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A cidadania

Sua complexidade teórica e o Direito

JOSÉ RIBAS VIEIRA

SUMÁRIO

1. Introdução. 2. Discussões sobre a cidadania.


3. Constituição, democracia e cidadania. 4.
Conclusão.

1. Introdução
O debate sobre a categoria cidadania é
estratégico para uma sociedade como a brasi-
leira marcada nos dias atuais por um agudo
processo de desigualdade social e, por conse-
qüência, de exclusão social. Dessa forma, tal
categoria abre margem para enquadrar, por
exemplo, a importância de atores políticos do
nível dos movimentos sociais com o objetivo
de operar as mudanças necessárias na estrutura
de nossa sociedade.
Não podemos esquecer, também, o fato de
que a categoria cidadania está, hoje, incluída
dentro dos mecanismos de proteção constitu-
cional1.
Esses dois aspectos demonstram a necessi-
dade de que a importância da concepção teórica
da cidadania para a presente realidade social,
em particular a brasileira, cresce, ainda mais,
se pudermos perceber a sua interface com a
ordem jurídica no sentido de efetivar as insti-
tucionalizações das reformas político-econômicas
José Ribas Vieira é Professor titular de Teoria tão necessárias entre nós.
do Direito e Direito Constitucional da “Universidade
1
Federal Fluminense” (UFF), Professor Associado da Vide o artigo de Peter Häberle, la jurisdicción
“Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro” constitucional en iberoamericana. Dykinson, [s. l.] :
(PUC-RIO) – e Professor Adjunto de Teoria do 1997 : El recerso de amparo en el sistema germano-
Estado da “Universidade Federal do Rio de Janeiro” federal. Na página 256, Häberle acentua como o
(UFRJ). Tribunal Constitucional alemão atua como uma
“corte cidadã” ao decidir recurso constitucional
Trabalho apresentado no “Seminário sobre o previsto no artigo 93. 4a da Lei Fundamental de 1949
Espaço Público” promovido pelo Departamento de ao facultar a qualquer cidadão, esgotados outros
Direito da PUC-RIO, em 29 de agosto de 1997. meios judiciais, a proteção de direitos fundamentais.
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Sobressalta-nos, ainda, uma inquietação Trata-se o embate entre uma concepção mais
tendo como perspectiva qual o quadro teórico de “status legal” (direitos) contra uma perspec-
a respeito de cidadania que poderia ser adotado. tiva de um ideal normativo de deveres cívicos4.
Há, desse modo, o trabalho referencial sobre Por meio da análise de Michael Walzer5, é
essa noção elaborada por T. H. Marshall2. Esse possível apreender outros aspectos importantes
autor traça os pontos clássicos para a compre- desses contrastes das leituras liberais e comu-
ensão do universo da cidadania por meio de nitárias acerca da cidadania. Walzer indica,
uma trajetória histórica lastreada no contexto nesse raciocínio, os legados greco-romanos para
anglo-saxônico. Percebem-se, dessa forma, as uma concepção de dever cívico para a cidadania.
transformações operadas principalmente no Em contrapartida esse filósofo norte-americano
campo dos direitos civis e como seu impulso vê a compreensão liberal na fonte situada na
tornou possível a construção de uma sociedade Roma ulterior do tempo do Império e nas
com maior igualdade jurídica. reflexões modernas de Direito Romano. O autor
Concebido nesses parâmetros, o perfil teó- da obra clássica Spheres of Justice delineia,
rico da cidadania, não pode ser esquecida a ainda, como a visão rousseauniana e o período
noção de que a categoria estudada por nós apre- jacobino da Revolução Francesa consolidaram
senta, também, uma sinonímia com a partici- para os teóricos comunitários (os republicanos
pação política. Tal tradução ganhou bastante cívicos) a idéia da maior felicidade na proporção
espaço, notadamente na literatura social brasi- do envolvimento na atividade pública. Em
leira. Assim, encontramos os trabalhos seminais síntese, para Walzer, a cidadania comunitária
de Wanderley Guilherme dos Santos3. Sua é uma responsabilidade e, por conseqüência,
contribuição culmina com o conceito de cida- um encargo orgulhosamente assumido. Em
dania regulada para contextualizar o processo relação à visão liberal, a cidadania é um
social brasileiro ao apontar que sua definição conjunto de direitos da qual se integra de forma
está norteada, não em um código de valores passiva. Numa, demanda a nossa concepção de
políticos, e sim num sistema de estratificação vida, e noutra está localizada numa esfera
ocupacional. exterior. Pressupõe-se, assim, duas distinções:
É fácil constatar que esses encaminhamentos uma da homogeneidade social e outra simboliza
teóricos não mais balizam as exigências da um processo mais difuso. Apesar dessas dife-
sociedade contemporânea cortada por uma renciações, Walzer opta por uma postura socia-
profunda dinâmica de democratização e da lista em detrimento desse conflito entre liberais
necessidade de nuclear uma idéia de ação polí- e comunitários.
tica direcionada. Em conseqüência, depara-se, Dentro desse conjunto mais vinculado à
hoje, a vinculação orgânica de cidadania com ação política do indivíduo, não pode ser omitida
as categorias de espaço público e de virtude a contribuição de Hannah Arendt. A presença
cívica. de Arendt para o debate da cidadania é, atual-
mente, redesenhada devido à temática da iden-
2. Discussões sobre a cidadania tidade cultural. Desse modo, a cidadania
Visualizamos, no debate presente, sobre a significa um “pertencer”a uma comunidade. A
categoria cidadania dois conjuntos de reflexão leitura dessa arguta pensadora deste século traz
teórica, a saber: um articulado mais no campo importantes pontos de contraste no debate
do indivíduo; e outro modelado mais explici- contemporâneo da construção da identidade
tamente ao conceito de democracia. cultural. Há, desse modo, para autora, em rea-
Em relação ao indivíduo, é no quadro do lidade, uma permanente contradição das duas
conflito entre liberais e comunitários (republi- ordens de existência diferentes, nas quais o
canos) que podemos adensar alguns traços mais indivíduo integra, a saber: numa que lhe é
recentes sobre os fundamentos da cidadania.
4
Vide o verbete citzenship in : HONDERICH,
2
Vide MARSHALL, T. H. Cidadania, classe Ted (org.). The Oxford : companion to philosophy
social e status. Rio de Janeiro : Zahar, 1967. cap. 3. Oxford : Oxford University Press, 1995. p. 135-136
3
SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Ordem e BERTEN, André et al. Libéraux et communau-
burguesa e liberalismo político. São Paulo : Duas tariens. Paris : PUF, 1996.
5
Cidades, 1978 e, também, MOISÉS, José Álvaro. O resumo exposto por nós sustentou-se no
Cidadania e Participação : ensaio sobre o plebiscito, artigo elaborado por Michael Walzer sobre título
o referendo e a iniciativa popular na nova Consti- Communauté, citoyenneté et jouissance des droits.
tuição. São Paulo : Marca Zero, 1990. Esprit, n. 122, p. 121, maio/abr. 1997.
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própria, e noutra que é comum aos seus pares. definida de espaço público como mecanismo
Nessa direção, o “bem público”, da qual se procedimental para a construção dessa forma
inquietam os cidadãos, é, realmente, o “bem política. Habermas é, nesse nível, um crítico
comum”no sentido de estar no mundo sem ele pertinaz da colonização do mundo da vida pelas
(o indivíduo) possuir 6. Registre-se, o que políticas administrativo-sociais de Estado de
qualifica o espaço público da cidadania é uma Bem-Estar Social. No seu importante artigo
ação política própria e consertada. Soberania popular como procedimento8, ao
Cabe agora examinar o universo da cida- questionar o esvaziamento do processo demo-
dania sob a perspectiva de um processo demo- crático-representativo, defende não uma volta
crático em que encontramos as contribuições ao passado, mas, sim, a materialização de uma
de Chantal Mouffe e de Habermas. A de Chantal nova dinâmica por meio de um discurso comu-
Mouffe vem com a marca de uma busca de uma nicativo. Com esse objetivo, Habermas redis-
democracia radical. Essa estudiosa francesa cute os legados do liberalismo e do socialismo.
procura estabelecer um diálogo que consiga Quanto ao liberalismo, acentua a possibilidade
superar a dicotomia entre a modernidade e pós- por meio de um contexto discursivo de garantir
modernidade. Assim, a sua concepção de as diferenças. Em relação ao socialismo, visua-
modernidade opõe-se a uma perspectiva de liza a riqueza do anarquismo ao defender a
firmar, por exemplo, exclusivamente valores relevância para o processo político das asso-
que a integram, fruto do Iluminismo do final ciacões. Habermas rejeita, também, que o
do século XVIII. Chantal Mouffe reconhece procedimento democrático permita a existência
como grande parâmetro da modernidade a de um saber intelectual condutor. O filósofo
revolução democrática antevista por Claude alemão abre o caminho para a trajetória de duas
Lefort. Por meio do seguinte trecho, de autoria formas de democracia nas quais podemos
de Chantal Mouffe, podemos sintetizar o seu distinguir a presença da cidadania, a saber:
pensamento: modelo de sitiamento – implica que a
“Em efeito, vê-se a revolução demo- “fortificação política” é sitiada à medida que
crática, tal qual ela é apresentada por os cidadãos, por intermédio de discursos
Lefort, como sendo o que caracteriza a públicos, tentam influenciar, sem intenções de
modernidade; ele é claro no que se conquista, os processos de julgamento e de
designa, hoje, como a pós-modernidade decisão;
em filosofia é, de fato, somente o reco- modelo de eclusa – para que os cidadãos
nhecimento dessa impossibilidade de possam exercer influência sobre o centro, isto
achar um fundamento último e uma é, parlamento, tribunais e administração; os
legitimação por trás que é constitutivo influxos comunicativos vindos da periferia têm
de acontecimento mesmo da forma que ultrapassar as eclusas dos procedimentos
democrática da sociedade e, daí, pela democráticos e do Estado constitucional9.
modernidade”7. Vale registrar que Habermas opta pelo
Na outra ponta do conjunto democrático a modelo por eclusa na medida em que reconhece
respeito da cidadania está a contribuição a sua perspectiva como sitiamento bastante
habermasiana. O objetivo de Jürgen Habermas derrotista pela seguinte razão:
é viabilizar, também, essa concepção de demo- “Uma dose de formação democrática
cracia radical por meio de uma noção bem da vontade tem então de migrar para
6
Vide TASSIN, Étienne. Qu’est-ce qu’un sujet dentro da própria administração; o Judi-
politique? : remarques sur les notions d’identité et ciário, por sua vez, que implementa o
d’action. Esprit, op. cit., especialmente, p. 144. E, direito, tem que se justificar diante de
também, é importante, a leitura de Seyla Benhabib, foros ampliados da crítica jurídica. Nesse
Models y public space : Hannah Arendt, the liberal sentido, o modelo das eclusas conta com
tradition, and Jürgen Habermas. CALLOUM, Craig.
(Org.). In : Habermas and the public Sphere. Cam- 8
HABERMAS, Jürgem. Soberania popular
bridge : The Mit Press, 1993. p. 73, 98. como procedimento. Novos Estudos Cebrap, n. 26,
7
MOUFFE, Chantal. Le politique et ses enjeux : p. 100-113, mar. 1990.
9
Pour une démocratie plurielle. Mauss : Paris Éditions Uma conversa sobre questões da Teoria Polí-
la Dé ceuverte, 1994. p. 30 e a obra organizada pela tica : entrevista com Jürgen Habermas a Mikael Car-
mencionada autora, Dimensions of Radical Demo- lekedem e René Gabriels. Novos Estudos Cebrap,
cracy : pluralism, citizenship, community. Londres : n. 47, p. 85-102, mar. 1997. Os modelos citados
Verso, 1992. Recherches. constam da p. 87.
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uma democratização mais abrangente a presença de vários desses entes legítimos
que o modelo do sitiamento”10. participando da Jurisdição constitucional,
Fixamos, então, que o quadro teórico mais traduz um verdadeiro processo público. Ela tem
questionador e completo para enfrentar os por conseqüência uma dupla interface: estru-
desafios da cidadania nos dias atuais é essa tura ao mesmo tempo o Estado, como também
elaboração habermasiana de espaço público. E a própria esfera pública. Häberle rejeita a
mais ainda. Por meio do autor da Teoria da possibilidade de tratar as forças sociais como
Ação Comunicativa acreditamos que é possível meros objetos. Deve haver uma integração ativa
estabelecer um profundo diálogo com a ordem delas como sujeito. Entretanto, Häberle cai no
jurídica. Foi no campo do Direito Constitucional mesmo dilema da concretização constitucional
que mais avançou um debate pertinente a essa ao privilegiar o saber especializado por meio
articulação de democracia e cidadania. de uma teoria constitucional:
“É verdade que o processo político é
um processo de comunicação de todos
3. Constituição, democracia e cidadania para com todos, no qual a teoria consti-
Exemplificando pelo Direito Constitucional tucional deve tentar ser ouvida, encon-
alemão após os anos 20 deste século, seu centro trando um espaço próprio e assumindo
de análise foi da concretização das normas sua função enquanto instância crítica.
constitucionais. Estudaram-se, assim, os Porém, a ausência ëin Zuwening da aca-
mecanismos da efetividade do conteúdo das demical self restraint pode levar a uma
constituições. Coube à interpretação constitu- perda da autoridade. A teoria constitu-
cional (via hermenêutica) um lugar central cional democrática aqui enunciada tem
nesse debate. Não podemos esquecer a presença também uma peculiar responsabilidade
do intérprete como um filtro nesse procedimento. para a sociedade aberta dos intérpretes
Devemos agregar as observações críticas, já da Constituição”12.
mencionadas por nós, de Habermas para o No Brasil, pela notícia publicada no jornal
perigo de qualquer saber especializado dentro Folha de São Paulo de 9 de abril de 1997,
do procedimento democrático. Contra essa informa-se que o Poder Executivo enviou ao
postura diferenciada entre os intérpretes cons- Congresso Nacional projeto de lei disciplinando
titucionais, insurge, nos últimos vinte anos, a o processo e julgamento de ação declaratória
figura de Peter Häberle11. Esse jurista alemão de constitucionalidade. Nesse referido projeto,
visualiza que há, na verdade, um espectro mais é apontada, pela primeira vez entre nós, a
amplo de participantes nessa concretização possiblidade de uma maior participação da
constitucional (via interpretação). Pois esta sociedade civil na jurisdição constitucional por
resulta de uma sociedade aberta caracterizada meio do artigo 29, § 2º que dispõe:
pelo pluralismo da participação e, ao mesmo “Art. 29. Segundo os titulares do
tempo, ocorre um mecanismo dialético ao direito de propositura referidos no art.
resultar um elemento formador e constituinte
103 da Constituição, poderão manifes-
dessa própria sociedade. Desse modo, o
processo interpretativo resulta de todas as forças tar-se, por escrito, sobre a questão cons-
sociais da comunidade política. Häberle aponta, titucional objeto da apreciação pelo órgão
por exemplo, que o cidadão é legítimo para especial ou pelo plano do Tribunal, no
propor um recurso constitucional, como é pre- prazo fixado em Regimento, sendo-lhes
visto pela Lei Fundamental de 1949 (art. 93, assegurado o direito de apresentar
4a), após o esgotamento de todas as medidas memoriais ou de pedir a juntada de
judiciais protetoras de lesão judicial de Direito documentos” (o grifo é nosso).
Fundamental. Assim, segundo esse jurista, com É na noção de espaço público habermasiano
que encontraremos elementos para questionar
10
Ibidem. as categorias de sociedade aberta/constituição
11
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitu- propostas por Häberle. Frontalmente, coloca-se
cional : a sociedade aberta dos intérpretes da Cons- o pensador alemão contra o papel a ser desem-
tituição : contribuição para a interpretação pluralista penhado pelo Tribunal Constitucional como um
e “procedimental” da Constituição. Porto Alegre : filtro de todas as forças sociais intérpretes da
S. A. Fabris, 1997. As passagens de Häberle contidas Constituição, ao afirmar:
no trabalho foram extraídas desse livro. Vide, “A corte não pode assumir o papel
também, Retos actuales del estado constitucional.
12
Oñati : IVAP, 1996. Ibidem, p. 55.
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de um regente que assume o lugar de um Assim, esse jurista alemão adverte o perigo
sucessor menor ao trono. Sob um olhar da atuação da Tribuna Constitucional resvalar
crítico de uma robusta esfera pública para uma situação de abandono de “pluralismo
legal – uma cidadania que tem crescido de interesses”.
para tornar-se uma ‘comunidade de
intérpretes constitucionais’ – uma corte 4. Conclusão
constitucional pode, na melhor das
hipóteses, exercer o papel de tutor13”. A análise de determinadas leituras demons-
Habermas fulmina, ao lembrar a discussão trou a complexidade e o aprofundamento do
da lei do aborto na Alemanha, o fato de que “O debate sobre a cidadania além dos limites das
Tribunal Constitucional desempenha um papel contribuições (apesar de ainda serem pontos de
infeliz ao exercer funções de legislador para- referências teóricas) delineadas por T. H.
lelo”. Cabe para esse filósofo alemão não uma Marshall ou a sua redução a um mero núcleo
competência desse órgão de exame da consti- de participação política. Vimos, quer por meio
tucionalidade de arvorar-se num intérprete de de privilegiar o indivíduo como sujeito político,
ordem concreta de valores da constituição. E quer por meio da intersubjetividade esboçada
sim, apenas esse aspecto, sublinha de forma no processo comunicativo, que há, na verdade,
exata Habermas, seria uma atribuição do Tri- nas novas discussões em torno da categoria de
bunal Constitucional zelar somente pelo surgi- cidadania, um interesse na compreenção de
mento democrático do direito. Isto é, se foram uma ação política bem direcionada e explicita-
cumpridas todas as exigências normativas do mente ativa. Não se pode esquecer, ainda, o
processo democrático de legislar14. Arremata que vincula todo esse novo universo teórico é
ainda o autor de Between Facts and Norms que seu profundo compromisso de viabilizar (por
a razão não pode estar centrada numa autori- meio de uma ação política) uma estrutura
dade estranha, residindo em algum lugar além democrática. Destacamos, nesse quadro, a
da comunicação política15. presença fundamental dos estudos de Jürgem
É importante lembrar que o próprio Häberle Habermas por intermédio do espaço público e
está consciente de outras restrições no tocante de uma perspectiva procedimental do campo
à própria legitimidade da Jurisdição Constitu- democrático. Centramos, por conseqüência,
cional na Alemanha ao apontar:
suas reflexões para demarcar as fronteiras da
“Agora bem, a forte articulação da
relação da cidadania com o Direito. Apontou-se,
ética e com a opinião pública burguesa
dessa forma, que se Härbele abre as portas para
(cidadã) do controle jurisdicional da
a participação necessária da sociedade no
Constituição (especialmente no que
desenho constitucional, de outro modo, ele, na
respeita ao recurso constitucional), sua
capacidade de identificação na relação verdade, como aponta Habermas, perfila por
cidadão-Constituição e, com isso, sua meio da teoria constitucional/tribunal consti-
participação da construção de uma tucional uma postura de um certo fechamento
cultura política, ocultam também um de uma participação de uma sociedade aberta
aspecto negativo; o Controle Jurisdicional no exame das normas da constituição.
da Constitucional da Lei Fundamental Julgamos também relevante que esse todo
pode induzir também, a uma descon- conjunto teórico seja essencial para a transição
fiança política contra a democracia e a das leituras de cidadania no Brasil. De uma
uma confiança desproporcional na Juris- sociedade que foi fundamentada por uma cida-
prudência”16. dania regulada (W. Guilherme dos Santos) sem
o “lastro de políticos” passando por uma
13
HABERMAS, Jürgen. Between facts and ruptura, nos dias de hoje, pela atuação dos
norms : contributions to a discourse theory of law movimentos sociais, corra um risco. Risco esse
and democracy.Cambridge : The Mit Press, 1996. que ao enaltecer o discurso do Judiciário como
Cap. 6, p. 280.
14
HABERMAS. Entrevista. Op. cit., p. 100. Germany em The global expansion of Judicial
15
HABERMAS. Between Facts and Norms. p. power. New York : New York University Press, 1996,
285. examina o perigo da presença da força dos partidos
políticos na jurisdição constitucional alemã. Häberle
16
HÄBERLE. El recurso de amparo. Op. cit., é, também, atento com a injunção dos partidos polí-
p. 254. Aliás, o artigo escrito por Christine Landfried, ticos no Tribunal Constitucional alemão.
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elemento e intérprete das garantias dos direitos materializada de modo emblemático pelo
fundamentais e da própria cidadania, possamos Supremo Tribunal Federal. Sem dúvida
estar, por via do papel atribuído aos juízes, entre nenhuma, cremos que essa é a maior conclusão
nós, substituindo uma forma de cidadania a ser extraída dessas observações esboçadas a
regulada por meio de corporações por outra partir do atual debate articulado no quadro da
marcada pela função de tutor como é, hoje, cidadania.

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