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FACULDADE DA CIDADE DO SALVADOR

CINEMA NOVO BRASILEIRO


“UMA CÂMERA NA MÃO E UMA IDÉIA NA CABEÇA”

ISABELE CARDOSO
MARCOS PAULO ACÁCIO
PRISCILA RODRIGUES

Salvador - Ba
Dezembro 2008
CINEMA NOVO BRASILEIRO

CARVALHO, Maria do Socorro. Cinema Novo Brasileiro. In: MASCARELLO, Fernando


(org.). História do Cinema Mundial. Campinas, Papirus, 2006.

O Brasil em tempo de Cinema Novo

A autora inicia o texto citando o prefácio do livro Brasil em tempo de cinema, de


Jean-Claude Bernardet, onde Paulo Emílio Salles Gomes afirmava que “com alguma
imaginação e alguns recursos, era bom ser jovem no Brasil de Juscelino e João Goulart”
(Bernardet 1978, p.8). Ela cita, como elementos fundamentais para a compreensão do
significado do Cinema Novo, o pensamento dos intelectuais mais ou menos ligados ou
simpáticos ao movimento, a visão da crítica e do público sobre as obras exibidas, cineastas,
seus filmes e personagens, bem como a sociedade que os produziu.
Carvalho afirma que o Cinema Novo nasceu em clima de otimismo e crença na
transformação da sociedade. Os cinemanovistas - formados nas sessões dos cineclubes, na
crítica cinematográfica e nas longas e constantes discussões em torno do cinema e da
realidade do país - queriam, acima de qualquer qualidade técnica ou até mesmo estética,
fazer filmes, ainda que fossem “ruins” ou “mal feitos”, embora “estimulantes”, conforme
opiniões da época.
O texto cita o neo-realismo italiano – movimento surgido na Itália pós Segunda
Guerra, que trás um tom documental à produção de seus filmes – e a Nouvelle Vague
Francesa – movimento surgido na década de 1950 que concilia o neo-realismo italiano, a
teoria baziniana e o cinema norte-americano – como inspirações para o Cinema Novo
brasileiro.
Segundo a autora, os cinemanovistas não queriam, nem podiam, fazer filmes nos
padrões tradicionais. Os filmes que pretendiam fazer deveriam ser “novos” no conteúdo e
na forma, pois, além de não terem recursos para realizar grandes produções, seus novos
temas exigiriam também o novo modo de filmar.
Voltando a citar Jean-Claude Bernardet, Carvalho declara que poderia haver
funções dramáticas ou conscientizadoras na precariedade da produção inicial do Cinema
Novo. Os filmes desse movimento, ainda segundo a autora, foram classificados pelos
críticos como frutos de uma “vanguarda cultural” e buscariam responder a questões
fundamentais para o cinema brasileiro daquela época: o que deveria dizer o cinema
brasileiro, como fazê-lo sem equipamento, dinheiro e circuito de exibição. As respostas
viriam em forma de filmes e vinham carregadas do radicalismo e da violência dos anos
1960.
O texto cita a baixa qualidade técnica, o envolvimento com a problemática
realidade social de um país subdesenvolvido e a agressividade nas imagens e nos temas
como estratégias de criação que definiram os traços gerais do Cinema Novo.
Ainda de acordo com o texto, foi no final dos anos 1950 que a maioria dos futuros
cineastas se conheceu – Glauber rocha, Joaquim Pedro de Andrade, Paulo César Saraceni,
Leon Hirszman, Carlos Diegues e David Neves – todos em trajetórias parecidas,
começando como cinéfilos, membros de cineclubes, depois passando à crítica para, em
seguida, experimentarem a realização em filmes de curta-metragem, entre os quais a autora
destaca: Pátio (1959) e A cruz na praça (1959, inacabado), de Glauber Rocha; Caminhos
(1957) e Arraial do Cabo (1960) Paulo César Saraceni; O mestre de Apipucos e O poeta do
castelo (1959) e Couro de gato (1961), de Joaquim Pedro de Andrade; Domingo (1961 e
Escola de Samba Alegria de Viver (1962), de Carlos Diegues; Pedreira de São Diogo
(1962), de Leon Hirszman; e, mais tarde, Colagem (1966) e Mauro, Humberto (1964), de
Dvid Neves. Afirmando que estes foram os principais articuladores dos acontecimentos
que resultaram nos primeiros filmes do chamado Cinema Novo, Carvalho declara que eles,
ao longo da década de 1960, darão continuidade a um processo de realização conjunta, de
certa forma, uma proposta de cinematografia coletiva.

A história em cena

Carvalho afirma que os filmes cinemanovistas utilizam a alusão ao passado como


elemento relevante para a investigação do presente. O Cinema Novo pretenderia recuperar
a história do Brasil como resposta à “situação colonial” então vigente no país,
principalmente no campo cinematográfico. O ideal cinemanovista seria o de um futuro
melhor através do conhecimento da própria história, analisando-a e aprendendo com ela.
Sua intenção principal, ainda segundo a autora, seria de discutir a realidade em seus
diversos aspectos (social, político e cultural).
Os primeiros longas-metragens do Cinema Novo, de acordo com o texto,
apresentam um rico e diversificado panorama da história brasileira – do período colonial
escravista do século XVII até as mudanças de comportamento nas grandes cidades,
principalmente na segunda metade da década de 1960.
A autora divide a produção do Cinema Novo em três grandes temáticas: a
escravidão, o misticismo religioso e a violência predominante na região Nordeste. Mais
tarde os cineastas produziriam filmes nos quais discutem acontecimentos políticos
ocorridos no Brasil, bem como a transformação dos grandes centros urbanos com a
modernização do país.
A autora menciona filmes como: Ganga Zumba, rei de Palmares (1963) e Os
herdeiros (1970), de Carlos Diegues; O desafio (1965), de Paulo César Saraceni; Deus e o
Diabo na Terra do Sol (1964) e O dragão da maldade contra o santo guerreiro (1969), de
Glauber Rocha; sendo representantes de temas como a liberdade, discutida por meio da
escravidão e da pobreza permanente dos negros no Brasil; a revolução latente no Nordeste,
potencializada pela fome, violência e falta de perspectivas para o nordestino oprimido pelo
“coronelismo” e pelo misticismo religioso; a recente história política do país e a direção
dada ao seu desenvolvimento.
Carlos Diegues faz um cinema mais vinculado a acontecimentos históricos. Filma
Ganga Zumba, que conta a história do neto de Zumbi tentando chegar ao Quilombo de
Palmares, fugido da fazenda onde era escravo. O diretor descreve o filme como uma
“fábula negra” sobre a liberdade. Segundo Maria do Socorro Carvalho, o filme retrataria os
ancestrais dos pescadores negros de Barravento (Glauber Rocha, 1962), que continuariam
vivendo na condição de quase escravos, explorados pelos brancos, ainda donos de sua
força de trabalho. Ainda segundo Carvalho, os dois filmes valorizavam a história dos
negros, e a riqueza de sua cultura era, pela primeira vez, abertamente enfocada no cinema
brasileiro.
Já na segunda vertente do Cinema Novo Deus e o diabo na terra do sol causa
impacto ao usar os beatos e os cangaceiros historicamente presentes no Nordeste para
discutir os problemas sociais contemporâneos. O filme baseia-se no real e introduz um
dado novo: a emergência da transformação da sociedade pela conscientização e luta contra
uma situação aparentemente imutável ao longo dos cinco séculos da nossa história.
A terceira grande temática cinemanovista aborda a história política brasileira em O
Desafio, que faz quase uma “história imediata”, tratando do impacto causado pelo golpe
militar de 1964 sobre jovens intelectuais que acreditam em uma revolução popular no país;
Terra em Transe amplia essa discussão ao mostrar os antecedentes e as conseqüências
desse golpe, engendrado por lutas entre posições ideológicas diversas; e Os herdeiros, que
traça um panorama político dos anos 1930 até a implantação da ditadura total - o chamado
golpe dentro do golpe – com a decretação do Ato Institucional Número 5 (AI-5), em
dezembro de 1968.
A autora ainda cita as produções de cinema documentário, curtas-metragens em sua
maioria. Esses filmes discutem temas como o futebol, o analfabetismo, a questão étnica, a
política e ainda o cinema.

Por um cinema da fome

Em 1965, Glauber Rocha, já respeitado internacionalmente por "Deus e o Diabo na


terra do Sol", seu segundo longa-metragem, escreve "Uma estética da fome", uma das
principais referências teóricas do Cinema Novo. Nesse texto Rocha fala que o movimento
cinematográfico brasileiro está a serviço da denúncia, não do puro entretenimento. Maria
do Socorro Carvalho conta que os cinemanovistas conceberiam uma arte inovadora,
reveladora e potencialmente transformadora com seus filmes feios e tristes. Suas produções
não reforçariam a fantasia desenvolvimentista, mas refletiriam sobre as graves
problemáticas da realidade nacional. A autora diz que Glauber Rocha ressaltava o amplo
espectro do interesse temático do Cinema Novo - que iria do fenomenológico, social,
político, poético, demagógico, experimental, documental até a comédia. Em “Estética da
fome” Rocha exemplifica as obras que comprovam tais temáticas, respectivamente: Pôrto
das Caixas, Vidas Secas, Deus e o Diabo na Terra do Sol, Ganga Zumba, Cinco Vezes
Favela, Sol sobre a Lama, Garrincha - a alegria do povo, Os Mendigos. A intenção maior
dessa "arte revolucionária" era trazer a consciência de si ao público, afirma Carvalho.

Um golpe no cinema novo

O golpe de 1964 atingiu toda a produção cultural do país e com o cinema não foi
diferente. O Cinema Novo é censurado dentro do país e consagrado lá fora, em festivais
como o de Cannes, na França. O texto de Carvalho relata que produções como "Maioria
Absoluta", de Leon Hirszman, é censurada e só exibida no Brasil em 1980, por sua idéia de
"cinema-verdade", abordando o analfabetismo no país. Também "Integração Racial", de
Paulo César Saraceni, que constitui-se de entrevistas e pesquisa sobre a integração racial
no Brasil, enfrenta dificuldades políticas, mas é concluído sem censura e enviado a um
festival italiano.
A tentativa de censurar "Terra em Transe" de Glauber Rocha, foi feita sob os
argumentos de possuir "propaganda subliminar", "mensagens contrárias aos interesses do país" e
"cunho esquerdista". O estilo singular de Glauber Rocha foi caracterizado pela censura como
incompreensível e o filme foi considerado de "enredo totalmente confuso". Os censores
acreditavam que, na verdade, esse era um recurso utilizado pelo diretor para realizar uma obra de
"fundo nitidamente subversivo sem ser molestado pelas autoridades ("Roteiro da Intolerância – A
Censura Cinematográfica no Brasil, de Inimá Simões, Editora Terceiro Nome).
Nas palavras de Maria do Socorro Carvalho, a partir de então, os cinemanovistas
são obrigados a redefinir seus projetos, para adaptar o movimento estética e tematicamente
às circunstâncias impostas pelo regime militar. Perceberam que seus filmes não tinham
poder, nem força para transformar a realidade. O caminho era usar de criatividade e achar
brechas para que o movimento continuasse mantendo certa coerência. Carlos Diegues, por
exemplo, quer com "A Grande Cidade" (1966) trazer os problemas do Nordeste (migração
para o Sul) para o centro econômico e cultural do Brasil, quase um recomeço para o
movimento. Foi um sucesso de crítica e público.
"Terra em Transe", segundo o texto é um filme político que expressa uma
determinada reação dos cinemanovistas, diante do triunfo da direita no país com o golpe de
1964. Embora isso seja negado pelo autor. Segundo o escrito, o filme, tem uma estética
inovadora no cinema brasileiro. A autora, citando Glauber Rocha, diz que o filme tem
"uma expressão poética do que ficcional, pois sua narrativa rompe com a linearidade,
evitando a cronologia". Segundo Marcelo Adifa, poeta, jornalista e economista, em texto
publicado na Internet (http://www.ocaixote.com.br/caixote18/18cx_artigos_marcelo.html),
"Terra em Transe" apresenta uma "temática forte, e cortes e planos inovadores de
filmagem, choca e apaixona".

Uma censura maior que a fome...

Apesar da censura, e de vários processos se avolumando no Departamento


responsável, o cinema novo insistia com as manifestações artísticas e produções de filmes.
A partir de 1967 o Brasil passa por um momento de conflitos entre o Governo, os
estudantes, artistas e intelectuais.
Nesse mesmo período a “guerra” entre os produtores e o Departamento de Censura
havia diminuído. Agora os produtores tentavam ajustar-se a situação política, colocando as
mensagens nas entrelinhas. Em função disso notava-se que o movimento se tornava
disperso.
Nesse momento Leon Hirszman produzia Garota de Ipanema, a primeira
superprodução do cinema novo, tendo o envolvimento de uma grande equipe de
profissionais. O filme, que tratava da vida da “Cinderela frustrada” não teve uma boa
aceitação da critica. Ao redor desse filme destacou-se a frustração de um outro que tinha
tudo para ser bom, mas que foi um fracasso de público. “Garota de Ipanema” foi
considerado indício da superação da fase inicial do cinema novo, que passava a ir atrás do
grande público, com grandes produções como os filmes do exterior e não apenas da
qualidade.
Enquanto Garota de Ipanema ocupava algumas salas de cinema, Paulo César
Saraceni dedicava-se à gravação de Capitu, personagens do livro Dom Casmurro, período
de 1865 a 1872. Além de se preocupar com a censura em Capitu, Saraceni também
apontava o ideal mercadológico do momento, já que foi o primeiro filme do cineasta feito
na intenção de atingir 100 mil espectadores.
Os dois filmes são de grande valor documental. Garota de Ipanema, de Leon
Hirszman, apresenta uma visão cinematográfica de comportamento, moda e expressão da
época, além de ser um inventário do mundo artístico, em especial dos músicos, e
intelectual do Rio de Janeiro. O autor procurava mostrar o Brasil de um ângulo onde ele
não era subdesenvolvido e sim privilegiado. Em Capitu, César Saraceni explicitava a
intenção de abordar o problema humano, social, político de uma época, ou de um lugar
através dos personagens. Assim como fez em seus trabalhos anteriores, dessa vez
mantendo a atenção no triângulo amoroso Capitu-Bentinho-Escobar. O autor vê em Capitu
o anúncio das mudanças de comportamentos e valores que emergiram na década de 1960.
Capitu apesar de narrar uma história do passado, consegue expressar as angústias do tempo
em que foi produzido. Tanto Capitu, como Garota de Ipanema expressam a mudança de
direção imposta pela política ao cinema novo.
E da fome fez-se alegoria...

A necessidade de camuflar as idéias dos filmes, esboçadas em Capitu e Garota de


Ipanema, se intensifica com a instauração do AI-5, que acaba com o congresso nacional e a
constituição, declarando a ditadura explicita.
Essa mudança política aberta aumentou as restrições existentes para as principais
produções artísticas. Filmes como: “O dragão da maldade contra o santo guerreiro”, que
estava em fase de mixagem, além de Macunaíma, Memória de Helena e Os herdeiros,
apontam uma segunda etapa do movimento, já que tiveram que sofrer adaptações devido
ao regime de censura maior ainda. Esses, voltados para auto-reflexão e sob a perspectiva
de uma geração que acreditou num processo revolucionário de mudança no país,
necessitando também driblar censura, para exibir os filmes produzidos. Considerado pelo
próprio diretor como um filme de aventura, “O dragão da maldade contra o santo
guerreiro” não foi censurado como o mesmo já supunha, ganhando no exterior o prêmio de
melhor direção. O que ajudou na recepção da crítica e do público brasileiros.
Já “Os herdeiros”, que substitui o titulo proibido, “O brado retumbante”, de Carlos
Diegues, que pretendia ser um filme histórico apresentando os principais acontecimentos
políticos de 1930 a 1960, mostrava desde a mudança de um pais agrário para um
industrializado, até o golpe militar de 1964. Inicialmente o filme foi proibido pela censura,
mas foi liberado em agosto de 1969, sua exibição no país, porém, ocorreria apenas em
maio de 1970. Diferentemente, Joaquim Pedro de Andrade usa da literatura para apresentar
a realidade brasileira. Usando o livro de Mario de Andrade, ele adapta de forma brilhante o
livro Macunaíma, transformando o mesmo no filme de maior sucesso do cinema novo. Em
Memória de Helena, de David Neves é apresentado uma “reconstrução” da história de uma
jovem que se suicida por não se encaixar nos padrões rígidos e hipócritas da sociedade.
Com uma constante troca de idéias o Cinema Novo encerra agora a sua fase juvenil,
idealista, transgressora e acima de tudo, produtiva para a cultura brasileira.

Da fome ao sonho

A trajetória dos últimos filmes do cinema novo exprime-se em outro trecho de


Glauber Rocha chamado de “estética do sonho”. Apresentando nele a sua consciência
sobre as mudanças políticas e mentais ocorridas na década de 1960. Nesse momento
Glauber recusa a estética da fome, e como para ele a razão não podia mais ser o parâmetro
para uma obra de arte revolucionária, defendia “a mágica capaz de enfeitiçar o homem a
ponto de que ele não mais suporte viver nessa realidade absurda”. Por isso abandona a
estética da fome, e muda para a do sonho considerado o “único direito que não se pode
proibir”.
A não-superação da estética da fome, portanto deveria acontecer pela estética do
sonho, e as produções seguintes dos criadores do cinema novo confirmam essa idéia. Na
busca de outros modos de alcançar seus objetivos, a liberdade do artista seria o objetivo
mais precioso. E nos anos entre 1959 e 1974, momento de maior repressão por parte da
ditadura, os cinemanovistas dispersavam-se, cada um tentando filmar a sua maneira.
“A revolução é uma mágica, por que é um imprevisto dentro da razão dominadora”.

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