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História dos Descobrimentos e da Expansão

Portuguesa
Apontamentos – 2º Semestre – 2º Ano – 2012/2013

Mariana Iannucci
Índice

Resumo do Livro do historiador Disney:

1. A passagem para a Ásia Marítima


a) A primeira viagem de Vasco da Gama à Índia
b) A introdução ao “Outro”
c) O sonho manuelino
d) Albuquerque
e) A consolidação pós-Albuquerque
f) A escalada da diplomacia
2. Um Império no Oriente
a) O Estado da Índia
b) A Coroa e o comércio da pimenta
c) A entrada no comércio interportuário
d) A Carreira da índia
e) Um governo à distância
f) O tardio ressurgir do expansionismo
g) As perdas no século XVII
3. A presença informal no Oriente
a) Uma introdução ao comerciante privado
b) O comércio privado na Ásia marítima ocidental
c) O comércio privado na Ásia marítima oriental
d) Os soldados da fortuna
e) Colónias e colonos informais
f) Os muzungos e os detentores de prazos em Moçambique
g) Os católicos num mundo estranho
4. O Brasil: tomada e posse
a) As primeiras viagens e a era das feitorias
b) Os ameríndios e a sua cultura
c) O estabelecimento de colónias: os primeiros cem anos
d) A desintegração da sociedade ameríndia costeira
e) O impacto dos jesuítas
f) As intrusões estrangeiras europeias do início do século XVII e a conquista holandesa do Pernambuco
g) O governo do conde Johan Maurits de Nassau-Siegen
h) O fim do Brasil Holandês
5. A formação do Brasil colonial
a) Árvores e comerciantes
b) A chegada do açúcar
c) O comércio de escravos africanos para o Brasil
d) Portos e plantações; quintas e fazendas
e) Os colonos portugueses e a miscigenação
f) O início da escravatura colonial e da sociedade esclavagista
g) Escravos fugidos, pobres livres e o controlo social
h) São Paulo e o interior sul
i) Os interiores nordeste e norte

Resumo dos capítulos IV e V d’ “A construção do Brasil” de Jorge Couto

Apontamentos do caderno
Resumo do Livro do historiador Disney

1. A passagem para a Ásia Marítima


a) A primeira viagem de Vasco da Gama à Índia

Depois de receber os relatos de Cão, Dias e, provavelmente, Covilhã, entre o final da década de 1480 e o início dade 1490, D. João II soube que
estava muito próximo de conseguir ligar Portugal, através do mar, ao mundo comercial da Ásia das monções.

D. João II morreu em 1495 e foi o seu sucessor, D. Manuel I, quem patrocinou a expedição lançada dois anos depois. Vasco da Gama ia ao
comando. Tratava-se de um nobre ao serviço do rei, sem qualquer distinção social. Sabemos relativamente pouco das suas origens e início de
carreira1 . Sabe-se que os pais eram oriundos de Sines, uma área há muito associada à Ordem de Santiago e o próprio Vasco da Gama esteve
desde cedo identificado com a ordem. Terá servido durante algum tempo no Norte de África. Não há nenhuma prova que possuísse
particulares competências ou experiência marítima. Também não é seguro se Vasco da Gama foi escolhido por D. João II ou D. Manuel I para
liderar a expedição à Índia; nem é claro porque é uma figura tão obscura, provavelmente com vinte e poucos anos, recebeu este comando tão
importante. Talvez fosse simplesmente consequência de disputas políticas entre facções rivais na corte. 2

A expedição estava bem financiada e foi cuidadosamente preparada, contando com Bartolomeu Dias entre os consultores navais. Dois dos
quatro navios fornecidos – as naus São Gabriel capitaneada pelo próprio Vasco da Gama e a São Rafael – foram construídas por encomenda a
custos consideráveis. Os outros dois eram simplesmente uma caravela de trabalho algarvia chamada Berrio e um navio de carga. Vasco da
Gama pôde escolher os capitães e seleccionou o irmão, Paulo, para a São Rafael e Nicolau Coelho para Berrio, sendo as tripulações escolhidas
a dedo e invulgarmente bem pagas. Pêro de Alenquer, o antigo piloto de Dias, navegou com a nau-almirante. A expedição levantou âncora e
deixou o Tejo a 8 de Julho de 1497.

1
Vide: SUBRAHMANYAM (1997); BOUCHON (1998); FONSECA (1998).
2
SUBRAHMANYAM (1997).
Na primeira e longa parte da viagem, Vasco da Gama confrontar-se-ia com a questão da melhor aproximação ao Cabo da Boa Esperança.
Decidiu navegar pela rota da costa apenas até à Serra Leoa; então numa arrojada quebra das convenções, dirigiu-se para mar aberto na
direcção oés-sudoeste e assim navegou durante três meses sem nunca avistar terra. A fonte mais importante da viagem – um famoso roteiro,
ou diário, escrito por alguém a bordo da São Rafael, normalmente identificado como Álvaro Velho – não esclarece qual a rota que a armada
seguiu. Os ventos predominantes levaram-na, provavelmente, até algumas centenas de quilómetros da costa do Brasil, antes de Vasco da
Gama inflectir numa rota mais para sul.

Chegou por fim à baía de Santa Helena no Cabo Ocidental da África. A expedição parou durante alguns dias, procedeu a algumas reparações e
entrou em contacto com os Khoisans locais. Ao deixar esta baía, Vasco da Gama começou a segunda etapa da sua épica viagem, durante a qual
voltou a adoptar a navegação costeira. Ainda teve de descer ao longo da costa sudoeste de África durante quase mais duzentos quilómetros
antes de dobrar, por fim, o Cabo da Boa Esperança.3 Depois navegou ao longo das costas sul e sudeste do continente, realizando
desembarques periódicos à medida que prosseguia. A primeira ida a terra foi na baía de Mossel. Aí teve um breve encontro com os Khoikhois.
O último padrão teve de Dias foi passado cerca de dez dias depois de deixarem a baía de Mossel e a expedição entrou no desconhecido.

A 10 de Janeiro de 1498, chegou à foz de um rio, provavelmente o Inharrime no sul de Moçambique. Aí estabeleceu contacto com o povo
Banto. Ao contrário dos Khoikhois, os Bantos praticavam a agricultura e tinham um sistema de diferenciação social. Seis semanas depois,
atingiu o estuário do rio Quelimane. Uma semana depois a frota chegou a Moçambique, a mais a sul das cidades suaíli da costa leste africana.

Quando chegaram a Moçambique os Portugueses perceberam que tinham passado para lá da linha divisória fundamental: tinham atravessado
a última extensão de mar desconhecido que separava o mundo atlântico das redes mercantis do Oceano Índico. A partir daí a armada podia
aproveitar os conhecimentos náuticos dos marinheiros asiáticos, acumulados ao longo de séculos, para prosseguir para a Índia.

A terceira etapa da viagem – de Moçambique para Calecut – levou menos de três meses, com quase metade deste tempo gasto em paragens
em Moçambique, Mombaça e Melinde. Vasco da Gama contratou em Melinde um piloto local que o pudesse guiar através do Mar Arábico,
repleto de recifes e ilhas.

3
PARRY (1974).
Os navios chegaram à costa de Kerala, perto de Calecut, a 18 de Maio de 1498. A expedição permaneceu em Calecut durante cerca de três
meses. Coligiu informações, negociou com o samorim, ou príncipe dirigente, e conseguiu arranjar um pequeno carregamento de especiarias,
antes de partir de regresso a Portugal em Agosto de 1498. Os navios passaram três meses a tentar voltar à África oriental através do Mar
Arábico, apanhados no meio de sucessivas calmarias e tempestades. Este foi o segmento mais difícil de toda a viagem, com as tripulações tão
afectadas pelo escorbuto que haveria apenas sete ou oito homens a trabalhar em cada navio. Numa breve paragem em Melinde, a São Rafael
foi abandonada e queimada, para que os navios restantes pudessem ser adequadamente tripulados. Em Março de 1499, fustigados por ventos
frios, dobraram o Cabo e começaram a longa viagem Oceano Atlântico acima. Chegaram à Terceira, nos Açores, onde faleceu Paulo da Gama. A
expedição entrou no Tejo, abordo do São Gabriel, a 29 de Agosto de 1499, e foi recebido em êxtase.

Vasco da Gama levou mais de dez meses a ir de Lisboa a Calecut e cerca de onze meses a regressar. Reduzia assim à insignificância todas as
outras viagens anteriores da época das Descobertas.
b) A introdução ao “Outro”

Na viagem de 1497-9 Vasco da Gama não foi apenas


o almirante do rei, mas também o seu embaixador,
estando encarregue de representar o monarca junto
dos governantes distantes. Esperava-se que coligisse
tanta informação quanto pudesse sobre o
desconhecido.

Vasco da Gama e os seus homens socorreram-se, em


parte, da observação e, em parte, de uma Índia
imaginada, retirada das lendas medievais, para tentar
compreender e determinar a forma correcta de
comportamento da sociedade indiana que
encontraram em Kerala. Como Rubiés notou
recentemente, as expectativas, os desejos e as
“mediações” ajudaram a definir o modo como os
portugueses interpretaram o que viram.4 Os erros de
compreensão e julgamento eram por isso inevitáveis.

Vasco da Gama tinha a bordo várias pessoas fluentes


em árabe para servirem de intérpretes nesta região.

4
RUBIÉS (2000); FONSECA (1998).
Foi apenas à chegada à costa suaíli que Vasco da Gama começou a desempenhar seriamente o papel de embaixador. Usou os intérpretes
árabes para comunicar e negociar com os governantes das cidades portuárias que visitava. Foram trocados presentes e feitos reféns; mas
Vasco da Gama manteve-se cautelosamente a bordo da sua nau-almirante. Em Moçambique e em Mombaça as relações estavam tensas: os
portugueses foram tratados como intrusos cristãos que não eram bem-vindos, ou pelo menos foi isso que concluíram.

Em Melinde o sultão deu genuínas boas vindas aos portugueses porque os viu como aliados providenciais contra uma Mombaça hostil. Enviou
um embaixador a Lisboa com Vasco da Gama e desenvolveram-se relações de amizade entre Melinde e Portugal que duraram longos anos.

Vasco da Gama procurou apresentar-se em Calecut, acima de tudo, como embaixador de D. Manuel. Para desempenhar bem este papel não
tinha outra alternativa senão deixar a segurança da nau-almirante e ir a terra.5 A 28 de Maio de 1498 foi-lhe concedida uma audiência com o
samorim, onde fez uma descrição deliberadamente exagerada da riqueza e poder de D. Manuel. Concluiu a descrição assegurando ao anfitrião
que D. Manuel o via como “amigo” e, na verdade, como “irmão”. Infelizmente Vasco da Gama não tinha trazido consigo nenhum dos ricos
presentes que o costume local exigia. Tentou, à última da hora, improvisar um e os resultados foram embaraçosamente desadequados. 6 Ainda
assim os portugueses compreenderam que o samorim tinha concordado em enviar um embaixador a Portugal com eles.

Em audiência subsequente, de forma algo casual, foi concedida permissão à expedição para comerciar. Mas os portugueses, com poucos bens
notáveis para oferecer e nenhuma experiência nas delicadezas da cultura de bazar, depressa consideraram frustrante fazer negócio em
Calecut. As autoridades locais também terão suspeitado que Vasco da Gama estaria a tentar evadir-se aos impostos aduaneiros e negaram-lhe
a audiência que então pediu7. Vasco da Gama, em resposta, fez reféns; quando acabou por partir para Portugal, no final de Agosto de 1498,
sem o embaixador que julgava prometido, levou alguns destes reféns. Como embaixada, a expedição não foi um grande sucesso.

Ao contrário do que acontecera com os Khoisans, os Khoikhois e alguns Bantos, a comunicação verbal foi possível, desde o início, com as
pessoas de Calecut. Mesmo assim, a diplomacia de Vasco da Gama estava ainda deveras fragilizada por dificuldades linguísticas, já que a língua

5
SUBRAHMANYAM (1997)
6
BIEDERMANN (2005).
7
SUBRAHMANYAM (1997)
da corte do samorim era o malaiala. Era necessário traduzir para trás e para diante entre o português, o árabe e o malaiala, e usar os serviços
dos intérpretes de árabe-malaiala locais em quem os portugueses não confiavam.

Vasco da Gama estava sempre em desvantagem pela sua não familiaridade com os procedimentos da corte do samorim, embora não fosse tão
insensível aos costumes locais como por vezes é assumido.

Durante os três meses em Calecut, Vasco da Gama foi capaz de coligir alguma informação comercial relativamente precisa e fiável; a
compreensão das paisagens políticas e culturais locais manteve-se confusa. Alguma desta confusão advinha da incompreensão fundamental da
religião hindu; pensaram que os hindus seriam uma espécie de cristãos orientais. Só numa segunda expedição, em 1500-1, é que os
portugueses perceberam que os indianos não eram cristãos, muçulmanos ou judeus. E portanto catalogaram-nos simplesmente como gentios.

Esta incompreensão profunda tem espantado alguns historiadores, pois o facto de o Indostão ter uma “civilização idólatra” já era bem
conhecido em círculos informados no Ocidente através de relatos de viajantes como Marco Pólo e Niccolò da Conti. Além disso o relatório
enviado do Cairo por Pêro da Covilhã, se chegou a Lisboa, dificilmente falharia em alertar as autoridades portuguesas para a predominância da
“idolatria”. Uma explicação possível é que Vasco da Gama e os seus homens tenham sido induzidos em erro, deliberadamente ou não, por
alguns dos primeiros contactos do leste africano ou da Ásia.8

a) O sonho manuelino

Em Março de 1500, cerca de seis meses após o regresso de Vasco da Gama, D. Manuel enviou para a Índia uma segunda frota, muito maior,
comandada por Pedro Álvares Cabral. Uma terceira frota partiu em 1501 e uma quarta, mais uma vez comandada por Vasco da Gama, em
1502. Em breve se estabelecia um padrão, com viagens anuais entre Portugal e a Índia a terem lugar com quase tanta regularidade como as
monções. O conhecimento do Oceano Índico ocidental cresceu rapidamente, como revela o mapa de Cantino de Outubro de 1502, que ilustra

8
THOMAZ (1985).
as costas da África oriental e do sudoeste da Índia com notável precisão. Mesmo assim, nessa altura, muito permanecia desconhecido: a linha
de costa noroeste do Oceano Índico e praticamente toda a Ásia a leste de Kerala aparecem no mapa de Cantino mais de acordo com a
cosmografia de Ptolomeu do que com a realidade geográfica.

D. Manuel estava convencido de que a viagem de Vasco da Gama fornecera duas grandes oportunidades a Portugal. A primeira seria
redireccionar, das rotas terrestres para a rota do Cabo, o comércio de especiarias entre a Ásia e a Europa sob o controlo monopolista
português: uma mudança que lhe traria lucros substanciais.

A segunda oportunidade seria estender a luta contra o Islão do Médio Oriente com o desenvolvimento de um enorme movimento que o
atacasse a leste. Este objectivo era mais controverso e um número significativo de elementos na corte não o aprovava; mas era
entusiasticamente defendido pelo próprio D. Manuel.

Encorajado pelos elementos pró-cruzada que o rodeavam, D. Manuel já procurava vigorosamente a neo-Reconquista em Marrocos. Sonhava
em vencer o Egipto mameluco, recuperar para a Cristandade os lugares santos da Palestina e tornar-se imperador de Jerusalém como prelúdio
da segunda vinda de Cristo.9 Vasco da Gama dissera que a Índia era maioritariamente habitada por cristãos e esperava-se que também eles
pudessem ser alistados na causa da cruzada. No rescaldo da viagem de Vasco da Gama, o sonho de construção de uma grande aliança cristã
contra o Islão parecia próximo de se realizar.10

D. Manuel esperava poder financiar a aventura de cruzada com os lucros ganhos no comércio da pimenta e das especiarias. 11 Mesmo depois de
Cabral relatar, em 1501, que a maior parte dos indianos não eram cristãos, o rei e os seus apoiantes pró-cruzada, talvez activamente
encorajados pelos mercadores florentinos e genoveses com sede em Lisboa, hostis aos interesses comerciais venezianos, continuaram
determinados a estender a campanha militar cristã para o Oceano Índico. Tudo isto se passava apesar das grandes reservas da maioria do
conselho real.

9
THOMAZ (1990).
10
AUBIN (1976).
11
THOMAS (1994).
A Etiópia cristã, que os reis portugueses há muito imaginavam ser um aliado potente contra o Islão, mostrou ter pouca capacidade para
participar numa cruzada. E só em 1520 é que uma embaixada oficial, encabeçada por Rodrigo de Lima, chegou finalmente à corte deste
distante reino montanhoso.12

Pouco tempo depois do regresso de Cabral a Lisboa, em 1501, D. Manuel autoproclama-se “senhor da conquista, navegação e comércio da
Etiópia, Pérsia e Índia”13. Neste contexto “Etiópia” significava toda a África Oriental e do Sul, enquanto “Índia” incluía toda a Ásia a leste do Mar
Arábico. Ao declarar-se senhor da “conquista” de uma região tão vasta D. Manuel não pretendia ser o seu governante efectivo, mas um senhor
ou suserano imperial distante e benigno.14 Em termos de princípios seguia um precedente instituído por D. João II, que quinze anos antes tinha
adoptado o título de “senhor da Guiné”.

Da mesma maneira, a pretensão de senhorio de D. Manuel a leste do Cabo era um meio de afastar possíveis rivais europeus. Em termos de
direito internacional fundamentava-se em sucessivas concessões papais à Coroa portuguesa e em acordos luso-castelhanos, em particular no
tratado de Tordesilhas.

De acordo com esta linha de pensamento, durante os primeiros sete anos de presença no Oceano Índico os Portugueses não adquiriram
qualquer possessão territorial. Mesmo assim, desde o início, a tensão com os mercadores muçulmanos foi aguda e logo depois do regresso de
Vasco da Gama decidiu-se usar a força contra eles e os seus navios. Em 1500 Cabral recebeu instruções para bloquear o Mar Vermelho e
encetar operações corsárias. Foi-lhe ordenado que estabelecesse uma feitoria em solo indiano, o que fez em Calecut. Três meses depois, uma
multidão em fúria, encorajada por mercadores muçulmanos do Médio Oriente, atacou a feitoria e massacrou os ocupantes. Cabral respondeu
com o bombardeamento de Calecut e mudou as operações comerciais para Cochim e Cananor. Calecut foi novamente bombardeada por Vasco
da Gama no seu regresso, em 1502, enquanto Cochim, que recebeu bem os portugueses, rapidamente se transformou no principal aliado
indiano e no lugar de uma nova feitoria.

12
ALBUQUERQUE.
13
BARROS (1945).
14
THOMAZ (1990).
As hostilidades entre cristãos e o império otomano tinham sido reacendidas no Mediterrâneo oriental. A potência cristã mais envolvida era
Veneza, que apelou à ajuda da Europa ocidental. Significativamente, foi D. Manuel quem respondeu de forma mais positiva, ao mandar uma
frota para as águas da Grécia, tendo-lhe dado instruções de cooperação com os Venezianos, em 1501.

A decisão era outra indicação do compromisso de Portugal manuelino com a guerra global contra o Islão e demonstrava a vontade em
participar em múltiplas e simultâneas frentes.15

NO Cairo o sultão mameluco estava tão preocupado que ameaçou destruir os locais sagrados cristãos na Palestina, se os portugueses
persistissem com as políticas hostis.

D. Manuel decidiu que era urgente melhorar a presença de Portugal no Oceano Índico e, em 1505, enviou Francisco de Almeida com uma
armada de vinte navios e o pomposo título de vice-rei. Ordenou a Almeida que construísse fortalezas em Kerala e na África oriental, bem como
na ilha de Socotorá. Devia também fazer uma viagem de reconhecimento ao Ceilão e a Malaca e, se possível, estabelecer fortes em ambos.

Em 1505-6 construiu fortalezas em Quíloa, Angediva, Cochim e Cananor; mas depois o seu compromisso com o programa manuelino terá
enfraquecido. Enviou o filho, Lourenço de Almeida, a Ceilão, em 1507, mas a visita não teve seguimento; nem tão pouco realizou o
reconhecimento de Malaca que D. Manuel desejava. Em vez disso concentrou-se na costa ocidental da Índia, onde acabou por determinar que
a verdadeira central de energia não estava em Kerala mas no Guzerate. Concluiu igualmente que os comerciantes guzerates controlavam muito
mais negócios que os parceiros pardeses muçulmanos. E tinha razão.

Almeida foi ficando cada vez mais alarmado com as notícias que diziam que al-Ashraf Qansuh al-Ghawri, o sultão mameluco do Egipto, estava a
construir uma frota no Suez para, com ajuda dos Guzerates, atacar e expulsar os portugueses do Oceano Índico. Em grande medida foi a
preocupação com a ameaça desta aliança muçulmana que levou o vice-rei a abster-se de gastar mais dos seus limitados recursos em fortalezas
isoladas ou em expedições a Malaca.

15
GÓIS (1790); WEINSTEIN (1960); THOMAZ (1990).
Em 1508 a armada mameluca navegou para o Oceano Índico ocidental e infligiu pesadas perdas a uma força portuguesa ao largo de Chau,
matando o filho do vice-rei, Lourenço. Mas o vice-rei desforrou-se, em 1509, com a derrota das frotas mamelucas e guzerates numa batalha
decisiva ao largo de Diu D. Manuel recebeu a vitória com uma indicação de que Deus aprovava a sua política antimuçulmana e como um passo
adiante na reocupação cristã de Jerusalém.16 O que a vitória realmente fez foi lançar as bazes para uma presença portuguesa de longa duração
na Ásia marítima.

a) Albuquerque

O substituto de Almeida foi Afonso de Albuquerque, um nobre de serviço de meia-idade com grande experiência obtida nas guerras de finais
do século XV em Castela e em Marrocos.

Na corte era associado à facção que favorecia as políticas anti-islâmicas de D. Manuel e partilhava a convicção do rei de que o domínio
mameluco sobre a Terra Santa estava destinado a acabar em breve. Albuquerque já realizara uma viagem anterior à Índia, em 1503-4, após o
que concluíra que os portugueses teriam de adquirir uma rede extensa de bases permanentes para assegurar uma presença duradoura e
estável.

Albuquerque exerceu funções, com o título de governador, entre 1509 e o fim de 1515. Durante esse período supervisionou um programa
expansionista audaz, com uma rudeza controlada e apenas igualada pela notável visão estratégica. O programa envolvia a tomada e
fortificação de várias possessões territoriais longínquas que controlavam rotas comerciais chave. E se inicialmente se inscrevia na aventura
cruzadista de D. Manuel concentrada em Jerusalém, aos poucos foi fazendo nascer os nódulos de um império marítimo português na Ásia com
uma lógica e um ritmo próprios. No final do mandato de Albuquerque já emergira o esboço geral do que mais tarde ficaria conhecido como
Estado da Índia.

16
SUBRAHMANYAM (1993).
Albuquerque fez a primeira jogada decisiva em Fevereiro de 1510 com o ataque e ocupação de Goa, na costa ocidental central da Índia.
Acreditava que Goa tinha os atributos necessários para servir como base marítima principal e tornou-se, efectivamente, no quartel-general de
Portugal na Ásia durante os 450 anos seguintes. A escolha de Goa para este papel ficará a dever-se a vários factores: em primeiro lugar,
ocupava uma boa posição defensiva com um porto mais interior e abrigado; em segundo lugar estava convenientemente localizada entre
Kerala e o Guzerate; e, em terceiro lugar, era um porto de entrada já bem estabelecido de cavalos importados da Arábia e do Irão para o sul da
Índia, comércio que Albuquerque desejava explorar. Goa era uma possessão dos sultões muçulmanos do Bijapur desde 1471, mas antes fora
um principado de Bisnaga. A população era maioritariamente hindu.

Albuquerque estava entusiasmado com o que Goa tinha para oferecer e nunca hesitou na determinação em retê-la para Portugal. Fixou
residência pessoal no palácio do sultão e deleitou-se com os seus ornamentos e mobiliário.17

No entanto, antes de conseguir consolidar o controlo, foi esmagado por um imenso contra-ataque de Bijapur. Cercados, os portugueses
retiraram-se para os navios no porto, onde passaram grandes privações antes de serem forçados a abandonar Goa, em Agosto. Mas a retirada
foi apenas táctica e três meses depois Albuquerque regressou com reforços. A 25 de Novembro de 1510 retomou a cidade, com a ajuda de
Timoja e outros aliados hindus. Desta vez autorizou o saque e não deu quartel aos habitantes muçulmanos que considerava traidores. Foram
espoliados e muitos foram queimados vivos nas mesquitas ou massacrados enquanto fugiam.

Depois da segunda conquista Albuquerque instituiu uma política de estabelecimento de veteranos portugueses como casados e encorajou-os a
tomarem mulheres locais, incluindo antigas muçulmanas, como esposas. Esforçou-se por implantar o Cristianismo e dotou uma Igreja dedicada
a Santa Catarina com propriedades roubadas às mesquitas. Ao mesmo tempo procurou sossegar os hindus locais: protegia as suas terras, os
seus templos e as suas instituições em geral e tentou até reduzir as suas obrigações fiscais.

Menos de seis meses depois da segunda conquista de Goa, Albuquerque já encabeçava uma grande expedição a Malaca. Esta cidade portuária
tinha uma excelente localização no lado malaio do Estreito de Malaca, o canal de comunicações da Ásia oriental e do sudeste.

17
BOUCHON (1992).
Malaca tinha uma sociedade cosmopolita.18 A reputação de grande centro de comércio marítimo chamara a atenção de D. Manuel no início do
século XVI. Assim, perto do final do mandato de Almeida como vice-rei, D. Manuel enviou de Lisboa uma expedição de reconhecimento
encabeçada por Diogo Lopes de Sequeira para tentar estabelecer uma feitoria em Malaca (1509). A tentativa falhou e foi despachada uma
segunda expedição, em 1510, comandada por Diogo Mendes de Vasconcelos. Assim que chegou à Índia foi afastado por Albuquerque, que
queria ir ele próprio a Malaca. O governador limitou-se a incorporar os navios de Vasconcelos na sua frota.19

No entanto, a condução de operações contra Malaca constituía um desafio logístico formidável, pois as linhas de comunicação de Albuquerque
eram muito mais longas do que alguma vez os portugueses tinham experimentado no Oceano Índico. Seguiu-se um mês de luta encarniçada
antes de o sultão e da sua corte desistirem e fugirem.

Albuquerque tomara Malaca não para a saquear mas para ficar com ela. O saque da cidade ocorreu, ainda que selectivamente. A propriedade
dos que tinham cooperado com os portugueses, especialmente os mercadores Keling e os chineses, foi poupada. Albuquerque queria que
houvesses mercadores de todas as nações a comerciar na Malaca pós-conquista e, por isso, fez o possível por sossegar a comunidade
mercantil.

Começou a construir uma enorme fortaleza que se tornaria conhecida em todo o lado como “a Famosa”. A fortaleza ficava, por razões
estratégicas e simbólicas, no local da principal mesquita de Malaca. Apesar de arrasar o importante edifício religioso – um acto condizente com
a tradição da Reconquista – Albuquerque tratou os muçulmanos de Malaca com tolerância.

A conquista de Malaca deu a Albuquerque o controlo do principal ponto de entrada do Oceano Índico na Ásia oriental e do sudeste, regiões até
aí praticamente desconhecidas dos europeus. Rapidamente instigou uma série de outras viagens exploratórias a partir da cidade.

Uma das consequências destas viagens foi a significativa integração portuguesa nas redes asiáticas de comércio e comunicações preexistentes.
Os navios portugueses partiam de Malaca acompanhados e guiados por juncos chineses ou prahus indonésios, ou partiam portugueses

18
THOMAZ (1994).
19
BOUCHON (1992).
individuais a bordo de embarcações locais, como passageiros. Em 1512 António de Abreu fez a primeira viagem portuguesa às Molucas. Um
ano depois Jorge Álvares foi enviado pelo capitão português de Malaca como “embaixador” à China.

Entretanto, depois de assegurar Malaca, Albuquerque regressou rapidamente a Goa para preparar outra conquista: a de Ormuz, na ilha de
Djarum, à entrada do Golfo Pérsico.

A ilha de Djarum localizava-se a meio de uma das duas principais rotas que uniam o Oceano Índico ao Médio Oriente, ao Mediterrâneo e à Ásia
Central tinha uma grande importância estratégica.20 Ormuz – onde os mundos árabe, iraniano e indiano se encontravam – possuía uma
população deveras cosmopolita.

Albuquerque vira pela primeira vez Ormuz em 1507, enquanto navegava de Socotorá para o Golfo Pérsico. Era uma viagem de reconhecimento
importante, o início da longa associação de Portugal com a Região. Mas envolvera também muito saque e terror nas cidades portuárias ao
longo da rota.21 O auge foi atingido em Ormuz, onde Albuquerque forçou o sultão a reconhecer a soberania de D. Manuel e a concordar com a
construção de uma fortaleza portuguesa, cujos trabalhos se iniciaram de imediato. Mas Albuquerque seria obrigado a suspendê-los e a deixar
Ormuz antes de tempo.

Em 1515, como governador do Estado da Índia, regressou para impor a vontade de D. Manuel. Completou a fortaleza, que foi chamada de
Nossa Senhora da Vitória. O grande forte, um dos mais formidáveis do Estado da Índia, permitiu a Portugal dominar o estreito de Ormuz
durante mais de um século e canalizar uma grande parte dos lucrativos direitos aduaneiros para os cofres portugueses. 22

Depois de tomar Ormuz, Albuquerque planeou a extensão da rede de bases com a captura de Adém. Este porto estratégico dominava o
estreito de Bab el-Mandeb que une o Oceano Índico ao Mar Vermelho. O governador lançou-se contra Adém em 1513, mas não conseguiu
conquistá-lo. Então decidiu fazer um reconhecimento completo do Mar Vermelho, elaborou mapas das costas e ilhas e provou que podia ser
navegável até Suez.

20
AUBIN (1973).
21
AUBIN (1973); BOUCHIN (1992).
22
BOUCHON (1992).
Albuquerque planeava uma nova tomada do porto quando morreu, em 1515.

As três aventuras militares importantes de que Albuquerque saiu vitorioso – as conquistas de Goa, Malaca e Ormuz – envolveram a destituição
ou a subjugação de governantes muçulmanos. Foram desenvolvidas no contexto de uma ideia de luta global contra o Islão herdada do passado
ibérico e depois revivida na visão de cruzada de D. Manuel, partilhada pelo Governador Albuquerque.23 Albuquerque considerava a expansão
asiática e a luta contra o Islão missões paralelas e complementares. Percebeu, com as extensas viagens e a crescente experiência do Oriente, a
pequena e insignificante dimensão da população cristã na Ásia marítima.

23
THOMAZ (1990).
a) Consolidação pós-Albuquerque

Depois da morte de Albuquerque a expansão formal do Estado da Índia foi conduzida de forma menos agressiva e instalou-se um período de
consolidação. As novas iniciativas eram cautelosas e na sua maioria confinaram-se à Índia ocidental, ao Ceilão e às costas orientais do Mar
Arábico. Na Índia ocidental foram estabelecidas fortalezas portuguesas em Coulão, e Chaul, e em Colombo, no Ceilão.

Isto reflectia as mudanças de política em Portugal, onde, a partir de 1515, D.


Manuel fora obrigado a dar ouvidos aos conselheiros mais pragmáticos que se
mostravam cépticos em relação ao sonho de cruzada.24

Existiam razões convincentes para que Portugal concentrasse a sua força na Ásia
marítima noroeste durante este período, razões resultantes de grandes mudanças
políticas no Médio Oriente e na Índia. Em 1516 os Turcos otomanos tinham
destituído os Mamelucos e tomado o controlo do Egipto e da Síria. Os Otomanos
eram rivais potenciais bastante mais formidáveis para os portugueses na Ásia
marítima do que os seus predecessores mamelucos, relativamente fracos. O
governo otomano começou a construir uma base naval em Suez logo em 1517, o
que aumentou de forma considerável a preocupação portuguesa, e depressa se
seguiu o domínio do Mar Vermelho. Os Otomanos introduziram-se também no
golfo Pérsico, outra área estratégica, onde seriam abordados pelo rei de Ormuz
com vista a uma acção conjunta contra os portugueses. Mas aqui a expansão
otomana deparava-se com os interesses territoriais do Irão.

24
THOMAZ (1991).
O Xá Ismael do Irão, como principal figura xiita era o rival religioso e político dos sultões otomanos sunitas Selim I e Suleimão o Magnífico.

Durante o governo de Albuquerque enviara uma embaixada a Goa para explorar a possibilidade de uma cooperação luso-iraniana, à qual
Albuquerque respondeu com o envio do seu representante a Ismael. D. Manuel aprovava fortemente estes contactos, à espera não só de uma
aliança como da conversão de Ismael ao Cristianismo.

Com o Irão e a Turquia em guerra, a partir de 1514, e os Iranianos muito pressionados a defender o seu território, terão parecido bastante
promissoras aos portugueses as perspectivas de forjar uma espécie de aliança anti-otomana. Uma missão diplomática viajou com alguma
dificuldade até ao quartel-general do xá em Tabriz, em 1524, mas, ao descobrir que Ismael tinha acabado de morrer, foi forçada a regressar de
mãos a abanar.25 Entretanto, em 1520-1 uma embaixada portuguesa enviada de Goa conseguira chegar à muito cobiçada corte da Etiópia. Era
um avanço de grande significado simbólico; mas revelou-se decepcionante quando se compreendeu que o “Preste João” – o imperador etíope
– não passava de um governante cristão fraco e em dificuldades.26 Assim, na década de 1520 esmoreciam as esperanças portuguesas de
construção de uma aliança poderosa contra os Turcos.

Na década de 1530 as forças otomanas subjugaram o Iraque e , em 1535, ganharam controlo do porto chave de Bassorá, à entrada do Golfo
Pérsico. Seguiram-se hostilidades intermitentes entre os Turcos e os portugueses no Golfo Pérsico e no Mar Arábico. Na década de 1540 os
esquadrões de galeras turcas apareciam ao longo das costas do sul da Arábia, ao largo do Guzerate e até na região de Malaia-Sumatra. A
ameaça aos interesses portugueses era bem viva e apenas afrouxou depois de serem derrotados perto de Ormuz, em 1554. Seguiu-se uma
trégua de facto luso-turca, com os Otomanos a controlar a entrada do Golfo enquanto os portugueses, que retinham Ormuz, dominavam o
baixo Golfo e o Mar Arábico. Os Turcos evitavam interferir com os portugueses no Oceano Índico e os portugueses deixavam o Mar Vermelho
aos Turcos mesmo sem que houvesse um acordo formal entre os dois.27

Entretanto, na Índia ocidental, a expansão portuguesa voltava a ganhar velocidade, com a principal acção a decorrer na costa do Guzerate. Os
portugueses tinham começado a ver a enorme importância comercial da região, em especial devido à produção de têxteis de algodão e ao
25
ALBUQUERQUE.
26
ALBUQUERQUE.
27
OZBARAN (1994); THOMAZ (1995).
facto de ser uma fonte de capital e de experiência do mundo dos negócios. O coração da rede de comércio marítimo do Guzerate situava-se no
golfo de Cambaia e nas cidades portuárias ao longo da sua costa. Os portugueses já há algum tempo que cobiçavam as duas fortalezas
estratégicas de Diu e Damão, localizadas respectivamente, nos flancos ocidental e oriental, do golfo. Em 1509, depois da grande vitória naval
de Almeida, Diu tinha sido oferecida aos portugueses mas o vice-rei declinara a oferta. Albuquerque estabeleceu uma feitoria em Diu e gostaria
de ter construído uma fortaleza. Na década de 1520 a Coroa ordenou a sucessivos governadores que ocupassem imediatamente Diu, mas
durante vários anos nada se fez.

Em consequência da expansão do império mogol, acabou por surgir uma oportunidade para Portugal ganhar uma posição no Guzerate. Após
vários conflitos Portugal conseguiu Diu e Damão.

Em meados do século XVI os portugueses estavam já na posse de uma cadeia de fortalezas ao longo da costa noroeste da Índia, que se estendia
de Chaul a Diu. Adjuntos a alguns destes fortes – em particular ao de Baçaim – havia grupos de aldeias e campos cultivados. Os territórios de
Baçaim passaram a ser chamados “ a Província do Norte” e estavam entre as poucas zonas do Estado da Índia fora de Goa onde os Portugueses
controlavam terra e população em dimensão significativa.

a) A escalada da diplomacia

À medida que os portugueses se espalharam pela Ásia marítima foram estabelecendo contactos com um crescente número de povos pouco
familiarizados com os Europeus. Portugal fornecia agora a uma Europa curiosa sobre as descrições de muitas sociedades e locais exóticos a
leste do Cabo da Boa Esperança, baseadas na observação directa. O Ocidente viu primeiro estes “outros”, muitas vezes de olhos portugueses, e
as percepções portuguesas acabaram por formar as bases de muitos estereótipos. Do mesmo modo, as primeiras imagens asiáticas do que
constituía um europeu derivavam da observação dos portugueses.

As principais expedições portuguesas marítimas eram muitas vezes organizadas com missões diplomáticas em que os comandantes assumiam
também o papel de embaixadores ou enviados. Tal como Vasco da Gama antes dele, Cabral apresentou-se em Calecut em 15000 como
embaixador de D. Manuel; trouxe ao samorim presentes mais apropriados, que incluíam jóias de ouro e prata, e estava, em geral, muito mais
bem preparado do que o seu antecessor.

O vice-rei Francisco de Almeida estabeleceu contactos diplomáticos com vários governantes da costa ocidental da Índia até ao Guzerate. Em
1508-9, a primeira viagem oficial para o Oceano Índico oriental foi também organizada como uma embaixada. Diogo Lopes de Sequeira, o seu
comandante, foi instruído a negociar um acordo comercial com o sultão de Malaca.

Como Biedermann salientou recentemente, a natureza ampla e dispersa do “império” português na Ásia e na África oriental implicava que as
relações diplomáticas fossem especialmente importantes para o Estado da Índia.28

Na condução da sua diplomacia fora da Europa, os portugueses utilizavam habitualmente uma fórmula derivada da prática romana, segundo a
qual era oferecida aos governantes a amizade e a irmandade do rei de Portugal, em troca de concessões específicas.

A “amizade” neste contexto era uma associação que implicava obrigações mútuas; “irmandade” significava uma espécie de relação de sangue
fictícia com tonalidades espirituais.29 Através desta relação forjada, o círculo de relações da Coroa portuguesa podia ser entendido
indefinidamente e podia incluir governantes não-europeus distantes com os quais não havia laços familiares prévios, obrigações mútuas ou
sequer lealdades religiosas comuns. Vasco da Gama usou esta fórmula em Melinde e Calecut, em 1498, e em anos posteriores a “amizade” e
“irmandade” foram dadas a uma série de príncipes menores ao longo da costa ocidental indiana. Uma vez estabelecida tal relação, o
governante estrangeiro era invariavelmente tratado nas cartas do rei de Portugal como “amigo” e “irmão”. Em pouco tempo havia
destinatários de tais cartas desde Melinde até Minangkabau, e desde Java até ao Japão. Mesmo os governantes principais, como o imperador
de Bisnaga (1508) e o xá do Irão (1513), eram endereçados desta forma pelo rei de Portugal. Estes termos podiam também ser usados para
mascarar a imposição das exigências portuguesas.30 Em 1506 o rajá de Cochim, como “amigo” e “irmão” de D. Manuel, foi persuadido a
conceder licença de construção de uma fortaleza portuguesa no seu território e exigências semelhantes foram sendo feitas durante toda a
expansão. No início do século XVI alguns governantes de menor estatuto tiveram de reconhecer a soberania do rei de Portugal com o
28
BIEDERMANN (2005).
29
SALDANHA (1997).
30
SALDANHA (1997).
pagamento de um tributo simbólico. Revivia-se uma prática comum na Península durante as últimas fases da Reconquista, quando os príncipes
das taifas se submeteram aos reis de Castela ou de Portugal e tiveram de pagar páreas para demonstrar a vassalagem.

Em breve começou a desenvolver-se uma distinção entre a forma como eram conduzidas as relações com os pequenos principados costeiros e
com os estados maiores e mais poderosos. As negociações com os governantes menos importantes concentravam-se em questões comerciais e
eram dirigidas de forma directa e terra a terra. Mas as relações diplomáticas com as potências maiores – como Bisnaga, o Irão ou os Mongóis –
desenrolaram-se num nível formal que muitas vezes envolvia um cerimonial elaborado. Nesses casos a tarefa do embaixador era
consideravelmente mais difícil e requeria uma preparação cuidadosa e o conhecimento do protocolo da corte.31 Os contactos iniciais eram
muitas vezes feitos de forma oportunista. As primeiras trocas com o imperador de Bisnaga (1509-29), realizaram-se através de um franciscano,
Frei Luís do Salvador; este havia viajado para o interior desde Cananor, em 1503, na esperança de conversões, e depressa se tornou visita
regular da corte do imperador.

Os laços criados no início do século XVI com estados como Bisnaga e a Tailândia ilustram a forma rápida como os portugueses se adaptaram a
algumas das realidades políticas da Ásia marítima.

Os portugueses tentaram mas falharam sempre a inclusão da China nesta rede diplomática formal. D. Manuel pretendia estabelecer contacto
com a China por causa da sua óbvia importância comercial mas não só; estava também muito preocupado que os Castelhanos, que se
aproximavam da Ásia oriental através do Pacífico, em breve estivessem em posição de se adiantarem a ele. Por isso em 1515, mesmo antes de
receber notícias sobre a viagem de reconhecimento de Jorge Álvares ao sul da China, enviou uma armada portuguesa para Guangzhou, sob o
comando de Fernão Peres de Andrade, que transportava uma missão diplomática. 32 O líder da missão era Tomé Pires; era especialista em
drogas e especiarias exóticas, possuía uma longa experiência da Ásia marítima e acabara de compor a Suma Oriental, um tratado sobre as
terras e povos da Ásia com uma ênfase especial no Extremo Oriente. Pires e o seu grupo chegaram ao rio das Pérolas em Agosto de 1517, mas
durante mais de dois anos não foram autorizados a prosseguir para lá de Guangzhou. Quando finalmente receberam licença para continuar
partiram para Nanjing, capital do sul, em Janeiro de 1520. Pires teve o privilégio, aparentemente invulgar, de ser recebido de modo informal

31
BIEDERMANN (2005).
32
PIRES (1978); THOMAZ (1995).
pelo jovem imperador. Um pouco mais tarde viajou para a corte em Pequim onde, depois de receber instruções sobre o cerimonial necessário,
esperou ser recebido numa audiência mais formal e ter a oportunidade de conduzir negociações substanciais. No entanto, pouco tempo depois
de Pires chegar a Pequim, a sua posição começou a ser questionada devido às queixas na corte contra a tomada de Malaca por Albuquerque.
Malaca era uma cidade que a China via como sua tributária. As autoridades chinesas estavam também a receber relatórios hostis acerca do
comportamento agressivo de outros portugueses – expedicionários e mercadores – nas costas do sul da China. Por fim, após rigoroso
escrutínio, a carta de apresentação formal de D. Manuel trazida por Pires foi julgada inaceitável. A referência ao imperador como “irmão” terá
ofendido as sensibilidades chinesas, por parecer presumir a igualdade. Os portugueses foram instados a entregar Malaca ao sultão e o pedido
de autorização para comerciar foi recusado. A situação deteriorou-se para Tomé Pires com a morte repentina do Imperador. Esta morte
significava o abandono imediato de Pequim de todas as missões estrangeiras e Pires regressou a Guangzhou. 33 À chegada descobriu que
também aí a sua posição se encontrava terrivelmente comprometida, desta vez pelo comportamento insensível de uma armada portuguesa
visitante. Tomé Pires e os companheiros foram detidos e repetidamente interrogados. Morreram todos na prisão provavelmente na década de
1530.34

A missão diplomática de Tomé Pires foi um falhanço total. A desilusão ainda era maior porque, tal como frisou Loureiro, muito antes da
intervenção da “embaixada” já os comerciantes portugueses faziam negócio na cosa do sul da China. O único resultado da missão foi, afinal, a
exclusão definitiva de todos os portugueses dos portos chineses

33
LOUREIRO (2000).
34
CHANG (1963); THOMAZ (1998); LOUREIRO (2000).

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