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O Vídeo Educativo: subsídios para a leitura crítica de

documentários
Geraldo A. Lobato Franco∗

Índice foram produzidos, ao mesmo tempo em que


documentários e cursos filmados eram pre-
1 Introdução . . . . . . . . . . . . . 1 parados, não só para aumentar o moral das
2 Para a leitura crítica de vídeo- tropas, como para ensinar diversos assuntos,
documentários . . . . . . . . . . . 2 entre outros, estratégias de combate, e uso,
3 Conclusão . . . . . . . . . . . . . 5 operação e manutenção de equipamentos e
armamentos com alto poder tecnológico em-
1 Introdução butido.
Desde aquela época os documentários fi-
Os documentários são apresentações cujo su- caram um pouco esquecidos, até quando, já
porte em filme ou em vídeo, são construídos nos anos cinqüenta, houve a necessidade de
para fins de transferência ampla ou restrita de se formar e informar rapidamente numero-
conhecimentos sobre determinados assuntos, sas populações das grandes universidades e
geralmente culturais, científicos ou técnicos. escolas secundárias, como também entreter
A transferência é considerada ampla quando a nova audiência televisiva noturna. Mos-
o tema é longamente explorado em diver- travam nas telas e telinhas não só simples
sos programas seriados, ou restrita, quando experiências de laboratório como os recen-
o tema é explorado, sem maiores detalhes, tes avanços da tecnologia norte-americana.
em um ou dois programas no máximo, vale Esses documentários eram preparados ou em
dizer, em uma ou duas horas, aproximada- laboratórios de cinema universitários ou pela
mente. própria indústria do cinema, e a sua utili-
Como apresentação fílmica os documentá- zação cingia-se ou as comunidades acadê-
rios foram muito comuns durante a Segunda micas locais, ou a emissoras e redes de TV
Guerra Mundial, quando as tropas aliadas, relativamente restritas em tamanho e potên-
em particular as norte-americanas, tiveram cia de transmissão. Entretanto, viam-se não
de ser treinadas rapidamente para lutar nos só cursos universitários de física, matemá-
fronts inimigos. Lutou-se a guerra também tica, biologia e química, como programas so-
no front da indústria do cinema, onde diver- bre a corrida para a fabricação bem sucedida
sos filmes para o entretenimento das tropas de foguetes, agricultura e urbanismo, enfim,

Professor Universitário e Consultor em Tecnolo-
gias Educacionais
2 Geraldo Franco

uma miríade de temas e assuntos científicos assunto, fruto da observação e do presenciar


e tecnológicos. diário de programações da PBS - Public Bro-
Mais tarde, nos anos setenta, com o desen- adcasting System, a maior agência de pro-
volvimento do vídeo-teipe e vídeo-cassete, dução e distribuição de vídeo-documentários
os documentários se tornaram mais sofisti- existente.
cados e com isto mais populares, especial-
mente ao serem produzidos pelos estúdios
2 Para a leitura crítica de
das emissoras de televisão educativa norte-
americanas, inglesas, alemãs e francesas, vídeo-documentários
que eram dirigidos para tal finalidade por se- A leitura crítica de vídeo ou tele-
rem tecnicamente melhor aparelhados. documentários depende exclusivamente
Para que se tenha idéia do desenvolvi- da percepção e do entendimento do fator
mento do estado da arte, Frank Capra, dire- qualitativo que lhes seja atribuído. No vídeo
tor de cinema norte-americano, quando en- educativo, na elaboração de documentários
trevistado, afirmava que a produção da Tele- televisados e na sua apresentação, exige-se o
visão Educativa (PBS) e das emissoras dessa fator qualidade em sua enésima potência.
rede norte-americana, responsáveis por fil- Mas, que qualidade vem a ser essa? Por
mes e documentários educativos, didáticos quê essa exigência tão estrita?
e de entretenimento, de curta e média me- De fato, tratam-se de qualidades, no plu-
tragens (vale dizer de 40 a 55 minutos), e ral. Qualidades que se enlaçam numa fina
em geral de cunho científico-culturais, estava e delicada trama, porem consistente às exi-
naquele momento (fins dos anos setenta) no gências mercadológicas que o produto impõe
processo de saltar qualitativa e quantitativa- aos seus fabricantes, e que culmina com a
mente, de modo apreciável. Foi o que de fato apresentação do programa ou em broadcas-
aconteceu. ting ou em circuito fechado. Este produto
A arte do documentário das Tvs Educa- final, possui centenas de horas de planeja-
tivas cresceu neste ambiente e no momento mento, preparação e execução, que aí se re-
em que nos países primeiro mundistas as fletem, culminando com a apreciação e reco-
audiências se segmentavam entre o show- nhecimento da audiência.
business e uma televisão voltada à cultura de Com o desenvolvimento das tecnologias
diversas nações e ao saber da humanidade. eletrônicas e das técnicas de operação de
Passadas mais de duas décadas, somados equipamentos de pré e pós-produção, de gra-
os conhecimentos adquiridos e as experi- vação, enfim, de tudo que se faça neces-
ências realizadas, acumulados know-how e sário para que o produto final se torne ex-
know-what, o como e o quê fazer dos docu- traordinariamente bom em termos de quali-
mentários, quais seriam as lições que se po- dade física e de conteúdo, ocorre que os do-
dem tirar, para se conceber uma programa- cumentários tenham avançado, desde a sua
ção consistente, sobretudo consciente e res- concepção fundamental de ferramenta de en-
ponsável pela missão educativa a ser cum- sino, conforme originariamente pensado, até
prida?
Seguem-se algumas reflexões sobre esse

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se tornarem uma fonte de aprendizado pra- ente e eficaz em termos de transmissão de


zeroso, conforme hoje se apresenta. informações, além do já mencionado valor
Com semelhantes avanços a mensagem estético. Tanto tecnologia quanto técnica se
tem se tornado mais cristalina, apesar do colocaram inteiramente à serviço desse en-
obstáculo maior, qual seja, a baixa defini- contro não fortuito do lazer com o aprender.
ção da televisão. Por isso, a tecnologia sem- Como em geral a apresentação de tele-
pre aliada a técnica tem sempre se colocado documentários é realizada em broadcasting,
à disposição do conteúdo das mensagens. o fenômeno do LDTV- Low Definition Te-
Aquilo que vai ser videografado é objeto de levision - televisão de baixa definição, tem
um planejamento e execução preciso e com- por regra geral que todas as violações de
plexo, de modo que a compreensão e a reten- ruído devam ser evitadas, exceto se parte in-
ção da mensagem por parte do público alvo tegrante do script ou roteiro. Essa regra per-
se realize com um mínimo de esforço. O pú- mite que se evitem alterações no ritmo de
blico, composto de todas as faixas etárias, apresentação, seja ele mais ou menos vaga-
possui algo em comum: a motivação, o inte- roso, mais ou menos detalhado, ou sonori-
resse, e sobretudo a curiosidade, todos, como zado desta ou daquela forma. Com isto se
se sabe, elementos primordiais do aprendi- concede ao material a ser visto uma sintaxe
zado. que poderá ser tanto oculta como subenten-
Os vídeo-documentários estão dirigidos a dida, dependendo de como a direção entenda
estudantes, donas de casa, aposentados, a o conteúdo e quanto deverá ser enfático para
uma multidão de pessoas que buscam o la- deixar um assunto transparente.
zer que acompanha, indissoluvelmente, o ato Vale a pena lembrar que todo este apa-
de aprender. É um lazer sadio que acontece rato tem por finalidade prender a atenção da
em geral nas próprias residências do público- audiência, fazendo com que ela se identifi-
alvo, e que transmite mensagens cujo con- que com o programa. Também se presume
teúdo seja rico em novas idéias, em conhe- que ela esteja confortavelmente instalada em
cimentos excitantes, ambos fatores direta- suas residências e assistindo ao documentá-
mente relacionados com o ato de aprender. A rio que geralmente é veiculado entre as l9
imagem sonorizada facilita semelhante situ- e 22 horas. Nada seria de estranhar se esta
ação, por tornar a telinha cheia pregnant por audiência acusasse cansaço, o que poderia
ser bonita, bem acabada e de fácil entender, ser facilmente confundido com bem estar ge-
tanto agradável esteticamente, quanto com- rado, guardadas as referidas circunstâncias.
petente em termos racionais de passagem de O documentário visto em ambientes de tra-
novos e importantes, quase sempre, inéditos balho ou de estudo oferece outras reações de
conhecimentos. sua audiências, variáveis de acordo com os
Com esta especialização de fazer bem este costumes locais de salas de aula ou de outros
tipo de arte, aos poucos as metáforas visu- tipos de ambiente assemelhados.
ais e sonoras, de mais rudes foram ressur- Assim, passa a existir o mito de que docu-
gindo mais sutis, na medida em que o texto mentários são, por sua natureza, cansativos
lido ou a sonorização musicada criavam com e induzem ao sono, e que, por isso, se apre-
a imagem um blend uma combinação efici- sentados em sala de aula, deveriam ser seg-

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mentados a cada l5-20 minutos. Este mito entretenimento, devem ser efetivados? Este
nasce do fato que pouco se tem pesquisado, é um dos segredos do negócio. O documen-
portanto desconhecido, que as platéias pouco tário fixa este paradoxo e dele se utiliza para
ou nada reagem frente a uma novidade, ou a fins pedagógicos. O paradoxo e a sua explo-
uma dosagem de conhecimentos novos pas- ração, cada vez mais precisa, encerra a maior
sados em ambiente de LDTV. virtude do documentário, que, como gênero
Acredita-se que o público alvo não possa artístico novo, acredita e aposta na passa-
sequer reagir a uma verdadeira avalanche de gem de conhecimentos pelas vias mais sutis
novos conceitos, conhecimentos, ou fatos. do prazer estético, sem que ninguém se dê
Entretanto, contrariamente, a riqueza des- conta de que esteja, paralelamente, sendo en-
ses fatores está no cerne e é primordial aos volvido num processo de aprendizagem. O
tele-documentários. A sua audiência estará entretenimento, quando a audiência nele se
pronta para decodificar a mensagem, ou seja, identifica, torna-se auto-conhecimento. Es-
colocar toda “a sua energia a serviço da de- tas são as qualidades primordiais do tele-
codificação, o que significa atividade e parti- documentário educativo.
cipação” caso ela se identifique e se envolva Ademais, a produção seriada cuja temá-
com o programa.1 tica possa ser retomada semanalmente, du-
Mas o cansaço poderia se dar, por não se rante um período determinado (geralmente a
poder reagir prontamente ou por uma impo- estação do ano, conforme a tradição norte-
tência latente? Ou, na verdade, nada disso americana), concede ao programa ainda ou-
acontece? Semelhantes preocupações serão tras qualidades. A variedade e a diversidade,
objeto de futuros estudos mais detalhados a refletem a riqueza indispensável para garan-
serem realizados. tir a audiência, para que ela retorne assidua-
É bem verdade que os documentários pro- mente, na semana seguinte. Este é um fenô-
curem evitar ao máximo a perturbação das meno eminentemente participativo e que de-
audiências com atividades sonoras atípicas monstra com naturalidade o tipo de compe-
ou dissonantes à sintaxe definida, ou com titividade existente entre as diversas redes e
imagens ou fenômenos aestéticos, como os canais de TV disponíveis num horário deter-
logotipos persistentes, desde há muito bani- minado. Ganha audiência, em tese, o pro-
dos da telinha, pois atrapalham a sua visuali- grama que tiver melhor qualidade.
zação, exceto se por uns rápidos segundos, Consta que tal efeito reprodutivo e repe-
ou ainda, muitos outros defeitos e efeitos, titivo seja muito bem recebido por parte do
como já se disse, a menos que façam parte público e dos produtores. Cerca de l40 pro-
do script ou roteiro. jetos de programa são enviados anualmente à
Mas, até que ponto se transferem infor- CPB - Corporation for Public Broadcasting
mações, quando se está, também entretendo - Corporação para broadcasting público, uma
uma audiência? Ou será ao contrário? Em espécie de organização guarda-chuvas da TV
que medidas um e outro, informação versus pública norte-americana, dos quais somente
1
30 ou 40 são aprovados para financiamento
MACHADO, A. A arte do vídeo, São Paulo, Bra-
siliense, 1995, p. 61. por ano.
A pauta de finanças que a CPB participa

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como facilitadora de entrada de insumos ex- bém não é exageradamente complexa. Re-
ternos e remanejadora dos mesmos, sejam quer de todos os atores dedicação, decisão
eles grants, doações ou participações de pa- e disciplina, bem como doses espantosas de
trocinadores, raramente se tornam contra os talento em sua completa realização. Parale-
ideais de produção de programas qualitativa- lamente, existe uma responsabilidade contá-
mente elevados e politicamente corretos. To- bil, a famosa accountability palavra que en-
dos estes patrocinadores estão comprometi- cobre muitas acepções. Por isso, o sistema
dos em manter-se totalmente alheios ao pro- tem funcionado muito bem, desde o fim dos
cesso de produção e distribuição finais, até anos setenta, e tudo indica que assim irá con-
mesmo quando assuntos mais delicados são tinuar.
tratados. São, na verdade, sócios e não pa-
trocinadores de programas, e assim são re-
3 Conclusão
conhecidos.
Dessa forma é impraticável uma cen- Para finalizar, nas palavras de Paulo Fran-
sura velada, latente ou mesmo discreta, pois cis com respeito a televisão, como um todo:
nunca os grupos financiadores são direta- “são vinte horas de preparação, para dois mi-
mente informados quais sejam os roteiros nutos de apresentação”. No que se refere a
dos programas, garantindo, deste modo, a tele-documentários esta explicação nem de
sua completa isenção. longe é exagerada. De fato, é extremamente
O por quê desses graus de controle que in- precisa.
clui a qualidade, resulta da necessidade im- Somente numa sociedade onde valores
periosa de mostrar, demonstrar e redemons- sócio-culturais pré-existem, e que se refle-
trar uma peça de arte visual, que, além do tem, no fundo, em bom gosto estético, a
mais, está sendo muito bem paga para ser experiência do tele-documentário como gê-
produzida, mesmo porque, tem custos eleva- nero artístico-educativo pode vingar e fru-
dos. Por isso, ela pode levar o nome de várias tificar como uma ferramenta tanto de lazer
e importantes organizações, instituições de quanto de ensino.
negócios ou de fins não lucrativos, as quais As lições de como fazer um tele-
se sentem à vontade e satisfeitas com seme- documentário são de fácil acesso, mas o ini-
lhante arranjo, os quais todos querem manter ciante terá que deter-se em fazer algo cuida-
e reproduzir, pois assim lhes é conveniente. dosamente bem feito, com constância e dis-
Pode-se deste modo, chegar a conclusão ciplina, além de possuir altas doses de ética
inicial de que as qualidades ou o nível qua- profissional e de trabalho, não se esquecendo
litativo a que se está referindo, sejam posici- de se manter um constante aprendizado de
onados em graus de sofisticação ascendente, técnicas e uma aquisição intermitente de no-
incluindo filtros político-econômicos, finan- vas tecnologias, o que significa uma manu-
ceiros, sociais e mercadológicos, este último, tenção capital intensivo constante.
em particular, ligado a previsões e a medi- Acredita-se que a lição principal que se
ções de níveis de audiência, aos quais a dire- tira deste processo é que se deva experimen-
ção da CPB deve ser extremamente sensível. tar sempre, valorizando-se essas experiên-
Essa fórmula se não é muito simples, tam-

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cias e aprendendo não só com acertos como


também com os eventuais erros.

Este texto está publicado em Tecnologia


Educacional, Rio de Janeiro, no. 136-137,
mai-ago, 1997, pp. 20-23.

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