouco melhor do que os outros
Rocchetti com os quais ele tinha que lidar. — Você também.
Venha por aqui, por favor.

O prefeito Salisbury gostava de conversar. E misturado


com meu entusiasmo em falar, fizemos um coquetel e tanto.
Quando chegamos ao seu escritório, já tínhamos quase ficado
sem assunto.

— Por favor, sinta-se confortável, senhora Rocchetti. —


Disse, puxando uma cadeira para mim. O escritório do
Prefeito Salisbury era formado completamente de madeira
marrom, ao que me pareceu. Com a mesa, as prateleiras e as
paredes todas iguais, fazendo-me sentir como se eu pudesse
estar de cabeça para baixo. Nas paredes fotos de uma família
de trabalhadores ou prêmios de mérito para Bill Salisbury.

— Você tem um escritório muito adorável. — Eu disse.

O prefeito Salisbury sorriu com o elogio. — Obrigado.


Todos os meus antecessores tiveram exatamente o mesmo. —
Percebi.
— Que adorável. A história... é tão importante.

— De fato. — Ele apontou para uma foto na parede dele


cortando uma fita. — Você checou a Sociedade Histórica?
Pode apreciar parte do trabalho deles. — Quando não pareci
entender, ele acrescentou: — O Sr. Rocchetti é um gentil
doador para a sociedade. Ele acredita que proteger a história
é muito importante.

— Isso soa como meu avô. — Eu sorri. — É preciso fazer


um trabalho muito bom para ter a aprovação do Don.

O prefeito Salisbury assentiu. — Ele é um grande fã de


preservar os speakeasies23. Especialmente aquele em Little
Italy24. Eu acho que foi o primeiro clube que ele já dirigiu. —
Ele empalideceu de repente, como se percebesse que tinha
dito algo que não deveria.

— Não me esquecerei de verificar a sociedade. — Eu tirei


minha bolsa do ombro. O prefeito Salisbury conseguiu
empalidecer ainda mais.

— Vamos aos negócios? Eu odeio ocupar você.

Ele assentiu.

Retirei os documentos exigidos pelo governo. Eles eram


pesados, cheios de fatos inventados e valores. Bem, não,
inventados, mas alterados. — Tudo está aqui, eu garanto. Eu
mesma verifiquei. — Eu não tinha, mas o prefeito Salisbury

23 Um speakeasy é um estabelecimento ilícito que vende bebidas alcoólicas. Tais estabelecimentos


tornaram-se proeminentes nos Estados Unidos durante a era da Proibição (1920-1933).
24 Bairro da cidade de Chicago.
parecia mais pálido a cada minuto. Se ele ficasse mais
branco, talvez eu precisasse chamar a ambulância.

Pagando o arquivo de mim, prosseguiu. — Muito bom.


Está tudo aqui... muito bom.

— A única coisa que resta é a sua assinatura, meu


marido disse.

A menção de meu marido deixou Salisbury tenso. Então


ele olhou ao redor da sala como se estivesse vendo pela
primeira vez. Seus olhos passaram por Oscuro, estoico e
imóvel, e depois se voltaram para mim. Como um interruptor,
o prefeito Salisbury mudou. Ele sorriu e recostou-se na
cadeira. Seu nervosismo desapareceu no ar.

Eu conhecia bem a expressão dele. Era o rosto de


alguém que havia percebido que poderia conseguir alguma
coisa.

O que Salisbury queria? Eu queria obter o certificado


antimáfia e evitar a ira dos Rocchetti's. Se eu voltasse para
casa sem ele, duvidava que isso seria bom para mim...

Sorri para Salisbury, comedida e educada. — Está tudo


bem, prefeito Salisbury?

O prefeito Salisbury sorriu para mim. Seu sorriso


parecia viscoso. — Os termos do... acordo entre os Rocchetti e
eu falham em atender às minhas necessidades.

— Sinto muito em ouvir isso. — Eu disse.


— Você entende, não entende? — Ele não esperou
minha resposta. — No entanto, a última vez que assinei isso,
os tempos eram diferentes e agora com o FBI respirando em
nossos pescoços...

Oscuro deu um passo à frente. Salisbury parou de


respirar.

Virei minha cabeça: — Está tudo bem, Oscuro. — Ele se


recostou na parede com um grunhido. Salisbury manteve os
olhos nele. — Entendo completamente, prefeito. Você é um
homem de negócios e tem um negócio para proteger. No
entanto... não acho que os Rocchetti compartilhem meus
sentimentos. Você vê, eles também têm um negócio a
proteger. — Eu sorri docemente e peguei sua caneta da mesa.
— E acho que a maneira de minha família proteger seus
negócios é um pouco mais sangrenta que a sua.

A mandíbula de Salisbury se contraiu. Ele não se mexeu


para pegar a caneta. — Farei um acordo com os próprios
Rocchetti, não com você.

— Eu sou a Rocchetti com quem você lida, prefeito


Salisbury. — Mantive meu tom leve, meu sorriso brilhante.
Claramente, seguir uma rota mais dura não estava
funcionando. — Não quero brigar com você. E eu sei que você
também não quer brigar comigo

— Não, — ele disse. — Eu não quero brigar com você.

— Fico feliz.
O prefeito Salisbury me olhou. Eu conhecia aquele olhar
nos olhos dele. Ele estava vendo uma mulher bonita, uma
esposa encantadora, mas estúpida. Um peão. — Diga a seu
marido e sua família que eu quero renegociar os termos de
nosso acordo. E estou disposto a fazer isso agora mesmo...
com o porta-voz deles.

Ele achava que eu poderia barganhar com mais


facilidade? Eu barganhava todos os dias. Eu faço acordos
com meu rosto para ser passiva, para não falhar, com meu
sorriso. Aperto as mãos com meus instintos quando eles me
alertavam das coisas e lido pessoalmente com minha dor.

Sorri lindamente para o prefeito Salisbury. — O que


você gostaria, senhor?

Ele olhou em volta. Claro, pensei, ele não sabe. Ele ficou
bêbado com a ideia de que a nova Rocchetti seria menos
eficaz do que os outros com os quais lidou. — A Sociedade
Histórica. — Ele deixou escapar. — Quero que você, senhora
Rocchetti, se torne a patrona. Não será um trabalho árduo.
Só precisa participar de algumas reuniões e me ajudar a
realizar algumas funções. — Um brilho em seu olhar tomou
forma em seus olhos. — Se seu marido não se importar de
compartilhar você, é claro.

Peão. Peão. Peão. — Patrona da Sociedade Histórica, eu


serei. — Passei a caneta para ele. — Agora assine, por favor,
senhor.
A euforia por sua própria vitória o fez rabiscar sua
assinatura no papel. Ele assentiu quando terminou. — Vou
enviar isso hoje. O circuito deve ser legitimado até o final da
semana.

— Esplêndido. — Levantei do meu assento. — Tem sido


adorável, mas eu tenho que ir. Me acompanha?

— Claro. — Salisbury pulou de sua cadeira e me levou


de volta por onde viemos. Oscuro seguiu como uma sombra
sinistra.

— Estou ansioso para vê-la nas reuniões da Sociedade


Histórica, Sra. Rocchetti. — O prefeito disse quando nos
despedimos.

Eu sorri. — E estou ansiosa para fazer parte delas.

— É Alessandro. — Oscuro me passou o telefone.

Os sons da cidade caíram rapidamente quando saímos


da prefeitura e voltamos ao quente dia de primavera. Meus
olhos correram pela rua como sempre faziam agora, mas não
havia Dodge Charger.

— Obrigada, Oscuro. — Coloquei o telefone no meu


ouvido. — Eu tenho meu próprio telefone, o que você me deu.
— Eu sei. — Veio a voz dura de Alessandro. Não pense
no beijo, não pense no beijo. — Recebeu o certificado?

Desci as escadas, tentando evitar perturbar o bando de


pássaros. — Sim.

— Salisbury fez uma jogada pelo poder?

Eu fiz uma careta. — Você sabia que ele tentaria? E


ainda assim me enviou lá de qualquer maneira?
Despreparada?

Alessandro riu severo do outro lado da linha. — Você é


muitas coisas, esposa, mas não é despreparada. — O tom de
sua voz me fez sentir como se ele estivesse fazendo alusão a
outras coisas. — O que ele pediu? Não, espere, deixe-me
adivinhar. Um patrono para um de seus clubes ridículos?

Fiquei feliz por ele não poder me ver, sua zombaria


estava me fazendo corar. — A Sociedade Histórica.

No telefone, ouvi risadas. Mais de uma pessoa estava na


mesma sala com Alessandro. Até Oscuro abriu um sorriso.

— Que previsível. Uma pena, na verdade. Esperávamos


que seu rosto bonito o fizesse se sentir um pouco mais
criativo, mas infelizmente. — Alessandro riu novamente.
Fiquei tentada a desligar. — Porém, isso possa ser bom para
você. Assim não fica presa em casa o dia todo, sem fazer
nada.
— Eu não fico fazendo nada. — Não consegui manter a
nitidez no meu tom.

Oscuro virou a cabeça para mim. Eu ignorei seu olhar


de alerta.

— Ah, mas você quer fazer mais. E que maneira melhor


de fazer mais do que cuidar da história de Chicago? — Ele
meditou.

Eu me senti muito envergonhada para responder.


Andava de um lado para o outro, sentindo o poder do nome
Rocchetti e tudo tinha sido um jogo. Eu tinha deixado as
palavras de Alessandro, de todas aquelas noites atrás,
realmente mudarem minha visão e agora fiquei parecendo e
me sentindo como uma idiota. Fui manipulada pelos
Rocchetti e, por algum motivo estúpido, fiquei realmente
magoada com isso.

Os Rocchetti não precisam se preocupar com um


certificado antimáfia. Eles têm essa cidade inteira no bolso,
pensei.

— Sophia? — Alessandro disse ao telefone.

— Me desculpe, eu tenho que ir. Tenho um


compromisso.

Ele bufou.

Desliguei antes que pudesse dizer mais alguma coisa.


Oscuro me seguiu silenciosamente de volta ao carro,
irradiando tensão. Eu podia sentir o cheiro de sua
desaprovação no ar que era tão potente.

Quando nos aproximamos, perguntei-lhe: — Qual é o


problema, Oscuro?

Sua mandíbula apertou. — Você não deve irritar


Alessandro, senhora. Ele não é conhecido por sua paciência.

O alerta de Oscuro foi uma pequena surpresa. Não achei


que Oscuro fosse capaz de falar fora de hora, e ainda assim
estávamos aqui. Eu queria ouvir o aviso de Oscuro,
realmente, mas não conseguia deixar de irritar com
Alessandro. Cada movimento que eu fazia parecia irritar seus
nervos.

— Você não gosta dele? — Perguntei curiosa.

Oscuro manteve os olhos na estrada, mas falou sério: —


Daria minha vida por Alessandro. Não há outro homem que
eu prefira ter nas minhas costas quando vou à guerra, e não
há outro Capo que eu ouça. Mas... eu não o deixaria nem
perto das mulheres da minha família.

Olhei pela janela com tristeza. Se meu pai tivesse a


mesma política que Oscuro. — Acha que eu deveria ter sido
dada a Salvatore Jr.? Ou até Toto, o Terrível?

— Não.

— Talvez o menino de Tommaso então?


— Garoto estúpido. — Oscuro comentou. — Mas ele
teria sido bom com você. Mais fácil... de ser esposa.

Eu sorri, embora um pouco triste. Oscuro não acha que


você consegue sobreviver aos Rocchetti. Nem o seu pai, disse
uma voz na minha cabeça. E eles provavelmente estão certos.

— Bem, agora é tarde demais. — Eu murmurei.

— Muito tarde. — Ele concordou.

Meu telefone cortou o silêncio. Se fosse Alessandro, eu


não ficaria feliz. Em vez disso, o nome do meu pai foi exibido
na tela. Nós não tínhamos conversado desde o jantar na noite
anterior ao aniversário da morte de Cat. Eu não tinha certeza
de quem deveria dar o primeiro passo, então dei o poder a ele.
Papai ficava melhor quando sentia que estava no controle, de
qualquer maneira.

— Papai. — Eu respondi.

— Bambolina. — Me saudou. Ele parecia um pouco


envergonhado. — Como você está, minha querida?

— Estou bem. E você?

Ele fez uma pausa. — Bem.

Um momento de silêncio passou.

— Sobre a outra noite...

— Está tudo bem, papai. Você estava um pouco


embriagado. E foi no dia anterior ao... aniversário de Cat.
— Isso não justifica, ok. — Ele disse, sua voz firme.

Eu acalmei minha voz. — Papai, sobre o que você me


avisou... foi como um homem bêbado divagando ou não devo
dizer nada?

— Não diga nada.

— Por quê...

— Isso não é da sua conta. Mas sou seu pai e, quando


se trata de sua proteção, estou no comando.

Meu estômago apertou. — Você acha que eu preciso de


proteção?

— Todo mundo precisa de proteção, bambolina.


Especialmente você. — Papai estava dizendo outra coisa, mas
minha atenção disparou.

Pela janela, vi um Mc Donalds. — Oscuro, vamos comer


alguma coisa. Estou desejando algumas batatas fritas
salgadas, ah, e um hambúrguer. Um com muito queijo...

— Sophia, você está me ouvindo? — Papai latiu no


telefone.

— Sim, sim. — Respondi. Oscuro saiu da estrada e foi


em direção à lanchonete. — Gostaria que você me dissesse o
porquê. É mais difícil do que você pensa esconder uma
gravidez.

— Você está sozinha? — Papai chiou.


— Oscuro está comigo. — Eu segurei o telefone para ele.
— Diga oi, Oscuro.

Oscuro me ignorou.

— Ele é o cachorro leal de Alessandro. — Meu pai


disparou. — Você não deveria contar nada a ele...

— Oscuro já sabia, papai. Ele tem que ir as minhas


consultas comigo. — Eu respondi. — E não estou totalmente
convencida de por que devo manter o bebê em segredo. Este é
o meu bilhete para a segurança, papai. Todo o meu objetivo é
engravidar e você está me dizendo para ficar quieta?

Papai suspirou. — Esta não é sua passagem para a


segurança, bambolina.

— Então me diga o que está acontecendo.

— Não. Você sabe que não é o seu lugar. — Ele


acrescentou: — O que aconteceu com você? Nunca fala de
forma tão rude comigo.

Suspirei. Oscuro parou na janela. — Sinto muito, papai.


Só estou estressada. E cansada. Eu sei que você tem as
melhores intenções em seu coração. — Para Oscuro, eu disse:
— Pegue a maior coisa do cardápio. Com bacon.

— Que bebida você quer?

— Nada. Apenas me arranje fritas extras. — Voltei para


o meu telefone.
Papai estava no meio de sua frase. — ...melhor você não
saber, bambolina. Isso só lhe trará tristeza. Apenas me escute
e confie em mim para protegê-la. Como sempre fiz. — Exceto
quando você me vendeu aos Rocchetti sem pensar duas vezes.

Coloquei uma mão gentil no meu abdômen. Alessandro


venderia você, bebê? — Eu sei, papai. Compreendo. Não direi
nada a ninguém...

— Bom.

Oscuro me passou minha refeição. O cheiro fez meu


estômago roncar.

— Que som foi esse? — Papai perguntou.

— Nada. — Eu rasguei a bolsa. — Tenho que ir agora,


papai.

— Prometa que não dirá nada, Sophia.

Eu desembrulhei meu hambúrguer. — Prometo.

— Ah, e bambolina?

— Mmm? — Mordi meu hambúrguer.

— Sinto muito por machucá-la. Não percebi minha


própria força ou o álcool.

Quem te machucou? A voz de Alessandro repetiu em


minha mente. Fiz uma pausa com a boca cheia.
— Falo com você mais tarde, bambolina. — Papai
desligou.

Tive uma sensação terrível de que talvez minha pequena


barganha com Alessandro na noite passada tivesse sido um
jogo de tolos.
Capítulo Dezesseis

Meus peitos tinham subido um número.

Mudei meu sutiã, xingando baixinho. Eu usava um


suéter para tentar esconder a mudança do meu corpo, mas
juro que se notava. Meu estômago ainda não havia crescido,
mas o resto do meu corpo certamente estava se preparando
para o novo bebê.

Puxei o suéter creme. Eu o enfiei frouxamente em uma


saia lápis rosa pálida na altura do joelho, fazendo-me parecer
bem vestida, mas não muito formal. Era uma corrida de
Stock Car, não o Kentucky Derby25.

— O que você acha, Polpetto? — Perguntei. Polpetto


levantou a cabeça ao som de seu nome. Ele estava relaxando
na minha cama, de barriga para cima. — É muito óbvio? —
Girei de um lado para o outro. — Talvez eu deva vestir um
sutiã esportivo? Não, isso seria desconfortável. Meus peitos
doem muito.

— Sophia! — Ouvi Alessandro latindo meu nome. Um


momento depois, ele apareceu na porta do meu quarto. —
Está quase pronta? — Perguntou. — Estamos atrasados.

25 Corrida de cavalos que ocorre em Kentucky, EUA, desde 1875.


Na última semana eu tinha prestado atenção a mim
mesma ao redor de Alessandro. E me senti envergonhada ao
cair no jogo do certificado Anti-Máfia, assim como minha
reação acalorada ao nosso beijo. Sempre que o via, meu
coração acelerava e algumas manhãs eu acordava sentindo
um eco de seu toque contra minha pele. Não parava de me
lembrar de que ele havia ameaçado meu pai - embora nem
meu marido nem meu pai tivessem confirmado minhas
suspeitas - e que ele era um Rocchetti.

E os Rocchetti não tinham sido formados para serem


gentis e atraentes. Eles nasceram das profundezas do
inferno, filhos do próprio Satanás, e foram enviados à Terra
para me fazer envelhecer mais rápido.

Afastando-me dos meus pensamentos, empurrei meu


cabelo por cima dos ombros, tentando usá-lo para proteger
meu peito. — Apenas deixe-me pegar meus sapatos. — Fui
até o armário. — Quais você acha que eu devo usar? Branco
ou rosa?

— Branco. — Alessandro fez um gesto de deixar ir.

Deslizei sobre os calcanhares enquanto caminhava. —


Tenho que pegar meu casaco.

— Está lá embaixo.

Alessandro andou na minha frente. Ele estava


esperando no elevador, com os dois casacos na mão.
— Você sabia que tínhamos que sair às 10 horas. — Ele
me disse quando saímos. — E são 10:30.

— São 10:21. — Eu o corrigi. — E a perfeição leva


tempo.

Ele apenas grunhiu em resposta.

Os guarda-costas estavam esperando no carro. Para


minha surpresa, Alessandro declarou que iria dirigir seu
Lamborghini. Tanto Beppe quanto Oscuro pareciam
preocupados por não serem capazes de protegê-lo, mas não
discutiram sua decisão. Eles entraram no Range Rover e
esperaram Alessandro sair.

Eu me acomodei no carro, segurando nossos casacos. —


Você já correu?

— Carros? Não. — Alessandro saiu correndo da


garagem, com o motor rugindo.

Vi o Range Rover no espelho retrovisor. — Oscuro e


Beppe pareciam chateados porque você não pegou o Range.
Acho que eles preferem quando podem proteger você.

— Eles são homens leais. — Foi a coisa mais legal que


eu já o ouvi dizer. — Eu me preocuparia menos com os
seguranças se fosse você, esposa.

Minha língua ficou presa na garganta. — Por quê? Você


acha que tenho coisas maiores com que me preocupar?

Alessandro não respondeu.


— Don Piero quer você na Igreja neste domingo. — Eu
disse. — Ele não está satisfeito por você ter perdido quase
três semanas agora.

— Meu avô acredita que Deus terá mais chances de


deixá-lo entrar no céu se ele for à Igreja.

— Você não compartilha o mesmo sentimento?

— Não, — ele riu sombriamente. — Eu não.

Dei de ombros. — No entanto, é o que fazemos. Eu acho


que ir à Igreja é mais do que lavar seus pecados. É sobre
fazer conexões, ouvir as últimas fofocas.

— É isso o que você faz?

— Claro. — Inclinei minha cabeça para o lado. —


Duvido que Deus tenha muito interesse em mim.

Alessandro manteve os olhos na estrada. — Então ele é


um tolo.

Eu senti minhas bochechas quentes. — Não acho que


possa chamar o Criador de tolo.

Ele não respondeu.

Abri minha boca, mas ele interrompeu. — Você vai


conversar o tempo todo? — Alessandro perguntou.

— Há quanto tempo estamos casados?


Para minha total surpresa, Alessandro abriu um sorriso.
Era áspero e selvagem... mas não havia fome ou maldade.
Apenas diversão.

Senti meus próprios lábios se curvarem em resposta.

— Suponho que você esteja certa. — Ele disse.

Quando eu vi o Circuito de Chicago pela última vez em


fevereiro, estava quieto e vazio. Mas quando chegamos à
pista, o circuito parecia mais como eu me lembrava quando
era jovem. Carros enchiam o estacionamento, alguns até se
estendiam pela estrada. As pessoas se reuniam em todos os
lugares vestidos com parafernália de equipe, e estavam
pulando alegres para a pista.

Alessandro não estacionou perto do público, foi direto


para o estacionamento privado. Uma fila de carros caros já
estava esperando.

— Isso é emocionante. — Eu disse enquanto saia do


carro.

— É, tudo bem. — Alessandro respondeu.

Os guarda-costas estacionaram seu Range Rover nas


proximidades e se juntaram a nós enquanto nos dirigíamos
para a arena. Em vez de passar pela entrada principal,
contornamos a parte de trás. Um homem musculoso de
aparência assustadora esperava por uma porta privada, mas
assentiu respeitoso para Alessandro quando passamos.
Demorou um lance de escadas e um elevador, mas
finalmente chegamos ao camarote particular. O circuito tinha
muitos camarotes dedicados aos VIPs, mas o camarote
Rocchetti era de longe o melhor. Um imenso salão cinza dava
para o circuito, ao lado dele uma pequena mesa de jantar,
com um bar e uma geladeira à direita. Você podia ver os
bancos de plástico em que o público estava sentado a partir
daqui e, em comparação com a nossa sala de estar privada,
parecia que era péssimo.

Pelo menos uma dúzia de Made Men serpenteava pelo


espaço, com vinho na mão. Sentado no final da mesa,
liderando o espaço, estava Don Piero. Quando viu a mim e
meu marido, se levantou com um sorriso encantador.

— Sophia, estou tão feliz que você conseguiu vir. — Nós


beijamos as duas bochechas antes de nos afastar.
Normalmente, meu marido teria sido recebido primeiro, mas
Don Piero não precisava se preocupar tanto com os
costumes. Ele faz os costumes. — Eu precisava agradecer
pessoalmente por obter o certificado.

Tentei não corar, mas senti meu rosto esquentar. —


Tenho o prazer de ajudar a família da maneira que puder.

Alessandro me deu um olhar conhecedor, mas eu o


ignorei.

— Vá e se misture, minha querida. — Don Piero disse.


— Alessandro, uma palavra.
Alessandro pressionou a mão levemente nas minhas
costas e gesticulou com o queixo para alguém acima da
minha cabeça. Um momento depois, um homem
devastadoramente bonito se aproximou de mim e me deu um
sorriso encantador e brilhante. Um sorriso como esse poderia
destruir reputações.

E destruiu.

— Gabriel vai pegar uma bebida para você. —


Alessandro me disse. Ele tirou a mão das minhas costas e
sentou-se com seu avô, uma clara dispensa.

— Pequena Sophia, a última vez que te vi, você estava


vestida como uma princesa de fadas e brincando com suas
bonecas. — Gabriel riu. Ele não tinha mudado desde a última
vez que eu o vi, com os mesmos cabelos encaracolados e
olhos castanhos brilhantes. Talvez seu rosto tivesse
amadurecido um pouco, os ossos mais proeminentes, sua
testa começando a enrugar, mas fora isso, ele parecia o
mesmo.

— A última vez que te vi, você estava correndo do quarto


da minha madrasta com meu pai nos seus calcanhares.

Gabriel me deu um sorriso. — Bons tempos.

Eu ri.

Todas as garotas do grupo conheciam Gabriel D'Angelo e


era considerado um ritual de passagem estar apaixonada por
ele por um tempo. Ele era encantador e bonito, e um
completo causador de problemas. Arruinou mais casamentos
do que assentos de toalete e não estava nem perto de
terminar. Eu sabia pelas fofocas que Gabriel geralmente era
mantido longe de Chicago para impedi-lo de causar
problemas com a Outfit.

Por que Alessandro deixaria um homem tão demoníaco


perto de mim? Eu pensei. Se Gabriel e eu tivéssemos um caso,
isso refletiria terrivelmente para os Rocchetti e garantiria a
morte de Gabriel.

Alessandro havia falado com Gabriel com facilidade e


comando. Talvez Gabriel tivesse sido domado pelo Capo de
Chicago.

— O que você quer beber, Sophia? — Gabriel perguntou


enquanto nos dirigíamos ao bar. Ouvir meu nome de alguém
era estranho. Eu costumava ser chamada de Sra. Rocchetti
por quem eu realmente não conhecia.

— Apenas uma limonada, obrigada.

Os olhos dele se arregalaram. — Uma limonada? Você


está dirigindo?

Não, só grávida. Eu ri. — São onze horas. Apenas


lunáticos bebem antes da hora do almoço.

Gabriel pegou uma limonada, mas insistiu que tivesse


pelo menos uma fatia de limão nela. Ele era uma ótima
companhia, apesar de flertar levemente comigo. Eu me
importava um pouco em ter problemas com os Rocchetti,
então eu não entrei no seu jogo. Mas foi bom conversar e rir
com alguém que era fácil e receptivo. Às vezes, me comunicar
com Alessandro me fazia suar de esforço.

E outras coisas.

Estava indo bem até que eles trouxeram as travessas de


queijo. O forte cheiro do molho e das azeitonas me fez querer
vomitar.

Apenas respire fundo. Chupei ar.

A náusea crescia rápida e com força. Minha garganta


estava nojenta, o que significava apenas uma coisa.

Coloquei minha limonada na mesa. — Vou no banheiro.

Gabriel me deu um olhar curioso. — É logo no final do


corredor. À esquerda.

Se eu tivesse aberto a boca para responder, realmente


acho que teria vomitado. Saí correndo da sala, tentando
parecer calma, mas me sentindo uma porcaria. Os guarda-
costas que esperavam no corredor ergueram a cabeça quando
cheguei.

— Você está bem, senhora? — Oscuro pediu.

Acenei para ele com um sorriso tenso.

Assim que entrei no banheiro, fui direto para a cabine


mais próxima e vomitei. Eu não tinha comido muito hoje,
então eram principalmente limonada e biscoito de água e sal.
Fedia, para dizer o mínimo.

Eu me coloquei sobre o vaso, puxando o ar com força.

Nem um segundo depois, meu corpo convulsionou


novamente e eu vomitei uma segunda vez.

— Jesus Cristo. — Murmurei. Meu corpo inteiro estava


pegajoso.

Quando tive certeza de que meu corpo estava pronto, dei


descarga no vaso sanitário e saí da cabine. Nem tinha
fechado a porta, pois estava com tanta pressa. Foi muita
sorte que ninguém decidisse ir ao banheiro ou eles teriam me
encontrado em um dos pontos mais baixos da minha vida.

Lavei meu rosto com água, depois coloquei um pouco


em minha mão e bebi. Isso acalmou minha garganta áspera.

Verifiquei meu cabelo e blusa em busca de restos do


meu café da manhã, mas felizmente eu tinha apontado direto
para o vaso sanitário. Só podia sentir o cheiro de vômito, e
desejei desesperadamente ter trazido minha bolsa comigo. Eu
mantinha na maioria das vezes um frasco de perfume de
reposição para emergências.

Descansei uma mão no meu estômago. — Você não


gosta de ser ignorado, não é? — Eu perguntei. — Mudando
meu corpo, me fazendo vomitar. — Eu sorri. — Está bem.
Você é como sua mãe dessa maneira. Também não gosto de
ser ignorada.
Houve uma batida forte na porta. — Senhora Rocchetti?
— Oscuro chamou. — Você está bem?

— Estou bem! — Gritei de volta e rapidamente verifiquei


minha aparência. Lavei minhas mãos uma segunda vez antes
de sair.

Oscuro estava esperando na porta, franzindo a testa. —


Oh, você não precisava vir me ver, Oscuro. Estava indo ao
banheiro.

Ele verificou o banheiro atrás de mim quando eu fechei


a porta, os olhos procurando.

— Não há ninguém lá. — Eu ri e dei um tapinha em seu


ombro. — Volte para seus amigos guarda-costas. Estou bem,
de verdade.

— Vou acompanhá-la de volta ao Capo. — Seu tom não


deixou espaço para discussões.

Oscuro e eu voltamos para o camarote. Ele chamou a


atenção de Alessandro e assentiu rígido. Alessandro estava
sentado ao lado de seu avô, mas acenou com a cabeça em
resposta a Oscuro.

Eu tinha acabado de ir ao banheiro. Sobre o que era


tudo isso?

Honestamente, estava me sentindo muito magoada e


doente para sequer pensar nisso. Tudo o que eu precisava
fazer era me preocupar em sobreviver ao dia sem vomitar
meus biscoitos novamente.

Gabriel me recebeu de volta. — A corrida estará


começando em breve. — Ele me disse. — Olha, o safe car26
está lá.

O safe car definiu a velocidade quando os carros


entraram na pista e se prepararam para começar. Vinte e
quatro deles se estendiam em duas faixas, preparando-se
para começar. Podia ouvir os motores roncando e a multidão
aplaudindo em antecipação. No camarote, você não se sentia
tão perto da corrida. Cat e eu adorávamos sentar o mais
perto possível e sentir o chão tremer quando os motores
começavam a rugir.

— Você tem um favorito? — Eu perguntei.

— Qualquer um que ganhar mais dinheiro. — Gabriel


meditou.

Eu ri. — Um favorito da multidão, imagino.

O safe car saiu da pista. Imediatamente, os carros de


corrida começaram a acelerar. Eu podia ouvir o som fraco
deles roncando enquanto se aqueciam ao redor da pista.

Uma bandeira verde acenou. A corrida começou.

26Um automóvel que lidera os carros concorrentes através de uma volta ou voltas e deixa o
percurso antes do início efetivo da corrida.
A maioria dos homens foi até as janelas, espiando.
Gabriel desculpou-se e levantou-se para se juntar aos outros,
com os olhos gananciosos quando se voltou para a pista.

— Sophia, — Don Piero chamou. — Venha me fazer


companhia. Meus netos estão começando a me aborrecer.

Levantei-me e me juntei a pequena mesa. Alessandro e


Salvatore Jr. estavam sentados na minha frente,
aterrorizantes à sua maneira.

— Você está com fome, minha querida? — Ele


perguntou.

— Não, obrigada. Eu acabei de comer.

Os olhos de Alessandro cortaram para mim. Eu poderia


jurar que havia um lampejo de diversão naquele seu olhar
selvagem e escuro. Se o show do Capo parasse de funcionar,
eu realmente acho que Alessandro teria a chance de ser um
detector de mentiras humano.

— Alessandro me disse que você se juntou à Sociedade


Histórica. — Don Piero disse, sorrindo. Até o frio Salvatore Jr.
abriu um sorriso malicioso com a menção do meu novo
patrocínio. Para ser justa, Salvatore Jr. não gostava de mim.
— Tenho certeza que você será um rosto bonito bem-vindo.

Eu sorri, escondendo a raiva que cresceu na minha


garganta. Não reaja, eu cantei. Não reaja, Sophia. Fique
calma, seja bonita, seja estúpida.
— Ouvi dizer que você também gosta de história,
senhor. O prefeito Salisbury me contou tudo sobre as
fabulosas doações para o clube. O que foi que ele disse? —
Eu fingi pensar. — Oh, o adorável speakeasy em Little Italy.

O rosto de Don Piero ficou congelado. — Você e o


prefeito parecem ter despertado muita amizade. — Seu tom
não era cruel, mas foi o mais severo que eu já ouvi.

Eu podia ouvir o lado racional do meu cérebro me


implorando para calar a boca. Não, não podia, depois que
abri minha boca.

Peguei o olhar de Alessandro e ele me deu um olhar de


aviso.

— Eu sou facilmente impressionada e o prefeito


Salisbury gosta de impressionar. — Eu disse, recuando. — É
uma pena não haver sociedade de moda. Eu preferiria ser
uma patrona de um clube assim, do que da Sociedade
Histórica.

A expressão de Don Piero suavizou e ele me deu outro


sorriso. — Tenho certeza que você teria. Talvez você deva
começar um. — Ele piscou os olhos para Alessandro.

Alessandro não olhou para ele. Ele estava apenas


olhando para mim.

Tomei um gole da minha limonada, parecendo burra,


bonita e cheia de futilidades.
— Você tem um carro favorito, senhor? — Perguntei,
fingindo não notar seus olhares maliciosos. — Gabriel não
tem lealdade, ele disse, mas acho que os esportes são muito
mais divertidos quando você pode torcer por alguém.

— Concordo. — O Don disse.

Falamos sobre assuntos fáceis enquanto a corrida


continuava. Don Piero fez várias tentativas para tentar
convencer seu neto a se juntar a nós na Igreja, mas
Alessandro parecia relutante. Salvatore Jr. também deu
desculpas vagas por não estar disponível todo domingo de
manhã. Don não recuou, mas parecia bem-humorado com
todo o desastre.

— Esse é o meu tempo com Sophia, de qualquer


maneira. — Don Piero disse. — Você deveria estar feliz por eu
estar lá, Alessandro. Passo o sermão inteiro protegendo a
pobre Sophia da atenção masculina.

Alessandro olhou para Don Piero, carrancudo. Ah,


pensei, ouviria sobre isso mais tarde.

Eu forcei uma risada. — Senhor, você está enganado.


Passo o tempo todo defendendo você das damas. Não posso
nem deixar você ir para o confessionário sem tê-lo invadido.

— As mulheres da igreja são uma força a ser


reconhecida. — Ele meditou.

Pelo olhar que Alessandro estava me dando, talvez eu


pudesse lidar com um enxame de mulheres da Igreja.
Assim que saímos, Alessandro me empurrou contra a
parede de concreto, prendendo-me com seu corpo e braços.

— Você está louca, porra? — Ele falou.

— Senhor... — Oscuro tentou, mas Alessandro desviou o


olhar ofuscante para ele.

— Saia, Oscuro. — Oscuro e Beppe saíram em silêncio.


Traidores, pensei.

Alessandro cortou seus olhos escuros de volta para


mim. A expressão em seu rosto fez meu coração derrapar. —
Fiz uma pergunta, esposa.

— Don Piero estava mentindo sobre a atenção


masculina.

— Não é isso! — Ele explodiu. — Por que diabos você


estava provocando o Don? Não minta para mim. Tudo o que
falou sobre o speakeasy? Que diabos você sabe?

Engoli em seco. — Eu só estava...

— Apenas o que?

— Deixe-me terminar minha frase. — Eu disse. Minha


raiva aumentou com força e rapidez, cansada de ser
empurrada para baixo e mandada me comportar. —
Salisbury mencionou isso quando eu estava recebendo esse
certificado e parecia que ele não desejava ter dito. Não sei
nada a respeito, exceto que Salisbury e seu avô queriam
manter isso em segredo.

Alessandro se inclinou para mais perto de mim, a voz


mortal. — Por que diabos você mencionaria isso então?

— Porque eu fui humilhada! — Tentei manter a histeria


longe da minha voz, mas fiz um trabalho terrível. — Vocês
riram e zombaram, todos vocês, sobre esse certificado. Você
deu uma boa risada do meu primeiro trabalho na Outfit, não
deu?

Ele não disse nada.

— Eu suporto muito. — Eu disse a ele. — Eu aguento


muito. Mas a única coisa que não vou tolerar é ser
degradada.

Alessandro sorriu lentamente. Não havia nada de bom


nisso. Era o olhar de um predador quando encontrou uma
presa lutando ao seu alcance. — É tudo sobre imagem, não
é? — Ele perguntou sombriamente.

— Esse é o meu trabalho. Eu era uma representação da


riqueza e status de meu pai e agora sou uma representação
de sua riqueza e status. — Eu assobiei. — Quanto mais
extravagante minhas roupas, quão bonita eu sou, é tudo
atribuído a você. Quando você for preso, não posso usar
maquiagem. E quando você finalmente bater as botas, usarei
preto por anos para lamentar sua ausência.

Eu estava respirando com tanta força que meu


batimento cardíaco estava batendo nos meus ouvidos.

— Esse é o seu papel. — Ele disse. — E você sabe qual é


o meu papel?

Não confiava em mim mesma para responder. Acho que


começaria a gritar de novo.

Alessandro se inclinou para mais perto, roçando os


lábios no meu ouvido. Arrepios estremeceram ao meu redor.
— Meu trabalho é protegê-la. — Sua quietude era pior que
seus gritos. — E provocando o homem mais poderoso do
Centro-Oeste, você tornou meu trabalho muito difícil.

Meu coração estava batendo forte. — Eu sou a única


mulher da família Rocchetti. Seu trabalho foi difícil desde o
início.

— Confie em mim, Sophia, — ele murmurou. — Don


Piero é uma criatura muito pior do que qualquer coisa que
seus pesadelos possam conceber.

— E você?

— E quanto a mim?

— Que tipo de criatura é você?


Alessandro não pareceu satisfeito ao dizer: — Se eu lhe
dissesse, você seguiria os passos da sua antecessora.

Engoli.

Todo mundo sabia dos boatos violentos que cercavam as


outras mulheres Rocchetti. Alguns tinham que ser
inventados... mas pela mesma lógica, alguns também tinham
que ser verdadeiros.

— Vá para casa, Sophia. Eu tenho algum trabalho a


fazer. — Ele se afastou, levando seu calor com ele. Por cima
do ombro, ele chamou: — BEPPE!

Beppe e Oscuro saíram da escuridão. Imediatamente,


seus olhos brilharam para mim.

— Ela está bem. — Alessandro estalou. — Oscuro, com


Sophia. Beppe, vamos lá.

— Sim, senhor. — Beppe disse.

Antes de sair, Alessandro apontou seus olhos escuros


para mim. Ele não disse nada, apenas me deu um olhar
faminto.

Meu coração acelerou. Não pense no beijo, eu disse a


mim mesma. Não pense no beijo.

Eu sabia que hoje à noite eu sonharia com esse


momento novamente. Exceto que na minha recontagem, não
brigaríamos. Bem... talvez um pouco. Mas, em vez de ele sair,
acabaria conosco nus contra a parede. Um sonho molhado
seria uma boa mudança dos pesadelos habituais que me
atormentavam.

Para ser justa, desde que engravidei, meus sonhos


ficaram muito mais vívidos. Não sabia se eram as vitaminas
pré-natais que eu estava tomando ou se o crescimento de um
bebê só deixava seus sonhos loucos. Farei uma nota para
perguntar a Dra. Parlatore na minha próxima consulta. Ela
sempre foi muito paciente com minhas perguntas estúpidas.

— O carro está por aqui, senhora. — Oscuro disse.

Eu o segui em silêncio.

Antes mesmo de chegarmos ao carro, uma voz familiar


soou. — Sophia!

Eu me virei e vi Don Piero vindo em minha direção. Um


guarda-costas de aparência assustadora estava perto de seus
calcanhares.

— Don Piero, — eu cumprimentei. — Está tudo bem?


Oscuro e eu estávamos prestes a sair.

— Espero que você não precise ir ainda. — O Don disse.


— Eu tenho algo que gostaria de mostrar a você.

Meu estômago caiu.


Capítulo Dezessete

Estranhamente, eu me senti como uma dama.

Don Piero me acompanhou em seu braço, com uma mão


gentil em cima da minha. Enquanto nos movíamos como um
casal real durante todo o circuito, as pessoas saíam do nosso
caminho ou inclinavam a cabeça em respeito. Quando eu
estava com Alessandro, eles nos evitavam, mas todos
queriam ver Don Piero. Eles não queriam chegar muito perto,
mas queriam ver.

Don não me levou para o camarote nem para a pista.


Em vez disso, deixamos a arena e seguimos em direção a um
bando de armazéns nos fundos. Cercas altas e farpadas
cercavam os edifícios, e grandes letreiros de MANTENHA
DISTÂNCIA foram afixados. Essa área teria sido usada para
armazenar carros, caminhões e qualquer outra coisa que a
pista possa precisar.

O céu estava escuro agora, o sol já havia caído durante


a corrida e a temperatura caíra. Estremeci, mas não acho que
tenha sido por causa do frio.

Cascalho triturou sob nossos pés quando chegamos ao


maior armazém.
Chegamos a uma porta que se misturava à parede. Don
Piero apertou a maçaneta, mas antes de abrir a porta, ele se
virou para mim. Pensei que ele ia dizer algo, mas em vez
disso, ele apenas me deu um olhar ilegível e depois abriu a
porta.

Podia ouvir os sons de homens gritando e números


sendo jogados ao redor. Era iluminado por luzes industriais
empoeiradas penduradas no teto e havia um cheiro distinto
de óleo.

Mas nada disso teria me preparado para o que


realmente estava acontecendo.

Caminhões enormes ocupavam a maior parte do espaço,


com homens circulando ao redor deles. Pareciam ser
caminhões que moviam carros de corrida em todo o país, mas
em vez de carros de estoque carregados na parte de trás,
havia caixas em caixas. Não precisei procurar muito para
descobrir o que havia nos caixotes.

Olhei para um caixote aberto perto de mim. Pilhas e


pilhas de embalagens embrulhadas em plástico estavam
empilhadas umas sobre as outras, prontas para serem
enviadas.

Tudo o que eu conseguia pensar era: se Cat tivesse visto


isso, ela teria ficado absolutamente furiosa.

Don Piero me levou ainda mais dentro do armazém. —


Drogas, minha querida. — Ele disse.
— Você usa o circuito como cobertura. — Eu não estava
surpresa. Todos os negócios que a Outfit possuía eram
usados como cobertura para atos ilegais. Mas ver
pessoalmente?

Não fazia perguntas quando papai me dava minha


mesada e certamente não perguntaria a Alessandro de onde
vinha o dinheiro da cobertura. Eu sabia, eles sabiam que eu
sabia, mas não foi dito. Afinal, meu papel na Outfit era muito
diferente do deles.

E, no entanto, Don Piero me dera um lugar na primeira


fila. As mulheres poderiam se casar com um Made Man por
cinquenta anos e nunca ver esse lado dos negócios.

Olhei para Don Piero. — Por que você está me


mostrando isso? — Perguntei calma.

Ele lançou seus olhos escuros para mim. — Faz muito


tempo que não tínhamos alguém novo na família.

— Você está se exibindo?

Seu sorriso desgastado brilhou em diversão. — Nós não


estamos sempre nos exibindo?

Eu tentei sorrir, mas não consegui.

— Ouvi rumores de que meu neto brigou com seu sogro.


— Don Piero disse. — Isso é verdade?

— Você terá que perguntar a Alessandro.


Don Piero olhou para mim. Havia algo de antigo em sua
expressão. Ele era um homem que viveu muito e fez muito.
Eu podia ver isso em seus velhos olhos agora. Os anos de
luta, matança e luta pelo poder. Mas também os anos de
sucesso e prosperidade.

— Esperava que você não gostasse dele o suficiente para


proteger seus segredos quando se casasse. — Don Piero disse
sincero.

Eu apenas sorri. — Minhas desculpas.

Ele ignorou isso e, em vez disso, abriu uma mão


acolhedora. — Venha. Deixe-me apresentá-la a todos.

Don Piero representou um anfitrião maravilhoso ao me


apresentar a seus homens. Eu conhecia quase todo mundo
por ser criada na Outfit, mas os conhecia como tios amorosos
ou primos irritantes. Não como soldati. Até o belo Gabriel
estava lá, com vista para uma remessa com uma expressão
áspera. Não é o mesmo Gabriel com quem eu bebi mais cedo
hoje.

Quando ele terminou de me apresentar ao seu


Underboss, Davide Genovese, eu me inclinei em seu ouvido e
murmurei: — Por que você me trouxe aqui, de verdade?

Don Piero cheirava a tabaco de perto. O cheiro me fez


sentir mal quando ele disse: — Para responder uma pergunta
minha. — Don Piero estendeu a mão e gritou: — Alessandro,
olha o que eu te trouxe!
Vi Alessandro no mesmo momento em que ele levantou
a cabeça. Ele estava dentro de um dos caminhões,
supervisionando as caixas e sua colocação. No momento em
que ele me viu, e confie em mim, vestida de rosa e branco, me
destacava entre essa multidão, ele caminhou até a beira do
caminhão e saiu como um Tarzan.

— O que ela está fazendo aqui? — Alessandro rosnou.

Don Piero parecia ter sua resposta. Eu estava


aterrorizada demais para sequer pensar em qual era a
pergunta.

— Eu estou mostrando a ela por aí. — Don Piero disse.

Alessandro me puxou para fora do braço do Don e na


direção dele. Recuperei meu pé com rapidez, se não tivesse,
teria entrado direto no peito dele. Ele olhou para mim, os
olhos presos, antes de me puxar para o lado dele. Enfrentei
Don Piero agora, corada e desgrenhada.

— Eu não saio por ai desrespeitando Nicoletta e gostaria


que você me desse a mesma cortesia. — Ele rosnou.

Don Piero ficou mais ereto, exibindo a aura de um avô


encantador e o patriarca da família Rocchetti. — Cuidado,
Alessandro. — Ele avisou. — Eu odiaria que brigássemos por
algo tão trivial.

— Não seja sonso, avô. — Advertiu Alessandro. Era bom


não ser a única para quem Alessandro dizia isso pela
primeira vez. — Sophia não deveria estar aqui.
Eu olhei para ele. Por que ele disse isso assim?

Don Piero apenas sorriu. — Este é o único lugar em que


ela deveria estar.

Algo estava acontecendo aqui. Eu podia ver em suas


posturas e ouvir em seus tons. Talvez tenha havido uma luta
pelo poder ou um acordo comercial que deu errado. De
qualquer maneira, duvidava que minha presença fosse a
verdadeira razão da extensão da raiva de Alessandro. Eu
tinha sido o coelho usado para tirar o leão da gaiola.

— Eu devo ir. — Disse suavemente. — Polpetto vai


precisar do jantar.

Os dois olharam para mim. Alessandro assentiu


bruscamente: — Sim, você deveria ir. — Ele acenou com a
mão na minha cabeça. — Oscuro a levará para casa. Como
ele já deveria ter feito.

— Ficarei triste em vê-la partir, Sophia. — Don Piero


disse. — Embora, espero que você se sinta melhor.

Eu fiquei tensa.

Alessandro virou a cabeça para mim. Duvido que ele


tenha ficado satisfeito ao descobrir os negócios de sua esposa
por outra pessoa.

— Os guarda-costas disseram que você estava enjoada


esta tarde e você quase não comeu nada, minha querida. — O
Don fingiu preocupação.
Engoli em seco contra minha garganta dura. — Eu
cozinhei mal o meu jantar ontem à noite. Vergonhoso, mas
estou me sentindo muito melhor. Obrigada pela sua
preocupação, senhor.

— Se você se sentia tão doente, minha querida, não


devia ter saído de casa. — Don Piero piscou os olhos para
Alessandro. — Você não deveria estar arrastando sua esposa
doente, Alessandro.

O olhar de Alessandro queimou minha pele. — Se


Sophia sentiu que estava bem em sair de casa, tenho certeza
que estava. — Ele voltou a cabeça para o avô. Soltei um
suspiro que não sabia que estava segurando. — Isso é tudo?

Don Piero não estremeceu com a expressão aterrorizante


do neto. — Por enquanto.

Alessandro pressionou uma mão nas minhas costas e


empurrou-a devagar. Eu peguei a dica. Eu tive que me conter
fisicamente para não correr gritando até a saída. Isso não iria
acabar bem.

Antes que eu pudesse escapar, uma figura se formou na


escuridão e deu um passo em nossa direção. Meu estômago
se torceu em nós.

— Nero, — Alessandro cumprimentou. — Quero ouvir


sobre sua missão depois de lidar com isso.

Eu não podia nem ficar com raiva que Alessandro


tivesse me feito parecer um pouco mais do que um pedaço de
merda de cachorro no sapato que ele tinha que limpar. Toda
a minha atenção se dirigiu ao homem que estava diante de
nós, a escuridão que o cercava, protegendo toda a luz.

Como Gabriel, Nero era famoso. Embora não seja por


suas conquistas. Nero era um dos assassinos da Outfit e, de
longe, o mais mortal. Eu nunca o conheci, nunca falei com
ele. Ele não estava em eventos familiares e papai nunca
ousara convidá-lo para nossa casa. Nos breves momentos em
que o vi passar, papai sempre agarrou meu ombro e me
afastou.

O fato de nossos caminhos nunca terem se cruzado não


me impediu de ouvir sobre sua reputação. O sangue que ele
derramou era sussurrado, as histórias sobre ele alimentando
um homem com suas próprias bolas foram mantidas em
silêncio. Até o Natal que ele apareceu na casa de Don Piero e
rolou a cabeça de Brian Gallagher sobre a mesa, sobre o peru
e a gemada, foi falado em voz baixa e sempre em privado.

E agora, vê-lo em pessoa, a menos de um metro e meio...


eu seriamente senti que poderia desmaiar.

— Senhor. — Nero disse em resposta. Seus olhos caíram


em mim e algo parecido com curiosidade os encheu.

A mão de Alessandro nas minhas costas se apertou. —


Agora, Nero.

Para minha total surpresa, Nero inclinou a cabeça e foi


em direção a Gabriel.
Eu olhei para o meu marido. Se um homem assim o
ouvia, quem mais obedecia à sua autoridade?

Oscuro, Beppe, Gabriel, Sergio e agora Nero passaram


pela minha cabeça. Guarda-costas, underboss, executor e
assassino.

O contínuo questionamento de Don Piero e meu pai


sobre Alessandro e seus homens estava subitamente se
tornando mais claro. Talvez os soldati que seguiram
Alessandro fossem todos monstros que eles não queriam ao
meu redor... ou, mais provavelmente, eram todos monstros
que poderiam influenciar seriamente o pêndulo do poder na
direção do meu marido. Don Piero teve que cuidar de seu
próprio poder e meu pai era um dos homens de Toto, o
Terrível.

— Você e o assassino parecem próximos. — Eu notei.

Um lampejo de diversão cruzou o rosto de Alessandro.


— Nero não é próximo de ninguém.

— Vocês são crias do mesmo ninho.

Ele pegou meu tom de imediato. — Presumo que você


ainda esteja com raiva de mim por conversar com seu pai.

— Ele ainda não está falando comigo por sua causa.

— Estou surpreso que você se importe. Eu sempre


pensei que você nunca gostou muito dele.
Alessandro estava errado e certo. — Ele é meu pai. Eu o
amo.

— As pessoas geralmente amam quem eles não gostam.


— Ele disse.

Chegamos ao portão ao redor do armazém. Oscuro


apareceu atrás de nós, silencioso e rápido como sempre. Ele
me olhou brevemente antes de se virar para o meu marido.

— Perdoe-me, senhor.

— Eu sei como é o Don. — Alessandro disse. — Eu


quero falar com Sophia.

Oscuro pegou a dica e desapareceu de volta por onde


tinha vindo. Sem dúvida, ele estava nos observando, mas nos
daria um ar de privacidade por não nos escutar.

Esfreguei meus braços. — A lua está realmente grande


hoje à noite.

Alessandro deu a volta para me encarar, bloqueando o


luar. — Você se comportou bem lá. Apesar de tudo o que
estava acontecendo ao seu redor.

Alessandro acabara de me elogiar? Certamente, eu tinha


ouvido errado. — Fiquei surpresa demais para reagir.

— Você quer ver outra coisa?


Eu olhei para ele. Sombras percorreram suas maçãs do
rosto, fazendo-o parecer um belo demônio. Um sorriso
apareceu nos meus lábios. — Ok.

Alessandro me levou pelos armazéns, mantendo-nos nas


sombras. Chegamos a um perto da parte de trás e ele o
destrancou.

— Não se preocupe, — disse ele no meu ouvido. — Não


há drogas ilegais aqui.

Estremeci.

Entramos na escuridão. Alessandro estendeu a mão


sobre mim, seu braço me roçando. Ele apertou um botão e a
sala se iluminou, iluminando fileiras e fileiras de veículos.
Carros do século XIX até o século XXI estavam em exibição,
brilhando na luz. Vi uma Ferrari vermelha de 1951, com o
seu equivalente de 2014 ao lado. Havia uma fila de Fiat e
Bugatti e Lancia Stratos azul.

Olhei em volta e senti risadas borbulhando na minha


garganta. — Você disse que não gostava de carros.

— Não sou muito louco por corridas, mas gosto de um


veículo bem feito.

— Eles são todos seus? — Fui até um Bugatti de ouro


rosa que chamou minha atenção.
— Não. — Alessandro me seguiu. — Alguns pertencem à
minha família e meu irmão. Ele gosta da Maserati. Diz que
eles são adequados.

— Salvatore tem capacidade emocional suficiente de


gostar de alguma coisa? — Passei meus dedos pelo capô.

Ouvi Alessandro bufar divertido atrás de mim. Eu me


virei e peguei seus olhos brilhantes. — Eu não posso dizer
com certeza que ele tenha. — Ele meditou.

— Por que você os mantém aqui e não na cobertura?

— Não há espaço suficiente. — Alessandro continuou a


serpentear atrás de mim.

— E você tem sua Lamborghini, de qualquer maneira.


Só pode dirigir um carro por vez. — Parei de frente a um lindo
Alfa Romeo vintage, com faróis enormes e um teto aberto. —
Este é meu favorito.

Alessandro se aproximou de mim. — A Alfa Romeo


Giulietta Spider de 1958. Boa escolha.

Olhei para dentro dos bancos de couro intocados. Ainda


cheirava como um carro novo. — Posso levá-lo para dar uma
volta?

— Não, — ele meditou. — Esses carros devem ser vistos,


não dirigidos.
— O objetivo de um carro é dirigi-lo. — Passei meus
dedos pelo para-brisa. — Por que você possui algo que não
pode usar?

Alessandro piscou seus olhos escuros para mim. — Ao


contrário do meu irmão mais velho, gosto de coisas bonitas.

Minhas bochechas esquentaram. — Mesmo que sejam


inúteis?

— Nada que possuo é inútil. — Ele disse humildemente.


— Exceto, talvez, Polpetto.

Eu rio, surpresa com a piada dele. — Polpetto é o


protetor da cobertura. Sem ele, estaríamos muito sob ataque.

— Possivelmente.

Eu me virei para ele, encostando no capô do carro para


vê-lo melhor. A expressão de Alessandro não parecia severa
ou selvagem, mas sim com um humor leve. — Eu sei que
você gosta de Polpetto. Mesmo se tente esconder.

Ele levantou uma sobrancelha. — Como você sabe


disso?

Eu encontrei os olhos dele. — Posso ouvir você falando


com ele. — Quando a expressão de Alessandro endureceu um
pouco, corri para acrescentar: — Não se preocupe, acho
muito fofo.
Alessandro olhou para mim estranhamente. — Fofo? —
Ele disse a palavra como se lhe desse um gosto ruim na boca.
— Ninguém nunca me chamou de fofo antes.

— Eu estava falando sobre Polpetto. Mas com certeza, —


sorri descaradamente para ele. — Você também é fofo.

Ele não respondeu, apenas me olhou. Meu sorriso


vacilou. Eu tinha totalmente interpretado mal a situação?
Pensei que estávamos nos divertindo.

Abri a boca para me desculpar por qualquer desrespeito,


mas Alessandro me interrompeu com um: — É melhor você
não estar se desculpando.

Minha boca fechou.

Alessandro parecia irritado. — Já disse que você não


precisa se desculpar toda vez que expressa sua opinião.

— Velhos hábitos demoraram a acabar. — Eu disse. —


E você só diz isso quando não se sente ameaçado pela
opinião. — Seus olhos se voltaram para mim. — Isso foi
opinião suficiente para você?

— Coisas piores foram ditas sobre mim.

Eu só conseguia imaginar. — Por que você me diz para


fazer isso? Para compartilhar minha opinião? A opinião de
uma esposa não é algo com um qual o Capo Rocchetti
normalmente se preocuparia.
Alessandro não parecia zangado com a minha pergunta.
Em vez disso, ele se recostou no carro à minha frente. Fiquei
feliz e chateada com o espaço, isso me permitiu pensar mais
claramente, mas também significava que estava com frio sem
o calor irradiante dele. — Não estou interessado em fazer você
interpretar uma esposa feliz, mas estúpida. É chato pra
caralho.

Uma pequena parte de mim duvidou que não fosse a


resposta completa para minha pergunta, mas eu não o
questionei mais. Eu posso apenas estar imaginando isso.

— Talvez seja apenas a minha personalidade.

Seus olhos escuros brilharam. — Bem, então você tem


uma personalidade muito irritante.

— Mais irritante do que a sua? — As palavras saíram da


minha boca antes que eu pudesse detê-las.

Um deleite primitivo brilhou na expressão de


Alessandro. — Você me chamou de fofo e irritante na mesma
conversa. Talvez seja um pouco mais corajosa do que eu
ajuizava.

— Essas são as piores coisas que foram ditas sobre


você?

Ele sorriu baixinho e sombrio. Meu coração começou a


acelerar. — Fofo está lá em cima
— Com o que? — Eu me desencostei do capô e andei em
direção a ele.

Seus olhos rastrearam meus movimentos. — Todo o tipo


de coisas.

— Como... The Godless? — Eu dei outro passo mais


perto.

— Pior. — Seus olhos nunca me deixaram.

— Marido? — Mais um passo.

— Esse não é muito ruim.

— Bastardo?

— Pior.

— Filho, então?

Um lampejo de sorriso cruzou seu rosto. — Pior, mas


não muito.

— Neto? — Estava bem na frente dele, meu pescoço


inclinado para vê-lo. Estávamos tão perto, nossos corpos
separados por um fio de cabelo.

Os olhos de Alessandro estavam vorazes quando me


pegaram. — Pior.

— Você deve ter sido chamado de coisas terríveis. —


Tentei fazer minha voz soar uniforme, mas ela saiu ofegante e
calma.
— De fato. — Ele respondeu com a voz rouca.

Nossos rostos estavam tão perto que eu podia sentir seu


hálito quente contra minhas bochechas, seus cílios roçando
minha pele, o toque fantasma de seus lábios macios contra os
meus. Seu aroma familiar e almiscarado me dominou,
cortando todo pensamento coerente.

Tudo o que eu conseguia pensar era no beijo na cozinha.


A descarga de nossos corpos, a fome, a necessidade.

Alessandro deve ter pensado na mesma coisa porque


perguntou: — Preciso fazer outro acordo com você para um
beijo?

— Você não é muito bom em negociar. — Eu sussurrei.

— Os Rocchetti não são negociadores. — Ele disse de


volta, num sussurro.

Nós éramos as únicas duas pessoas no armazém, mas


naquele momento, poderíamos ter sido as únicas duas
pessoas em todo o universo.

Alessandro olhou para mim por um momento, depois


pressionou as duas mãos na lateral do meu rosto. Olhou para
mim com tanta intensidade e fome que minha garganta se
fechou. Então ele se inclinou, pairando, pairando, e eu me
inclinei para cima até que...

O beijo não foi o fogo furioso que correu através de mim.


Os lábios de Alessandro eram macios contra os meus.
Tão suave. Brincamos com a boca um do outro, espelhando
movimentos e apenas buscando conforto em nossa conexão.
Suas mãos correram pelas minhas costas e eu copiei o
movimento. Enrosquei meus dedos em seus cabelos,
puxando-o para mais perto.

Eu não queria macio. Eu queria alimentar o fogo que


estava rasgando através de mim.

Aprofundei o beijo, passando os dentes sobre seus


lábios, e um rosnado profundo emitiu baixo em sua garganta.

Alessandro me girou e me empurrou contra o carro.


Estendi uma perna para me segurar mais perto dele. Quente,
áspero e duro. Começou a alterar algo profundo sob nossa
pele. Algo que eu não conseguia citar, mas que sabia que já
estava farta.

Suas mãos ásperas deslizaram pelo meu vestido e eu


ronronei em antecipação. Mais e mais alto, até que ele
estivesse descaradamente perto de mim, separado apenas
pelo tecido. Alessandro sorriu com a minha reação.

Minha cabeça inclinou-se por vontade própria e sua


boca foi direto para o meu pescoço. Lábios, língua e dentes.
Raspando e me beijando no comprimento do meu pescoço.

Eu mal conseguia pensar, mal respirava.

— Alessandro. — Eu gemia.
Meu marido me levantou no carro, se ajustando em uma
posição melhor, entre minhas pernas abertas e meus
tornozelos enganchados atrás dele. Eu corri minhas mãos sob
sua camisa e ele assobiou de prazer com o contato. Sua pele
era tão boa sob a minha, e eu podia sentir o corte do seu
corpo de soldado, as cicatrizes e os músculos. Meu Capo.

Alessandro encontrou meus lábios novamente e me


deitou no capô. Ele se levantou, apoiando-se de cada lado de
mim. O carro resmungou embaixo de nós.

Eu ri de sua ação e ele pegou minha boca como se


estivesse tentando engolir o som.

A excitação era um trovão entre minhas coxas e meus


seios se tornaram pesados. Eu precisava dele, precisava que
ele estivesse mais perto.

Alessandro rosnou baixo e se esfregou contra mim. Duro


e pronto.

— Alessandro... — Apertei minhas pernas ao redor dele,


precisando dele mais.

Ele se afastou, permitindo que eu pegasse seu cinto.


Mas então parou por um momento. Mãos apoiadas em ambos
os lados da minha cabeça, pernas em volta da cintura,
corada até os ossos. Eu podia imaginar como eu estava.

Os olhos de Alessandro me engoliram completamente.


Como eles sempre fizeram. Mas agora essa luxúria mantinha
seu corpo e rosto em cativeiro. Ele parecia... estar morrendo
de fome. Olhava para mim como se fosse me comer viva.

Sim. Sim. Eu queria ser comida, tê-lo sobre mim e em


mim e...

— Sophia. — Ele expirou. Como se não conseguisse


acreditar que eu estava lá.

— Alessandro. — Eu repeti.

De repente, Alessandro nos puxou para trás. Então ele


estava diante de mim mais uma vez e eu estava sentada na
frente dele. Tirou as mãos de mim e deu um passo para trás.
Instantaneamente, o ar frio entrou em mim, substituindo o
calor que ele havia proporcionado.

— Nós não podemos fazer isso. — Ele disse


sombriamente.

Meu coração estava batendo tão alto que quase não o


ouvi. Mas ele tinha dito... — Não podemos? Por quê? — Eu
parecia completamente pasma.

— Porque eu disse. — Alessandro se endireitou. E


puxou seus punhos e passou a mão pelos cabelos. — Se
arrume. Oscuro a levará para casa.

Tive a sensação estranha de que ia chorar. Eu me senti


humilhada. Eu quase me joguei em Alessandro e ele me
rejeitou.
Meus olhos olharam para as calças dele, onde sinais
óbvios de sua excitação eram pertinentes.

Deslizei para fora do carro e saí correndo do armazém,


ajustando minha saia enquanto seguia. Quando cheguei à
porta, voltei-me para Alessandro. Ele ficou de costas para
mim, as mãos nos bolsos e a cabeça inclinada para o teto.
Parecia profundamente pensativo, ele parecia perturbado.

Parte de mim queria perguntar o que estava errado, mas


o constrangimento fechou minha garganta.

Então eu o deixei sozinho com seus pensamentos e fui


cuidar dos meus.
Capítulo Dezoito

Evitei Alessandro como uma praga.

Toda vez que sentia meu constrangimento inicial,


lembrava-me da sensação de ser rejeitada e continuava a
ficar fora do seu caminho. Nunca tive um namorado, nunca
tive nem uma queda por alguém. Eu sabia desde jovem que
os meninos não eram algo que me era permitido, caso minha
virtude fosse posta em tese. Às vezes ficava chato, mas ver
Cat e Papai brigar visivelmente pela regra dos não-meninos
me fazia ficar quieta.

Portanto, a humilhação de ser rejeitada não era algo


com o qual eu estava acostumada ou até mesmo tivesse
alguma experiência.

Espero que eu supere isso. Então Alessandro e eu


poderíamos voltar a viver lado a lado, existindo no mesmo
ecossistema.

Até então, porém, eu iria evitá-lo. Para minha sorte, o


clima mais quente havia me permitido muito mais opções
quando se tratava de sair de casa. Passava a maior parte do
tempo com Don Piero no culto de domingo ou lidando com a
Sociedade Histórica e suas demandas. Mas uma pausa bem-
vinda era o almoço que Nina Genovese estava dando para as
mulheres da Outfit.
Os Genovese moravam em uma residência
deslumbrante no condomínio fechado e a primavera havia
despertado a propriedade. As flores floresceram em todos os
lugares e eu juro que vi mais de um passarinho tentando
aprender a voar enquanto caminhava até a porta da frente.

O almoço era realizado do lado de fora no clima quente,


com uma longa mesa de jantar montada do lado de fora,
posicionada sob um pátio onde as glicínias estavam
crescendo. Ela havia decorado a área com lindas flores e
guardanapos rendados. Nina havia trazido seus melhores
talheres e garrafas de vinho para o almoço.

Algumas senhoras sentaram-se com Nina à mesa.


Quando entrei pela porta dos fundos, elas surgiram e
correram para me cumprimentar. Nina me pegou primeiro.

— Sophia, estou tão feliz que você veio. — Nos beijamos


nas duas bochechas.

Nina Genovese era a esposa do Underboss da Outfit,


tornando-a talvez a presença feminina mais constante no
Outfit. Desde que me lembro, ela estava dando almoços,
jantares e festas de Natal. No almoço de hoje, ela usava uma
blusa azul pastel bonita, combinada com calças cáqui creme
e sapatos combinando. Prendeu seus cabelos grisalhos loiros
para trás com um grampo brilhante, mostrando seus olhos
castanhos inteligentes.

— Obrigada pelo convite. — Respondi. — Você está


linda.
— Como você. — Nina desistiu de me segurar e nós nos
afastamos do abraço.

Eu usava um vestido floral na altura do joelho que havia


comprado para um turfe de cavalos, mas nunca usara.
Mostrava o contorno do meu estômago, mas por sorte eu
ainda não tinha começado a mostrar barriga. Como
costumava fazer agora, meu cabelo estava sobre meus
ombros, cobrindo meus seios. Minha humilde tentativa de
tentar esconder o crescimento deles.

As outras senhoras se levantaram para me


cumprimentar com beijos e abraços. Eu não tinha visto tanta
família desde o meu casamento.

Chiara di Traglia, para minha grande alegria, trouxe sua


neta linda com ela. Portia, carinhosamente apelidada de Baby
Portia, estava vestida com um lindo vestido rosa e parecia
perfeita e satisfeita no colo da avó. Ela tinha crescido desde a
última vez que a vira, e agora podia sustentar seu pescoço
sozinha, nos disse uma animada Chiara.

Depois de cumprimentar as damas, Nina me acenou


para o assento ao lado dela.

Nina queria que eu sentasse ao seu lado? Eu pensei,


chocada. Normalmente, eu sentava no meio, perto de uma
mulher mais velha da minha família. Nunca havia sido
convidada para a parte mais elitista da mesa, porque era
solteira e também não era filha de um homem de posição
muito alta. Papai não era pouca coisa, mas ele também não
era um Underboss.

Mas... agora eu era um Rocchetti. Eu era esposa de um


Capo, nora do chefe interino e neta de Don Piero. Eu
pertencia à família reinante.

Isso significava que eu poderia me sentar no topo da


mesa.

Sorri quando me sentei ao lado de Nina, que como


anfitriã pegou a cabeceira da mesa. — Você decorou o lugar
tão lindamente, Nina.

— Obrigada, querida. Gostaria de algo para comer?

Peguei as sugestões de Nina sobre o que servir no meu


prato. O almoço ainda não havia sido servido, mas depois de
comer pedaços de tudo, eu já estava me sentindo satisfeita.

Mais mulheres começaram a chegar, incluindo Beatrice.


Eu a abracei com força. Beatrice sentou-se alguns lugares
longe de mim, infelizmente, significando que não poderíamos
ter uma conversa direta. Mas prometemos recuperar o atraso
no final do almoço, quando todos estariam livres para
circular.

Juntando-me a Nina e eu no topo da mesa, estava a


cunhada de Nina, Berenice Genovese, Ornella Palermo,
esposa do Consigliere da Outfit, além de Angie Genovese,
nora de Nina, e Rosa di Calbo, esposa do executor de Don
Piero, Red Ricky. Além de Angie, as mulheres eram muito
mais velhas que eu e se conheciam há décadas. A
familiaridade uma com a outra tornava um pouco mais difícil
participar, mas não muito.

Todas pareciam muito interessadas na nova e feminina


Rocchetti.

— O Don se juntou a Davide e eu para jantar na outra


noite e só tinha coisas adoráveis a dizer sobre você, querida.
— Nina me disse.

— Ele provavelmente está feliz por ter uma presença


mais suave, — riu Ornella. — Eu imagino que fica cansativo
correr atrás daqueles seus garotos o dia todo.

Muitas mulheres fizeram ruídos de concordância.

— Don Piero não é nada além de maravilhoso comigo. —


Eu disse.

— Eu vejo vocês dois na Igreja e parecem um par tão


bonito. — Ornella continuou. — Eles não são, Nina? Parecem
um par tão bonito?

— Eles parecem. — Nina concordou. — Um belo par.

— Não como você e seu marido. Vocês dois formam um


casal lindo. — Disse Ornella. — Imagine como os bambinos
serão bonitos.

Eu sorri, tentando ignorar o comentário bambino. —


Vocês duas estão sendo muito gentis. Se continuar me
elogiando, minha cabeça ficará grande demais para passar
pela porta.

Elas riram e o assunto mudou.

Eventualmente, eu pude envolver Chiara em uma


conversa do outro lado da mesa. Eu tinha segundas
intenções para querer segurar o bebê. — Como está sua
nora? — Perguntei.

Chiara realmente parecia um pouco triste. — Ela


desejou poder estar aqui hoje, mas ficou doente.

— Oh, lamento por isso. Está tudo bem?

— Sim, apenas uma gripe, julgamos. Infelizmente, isso


significa que ela não pode passar tanto tempo com o bebê. —
Chiara balançou o bebê nos seus joelhos. — Mas Baby Portia
não se importa de passar o tempo com sua nonna. Você se
importa, meu amor?

Baby Portia deu à avó um sorriso doce, provocado todas


as mulheres ao seu redor também.

— Ela é linda. — Murmurei, não imune ao pequeno


bebê.

Chiara disse as palavras que eu esperava: — Você quer


segurá-la?

Felizmente peguei Baby Portia e a coloquei no meu colo.


Ela cheirava a talco de bebê e sua pele era macia ao toque. E
não ficou chateada por ser movida, possivelmente passava
pela família. Baby Portia deu um tapa feliz na mesa à sua
frente, indo atrás do garfo brilhante.

— Não, não, minha querida. — Eu ri e tirei do seu


aperto. — Quando ela cresceu tão rápido?

— E, eu sei! — Chiara exclamou. — Parece que ontem


ela era apenas uma recém-nascida.

Baby Portia se divertiu com todas as coisas novas à sua


frente. Quando lhe foi negado o acesso a objetos perigosos,
ela voltou sua atenção para mim. Meu colar chamou sua
atenção e ela colocou um punho gordinho em torno dele.

Eu fiz cócegas em sua bochecha. Ela sorriu. — Você


gosta do meu colar, bambina?

Ela balançou o punho, rindo ao ver o colar se mover.


Com a outra mão, ela agarrou a corrente e deu um puxão
impressionante.

— Ai, ai. — Eu desenrolei seus dedos. — Você é tão


forte, querida.

Baby Portia bateu palmas.

— Você é muito boa com ela. — Disse uma voz.

Olhei para o lado e sorri no automático. Tina de Sanctis


era uma mulher tranquila e quieta, esposa de Benvenuto de
Sanctis, que era um poderoso Capo situado fora de Chicago.
— Obrigada. — Eu disse. — E onde está sua bambina?
Narcisa?

A conversa chegou até nós rapidamente. Muitas


mulheres disseram:

— Onde está Narcisa?

— Quando Narcisa vai voltar?

— Narcisa está bem?

A razão para isso foi que Narcisa de Sanctis, filha única


de Benvenuto e Tina, não morava com a mãe nos arredores
de Chicago ou com o pai em Cleveland. Muitos rumores
circularam as razões de por que.

Mas tudo se resumia a:

— Ela está nervosa pelo casamento?

Tina empalideceu um pouco, mas conseguiu sorrir. —


Narcisa está muito animada para o casamento.

Ao contrário do meu próprio casamento, alguns


casamentos foram arranjados por décadas. O engajamento
entre Narcisa de Sanctis e Sergio Ossani era um exemplo de
um deles. Desde o dia do nascimento de Narcisa, ela se
casaria com Sergio Ossani em 18 de julho de 2015. Faltavam
apenas alguns meses.

— Não posso acreditar que está tão perto. — Eu disse.


— Muito perto! — Rosa di Calbo acrescentou. —
Estamos esperando há anos e finalmente eles se casarão.
Você deve estar em êxtase, Tina.

Tina assentiu. — Claro. — Ela não parecia tão


extasiada.

Havia rumores de que Tina havia tentado adiar o


casamento por mais alguns anos, especialmente desde o...
incidente que ocorreu com os Ossani. Mas todo mundo sabia
que suas tentativas eram tolas. Essa barganha havia sido
estabelecida por duas décadas. Nada mudaria, a menos que o
noivo ou a noiva falecessem.

Lembrei do olhar nos olhos de Sergio, das sombras nos


olhos dele. Ele era um homem rude, um executor. E Narcisa
era pequena e adoentada.

Eu sentia por Tina naquele momento. Se eu tivesse uma


filha, estaria exatamente na mesma posição que Tina.

Alguma parte de mim estava curiosa sobre o bebê


crescendo dentro de mim. Mas era melhor não me preocupar
se ele era um menino ou uma menina, por enquanto. Assim
que a gravidez fosse anunciada, haveria pressão suficiente
sobre mim para ter um filho.

Alisei o cabelo de Baby Portia e a passei de volta para


Chiara.

— Acho que esta é a estação de casamentos. — Ornella


disse, animada.
— Você diz isso a cada estação, Ornella. — Nina
apontou.

Ornella não renunciou a sua declaração. — Oh, eu sei


disso, Nina. Mas nesta temporada eu realmente sinto isso. —
Ela sorriu para mim e Tina. — Ter um casamento Rocchetti e
cumprir uma velha barganha? Isso só pode trazer boa sorte.

Eu não tinha tanta certeza.

Ela chamou a atenção de Elena, que estava parecendo


entediada. — Quando você vai se casar, Elena?

A tia de Elena respondeu: — No outono, se o noivado


estiver resolvido.

Coros animados vieram da mesa. Elena afinou os lábios,


mas não disse nada.

— E você, Adelasia? Você é linda demais para os


homens ignorarem. — Ornella perguntou a Adelasia que
acabara de completar dezoito anos.

Conversamos sobre casamentos até que o assunto se


tornasse cansativo. O casamento mais emocionante era o de
Narcisa e Sergio. Para surpresa de ninguém, meu maldito
casamento não foi mencionado, apesar de haver muito
interesse nele.

Afastei os comentários com facilidade e mantive meu


tom leve. Quando eles procuraram informações, eu mantive
minhas respostas vagas. Não havia nada malicioso em suas
curiosidades. Ser curiosa sobre um casamento era algo
normal, mas a maior parte do interesse delas vinha do fato de
que não havia um casamento de Rocchetti há décadas. Don
Piero recusou qualquer envolvimento, exceto a de Alessandro
e minha.

Eu me pergunto por que isso aconteceu, pensei. Talvez


papai tivesse algo que ele realmente queria.

Mas o que papai tinha?

Além disso, papai nem queria o envolvimento.

— Sophia, — chamou Nina, cortando meus


pensamentos. — Você tem que ouvir a história de Patrizia
sobre o carro dela. É hilário.

Patrizia Tripoli contou uma história bem-humorada


sobre quebrar à beira da estrada e os esforços que ela teve
que fazer para chegar em casa. De alguma forma, uma vaca
estava envolvida e ela terminou a história com um alto
floreio, que fez toda a mesa rir.

Após a história engraçada, a conversa mudou mais uma


vez. Mas, em vez de falar sobre casamentos e famílias, surgiu
um tópico mais perigoso.

— Você ouviu que Angus Gallagher deixou os Estados


Unidos? — Perguntou Angie. — Tommaso acha que foi à
Irlanda para obter apoio.
— Meu marido disse a mesma coisa. — Disse Ornella.
Ela apertou a boca. — Foi o que aconteceu nos anos 80. Você
se lembra, Nina? Charles Pelletier foi para a França e trouxe
de volta um exército.

Nina não parecia satisfeita com a indicação de Ornella


para a guerra Outfit vs União Corse. — Tente não se
estressar, Ornella.

— Você acha que haverá outra guerra? — Alguém


perguntou.

Outra voz se levantou: — Não poderia supor isso!

— Claro que não. Os tempos mudaram. — Nina jogou


bem como anfitriã. — Não precisamos nos preocupar com
essas coisas, senhoras.

O esforço de Nina para acalmar o grupo não funcionou.


Surgiu uma conversa ansiosa sobre a noção de outra guerra.

— Eu ouvi Nataniele falando sobre pegar algo dos


Gallagher. — Patrizia disse. — Pensei que a vingança já
tivesse sido paga.

— O que você sabe, Patrizia? — Rosa perguntou. —


Nataniele não diria essas coisas e você não deveria colocar o
nariz nelas.

— Você se lembra de como foi a última guerra, Rosa. —


Patrizia discutia. — Perdi meu filho e também não estou
perdendo meu marido. Muito menos por terras ou drogas.
— Por que não deveríamos ter mais terra? — Alguém
perguntou. — Há agitação em Nova York no momento. Talvez
Don planeja tirar os Gallagher para fora do caminho.

Nina tentou recuperar o controle mais uma vez. Ela


acenou com a mão. — Vamos falar de tópicos muito mais
quentes. Este está me dando dor de cabeça. — Ofereci-lhe
mais um pouco de vinho, que ela aceitou com gratidão.

A conversa continuou. Muitas mulheres tinham medo


do futuro e houve alguns comentários sobre o incidente no
meu casamento. Atacar um casamento, um ritual sagrado,
nunca foi um bom sinal e certamente significava que havia
agitação.

Peguei Nina olhando por cima do ombro. Os guarda-


costas espreitavam, mas estava claro que eles estavam
ouvindo.

De repente, entendi por que Nina havia tentado


interromper a conversa.

— Senhoras, — eu chamei, com minha voz doce. —


Nossos homens sabem o que estão fazendo. Duvido que haja
alguma chance de termos outra guerra. A Outfit é muito
poderosa, nossa família é forte demais para ser ameaçada por
uma gangue rebelde. Que tal aproveitar o almoço e discutir
coisas muito mais importantes? Como a Páscoa.

O tópico mudou mais uma vez para um tópico muito


mais emocionante da Páscoa. Discutimos o que levaríamos ao
domingo de Páscoa, a que horas se apresentar na Igreja e
quem esconderia os ovos de Páscoa para as crianças.

Enquanto elas falavam, Nina colocou uma mão gentil na


minha.

Eu olhei para ela.

Ela não disse obrigada, apenas apontou para uma


garrafa de vinho. — Você gostaria de um pouco?

Balancei minha cabeça. — Não, obrigada.

Os olhos de Nina piscaram na minha água e brilharam


conscientemente. Ela afastou a mão e não me perguntou
novamente.

O almoço durou algumas horas e a conversa não voltou


ao assunto da guerra. Nós comemos e rimos e conversamos
até minha garganta doer. Quando o sol começou a se pôr, os
convidados começaram a sair. Chiara saiu primeiro com Baby
Portia, para grande decepção de todos. Baby Portia tinha sido
a fonte de entretenimento para muitas de nós.

Não me apressei em sair, parte de mim querendo ajudar


Nina a limpar e a outra parte de mim não querendo arriscar
ver Alessandro. Muitas mulheres vieram até mim
individualmente para me convidar para brunch e jantares,
todas as ofertas que eu aceitei. Beatrice e Elena se abraçaram
e me beijaram, e prometemos nos ver em breve.
Nina não me expulsou junto com todo mundo, apenas
me levou para a cozinha. Ela me serviu um café. Sem as
outras mulheres, o silêncio era notável. Eu senti falta da
conversa delas quando me sentei no silêncio. Nina até
mandou Angie embora.

— Você realizou um almoço adorável, Nina. — Eu disse.


— Vou precisar dessa receita para a bruschetta. É
absolutamente divino.

Nina se inclinou no balcão diante de mim. Ela tomou


um gole de café, enquanto eu deixei o meu intocado. — Nós
não tivemos uma conversa. Apenas nós duas.

Eu sorri educada. — Sobre o que você gostaria de falar?

Um pedaço de cabelo grisalho solto saiu de seu


penteado, mas ela o empurrou para trás. — Você é muito
jovem e está em uma posição muito nova. É lamentável que
não exista uma mulher mais velha na sua família ou na do
seu marido para ajudá-la. Especialmente através do
casamento e da maternidade, duas coisas muito difíceis.

Eu assenti.

— Estou estendendo um ramo de oliveira, minha


querida. Você e Alessandro são um casal jovem e, embora
sejam parte do futuro da Outfit, ainda não são poderosos. —
Nina disse.

— O que você está propondo? — Perguntei.


— Vamos nos ajudar, sim? — Ela tentou me dar um
olhar reconfortante. — Eu responderei suas perguntas e
garanto a você minha discrição. E, em troca, você convencerá
seu marido a deixar meu Davide empregar Nero para uma...
tarefa.

Corri minhas unhas sobre a caneca de café. — Que tipo


de tarefa?

— Eu tenho minhas suspeitas. — Os olhos dela


brilhavam. — Mas eu não estou a par

— Nem eu.

— Não, você não. Mas você é uma esposa, Sophia. E isso


vem com privilégios.

Alessandro e eu nem estávamos conversando no


momento, então seria difícil convencê-lo a emprestar seu
assassino, mas eu não disse isso a Nina. — Eu ficaria
honrada em ter seu conselho, Nina, mas não é isso que eu
quero em troca.

Nina não pareceu surpresa. — O que você quer então,


minha querida? — Eu não tinha ideia, não achei que chegaria
tão longe. O que eu queria? Às vezes eu queria tudo no
mundo e outras vezes a ideia de desejar algo era exaustiva.
Eu acho que o que mais queria no mundo era superar esse
sentimento de rejeição e seguir em frente com minha vida,
seguido por ressuscitar minha irmã do túmulo.
E... queria que Alessandro falasse comigo de novo. Eu
sentia falta dele, por incrível que pareça. Era bom conversar
com ele, morar com ele. Brigamos muitas vezes e ele me
assustava, mas havia conforto em vê-lo no jantar ou sentir
sua presença nas proximidades. Gostava quando ele me
ajudava com o termostato ou quando o ouvi conversando com
Polpetto. Eu estava... sozinha sem ele.

Bati meus dedos contra a caneca de café. — Tudo o que


eu quero é a sua receita de bruschetta.

Era muito cedo para fazer inimigos de pessoas que


poderiam ser meus aliados mais próximos.

Nina sorriu. — Considere sua.

Passei a noite da maneira usual. Fiz o jantar, alimentei


Polpetto e assisti a um episódio da minha serie favorita. Ao
ver o casal na tela, suas palavras e beijos amorosos, de
repente fui tomada por uma sensação de inveja. Desliguei a
televisão e caminhei sem rumo pela casa.

Fiquei alterando o papel alumínio que cobria o prato de


Alessandro.

As horas foram passando e o céu escureceu, mas meu


marido não voltou. Toda vez que ouvia um passo ou o som do
elevador, eu subia as escadas como uma criança travessa e
observava.

Mas ele não entrou na cobertura.

Estava exausta e voltei para o meu quarto, mas a ideia


de ficar presa no sono não teve apelo.

Então, desci as escadas, ouvindo os tambores macios da


cidade abaixo. Eu me posicionei no sofá, o que permitia uma
visão clara da porta da frente.

Deitei-me, usando meu roupão de seda como um


cobertor improvisado. Eu segurei minha cabeça nos braços e
esperei.

Mas ele não veio.


Capítulo Dezenove

Algo molhado lambeu meu rosto.

Eu o esfreguei e torci a cabeça. — Vá embora, Polpetto.


Estou tentando dormir.

Senti o corpinho fofo de Polpetto pressionando contra


meu pescoço. Ele me lambeu novamente e rosnou baixinho.

— Você tem que fazer xixi? — Eu murmurei.

Polpetto começou a me dar uma pata, suas garras


pegando minha bochecha.

— Ai. — Afastei-me, abrindo os olhos com ar turvo. O


rosto de Polpetto estava na minha frente, o rabo entre as
pernas. Ele estava olhando ansiosamente para mim. — Qual
é o problema?

Eu me levantei, mas uma dose de dor ecoou pelas


minhas costas. Eu assobiei, irritada comigo mesma por
adormecer no sofá. Eles não eram muito confortáveis e agora
minhas costas doeriam por dias. Embora nos próximos
meses, a Dra. Parlatore me avisasse que seria muito difícil
para mim.

Eu virei meu pescoço. Polpetto choramingou.

— Qual é o problema...
Um som estridente veio do andar de cima. Polpetto
choramingou e se grudou em mim.

— Provavelmente é apenas Alessandro. — Eu disse. Mas


então por que Polpetto estava tão chateado? Tenho certeza
que ele só precisa ir ao banheiro, eu disse a mim mesma.

Eu saí do sofá, me encolhendo a cada nova cãibra.


Polpetto choramingou ao meu lado, beliscando meus
calcanhares e pulando em suas patas traseiras. Abri a porta
do banheiro no andar de baixo, onde estava a esteira do
filhote.

— Você pode ir. — Soltei um bocejo enorme.

Polpetto nem olhou para o tapete de cachorro, mas


continuou a me arranhar.

Agachei-me e cocei a cabeça dele. — Está tudo bem,


querido.

Houve outro barulho no andar de cima. Polpetto


choramingou.

Eu me levantei. Um estranho sentimento de inquietação


começou a tomar conta de mim. Alessandro não costumava
ser tão barulhento durante a noite, ou nunca, na verdade.
Vivíamos em silêncio um ao lado do outro na cobertura.

Fui para a escada, ignorando o suor começando a se


formar na parte de trás do meu pescoço.
Você está apenas exagerando, eu disse a mim mesma.
Provavelmente é apenas Alessandro.

Polpetto me seguiu, choramingando infeliz. Seu rabo


estava entre as pernas e ele deu um amplo espaço na escada.

— Alessandro. — Subi a escada.

O barulho parou.

Pisei devagar nas escadas. — Alessandro, é você?

Não houve resposta.

Segurei o corrimão e subi para o segundo andar. —


Teresa?

Assim que cheguei ao patamar, uma figura sombria


emergiu do final do corredor, onde estava meu quarto.

— Alessandro? — Perguntei, mesmo sabendo que não


era meu marido.

A figura avançou. Era um homem mascarado, vestido de


preto, e ele estava apontando uma arma diretamente para
mim.

Meu coração parou no meu peito.

— Esta é a última casa que você quer roubar. — Eu


chiei. — Vá agora e eu não direi ao meu marido que você
esteve aqui.
O homem mascarado riu e deu outro passo em minha
direção. Ele era bem-construído e mais alto que eu, mas não
havia nada familiar nele.

— Onde está? — Ele demandou.

Segurei o corrimão. Respire fundo, eu disse a mim


mesma. Inspire, expire. — Onde está o quê?

— O USB, os documentos, os arquivos. Eu sei que você


os tem. — Cada vez que ele falava, enfatizava seu ponto de
vista apontando a arma para mim.

Engoli em seco. — Não tenho certeza do que você está


falando.

O homem mascarado fez um barulho furioso e


caminhou em minha direção. Eu tropecei, indo direto para a
parede.

Ele parou na minha frente e pressionou o cano frio da


arma na minha testa.

O suor começou a deslizar pela minha pele,


encharcando minha blusa do pijama.

Eu vou morrer, pensei. Depois de viver lado a lado com a


morte, como filha, irmã e agora esposa, eu estava prestes a
morrer.

Eu não estou pronta ainda.

Eu não estou pronta para morrer.


Meu bebê, meu bebê, meu bebê.

— Vamos nos acalmar. — Eu disse suavemente. — Não


posso ajudá-lo se você me matar.

Ele pressionou a arma ainda mais na minha pele.


Lágrimas picaram nos cantos dos meus olhos. — Onde
diabos estão as gravações e essas merdas? Eu sei que você as
tem. Eles não estavam na sua casa. Eles têm que estar aqui.
Onde diabos elas estão?

— Eu não sei do que você está falando. — Minha voz


falhou. — Sou apenas uma esposa. Não conheço gravações
ou USB. Eu não uso um USB desde o ensino médio.
Tínhamos que colocar nossas tarefas neles para a professora
de Estudos Sociais, porque ela não queria desperdiçar
papel...

— Pare de falar. — O homem mascarado estalou. — Eu


vou ter que explicar isso para você, não é? Cristo. Você pegou
algo da sua irmã e é muito importante.

— Cat? — Eu disse. — Eu peguei algo de Cat?

— Sim, Catherine. Sua irmã. — Ele apertou a arma com


mais força no meu crânio. — Você tem outra irmã? Não, você
não tem. Agora, diga-me onde você levou as coisas dela.

— Don Piero tem os documentos de Cat. A certidão de


nascimento e a carteira de motorista. Está na família...
— Não, não é isso, Sophia. — Ele cantou. — Ela disse
que você era sonsa, mas agora estou começando a pensar
que você é realmente uma idiota.

Eu fiz uma careta de confusão. — Quem disse que eu


era sonsa?

O homem empurrou a arma, fazendo minha cabeça


bater contra a parede. Uma tentativa fútil de tentar não
explodir meu cérebro.

Ele se enfiou no meu espaço pessoal. Minha pele se


arrepiou por estar tão perto dele. Eu odiava isso, odiava
sentir seu peito contra o meu, seu hálito quente e pegajoso
na minha pele. Com um movimento áspero, ele se abaixou e
agarrou minha mão. E puxou, segurando meus dedos na
nossa frente.

— Você mente e eu atiro em um dedo. Isso continuará


acontecendo até que você me diga a verdade.

Lágrimas caíam rapidamente pelas minhas bochechas e


meu queixo tremia. — Eu não sei do que você está falando. —
Implorei. — Minha irmã está morta. Ela não tem mais nada.
Não tenho nada dela.

— É isso aí! — O homem pegou meu dedo anelar. Seu


aperto era doloroso. — Este é o primeiro dedo a sair.

Assim que ele tirou a arma da minha cabeça, empurrei


para frente com tudo dentro de mim. Eu tropecei em seu
peito, puxando minha mão de volta. O homem recuou
surpreso e eu aproveitei a chance para correr.

Eu nem sabia para onde estava indo. Meus pés me


levaram para frente.

O homem soltou um grito de fúria e seus passos


começaram a bater atrás de mim.

Eu voei para o meu quarto, direto para a mesa de


cabeceira. Onde estava? Onde estava?

Uma mão puxou meu cabelo, puxando-me para trás e


de joelhos. Eu me atrapalhei, gritando furiosa com a dor e a
frustração.

— Sua cadela estúpida! — O homem gritou. Soltei um


uivo horrível. Ele jogou seu peso em mim e eu caí no chão,
meu rosto batendo na cama com força. — Você acha que
pode me derrotar? Sua puta estúpida!

Eu senti a arma dele na parte de trás da minha cabeça.

— Agora me diga onde está o USB antes de eu explodir a


porra de seu cérebro!

Meus dedos se fecharam ao redor da alça da lâmina.


Balancei meu braço para trás sem jeito, indo direto para o
lado dele. Sua carne se separou sob a faca e senti sangue
quente e pegajoso derramar em meus dedos.

O homem gritou de dor. Vi seu braço recuar e ele o


golpeou na parte de trás da minha cabeça. Meu pescoço voou
com o impacto, torcendo dolorosamente. Soltei outro grito de
dor.

— Me dê essa porra de faca! — Ele tirou dos meus dedos


e a jogou longe. Ouvi o tilintar contra a janela de vidro, agora
a metros de distância. O homem pressionou bruscamente
minha cabeça, me prendendo na cama. — Onde diabos está o
USB?

Eu gritei de fúria.

— Não tem medo de uma arma, hein? — O homem


rosnou. — Aposto que sei do que você tem medo.

Sua mão carnuda pegou minha coxa e a abriu.

O medo me atingiu frio. Não, não.

Gritei de fúria e chutei minhas pernas. Seu aperto era


duro e doloroso, mas senti seus dedos se soltarem quando
colidi meu pé diretamente na ferida.

O homem uivou e me soltou. De joelhos, ele me


empurrou para a cama, bunda pra cima.

— NÃO! — Eu gritei e lutei. — SAIA DE MIM!

Ele riu e me empurrou para baixo. — Diga-me onde está


a merda da sua irmã, vadia. — O homem se inclinou sobre
mim, sua barriga pressionando contra as minhas costas. Seu
hálito molhado atingiu meu ouvido. — Eles iriam mandá-la,
você sabe. Mas eu os convenci a não o fazer. E estou tão feliz
que eu vim. Catherine é gostosa, mas você é mais,
certamente.

Eu gritei furiosa, com muita raiva primitiva para


conseguir expressar palavras coerentes.

O homem riu e me pressionou ainda mais no colchão. —


Diga-me onde o...

Houve um som diferente de tudo que eu já tinha ouvido


antes. Estremeceu pela sala, mais alto que meus gritos e as
ameaças do homem mascarado.

De repente, o peso do homem estava fora de mim.


Levantei-me e me afastei, pés ficando presos no meu roupão.
Meus tornozelos torceram e eu caí no chão, deslizando ao
longo da parede.

Virei o pescoço para cima e parei.

Alessandro ficou de frente para o meu atacante. Ele


parecia... Godless. Fúria e poder emanavam dele, tornando-o
quase de outro mundo. Ele parecia como quando esteve
naquela igreja todas aquelas semanas atrás. Como se fosse
para isso que ele foi criado, essa violência, essa vida, esse
poder, era dele por direito de nascimento. Ele não apenas
possuía isso, ele usava isso. Ele empunha isso.

E foi aterrorizante.

O homem mascarado tentou se levantar de onde havia


sido jogado, mas Alessandro não perdeu tempo. Ele se lançou
como um animal sobre o homem e o golpeou diretamente no
rosto. A cabeça do homem foi jogada para trás.

Alessandro socou-o novamente, tirando sangue de volta


dos nós dos dedos.

Ele pegou sua camisa e o puxou. — Para quem você


trabalha? — Ele rosnou.

O homem respirava com dificuldade, o sangue


escorrendo pelo rosto. — Foda-se.

Alessandro bateu sua cabeça no chão e o trouxe de


volta. Sangue arrastou o chão. — Eu fiz uma pergunta, — ele
sussurrou em uma voz distorcida. — Para quem você
trabalha? — A cada palavra, Alessandro pressionava com
mais força o pescoço do homem.

Eu assisti, uma mão protetora no meu abdômen,


fascinada e horrorizada com a troca sangrenta.

— Foda-se. — Sibilou o homem.

Alessandro bateu a cabeça do homem no chão. Então


novamente. E de novo.

Meu marido soltou um suspiro trêmulo. Ele soltou o


pescoço do homem, deixando-o cair como uma boneca de
pano.

Houve um momento de silêncio após o ataque. Eu


respirava com tanta dificuldade - assim como Alessandro.
Nosso peito caiu rapidamente, a entrada aguda era o único
som a ser ouvido no quarto.

Minha pele estava nojenta e grossa com o toque do


atacante, minha carne se sentia vulnerável, violada. Eu
queria que se fosse, eu queria que esse sentimento se fosse.
Eu queria sentir o toque quente e áspero de Alessandro,
queria seus braços fortes em volta de mim, seu perfume
familiar no meu nariz.

Alessandro virou a cabeça para mim, com as narinas


dilatando.

Nós nos entreolhamos por um momento.

Eu me arrastei para ele e Alessandro se lançou para


mim. Nós nos encontramos no meio, colidindo corpos quentes
e adrenalina. Nossos lábios esmagaram um ao outro, calor
trovejando através de mim com o toque de sua boca contra a
minha. O beijo foi cheio de necessidade, um choque de
dentes.

— Eu preciso de você, Alessandro.

Alessandro não precisou ouvir novamente. Ele nos


empurrou para o chão, me enjaulando. Eu empurrei sua
camisa, furiosa com a barreira entre nós e ele interrompeu o
beijo para jogá-la sobre sua cabeça. Passei meus dedos sobre
sua carne quente e rocei minhas unhas sobre seus músculos.

— Sophia. — Ele exalou.


Tudo era demais, muito esmagador. Mas eu não queria
que isso parasse. Eu queria ser consumida por Alessandro,
queria senti-lo e somente ele. Eu queria alimentar essa fome
que era tão voraz dentro de mim.

Eu gemia contra seus lábios, implorando.

Alessandro rosnou em resposta e puxou minhas roupas.


Ele rasgou meu short de pijama, dividindo o tecido sedoso.
Seus dedos foram para o meu clitóris e ele esfregou.

Afundei meus calcanhares no chão, arqueando-me.


Meus seios estavam pesados e formigando, mas isso não era
nada comparado à dor crescente entre as minhas pernas. —
Alessandro, por favor. — Eu nem sabia o que estava pedindo.

Com uma manobra rápida, ele arrancou minha


calcinha, me revelando a ele. Estiquei minhas pernas,
querendo que ele estivesse em mim, contra mim.

Ele se manteve acima de mim, mãos posicionadas na


minha cabeça. Antes que pudesse dizer qualquer coisa,
envolvi minhas pernas em torno de suas costas e me segurei
nele, sentindo o comprimento duro de seu pênis contra
minhas dobras.

Alessandro inclinou a cabeça para trás, deixando


escapar um rugido agonizante de puro prazer. Então ele se
apertou nas minhas dobras e entrou. Não foi suave ou gentil,
diferente da noite de núpcias, mas rápido e áspero.

Eu gemia de prazer, incapaz de obter o suficiente.


Podia senti-lo dentro de mim, tão forte e exigente. Toda
a sua presença me cercou. Era intoxicante e eu não
conseguia o suficiente.

Os quadris de Alessandro aceleraram e ele mergulhou


dentro de mim, ganhando gritos e gemidos meus. Era tão
forte, tão áspero. Toda a adrenalina da luta estava indo
embora, todos os pensamentos de violência, raiva e medo se
seguiram. O sexo foi violento, rápido e esfomeado.

Enterrei minhas unhas em suas costas, segurando lá


pela minha pobre vida. — Por favor, por favor. — Murmurei
excitada.

Alessandro estendeu um braço para trás e tocou meu


clitóris. Ele apertou com força.

Como um raio, meus quadris se dobraram e eu arqueei


para ele, gritando alto. Eu não podia dizer nada, não
conseguia pensar em nada. Tudo se resumiu à sensação de
seu pau entrando em mim, seus dedos contra meu clitóris.
Mais um pouco e meus sentidos teriam explodido.

Alessandro gozou com um suspiro trêmulo, sua força


momentaneamente desaparecendo. Sua metade superior
desabou sobre mim, sua pele suada grudando na minha. Fios
de seu cabelo estavam presos na testa e sua respiração saía
descompassada.

Ele pressionou sua testa na minha, olhando nos meus


olhos.
O silêncio caiu, cada um de nós tentando recuperar o
fôlego.

— Ele está morto? — Perguntei alguns minutos depois.

Alessandro se levantou de mim, mas não se afastou. —


Não. — Ele disse. — Eu vou mantê-lo vivo.

Por instinto, estendi a mão e alisei seus cabelos soltos.


Ele não me parou. — Acho que você deveria matá-lo.

— Eu irei, eventualmente. Mas primeiro ele precisa nos


dizer para quem está trabalhando.

Eu assenti.

Abruptamente, ele se afastou. Alessandro levantou-se e


me ofereceu sua mão enquanto fazia isso. Peguei-a com
gratidão e apoiei-me nele quando me levantei. Sangue
pegajoso cobria nossas roupas, mas nenhum de nós parecia
notar.

De pé, pude ver meu quarto. Embora geralmente fosse


uma bagunça, eu certamente não tinha causado isso. Minha
cômoda e móveis foram jogados de cabeça para baixo e para o
lado, minhas roupas estavam espalhadas por todo o lugar e
meus itens pessoais jogados ao redor. Até fotos da minha
família e amigos sofreram, algumas foram arrancadas de seus
lugares nas paredes.
Estendi a mão para a moldura na minha mesa de
cabeceira. O vidro estava quebrado, prejudicando de ver a
imagem da minha irmã e eu. Eu a segurei com força.

— Vamos vestir você e depois descer. — Declarou


Alessandro. Ele soltou seu aperto sobre mim, mas eu não o
soltei. Poderia ter caído no chão sem ele.

Polpetto esperava nas escadas, choramingando e


tremendo. Quando ele viu Alessandro e eu, trotou até nós e
tentou alcançar meus joelhos com suas patinhas. Peguei-o e
segurei-o perto do meu peito, enterrando meu rosto em seu
pelo quente. Ele me lambeu, abanando o rabo.

Não sei como, mas acabei sentada no banco da cozinha,


com uma túnica grossa e quente. Alessandro me deu um
copo de água.

— Sergio e Oscuro vão vir e remover o bastardo. — Ele


me disse.

Eu assenti, incapaz de formar palavras.

Alessandro ficou comigo até o elevador apitar. Ele


deixou entrar os dois Made Man. Tanto Sergio quanto Oscuro
me deram olhares curiosos ao passar, embora Sergio
parecesse muito mais calculista do que Oscuro. Ele era um
homem aterrorizante, com seus olhos duros e tatuagens
complexas. Mas nenhum medo me encheu enquanto eu o via
se movimentar pela cobertura.

Ao invés disso, eu me sentia apenas cansada.


Quando os homens desapareceram lá em cima,
pressionei uma mão no meu estômago.

— Você está bem, bebê? — Sussurrei. — Espero que


você esteja bem.

Não senti nenhum desconforto, exceto pela constante


náusea e exaustão. Isso foi um bom sinal? Eu pensei. O
choque pode levar a um aborto?

O homem tinha sido muito bruto comigo, e meu corpo


doía profundamente em consequência. Ele não havia
conseguido atingir minha barriga, e não tivera nenhum
trauma lá. Mas e se...

Não pense assim, eu disse a mim mesma. Marcaremos


uma consulta com a Dra. Parlatore o mais rápido possível. Ela
será capaz de verificar o bebê.

Eu parecia tão racional, assim como minha irmã. Foi


quase engraçado.

Apoiei a foto de Cat e eu na minha frente. Foi a foto


tirada no nosso último Natal juntas, com os dois vestidos
requintados e rindo uma com a outra. Eu tracei seu rosto,
ignorando a picada do vidro quebrado no meu dedo.

Eles a mandariam, você sabe. Mas eu os convenci a não


fazê-lo. E eu estou tão feliz que eu vim. Catherine é gostosa,
mas você é mais, certamente.
Ela disse que você era sonsa, mas agora estou
começando a pensar que você é realmente uma idiota.

A voz do homem ecoou na minha mente. Ele havia


falado de Catherine com tanta familiaridade... mas isso era
impossível. Eu conhecia todos os amigos de Cat e ele não
tinha sido um deles.

No entanto, eu também havia acreditado uma vez que


minha irmã não possuía um diploma universitário.

Olhei minha irmã rindo, tão jovem e feliz na foto.


Costumava pensar que a conhecia melhor do que qualquer
outra pessoa no mundo, mas estava ficando cada vez mais
claro para mim que não era esse o caso.

Eu não conseguia dormir.

Fiz a cama de hóspedes, mas isso não importava. Toda


vez que eu fechava meus olhos, eu os abria de volta. Cada
barulho ou rangido era uma ameaça. E toda vez que eu
fechava meus olhos, tudo que eu podia ver era o atacante.
Então eu vi o homem que eu havia matado no meu
casamento. Todas essas pessoas que me queriam morta e eu
não sabia nenhum de seus nomes.
As duas bonecas de porcelana que me observavam do
canto do quarto não ajudaram nada a me acalmar.

Fazia algumas horas desde que Sergio e Oscuro foram


embora com meu atacante. Eles o amarraram e taparam sua
boca com fita, mas ele voltou à consciência. Ele me observava
com olhos gananciosos enquanto eles o arrastavam para
longe, deixando um rastro de sangue pelo apartamento. Eu
dera uma olhada e decidi limpá-lo amanhã.

Mas, como não conseguia dormir, o amanhã seria mais


cedo do que eu desejava. Depois de mais uma hora me
revirando na cama, peguei meu travesseiro e caminhei pelo
corredor.

Bati na porta dele. Não houve resposta, então eu a abri e


espiei em seu quarto.

Exceto pela luz fraca da cidade, o quarto estava escuro.


Mas eu pude ver o corpo comprido de Alessandro embaixo
das cobertas. Ele virou a cabeça, com os olhos escuros
brilhando.

— Posso dormir com você? — Eu sussurrei.

Alessandro olhou para mim.

Apertei meu travesseiro com mais força. — Prometo não


pular em você. — Mas eu não me importaria se você quisesse.
— Eu... não gosto do quarto de hóspedes.
Alessandro se esticou e levantou o cobertor. Corri para o
quarto, fechando a porta atrás de mim e dei a volta para o
outro lado da cama. Polpetto trotou atrás de mim, curioso
com os novos cheiros.

Deslizei sob as cobertas quentes. Meu cachorro pulou


no final da cama, deu três voltas antes de se acomodar para
passar a noite.

— Obrigada. — Eu murmurei no escuro.

— Tente dormir um pouco. — Alessandro disse.

Eu torci para o meu lado, encarando sua silhueta


escura. — Para onde você levou o homem?

Por um momento, pensei que ele não responderia, mas


então sua voz veio até mim. — Para uma casa particular,
usada para... assuntos como estes. Sergio está com ele agora.

— Você o conhece?

— Não.

— É um Gallagher?

— Talvez.

Puxei o cobertor mais alto. — Sabe de quem ele é


aliado?

A cabeça de Alessandro virou-se para mim. — Não.

— Quer que eu conte o que aconteceu?


— Agora não. — Ele respondeu. — Agora, eu só quero
que você durma.

Corei, percebendo que provavelmente o estava


mantendo acordado. Eu me enterrei ainda mais na cama, me
sentindo acomodada. Alessandro estava a um braço de
distância, mas eu podia sentir seu calor, seu corpo. Fazia
anos desde que eu dividira a cama, mas me senti acomodada
e lentamente adormeci.

Pela primeira vez em muito tempo, dormi sem pesadelos.


Capítulo Vinte

Acordei me sentindo calma e quente.

Braços musculosos me envolviam, abraçando-me com


força. Meu rosto estava pressionado em um peito forte, e uma
batida suave de coração pulsava com o meu. Inspirei
profundamente, incapaz de abrir adequadamente meus olhos.
Eu poderia ter adormecido novamente.

Náuseas me envolveram bruscamente, lembrando-me


que era manhã e eu ainda estava grávida.

Pulei da cama, fiquei de pé e fugi para o banheiro. Senti


a pressão fria do vaso sanitário antes de me curvar e vomitar
minhas entranhas.

Uma mão forte pressionou minha cabeça, alisando meus


cabelos. — Sophia? — Alessandro perguntou. — Por que você
está vomitando?

Eu acenei para dentro do vaso sanitário. — Nenhuma


razão. — Resmunguei.

Alessandro continuou a esfregar minhas costas em


movimentos lentos e calmantes. Quando me afastei, ele me
ofereceu um pano molhado para lavar o rosto. Recostei-me no
armário do banheiro e me limpei. Era difícil olhar para ele,
me senti nojenta e envergonhada.
— Por que vomitou, Sophia? — Alessandro perguntou.

Engoli. — Eu não me sinto bem, eu acho. Ontem à


noite... foi muito estressante. — A sensação de mãos
desconhecidas apalpando o meu corpo estremeceu sobre
mim.

Alessandro se agachou na minha frente. Seu rosto


estava com uma expressão familiar.

— Por que você está irritado? — Eu perguntei.

— Você sabe que eu não gosto das suas mentiras. — Ele


disse.

Desviei o olhar dele, sem saber como proceder. As


advertências de papai estavam passando pela minha mente
repetidamente.

Mas não preciso me preocupar, porque Alessandro era


muito mais esperto do que eu acreditava. — Você está
grávida, não está? — Não era uma pergunta. Parecia que ele
já sabia a resposta.

Eu assenti. — Como você sabe?

— Além das refeições estranhas que você tem preparado


para o jantar ultimamente, os comentários do meu avô me
deram indicações suficientes. E agora, você confirmou isso
para mim. — Ele relatou os eventos de forma eficaz, não
soando zangado ou feliz com as notícias.

— Você se importa? — Perguntei.


Um músculo em sua mandíbula se contraiu, mas ele
não disse nada.

O silêncio pesou em mim.

— Estou de oito semanas. — Eu disse. — O aplicativo


que eu tenho diz que agora é do tamanho de uma framboesa.

Ele não disse nada. — A Dra. Parlatore disse que tudo


está indo bem. O bebê está crescendo bem e o ultrassom
mostrou que há líquido amniótico suficiente e que tudo está
bem lá. Na próxima consulta, a Dra. Parlatore disse que
deveremos ouvir os batimentos cardíacos, o que é
emocionante. A última vez que fui, o coração já estava
formado, mas não ouvi porque a máquina não funcionava.

Não sabia o quanto queria falar sobre a gravidez até


começar.

— Ainda não comecei a exibir, mas a Dra. Parlatore


disse que você não começa a exibir na sua primeira gravidez
até a vigésima semana. Mas meu corpo está mudando muito.
Meus seios estão ficando maiores e minhas manchas estão
ficando mais escuras. Dra Parlatore disse que durante a
gravidez muitas mulheres ficam com melasma, que é quando
suas sardas ou sinais escurecem. Ou você pode ficar com
manchas. Ela disse que eu precisava usar mais protetor solar

Alessandro continuou a me encarar. Não conseguia


fechar minha boca.
— Eu não pareço grávida, mas definitivamente sinto
isso. Estou tão enjoada o tempo todo e tudo tem cheiro. Até
cheiros muito bons me fazem querer vomitar. É realmente
estranho. Eu também estou inchada o tempo todo. Mas mal
estou comendo porque tudo é nojento. Então, você sabe...
meu corpo está se moldando... — Eu parei.

O silêncio voltou.

— Vai dizer alguma coisa? — Eu soltei. — Estou prestes


a cair morta por falta de oxigênio e você fica em silêncio.

— É definitivamente meu?

De todas as coisas que eu queria que ele dissesse, isso


certamente não estava no topo. — Vou fingir que você não
acabou de dizer isso.

Alessandro levantou o queixo. — Nós fizemos sexo uma


vez, Sophia. — Claramente a noite passada seria ignorada.

— Por que você está com tanta raiva? — Perguntei,


irritada. — Ter uma esposa grávida é uma coisa muito
conveniente de se ter, Alessandro. Não é essa a minha
função? Produzir o pequeno Rocchetti?

— Como você acredita que seja.

— O que você quer dizer com isso?

Meu marido se levantou, elevando-se acima de mim. —


Quem mais sabe?
— Oscuro, meu pai. — Esfreguei meu abdômen. —
Presumo que algumas pessoas suspeitem.

Alessandro esfregou o rosto. — Você não deve contar a


ninguém.

Era meu marido dizendo essas palavras, mas tudo que


ouvi foi a voz desesperada de meu pai. Eu ainda podia sentir
o aperto fantasma de sua mão no meu pulso e sentir o cheiro
do vinho em sua respiração.

Não conte a ninguém.

Por que não, papai?

Eu não posso te dizer...

— Por que não, Alessandro? — Eu perguntei. — Por que


não posso contar a ninguém sobre minha gravidez?

Ele não disse nada.

— Você tem permissão para me dizer?

Seus olhos escuros se voltaram para mim. — Você não


deve dizer nada e não deve questionar minhas razões.

— Você me questiona o tempo todo. Por que não posso


retribuir o favor?

— Cuidado, Sophia. — Ele avisou.


Ergui meu queixo mais alto, ignorando meus instintos
que estavam gritando para eu recuar. — Ou o que? Você vai
me pegar e me matar?

Alessandro não parecia divertido.

Quando ele não disse nada, eu insisti. — Por quê? Por


que você não me conta? Qual é o grande segredo?

Um lampejo de dor passou pela expressão de


Alessandro, ali e em um piscar de olhos. — Não há um
grande segredo. — Disse humildemente.

— Mentiroso. — Eu sussurrei. — Não me deixa mentir


para você, e você pode mentir para mim?

— É meu dever protegê-la e cuidar de você, Sophia. —


Alessandro disse. — Vai fazer o que eu digo e não vai dizer
uma palavra de sua gravidez a ninguém. Entendido?

Mordi minha língua. Meu cérebro decidiu que era um


ótimo momento para lembrar o sexo selvagem que havíamos
compartilhado. Tudo o que eu conseguia pensar eram nas
mãos ásperas na minha pele, nos lábios quentes nos meus,
no pau em mim. Então me lembrei da rejeição, do
afastamento. A frieza que se infiltrou em meus ossos quando
ele se afastou de mim.

Duas vezes isso aconteceu, agora, pensei. Por duas vezes


ele se afastou de mim.

— O dever é inevitável. — Foi tudo o que eu disse.


Alessandro riu. — Parece ser o caso. — Ele girou e
começou a sair do banheiro.

Eu chamei o nome dele.

Ele parou e me olhou.

— Quero algo em troca do meu silêncio.

Alessandro olhou para mim com uma leve surpresa. —


O que você quer?

— Gostaria que você emprestasse seu assassino, Nero.


Davide Genovese precisa dele.

Meu marido me encarou com aquela expressão com a


qual ele tantas vezes me olhava. Mesmo depois de todos estes
meses, todos os seus ataques e suposições, Alessandro ainda
me descobriu. Eu me senti desvendada por ele, observada por
ele, e mesmo assim...

— Muito bem. — Ele disse. — O Nero ajudará Davide em


uma tarefa. Em troca do seu silêncio.

Eu sorri. — Feito.

Alessandro olhou para mim por mais um momento


antes de sair. — Você está mostrando mais do seu lado feio,
esposa. — Disse ao sair, mas sem animosidade. Em vez disso,
ele parecia orgulhoso.
Os dias passaram rapidamente e logo março se
transformou em abril. A primavera chegou, trazendo consigo
o clima mais quente. Eu me movi no mesmo ritmo que
sempre fiz enquanto o tempo passava, mas ainda assim me
sentia inegavelmente apressada. Tantas coisas beliscavam
meus calcanhares, as consequências do meu casamento
vermelho, a paz tênue que eu havia atingido com Alessandro,
minha gravidez e a sensação inquieta de que algo estava
acontecendo.

Consegui me convencer de que se eu continuasse a me


mexer, nem tudo viria a me esmagar.

Depois de uma reunião bastante cansativa com a


Sociedade Histórica, mas hoje em dia eu faria qualquer coisa
para ficar fora da cobertura, me encontrei na Little Italy.
Antes que eu percebesse, caminhei até o speakeasy que Don
Piero possuía.

Não era um edifício com aspecto sombrio. Estava jogado


com histórias empilhadas umas sobre as outras. As videiras
cresceram nos tijolos vermelhos, e as grades cinzas cobriram
as janelas. Uma placa desbotada dizia SNEAKY SAL'S.

Fiquei na frente com Oscuro e Polpetto. Polpetto farejou


os arbustos e até tentou mijar em um dos portões.

Oscuro se deslocou impacientemente ao meu lado


enquanto entrávamos no prédio. — Senhora, é hora de
partirmos.
— Estou apenas dando uma olhada, Oscuro.

— Você sabe que não é permitida aqui.

Eu bati meus olhos para ele. Seu rosto estava duro


como pedra. — Por que não? Eu sou uma Rocchetti.

Ele não respondeu.

Suspirei e olhei de volta para o speakeasy. O que Don


Piero estava escondendo aí? O que tornava esse pedaço da
história tão importante para ele? Eu considerei o fato de ele
estar apenas mantendo isso por um valor sentimental, mas
então por que não estava aberto? Não ganhava dinheiro com
isso, exceto quando a Sociedade Histórica queria uma visita.
Mas ele teria ganhado mais se estivesse aberto.

Corri meus olhos e desci a rua, disposta a partir. Mas


então algo me chamou a atenção.

Eu virei minha cabeça para ele.

O Dodge Charger.

Meus pés estavam se movendo antes que eu pudesse


detê-los. Eu corri, Polpetto ao meu lado, indo direto para a
rua e para o veículo escuro.

Oscuro se moveu como um chicote, me pegando pela


cintura e me puxando de volta. Ouvi meu cachorro latir de
fúria ao ser parado e entendi o sentimento.

— Oscuro! — Eu gritei. — Aquele é o carro


O motor do Dodge Charger rugiu e saiu pela rua. Eu
assisti passar, minha expressão pálida refletida de volta para
mim.

Oscuro desembrulhou seu braço de mim quando pensou


que eu não iria correr.

Fiquei parada, balançando um pouco ao vento. Polpetto


puxou a coleira, tentando seguir o carro. — Oscuro, esse é o
carro que está nos seguindo. Eu te disse que não sou louca.
Eu lembro...

— Não, não é. — Oscuro disse com raiva.

Eu me virei contra ele. — Então por que eles foram


embora assim que me viram?

— Coincidência.

— Oh, por favor. Você realmente não acredita...

— Deixe para lá, senhora Rocchetti. — Apesar de me


dirigir respeitosamente, seu tom era qualquer coisa, menos
se você correr atrás de um carro novamente, eu direi ao seu
marido.

Meus lábios se separaram de surpresa. — Você não


pode estar falando sério? Você viu aquele carro, Oscuro.

Oscuro não disse nada.


— Você estava comigo quando o vimos no cemitério! É o
mesmo carro. — Eu não podia acreditar na sua negação
óbvia. — Estava fora da igreja também.

— Você está muito estressada

— Por favor, não seja condescendente comigo. — Eu


disse. — Eu só quero que você admita que é o mesmo carro
que continuamos vendo.

Oscuro balançou a cabeça. — Não é. Você está


imaginando isso.

Sentindo-me abatida e ligeiramente magoada, dei meia-


volta e comecei a andar lentamente de volta para o carro.
Polpetto enfiou o rabo, como se estivesse dizendo a Oscuro
para beijar seu traseiro. — Eu pensei que éramos amigos, —
eu disse a ele. — O que você não está me dizendo?

— Não há nada a dizer. — Foi tudo o que ele disse.

Ocorreu-me que Oscuro pode ter mantido minha


gravidez em segredo por bondade, mas ele certamente não era
meu amigo. Ele não compartilhava algo que julgava que eu
não precisava saber, ou algo que meu marido decidiu que eu
não precisava saber. Essas notícias doíam. Oscuro tinha sido
meu companheiro constante nesses últimos meses, mas
agora nosso relacionamento parecia coberto de segredos e
sombras.

Eu não olhei para ele. Temia começar a chorar se o


fizesse.
— Vamos para casa. — Ele me disse. — Ou então você
vai se atrasar para a festa de noivado.

Eu apenas assenti.

Voltamos para casa em silêncio e eu nunca fiquei tão


aliviada ao ver o prédio. Assim que Oscuro parou o carro,
pulei e fui em direção ao elevador. Ele seguiu em silêncio,
mas não fez nenhum movimento para falar comigo.

A cobertura estava tão silenciosa que era assustador,


como de costume, mas desde o ataque, senti uma sensação
de desconforto. Cada movimento que eu fazia, me sentia
vigiada e gravada. Eu mal dormi e a única vez que fiz foi
quando Alessandro me deixou dormir na cama com ele, nós
dois ignorando o fato de termos feito sexo. Ele não tinha
trazido à tona e eu certamente não iria. Eu não sabia se o
incomodava estar dormindo em sua cama, mas poderia dizer
que não era algo que ele queria. Estava acostumado com seu
próprio espaço e muito provável sentiu que eu estava
ultrapassando o dele.

Além disso, Polpetto roncava e Alessandro não era fã.

Subi para me arrumar para a festa de noivado de Sergio


e Narcisa. O casamento deles era daqui alguns meses, mas
uma festa de noivado era sempre uma coisa divertida.
Alessandro e eu nos casamos abruptamente para uma festa
de noivado.

— Sophia?
Eu me virei, surpresa. Alessandro estava no pé da
escada, com o laptop na mão.

— Não sabia que você estava em casa. — Eu pressionei


uma mão no meu peito trovejante. — Você me assustou.

Seu rosto se suavizou. — Você está sempre assustada,


Sophia. — Ele não parecia orgulhoso disso. Alessandro
apontou para o laptop na mão. — Venha aqui e escolha qual
delas você gosta.

— Qual delas eu gosto? — Repeti, mas o segui de volta


para baixo.

Alessandro colocou o laptop no balcão da cozinha. —


Todas elas estão localizados em um condomínio fechado.
Basta folhear as abas até decidir a sua favorita.

Sentei-me na frente do laptop e pisquei atordoada. Fotos


de casas à venda me cumprimentaram, todas enormes e
magníficas. E todas elas localizadas em condomínios
fechados.

— Você está me expulsando? — Perguntei.

— Não. — Ele caminhou até a cozinha. — Onde está a


água gelada?

— Lado esquerdo da geladeira, ao lado do leite.

Alessandro localizou e serviu dois copos de água. Ele


estava usando os copos errados, mas eu não disse nada. Foi
bom ele estar me servindo pela primeira vez. — A criança
precisará de mais espaço para crescer e é importante que ele
esteja com a família. — Ele me passou um copo. — Além
disso, eu não posso mais ver você andando na ponta dos pés
por esta casa e verificando todos os cômodos antes de entrar
nela.

Mordi meu lábio. — O ataque...

— Nunca deveria ter acontecido.

— Você tem certeza que quer se mudar? — Eu perguntei


a ele. — Seu trabalho está na cidade. Assim como a maioria
dos meus amigos e seus homens. Realmente quer deixar sua
vida?

— Estamos nos mudando para os arredores da cidade,


não para a Antártica. — Ele respondeu ríspido. — Não vou ter
você morando em uma casa que você considera insegura

— Posso parar de dormir com você. Eu sei que Polpetto


ronca e eu sou um pouco ladra de cobertores.

Alessandro tomou um gole de água. — Esse não é o


problema.

Analisei sua expressão avidamente, tentando descobrir o


que estava acontecendo em sua cabeça. Era mesmo sobre o
bebê? Era algo sobre mim? Ou Alessandro queria estar mais
perto de sua família?

— Você tem certeza de que quer estar tão perto da nossa


família? — As palavras saíram antes que eu pudesse detê-las.
— Não. — Ele disse. — Mas o condomínio fechado é o
Fort Knox27.

— Então por que? — Perguntei.

Meu marido me examinou com o mesmo olhar nos olhos


de sempre. Como se ele estivesse tentando me entender,
tentando resolver, mas não conseguia. Eu entendia esse
sentimento.

— Você não está agindo como você mesma. — Ele disse


depois de um tempo. Antes que eu pudesse pedir mais, ele
quebrou o momento. — Então se apresse e escolha qual casa
você quer. Não vou deixar você nos atrasar para a festa de
noivado de Sergio.

Eu rolei pelas casas, todas lindas e atraentes. Levaria


mais de quinze minutos para escolher qual eu queria morar,
mas a oferta de Alessandro provavelmente tinha um limite de
expiração. Algumas eram grandes demais, outras pequenas
demais. Outras eram modernas demais, enquanto outras
eram velhas demais. Eu estava prestes a perguntar se
poderia ter mais tempo quando cliquei na última casa.

Um gemido de prazer saiu da minha boca antes que eu


pudesse pará-lo. — Esta. Esta é perfeita.

Alessandro puxou o laptop para ele. — Essa fica na


mesma rua do Don.

27Referência à pequena cidade americana e base do Exército dos Estados Unidos, chamada Fort
Knox, localizada no estado de Kentucky, famosa por ser o depósito de ouro dos Estados Unidos e,
consequentemente, muito segura.
— É mesmo? — Eu não tinha notado isso. — Eu posso
escolher outra.

— Não, esta servirá. — Ele clicou nas imagens e


assentiu em aprovação. — Muito mediterrânea. Não se parece
em nada com a cobertura.

Tomei um gole da minha água, tentando parecer


imperceptível.

Alessandro bufou. — Vou ligar para o agente imobiliário.


— Ele fechou o laptop. — Oscuro está esperando por você lá
embaixo, então tente ser rápida.

— Posso ficar com Beppe hoje à noite? — Perguntei


antes que eu pudesse me parar.

Seus olhos escuros se voltaram para mim, endurecendo.


— Oscuro fez algo que não deveria?

— Não, nada disso. Estamos... apenas um pouco


brigados. Nada sério. — Tentei dar a ele um sorriso
reconfortante. Alessandro não parecia consolado.

Eu pulei do banquinho. — Vou me arrumar. Seu traje


favorito da Armani está na lavanderia, então você terá que
usar o seu Brioni. Eu já o deixei pronto com a sua gravata.

— Por que meu Armani está na lavanderia? — Ele


perguntou. — Está limpo.

— Eu achei uma mancha nele.


— Na parte de dentro. — Alessandro apontou. — Mal se
conseguia ver.

— Isso não melhora as coisas. — Eu disse a ele.

Ele acenou com a mão irritada para mim. — Vá e


prepare-se. Estamos atrasados.

Enquanto eu subia as escadas, Alessandro chamou meu


nome. Eu virei. Ele ainda estava no balcão da cozinha, mas
agora sua expressão havia escurecido.

— Espero que você mantenha a gravidez para si mesma.

— Não se preocupe. — Subi as escadas, não querendo


ouvir mais sobre isso. — Estarei usando um vestido largo,
então meu estômago não estará visível.
Capítulo Vinte e Um

A festa de noivado acontecia no salão de um hotel


chique, com o tema branco e prata. Penduradas no teto,
haviam belas lindas lâmpadas gotejantes, que passavam por
cima das longas mesas. Bares estavam ao longo das paredes,
com barmans impecavelmente vestidos e flores brancas
penduradas sobre eles. Um pequeno palco e uma pista de
dança estavam no final do salão, com tule prateado
decorando-o. Os convidados circulavam, mas seus olhos
deslizaram para nós quando entramos.

— Oh, é lindo. — Eu disse a Alessandro. Eu estava


empoleirada em seu braço. — Não faz você desejar que
tivéssemos uma festa de noivado?

Alessandro examinou o salão. — Está ótimo.

Amigos e familiares se aproximaram de nós, me


cumprimentando com beijos nas bochechas. Recebi muitos
elogios pelo meu impressionante vestido vermelho, o que me
agradou. Raramente usava vermelho, optando por cores
muito mais suaves.

Meu inchaço ainda não era grande, mas se eu tivesse


usado um vestido que se ajustasse a mim, você teria
conseguido perceber. Já suspeitavam o suficiente, então eu
tinha decidido ser um pouco mais esperta com meu vestido
da festa. O vestido em si era de um vermelho profundo,
realçando meus cabelos dourados. Tinha um decote de
coração suave, mas a saia começava logo acima dos meus
quadris e se amontoava ligeiramente até o chão, escondendo,
portanto, minha barriga.

Quando Alessandro o viu, uma expressão faminta torceu


seu rosto. Meu coração ainda estava trovejando ao ver sua
expressão.

Como pais da noiva, Benvenuto e Tina eram o centro


das atenções, - até que, é claro, Sergio e Narcisa entraram.
Tina pareceu estar abalada por toda a atenção, enquanto
Benvenuto sustentava a si mesmo de forma presunçosa. Ele
recebia muitos elogios por manter as negociações, apesar de
a outra metade dos negociadores já estarem mortas.

Quando eles nos viram, ambos se afastaram de com


quem estavam falando. Eu senti um pouco de prazer por isso.
Talvez Benvenuto não fosse o único que gostava de ser o
centro das atenções.

— Alessandro. — Benvenuto cumprimentou. Os homens


apertaram as mãos.

Tina e eu trocamos um abraço e eu elogiei o seu vestido.

Quando chegou a minha vez de beijar Benvenuto na


bochecha, Alessandro me puxou de volta. Foi sutil, mas
nenhum de nós podia ignorar o que acabara de acontecer. Eu
me virei para ele, me sentindo envergonhada por sua ação.
Mas seu rosto estava estoico. Benvenuto também pareceu um
pouco chocado ao ser negado.

Recuperei-me mais rápido que ele. — Parabéns pelo


casamento. — Eu disse. — Será tão bom ter Narcisa de volta
à cidade. Ela fez falta.

— Sim, bem, — Benvenuto levantou-se mais ereto, — foi


um casamento arranjado há muito tempo.

— Estamos muito felizes com o arranjo. — Tina disse


baixinho ao lado dele.

Forcei um sorriso brilhante. — Deve ser surreal que o


casamento esteja acontecendo tão cedo. Finalmente, chegou a
hora

Alessandro resmungou em concordância.

Nós passeamos entre os convidados, comigo


conversando a maior parte do tempo. Alessandro disse
algumas palavras aos homens, mas não se incomodou com
conversa fiada. Eu, entretanto, era uma deusa de conversa
fiada. Quando encontramos os Rocchetti, Don Piero me deu
um grande abraço e um beijo, dizendo que era uma pena que
eu não tivesse tido uma festa de noivado. A maior parte da
família estava aqui, com exceção de alguns poucos.

Alguém disse que Narcisa havia chegado e todos nós


viramos para assistir sua entrada. As portas no final do salão
se abriram e andando a passos largos veio Sergio com
Narcisa de Sanctis pendurada em seu braço.
Que par eles formavam, pensei. Sergio era enorme e
aterrorizante, um executor tatuado. Enquanto, Narcisa era de
ossos finos e delicada, como uma boneca de porcelana.

A multidão explodiu em aplausos quando eles entraram


no salão. Como era costume, os dois foram primeiro aos pais
de Narcisa. Benvenuto deu um tapinha duro nas costas de
Sergio, enquanto Tina e Narcisa compartilharam um
momento de ternura e tranquilidade. Observei as mulheres
de mãos dadas e senti uma dor maçante e silenciosa.

Depois que os pais foram cumprimentados


adequadamente, o futuro casal deve falar com o Don. Eles
vieram para o nosso grupo, Narcisa, de olhos arregalados e
apavorados, enquanto Sergio parecia uma montanha furiosa.

— Um casal tão bonito! — Don Piero disse de onde


estava sentado. — Você não acha, Carlos? — Carlos Snr
apenas grunhiu.

— Foi bom para Benvenuto seguir o arranjo. — Enrico


disse.

O grupo assentiu em concordância. Narcisa parecia que


ia desmaiar.

Coloquei uma mão gentil no braço dela e ela virou a


cabeça para mim. — Você está linda, Narcisa. Deve me dizer
quem arrumou seu cabelo.

Um rubor se espalhou por suas bochechas. — Hum, tia


Chiara fez isso por mim.
— Claro. Tia Chiara é muito talentosa. — Eu ri. — Ela
se recusa a tocar meu cabelo porque eu reclamo muito
quando ela puxa.

Narcisa assentiu, sorrindo um pouco.

Senti pena de Narcisa. Eu entendia a situação dela, mas


não tinha palavras para tentar confortá-la. Talvez não haja
problema, eu provavelmente teria dito. Alessandro é bom para
mim e ele é o Godless. Talvez Sergio seja agradável também...
em vez de dizer isso, apenas expressei minha empolgação por
suas núpcias e elogiei sua bonita festa de noivado.

A noite continuou e Alessandro estava ficando nervoso.


Ele pouco se importava com conversa fiada e civilidade.

— Venha dançar comigo, antes de saltar essa


inquietação.

Alessandro agradeceu e me arrastou para a pista de


dança. Ele apertou uma mão nas minhas costas, segurando-
me firmemente contra ele. O calor subiu pelo meu pescoço.
Avançamos no tempo da música, e ele parecia mais calmo.

— Acho que é aceitável partirmos em breve. — Eu disse


a ele. — Sei que você odeia essas coisas.

Seus olhos escuros brilhavam. — Eu não deveria


reclamar. Você não tem permissão para beber e ainda sofre
por essa provação.
— Gosto de uma boa festa. Não sei se você notou, mas
gosto de conversar.

Um sussurro de um sorriso cruzou seu rosto.

Durante a dança, eu tive que puxar meu vestido. Minha


barriga estava escondida, mas meus seios em crescimento se
recusavam a serem contidos. Eu me arrependi de não ter
alças. Mas esqueci tudo sobre meu vestido irritante, quando
Alessandro estendeu seus olhos para o meu peito. Com um
olhar predatório, seu rosto tornou-se pesado.

Meu coração começou a acelerar.

Às vezes era fácil fingir que não tínhamos feito sexo


depois do ataque, que isso era apenas uma invenção da
minha imaginação. Mas, então, Alessandro olhava para mim
de tal maneira que tudo que eu podia fazer era lembrar o jeito
que ele me segurava, o jeito que ele me empurrava. A
memória me mantinha em cativeiro.

— Gostei do seu vestido. — Ele me disse.

— Obrigada. — Agradeci, corando.

A mão de Alessandro apertou minhas costas, me


aproximando dele. Ele abaixou a cabeça no meu ouvido, sua
respiração quente fazendo cócegas na minha pele sensível.
Estremeci em seus braços.

— Você está causando uma cena. — Sussurrei. Não era


socialmente aceitável ser tão íntima na pista de dança.
Senti Alessandro sorrir contra meu ouvido. — Oh? Nós
vamos ficar em apuros? — A palavra antiga que eu havia dito
todas aquelas noites atrás pairava no ar entre nós.

— Podemos sim. — Eu estava me sentindo quente,


corada. — Nossa família não é conhecida por ser progressista.

Alessandro nos balançou de um lado para o outro. —


Talvez devêssemos ser um pouco mais então.

— Blasfêmia. — Eu sussurrei. — Não deixe ninguém te


pegar dizendo isso.

Ele me deu um sorriso rápido e malicioso. — Você está


com tanto medo de ter problemas. — Sua voz estava
divertida. — E se eu prometesse protegê-la?

— Tem certeza de que poderia enfrentar Nina Genovese?


— Perguntei: — Ela é uma mulher formidável.

— De fato. Você e Nina são amigas, não são? É por isso


que você quer que eu empreste o Nero por Davide.

Balancei minha cabeça, aproximando nossos rostos. —


Somos aliadas, família. Sou a mulher mais alta do ranking da
família, mas ainda muito jovem e inexperiente. Ela... me
levou sob suas asas.

Alessandro fez um som baixo de acordo. — Tenho


certeza que você vai superá-la com facilidade.

— Homens, — eu ri. — Tão competitivos, tão ansiosos


para vencerem todos ao seu redor. Por que eu gostaria de me
afastar das mulheres sendo tão competitiva? Às vezes, aliados
são melhores que inimigos.

— Sua ideologia não iria muito longe de um Made Man.


— Ele disse. Alessandro me puxou para fazer um giro, antes
de me puxar de volta para seu peito quente. Eu tive que me
impedir de colocar minha cabeça contra o batimento cardíaco
dele.

— Sorte que eu não sou um soldati, então.

Alessandro passou a mão pelo meu lado, aproximando-


se das minhas áreas mais sensíveis. Por todas as camadas
que estava me oferecendo, o vestido poderia parecer não estar
lá. Eu podia sentir o calor do seu toque direto nos meus
ossos. — Mm, sorte, de fato. — Ele ronronou. Arrepios
subiram ao longo do meu pescoço.

Seu olhar era intenso, demais. Eu senti como se ele


estivesse a uma palavra de me tomar no chão e eu estava
pronta para deixá-lo, apesar de estar no pior local possível.
Com muita força, que eu não sabia que tinha, me afastei do
seu olhar. Mas meu corpo não me deixou ir e deitei minha
cabeça em seu peito, ouvindo o ritmo suave de seus
batimentos cardíacos.

Alessandro se inclinou e pressionou os lábios no topo da


minha cabeça. — Escondendo-se, Sophia? — Eu pisquei
meus olhos ao redor do salão, vendo Sergio e Narcisa. Ele
estava conversando com Gabriel D'Angelo, parecendo feroz e
orgulhoso. Enquanto Narcisa era uma presença tranquila ao
seu lado, quase uma sombra.

— Você acha que Sergio e Narcisa formarão um bom


casal?

Eu senti seus lábios se curvarem em um sorriso. —


Acho que Sergio terá que passar por algumas dificuldades
dolorosas em seu novo papel como marido.

— Você teve que passar por dificuldades dolorosas? Ou


você foi natural?

— Natural.

— Conheço uma esposa sua que pode discordar.

Alessandro riu. — Você conhece? Pergunte se ela gosta


do seu cartão de crédito.

Por instinto, olhei para cima para ele, sorrindo


brilhante. — Ela gosta muito.

Nós encontramos o olhar um do outro, ambos


entretidos. Assim que encontrei seus olhos escuros, meu
coração começou a acelerar. Todo mundo se sentia assim? O
coração de todo mundo batia rápido ao olhar nos olhos de
Alessandro Rocchetti? Elas também tinham que apertar as
coxas e ignorar a dor crescente nos seios? Eu sempre me
sentia tão quente, tão observada, quando eu estava com
Alessandro.

— Sophia. — Ele exalou.


Eu balancei a cabeça, longe demais para palavras.

— Oh, minha Sophia. — Alessandro pressionou sua


testa contra a minha, apertando as mãos nos meus quadris.
Então ele disse a coisa mais surpreendente, mas mais doce
que poderia ter dito: — Se você quer uma festa de noivado, eu
darei uma a você.

Um sorriso apareceu nos meus lábios. — Talvez você


deva dar algumas dicas a Sergio sobre seu novo papel.

Alessandro sorriu. Mas então um olhar estranho tomou


conta de seu rosto, como se ele se sentisse mal por rir. —
Sophia, — ele disse, — há algo que preciso lhe contar.

A mudança abrupta em seu tom me confundiu. — Está


tudo bem?

— Há algo que você precisa saber. É sobre sua irmã.

Uma voz aguda cortou nossa névoa: — Vou acompanhar


Sophia em uma dança agora.

Nós dois nos viramos e o aperto de Alessandro em mim


aumentou. Don Piero não estava a um metro de distância,
seu rosto amigável, mas sua postura era tensa. Eu corei
quando os sons da sala voltaram para mim, Alessandro e eu
estávamos em público, mas grudamos um contra o outro sem
nos preocuparmos com o mundo.

Alessandro não cedeu. — Estou autorizado a dançar


com minha esposa.
— Eu também estou. — Don Piero disse.

Sentindo uma luta, coloquei uma mão calmante no


braço de Alessandro. — Você deveria ir e falar com o Sergio.
Dê a ele seus desejos. Podemos terminar nossa conversa mais
tarde.

Alessandro não pareceu satisfeito, mas se afastou. O ar


frio me pegou.

Don Piero lançou um olhar de alerta a Alessandro


enquanto se afastava. Por que Don Piero estava alertando
Alessandro? Sobre o que?

— Uma dança. — Foi tudo o que Alessandro disse. —


Você ganha uma dança.

Don Piero e eu começamos a dançar juntos. Do lado de


fora, meu marido assistia como um grande gato bravo. Ele
nos perseguiu enquanto girávamos e fiquei feliz por sua
proteção. Don Piero sempre me deixou tão nervosa. Mas ele
se comportou e conversamos sobre temas leves, mas vazios,
enquanto dançávamos. O tópico mais proeminente foi o
casamento entre Sergio e Narcisa, no qual Don Piero parecia
muito interessado.

Quando a música terminou, Don Piero disse: — Imaginei


que você seria uma boa esposa.

As palavras me enviaram uma ponta de preocupação.


Eu não estava desempenhando bem meu papel? Eu tinha
feito alguma coisa? Eu estava com problemas? Eu estava em
perigo?

Ele continuou: — Você é linda e não é muito inteligente.


Obediente, mas encantadora.

Mordi meu lábio. — Por que você está me falando isso?


— Tentei manter minha voz o mais firme possível, mas havia
uma corrente de medo que Don Piero definitivamente não
perderia.

— Estou lhe dizendo isso porque sei que você se tornou


adorada pela Sociedade Histórica. O prefeito Salisbury
perguntou sobre você outro dia, como muitos outros.

— É muito gentil da sua parte dizer isso. — Eu disse


levemente.

Don Piero continuou me girando, apesar da música ter


terminado. Ninguém nos disse para parar. — Eles ainda não
gostam de mim. Claro, eles fingem e bajulam. Mas você... eles
gostam de você. — Seus olhos escuros me seguraram no
lugar.

Engoli em seco contra minha garganta seca. — Você...


ainda acha que eu sou uma boa esposa? — Eu duvidava que
Don Piero tivesse paciência com uma esposa insignificante e
provavelmente se livraria de mim como ele havia feito com as
outras mulheres Rocchetti.

— Agora, — ele disse, — acho que você é uma boa


Rocchetti.
Olhei para cima em choque, mas Don Piero tinha me
largado, dispensando-se da dança.

Quando acabou, me encontrei em um grupo dos


Rocchetti. Roberto me ofereceu um pouco de queijo, mas eu
recusei educadamente. Não era permitido queijos moles para
uma mulher grávida.

Alessandro se voltou para mim, enrolando uma mão leve


na minha cintura. Eu me sentia mais confortável com ele ao
meu lado, apesar de estar presa no meio de um perigoso
Rocchetti. Talvez eu estivesse ficando mais corajosa... ou
talvez, Alessandro fosse assustador o suficiente para que eu
confiasse nele para não deixar o brinquedo do Rocchetti
comigo.

Eles falaram sobre tópicos sem objetivo e eu encontrei


meus olhos dançando ao redor do salão. As pessoas estavam
rindo e bebendo, os casais tinham ido para a pista de dança e
balançavam ao som da canção. As mesas se amontoavam, as
bebidas eram servidas.

Eu me virei para o meu marido. — Alessandro.

O som era tão familiar que, por um momento, pensei


que estávamos de volta à Igreja todos esses meses atrás. Um
enorme estrondo estremeceu através do salão de baile. E por
um momento houve um silêncio.

Então as portas se abriram.


Enxames de homens com roupas escuras e armas
invadiram a sala. Gritos irromperam da multidão e as
pessoas correram em volta, desmoronando umas nas outras.

Oh, Deus, os Gallagher estão aqui, pensei.

— PARA BAIXO, PARA BAIXO! — Eles gritaram.

Alessandro agarrou minha cintura e me puxou para trás


dele. — NÃO ATIREM! — Ele trovejou.

Não atire? Segurei a parte de trás do paletó dele. O que


ele quis dizer com não atirar?

Olhei para os atacantes. Do outro lado do peito, a


palavra SWAT estava escrita.

Um nó começou a crescer na minha garganta. A polícia


de Chicago e o Outfit tinham um acordo, mas não havia tal
acordo com os federais.

A equipe da SWAT se espalhou pelo salão, armas em


punhos apontadas para os convidados. Os Made Men
estavam pegando suas armas, mas pararam ao comando de
Alessandro. A equipe da SWAT bloqueou todas as saídas,
deixando claro que não deveríamos sair.

Eu agarrei Alessandro com mais força.

A parede da SWAT se moveu e saiu um homem familiar.


O agente especial Dupont caminhou em direção a Alessandro
e os Rocchetti com a arma na mão e as iniciais do FBI no
peito.
Alessandro virou a cabeça para mim. — Vá, Sophia. Se
misture.

— Eu não estou deixando você. — Eu sibilei.

Uma expressão ilegível surgiu no rosto dele. Ele


levantou a cabeça e apontou o queixo para alguém atrás de
mim.

Enrico se aproximou de mim. — Vamos, Sophia. — Ele


disse, não de forma cruel. — Este não é o lugar para uma
mulher.

Eu segurei mais forte o meu marido.

— O que significa isso? — Don Piero exigiu, avançando.


Ele dominava a sala e parecia inegavelmente irritado.

— Piergiorgio Rocchetti, você está preso. — Agente


Dupont disse. — Venha em silêncio e sua família ficará
intacta.

Don Piero olhou rapidamente para Alessandro e depois


para mim. Sua mandíbula se apertou. — Não há necessidade
de violência, agente. — Ele disse. — Você tem minha total
cooperação.

O agente Dupont sorriu bruscamente. — Alessandro


Rocchetti, Davide Genovese e Enrico Rocchetti também estão
presos.
— Por quais acusações? — Alessandro perguntou
sombriamente. Ele não se incomodou em agir civilizado, ao
contrário de seu avô.

— Por laços com o crime organizado. — Veio uma voz


por trás da equipe da SWAT.

Eu fiz uma careta. Eu conhecia aquela voz...

— Sophia, — era Roberto me puxando, Enrico tendo


desistido. — Agora.

Os corpos da equipe da SWAT mudaram mais uma vez e


uma figura feminina passou por eles. Como o outro pessoal
do FBI, ela também usava um colete à prova de balas com o
FBI escrito e botas de combate. Em volta dos ombros, as
armas estavam nos coldres, prontas para serem disparadas a
qualquer momento.

Mas…

Seu cabelo era da minha cor, seus olhos eram os meus.


O rosto dela era um que eu conhecia desde o nascimento.
Suas mãos tinham sido usadas para me empurrar e me
abraçar, e aqueles dedos nessas mãos costumavam trançar
meu cabelo e marcar minha lição de casa.

— Não... — Eu tropecei. Alessandro me pegou. — Não,


não.

Ela deu um passo em minha direção, tão familiar, tão


viva.
Isso era impossível, isso não era real. Eu estava
imaginando isso, realmente estava ficando louca. Estava
dormindo ou bêbada ou vítima das mudanças da gravidez.

Mas não havia como... — Soph. — Ela exalou.

A voz dela... oh, Deus, a voz dela. Esse apelido. Eu tinha


ouvido isso mais de um bilhão de vezes na minha vida. Soph,
ela costumava rir. Soph, ela costuma chorar ou gritar. Eu
nunca fui Sophia, sempre Soph.

Um barulho subiu pela minha garganta. — Cat, — eu


disse. — Cat.

Agarrei Alessandro. Minha irmã está viva, eu queria


dizer. Mas então eu peguei sua expressão. Não houve
surpresa, nenhum choque.

Virei a cabeça e peguei a expressão de Don Piero. Ele


também não estava chocado. Enrico, Santino, Roberto ou
Carlos Snr também não. Os convidados pareciam chocados...
mas Oscuro não estava. Sergio não estava.

Eu procurei meu pai. Sua filha estava de volta dos


mortos e ele não parecia chocado ou surpreso. Em vez disso,
ele estava olhando para mim, com uma expressão agoniada.

Soltei meu aperto e me afastei de Alessandro.

— Você sabia. — Eu disse. — Todos vocês sabiam.


Capítulo Vinte e Dois

A sala de interrogatório estava congelando. Era uma


sala quadrada cinza, com uma única janela do outro lado da
parede dos fundos e uma mesa e cadeiras solitárias. Eu olhei
para a janela, minha expressão refletida de volta para mim.
Meu cabelo havia caído dos alfinetes, meus olhos estavam
vermelhos e inchados e havia uma tonalidade cinza na minha
pele.

Você sabia. Todos vocês sabiam.

Minha mente estava revirando sobre si mesma enquanto


ligava as coisas. Momentos passaram pelo meu cérebro,
fazendo-me sentir estúpida e mais estúpida quando a
realização me atingiu.

O casamento abrupto... não houve festa de noivado,


nenhum anúncio. Não era sobre amor ou dinheiro, era para
me manter perto.

A renúncia do papai. Eu esperava alguém mais suave


para você.

Por que Alessandro não me procurou nas noites após o


casamento.

Os Rocchetti suspeitavam de mim... não queriam que eu


obtivesse o certificado antimáfia ou ouvisse suas conversas.
Papai ficando bêbado, pedindo a Deus que suas
meninas estivessem em segurança.

Dupont se aproximando de mim.

O desejo de papai e Alessandro de manter em segredo a


gravidez. Até o Dr. Li Fonti me deu testes de gravidez para
tentar me dar um pouco mais de privacidade.

Quando vi Cat no cemitério, Oscuro me enganou.

Até o ataque... o atacante mencionou minha irmã.

Tudo o que me disse foi uma dica. Todo aviso, todo


comentário tinha sido uma dica. Papai mentiu para mim,
mentiu direto na minha cara e me vendeu para um bando de
monstros. Don Piero tinha me usado, Oscuro havia mentido
para mim.

E Alessandro... Alessandro, que tinha sido tão insistente


em minha honestidade, que havia sido a primeira pessoa a
realmente me ver e não piscar... ele também sabia.

Enterrei meu rosto em minhas mãos, com um grito


subindo pela minha garganta.

A porta da sala clicou. — Soph?

Levantei minha cabeça. Minha irmã entrou na sala, com


uma pasta na mão. Ela usava um blusão azul e calça preta.
Um distintivo do FBI estava em seu cinto.
— Como você está se sentindo? — Perguntou, com sua
voz suave.

Estúpida. Cansada. Humilhada. Nauseada. Traída. —


Por quê? — Foi tudo o que pude pedir. — Por que você fez
isso, Cat?

Cat cobriu a boca com a mão. — Eu... tinha que sair.

— Você tinha? Você realmente tinha que sair?

Ela apertou os lábios. — Eu não espero que você


entenda.

Minha tristeza, minhas lágrimas pareciam mudar para


algo mais vermelho, algo mais quente. — Imagino que a
perspectiva de uma pessoa que falsificaria sua morte e depois
se juntasse ao FBI seria difícil de entender.

— Eu entrei no FBI antes.

— O quê?

— Antes de fingir minha morte. — Ela esclareceu. — Fui


abordada por eles na faculdade. Eu fui para a faculdade...

— Eu sei. Encontrei seu diploma.

Cat assentiu. — Concordei em me juntar a eles... eles


ajudam as pessoas, Soph. Eles lutam contra a injustiça.
Todas as pessoas que pensam que podem se safar violando a
lei, colocando em risco pessoas inocentes, ensinamos a elas
que não podem.
Balancei minha cabeça. — O governo não está
interessado em justiça.

— Você foi condicionada a acreditar nisso. — Ela


insistiu. — Mas não é verdade.

— Então seu FBI está livre de todas as acusações? — Eu


perguntei. — Você teve uma lavagem cerebral, Catherine.
Você trabalha para uma instituição lucrativa, para políticos
que se preocupam apenas com a reeleição.

Os olhos dela brilharam. — Não estou aqui para brigar


com você. — Ela disse.

Passei as unhas sobre a mesa. — Não, se dependesse de


você, você não estaria aqui.

— O que isso significa? — As narinas dela se alargaram.

— Você me deixou. — Minha voz falhou, raiva


evaporando momentaneamente. — Você me deixou. Eu
pensei que você estivesse morta. Eu chorei por você. Passei
todos os dias nos últimos dois anos carregando seu fantasma
comigo.

Cat virou a cabeça para o lado, piscando rapidamente.


— Eu perguntei se você queria se juntar a mim, mas você
disse que não.

— Você nunca me perguntou...


— Perguntei. — Ela insistiu. — Quando estávamos
discutindo sobre ir para a faculdade. Perguntei se você queria
ir embora, mas você disse que não, lembra?

Eu a encarei, pasma. — Eu pensei que você estava


brincando!

— Sua resposta foi não, Soph. Você disse que não. Eu


não ia puxar você, chutando e gritando, da sua vida.

Esfreguei meus olhos lacrimejantes. Aquela noite tinha


sido há muito tempo, um pontinho na minha memória. Eu
até contei a Alessandro sobre isso, acenando como sonhos
entre duas meninas. Mas para uma daquelas garotinhas,
tinha sido uma ideia muito real.

— Me desculpe por ter deixado você sozinha com


aqueles monstros. — Cat cuspiu. — Mas eu sabia que você
ficaria bem. Você não balança o barco, não se mete em
problemas.

— Diferente de você.

Cat não respondeu.

Encontrei os olhos dela. — Aquele dia no cemitério... era


você, não era?

— Era. — Ela disse suavemente. — Eu gosto de checar


você. Seu casamento, eu estava lá e se Tristan não tivesse me
segurado, eu teria ido buscá-la. Isso eu garanto a você.
Levantei meus olhos para os dela. — Você estava lá?
Quando os Gallagher atacaram? Quando matei um homem?

A mandíbula de Cat endureceu. — Eu estava.

— O FBI... estava do lado de fora quando todas aquelas


pessoas inocentes foram atacadas? Você tinha meios para
ajudar essas pessoas e não fez nada? Tony Scaletta, Paola
Oldani e Nicola Rizzo morreram, Catherine. Conhecemos
essas pessoas a vida toda.

Ela apenas olhou para mim.

Uma risada maníaca me escapou. — Seu FBI é tão


inocente? Tão preocupado com a injustiça no mundo? Você
trocou uma família criminosa para outra.

— Isso não é verdade.

— É, Cat. Sinto muito, mas é verdade. — Eu me inclinei


mais perto dela. — Deixe o FBI. Não direi à Outfit aonde você
vai, desde que você saia.

Cat riu tristemente. — Estava prestes a oferecer o


mesmo acordo para você.

— O quê?

Ela abriu a pasta. Uma pequena cabana foi retratada.


Não se parecia em nada com as belas mansões que
Alessandro havia me mostrado. — Programa de proteção a
testemunhas. — Ela disse. — Nós protegeremos você. Você
estará a salvo da Outfit, de qualquer pessoa que desejar
prejudicar você.

Eu encontrei seus olhos.

— Você pode ser livre. — Ela insistiu. — Pode ir para a


faculdade ou arrumar um namorado da sua escolha. Poderia
treinar na torcida ou não, eu não sei. Mas você pode estar
livre, Soph. Livre de ser o peão do papai, propriedade do seu
marido.

Coloquei uma mão macia no meu abdômen. Meu bebê


descansava lá, completamente inconsciente do que estava
acontecendo ao seu redor. Ele estava seguro e escondido,
ocupado crescendo e se preocupando consigo mesmo.

Bom, pensei. Fico feliz que ele esteja ali e não aqui fora.

Que estranho, eu pensei que meu filho nunca chegaria a


conhecer a tia. Eu lamentara esse fato. Agora, eles poderiam
se encontrar, mas estariam em lados opostos.

Cat e eu estaríamos em lados opostos, percebi de


repente.

— Por favor, Soph. — Cat disse. — Você... não precisa


ser uma propriedade.

Eu olhei a casa de campo. — Como eu sobreviveria?

— O quê?
— As coisas custam dinheiro, Cat. Eu não tenho
diploma universitário, mal passei no ensino médio. Como eu
proveria a mim e ao meu bebê?

Cat piscou. — Bebê?

Eu assenti. — Estou com quase onze semanas.

Ela não me parabenizou. Apenas disse: — Você


começaria com um pequeno fundo nosso e depois resolveria.

— Então eu viveria de salário a salário? Eu me


preocuparia com dinheiro e trabalharia pelo resto da minha
vida?

Cat fez uma careta. — Pare de ser tão materialista. Você


pode ser finalmente livre.

— E sozinha. — Eu adicionei. — Eu não seria capaz de


ver nossa família nunca mais.

— Então?

— Então, eu os amo e não vou deixá-los.

— Você está sendo idiota, Soph. Tão idiota. Que tipo de


vida você acha que espera por você de volta a Outfit? Seu
marido te traiu e te usou. Papai mentiu para você. Todo o seu
valor é baseado na sua aparência. Você segue as ordens do
seu marido, cozinha e limpa para ele...

— Eu costumava cozinhar e limpar para você. — Eu


disse. — Isso era um problema?
— Sim, — ela disse com relutância. — Eu não sabia
como fazer nada. Eu não podia nem usar um ferro de passar.

Eu senti uma pequena sensação de presunção.

Cat estreitou os olhos para mim. — Sei que você fazia


isso de propósito. Você sempre fez coisas assim. Papai não
funcionaria um único dia sem você. E aposto que seu marido
também está ficando dependente de você.

— Eu não sei do que você está falando.

— Corte a besteira, Soph. — Ela disse cansada. — Eu


lembro como você era. Eu te amei, mas eu lembro. Todo
mundo adorava você. Dita considerava você como responsável
e nossas madrastas lhe davam presentes por seu amor. Você
era amada na escola, sempre líder de torcida ou no comitê de
planejamento do partido.

Era bom ser tão reverenciada. Cat estava me separando,


desenrolando minha corda, mas não havia aceitação, nem
amor. Ela pode não gostar de mim, mas ela me conhecia.

Cat me conhecia.

Mas eu também a conhecia.

— Lembro como você era também. — Eu disse. —


Sempre inteligente demais, sempre melhor do que todos os
que estão ao seu redor. Irritava papai a cada chance que
tinha, com pouca preocupação sobre como isso afetava as
outras pessoas ao seu redor. Vivia como se estivesse no meio
de uma tempestade, fazendo merda sem se importar. Então
você partiu, fingiu sua morte e traiu sua família. Você saiu e
me traiu.

Um músculo em sua mandíbula se contraiu. — Fiz o


que tinha que fazer para protegê-la, Soph. Agora, estou em
uma posição em que posso protegê-la. Onde eu posso libertar
você.

— Eu não quero liberdade.

— O que você quer?

Eu pensei sobre isso. O que eu queria? O que eu


ansiava? Qual foi a primeira coisa que pensei quando
acordei? — Não tenho certeza. — Eu disse. — Mas eu sei que
você não pode me dar.

Cat parecia que ia chorar, mas não o fez. Apenas


apontou para a porta com o queixo. — O advogado da Outfit
está lá fora para você. Ele está causando confusão. — Eu me
levantei, vestido vermelho deslizando para o chão. Havia
muitas outras perguntas na ponta da minha língua... mas eu
não queria saber a resposta para algumas delas. Queria
manter em mente a imagem de minha irmã, como fizera nos
últimos dois anos, e não a deixar contaminada com esta nova
versão dela.

Quando cheguei à porta, ela me chamou.

— Soph... — Ela disse. Eu mantive meus olhos para a


frente. — Esta é a única chance que tenho para protegê-la.
Porque nós estamos chegando. Estamos pegando a Outfit e
qualquer outra pessoa ligada ao crime organizado. Isso
incluirá você.

Abri a porta e saí.

O advogado da Outfit, Hugo del Gatto, estava no


corredor. Ele estava discutindo com dois agentes do FBI, mas
quando me viu, ele pareceu se acalmar um pouco. Os dois
agentes do FBI me encararam, com as mandíbulas cerradas.
Um deles entrou na sala de interrogatório, com preocupação
no rosto. Por minha irmã, pensei.

— Senhora Rocchetti, você está bem? — O advogado


perguntou. — Se você disse alguma coisa...

— Eu não disse nada, Hugo. — Eu disse, cansada. —


Eu sei como mentir.

Ele não parecia ter uma resposta para isso.

— Certo, bem, por aqui. — Hugo me levou pelos


corredores cinzentos. Era mais estéril que a cobertura.

Chegamos a uma abertura onde havia um grupo de


homens conhecidos. Agentes do FBI vagavam ao redor deles,
mas todos pareciam um pouco desconfortáveis. Com o jeito
que Sergio estava olhando para eles, eu realmente não podia
culpá-los por se sentirem um pouco nervosos. Meus olhos
foram direto para Alessandro, encostado na parede, ao lado
de sua família sentada. Don Piero estava sentado no meio,
algemado, mas ainda aterrorizante.
Meu pai se levantou quando nos aproximamos. Seus
olhos cor de uísque estavam arregalados. — Sophia...

— Eu vou falar agora. — Eu disse com calma. — E você


vai ouvir.

Papai parecia que ia dizer alguma coisa, mas fechou a


boca.

— Fiz tudo o que eu deveria fazer. — Eu disse. — Eu era


uma filha obediente e esposa obediente. Eu dirigi sua casa e
você nunca chegou em casa para um problema. Desempenhei
bem o meu papel de filha e, quando chegou a hora de ser
vendida a um monstro, não reclamei. — Eu olhei para
Alessandro. Sua expressão era dura. — E fui uma boa
esposa. Eu, mais uma vez, administrei a casa. Patrocinei as
sociedades políticas e fui à Igreja todos os domingos. Abri
minhas pernas e engravidei sem resistência. Representei você
e sua família melhor do que nunca. Não causei nenhum
problema.

Olhei entre os dois. — Eu pensei que interpretar meu


papel significava que eu estava segura, que não seria punida.
Eu pensei que era mais inteligente do que lutar contra as
regras a cada passo. Mas, apesar de fazer tudo isso, apesar
de me sacrificar a todos os seus valores e caprichos
tradicionais, apesar de cumprir meu dever, ainda fui traída,
magoada e punida.
Meus olhos voaram para Don Piero. Ele encontrou os
meus. — E quando você morrer, Piergiorgio, vou dançar no
seu túmulo.

Os olhos dele se arregalaram.

Afastei-me do grupo, com meu coração doendo e minha


garganta fechando. No final do corredor, vi Cat entre dois
agentes. Um deles tinha um braço protetor em volta dela.

Eu dei meia volta e saí do prédio.

Oscuro estava esperando do lado de fora dos carros.


Quando eu o vi, a raiva correu em mim, forte e rápido. Mas
eu não agi sobre isso. Apenas entrei no carro, silenciosa e
ignorando o mundo ao meu redor.

A exaustão pesava muito em mim, mas não me sentia


pronta para dormir. Eu apenas sentia que ia chorar.

Quando chegamos de volta à cobertura, Oscuro abriu a


porta do carro para mim. Ele ficou em silêncio enquanto eu
ajustava minhas saias, mas finalmente disse: — Senhora...

— Você estava apenas cumprindo seu dever. — Eu


disse, incapaz de olhar para ele. — O dever é inevitável.

— Sim, ele é. — Ele respondeu.

Oscuro me seguiu até o prédio e subiu o elevador. Ele se


afastou de mim.
Encarei minhas mãos. Nada as marcava, elas eram
totalmente sem sangue. Contra o vermelho do meu vestido,
elas pareciam de repente quase limpas demais.

Coloquei-as nas dobras da saia.

As portas do elevador soaram.

— Sophia... — Virei minha cabeça para Oscuro,


surpresa. Foi a primeira vez que ele disse meu nome. — Pelo
que vale a pena, me desculpe. Eu realmente não queria te
magoar.

Eu olhei para ele. Um Made Man, um guarda-costas de


valor impressionante. — Eu não acredito em você. — Eu
disse, quase com tristeza. — Mas pelo que vale a pena, eu de
verdade gostaria de acreditar.

Oscuro apenas assentiu e fechou as portas do elevador.

O apartamento estava escuro e silencioso, totalmente


intocado desde que partimos. Quando saí esta tarde, eu tinha
estado alheia. Para mim, minha irmã estava morta e meu
marido estava se tornando mais confiável, mais companheiro.

Pequenas pegadas cambaleavam em minha direção e


Polpetto apareceu no corredor. Ele se lançou para mim,
latindo contente.

Caí de joelhos e o segurei no meu peito. — Polpetto, —


eu chorei, — Oh, meu Polpetto.

Enterrei minha cabeça em seu pelo macio e chorei.


Mãos macias roçaram meus cabelos. — Shh, — acalmou
uma voz familiar. — Não acorde. Sou só eu.

Eu fui levantada e segurada em um peito quente. A


consciência veio até mim devagar enquanto eu era carregada
pelo apartamento e subia as escadas. — Por quê? — Eu
arrastei as palavras.

Lábios pressionados na minha testa. Eu senti suas


palavras quando ele as disse. — Eu sinto muito.

Alessandro me deitou em uma superfície macia e puxou


um cobertor sobre mim. Senti o colchão mergulhar sob seu
peso quando ele se sentou ao meu lado.

— Por quê? — Perguntei novamente.

— É o que eu sou. — Ele parecia quase triste. — Você


sabia quem eu era desde o começo. Eu sou um monstro, The
Godless e um Rocchetti.

Tentei abrir os olhos, mas a exaustão os segurou


firmemente juntos. — Eu confiei em você. — Eu sussurrei.

Alessandro roçou meus cabelos, seus dedos ásperos


gentis. — Eu sei. — Ele disse. — Eu sei que você confiou.

— Por que você se casou comigo?


— Tínhamos que ficar de olho em você... sabíamos que
sua irmã tentaria entrar em contato com você primeiro.
Pensamos que se você fosse casada com um Rocchetti, ela e o
FBI seriam forçados a esquecer isso.

— Vocês estavam certos?

— Estávamos. Estávamos certos.

Apertei os olhos, lágrimas brotando. Ainda não


conseguia olhar para ele. — Tudo faz sentido agora. — Eu
sussurrei, minha voz embargada. — Por que você não me
procurou depois do casamento, sua raiva pelo bebê, nossa
falta de festa de noivado. Nós não temos um casamento de
verdade, eu não estava destinada a ser sua esposa.

A mão de Alessandro parou de se mover, descansando


na minha cabeça. — Não existe tal coisa como casamento de
verdade, Sophia.

— Esqueci que você é um pagão. — Eu sussurrei. —


Você não segue Deus, não respeita poder ou divindade
superior. — Abri meus olhos pegajosos e encontrei seu olhar
escuro. — O que você venera?

Ele se inclinou para mais perto de mim, nossos lábios


roçando um sobre o outro. — Você, Sophia Rocchetti. Eu
venero você.

Fechei os olhos. — Saia, Alessandro. Apenas saia.


Alessandro se levantou, seu calor indo com ele. —
Descanse um pouco, Sophia. — Ouvi a porta do quarto
estalar atrás dele quando saiu.

O sono não veio para mim, não sem o corpo dele ao lado
do meu. E finalmente desisti, saí do seu quarto, ele não se
preocupou em me colocar no meu. Andei na ponta dos pés
pelo corredor e para o quarto de hóspedes. Eu pude ouvir
Alessandro gritando com alguém no telefone dele no
escritório, mas não me importei com quem.

O quarto de hóspedes estava escuro, exceto pelas luzes


apagadas da cidade abaixo. Fui direto para a janela, olhando
para Chicago. A nova casa me faria sentir tão forte quando
olhasse para as pessoas abaixo?

Eu me sentiria forte novamente?

Olhei em volta do quarto de hóspedes e meus olhos


pousaram nos dois bonecos de porcelana, Dolly e Maria
Cristina. Meu coração apertou, Cat e eu tínhamos amado
aquelas bonecas.

Peguei Maria Cristina. Dolly tinha esmalte nas unhas e


batom no rosto, mas Cat sempre cuidara muito bem de Maria
Cristina. A boneca parecia a mesma do dia em que a ganhou.

Tudo subiu tão de repente... tão violentamente.

Joguei Maria Cristina contra a parede e ela bateu com


um estrondo alto. A satisfação ficou comigo por um segundo
antes de me apressar para verificar os danos. Não parecia
justo punir a boneca.

A cabeça de Maria Cristina se soltou, rolando para longe


de seu corpo. Mas, saindo do pescoço, havia papéis enfiados
dentro dela.

Agachei-me e inclinei o corpo de cabeça para baixo.


Papéis caiam, como também um pen drive. Eles caíram no
chão.

Eu entrei para o FBI antes, dissera Cat.

Abri um dos papéis. Eram projetos para uma pequena


loja que tinha túneis subterrâneos, construídos durante a
proibição de bebidas secretas... como a propriedade de Don
Piero. Desdobrei o próximo pedaço de papel. Era uma
transcrição de uma conversa telefônica com papai e Don
Piero. Desenrolei outro papel, que dava uma visão detalhada
do sistema de segurança usado pelo Don.

Havia fotos também. Fotografias dos Rocchetti e outros


membros de alto escalão da Outfit. Alguns deles estavam na
mesa de jantar da nossa casa de infância, enquanto outros
estavam saindo de prédios ou saindo de carros.

Isso é o que eles estavam procurando... o assalto na


casa de papai e o homem que havia me atacado na cobertura.
Esta informação foi o trabalho de Cat que ela havia
completado enquanto estava disfarçada na Outfit.
Olhei para os papéis, os documentos, a prova clara e
absoluta de que algo contra a lei estava acontecendo.

Então as empurrei de volta para Maria Cristina e prendi


a cabeça no pescoço. Eu a coloquei de volta ao lado de Dolly,
e o par se reuniu.

Mas Cat e eu nunca mais nos reuniríamos.

Tive a profunda, mas inegável sensação de que ambas


escolhemos nossos lados e nenhuma de nós estava do mesmo
lado.

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