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L IVRO CONTA A HISTÓRIA DOS ÚLTIMOS FALANTES DE PORTUGUÊS DA Í NDIA

“Os Órfãos de Portugal” traz entrevistas com indianos de Goa, Damão e Diu, ex-
colônias lusitanas no subcontinente
Em 2005, o professor Eduardo de Almeida Navarro, do curso de Letras da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, viajou para o
estado indiano de Goa a fim de realizar uma pesquisa de pós-doutorado no Xavier
Centre of Historical Research. Fascinado com os resquícios da presença lusitana na
região, sobretudo o idioma, decidiu empreender uma série de entrevistas com falantes
da língua portuguesa, um projeto que se alargou para as cidades de Damão e Diu. Entre
junho e agosto de 2005, com uma segunda temporada em janeiro de 2008, conversou
com indianos fluentes em português dos mais variados perfis, na busca por um
panorama dos vestígios da Índia lusitana.
O resultado desse trabalho é o livro Os órfãos de Portugal, que acaba de ganhar
uma nova edição digital para o e-reader Kindle, da Amazon. Publicado em formato físico
em 2013 (esgotado), o e-book apresenta entrevistas com cristãos, hindus, muçulmanos,
advogados, donas de casa, engenheiros, padres, jovens e idosos. São relatos nos quais o
saudosismo e a melancolia se conjugam numa relação complexa com a antiga
metrópole.
“Dei ao livro o nome Os Órfãos de Portugal porque o que mais se observa é esse
sentimento de orfandade e saudosismo em relação à perda da cultura portuguesa, da
língua portuguesa”, comenta Navarro.
Ascensão e queda de um império colonial
Goa, Damão e Diu fizeram parte do império ultramarino português desde o
século 16 até o começo da década de 1960, sendo as últimas possessões de um país
europeu na Índia. A invasão de Goa por Portugal remonta a 1510. Nos anos seguintes –
o apogeu lusitano das grandes navegações –, outros territórios do subcontinente indiano
seriam tomados: Cochim, Bombaim e Madras, além de Damão e Diu.
O desaparecimento de Dom Sebastião e a união das coroas ibéricas, culminando
no declínio português, permitiram que outras potências colonialistas da Europa
progressivamente arrancassem algumas dessas áreas aos lusitanos. Ainda assim, no
século 18 Portugal anexaria Bicholim, Pernem, Sattari, Antruz, Canacona, Dadrá e
Nagar-Haveli.
Com a independência em relação aos ingleses, conquistada em 1947, a Índia
passa a exigir a libertação de Goa, Damão e Diu. António Salazar, o então ditador
português, recusa negociações e o resultado é uma ação militar de três dias em
dezembro de 1961. Era o fim do domínio lusitano no que restara de seu império no
subcontinente. É significativo que, no mesmo ano, explodia na África a guerra de
libertação de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique.
Goa, com seus 3.700 km², vegetação e praias que lembram o Nordeste brasileiro,
sempre foi o mais importante dos três territórios em termos econômicos e políticos, com
suas cidades sendo capitais da Índia portuguesa ao longo de quatro séculos. Em seu
apogeu, chegou a ser chamada de Roma do Oriente e um dito popular afirmava que
“quem viu Goa não precisa ver Lisboa”. A independência fez com que se tornasse um
estado indiano, hoje ocupado por cerca de 1,5 milhão de pessoas. Damão, por sua vez, é
uma cidade de 72 km² e cerca de 115 mil habitantes, enquanto Diu possui 39 km² e 52
mil habitantes. Atualmente são territórios da União.
O ocaso do português
Apesar de nunca ter sido majoritária nas colônias indianas – Navarro aponta que
apenas 3% da população de Goa falava português à época da libertação, sendo o concani
a língua principal e hoje o idioma oficial do Estado –, a língua lusitana teve papel
decisivo na identidade cultural de seus falantes. Quando deixou de ser ensinada nas
escolas – uma das consequências da maneira violenta como se deu a anexação –, parte
dessa identidade começou a esmorecer.
A singularidade de Goa, Damão e Diu, aponta Navarro, é que, diferentemente das
ex-colônias portuguesas que se tornaram Estados independentes – caso do Brasil,
Angola e Moçambique, por exemplo –, na Índia não houve reconhecimento do
português como língua oficial. Hoje ela é ensinada nas escolas como uma disciplina
opcional.
“É uma situação muito triste”, comenta o professor. “Todos os territórios em que
o português é falado, ao se tornarem independentes, continuaram a falar a língua
portuguesa porque havia um Estado que a tornava uma língua oficial. No caso de Goa,
Damão e Diu, foi muito diferente. Aquela população falante de português deixava de ter
um Estado por trás que garantisse sua língua. Eram as raízes culturais daqueles povos e,
da noite para o dia, eles deixaram de ter um sustentáculo político para a sua cultura.”
Sob essa condição, conforme aponta Navarro na introdução do livro, a língua
portuguesa na Índia enfrenta o risco de extinção. Uma língua primeiramente das elites,
verdade seja dita, mas também da literatura e do catolicismo, pontua o professor.
“O que realmente manteve a cultura portuguesa viva foi a Igreja porque, embora
eles tivessem deixado de pertencer a Portugal, a religião católica é supranacional”,
afirma. “Os bispos e arcebispos de Goa ainda eram falantes de português, os padres
continuaram a rezar as missas em português.”
Contradições pós-coloniais
Para captar a complexidade desse quadro – a positividade que representou o fim
do colonialismo, de um lado, e o desamparo cultural e linguístico vindo em sua esteira,
por outro –, Navarro percorreu Goa, Damão e Diu em busca de pessoas proficientes no
idioma português. Fez todas as entrevistas na língua, sem necessidade de traduções,
conforme frisa.
O que encontrou foram histórias de vida nas quais essas contradições se
entrelaçam e tomam forma. É o caso do padre católico nostálgico pela antiga condição
de colônia. Ou do intocável – o nível mais baixo do rígido sistema de castas indiano –
que renega o hinduísmo em discurso acalorado. Ou mesmo do muçulmano que, através
da fala, explicita o complicado panorama da Índia falante de português.
“Um muçulmano se expressando em português, falando sobre o que é ser
muçulmano na Índia, um país em que os hindus são dez vezes mais, em números, do
que os islamitas”, comenta o professor. “Ele apresenta uma situação muito interessante,
que nós nem imaginávamos possível: muçulmanos buscando pertencer a Portugal
porque tinham um tratamento melhor antes do que pertencendo à Índia, que é
maciçamente hinduísta”, complementa Navarro.

RAMOS HORTA DIZ QUE PORTUGUÊS ESTÁ A SOBREVIVER MUITO MAIS DO QUE SE
ESPERAVA EM TIMOR-LESTE
O antigo chefe de Estado de Timor-Leste José Ramos-Horta sublinhou a
seriedade de Portugal quando se optou pelo português como língua oficial no país,
notando que a língua evoluiu muito mais do que se esperava.
Numa resposta a uma pergunta durante uma entrevista de vida realizada no
âmbito da terceira edição da Morabeza – Festa do Livro, promovido na cidade da Praia
pelo Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas de Cabo Verde, Ramos-Horta
referiu que o português é um dos três pilares da identidade timorense, a par da língua
nacional tétum e da religião católica.
O antigo chefe de Estado lembrou que no último ano da missão civilizadora
portuguesa apenas 7% dos timorenses falavam o português, mas que essa percentagem é
atualmente de 30% dos pouco mais de 1,2 milhões de pessoas. “O português está a
sobreviver muito mais do que se esperava em Timor-Leste”, considerou, frisando que,
nos últimos dez anos, a língua de Camões já se infiltrou muito no tétum, a língua
nacional oral.
“O Portugal antigo, antes do 25 de abril, fez muito pouco, ou quase nada, pelo
português em Timor. Se hoje o português está a expandir em Timor, é graças à seriedade
com que Portugal responde à nossa decisão estratégica de utilizar o português como
língua oficial”, enfatizou.
Neste sentido, entendeu que a literatura e o livro podem ligar os países que falam
o português, não obstante Timor-Leste estar numa fase em que a produção literária em
português e em geral ainda é muito limitada. Ramos-Horta lembrou que a embaixada de
Portugal em Timor-Leste, a Fundação Oriente e o Instituto Camões têm feito iniciativas
ao longo dos anos, como feiras de livros e cinema de língua portuguesa.
“Não é nada de novo que nós não tenhamos feito. E verificamos que essas
iniciativas como esta que está aqui a acontecer agora é muito útil também porque os
livros são de preço acessível”, sustentou, indicando que o livro mais comprado em
Timor é o dicionário de língua portuguesa. “Porque é muito útil, prático para os jovens
que ainda estão a aprender o português”, notou.
A edição de 2019 da Morabeza arrancou na sexta-feira à noite, cidade da Praia, e
conta com uma feira do livro com obras de autores internacionais e lusófonos, bem
como mesas de debate, visitas a escolas, ‘showcooking’, sessões de literatura com
crianças, pintura de murais e debates.
Na cidade da Praia, a Biblioteca Nacional de Cabo Verde foi a escolhida para
receber os encontros com os autores, mas o evento estende-se à ilha do Fogo, onde a
programação divide-se entre Chã das Caldeiras, Santa Catarina, São Filipe e Mosteiros.
Entre outros convidados para conversas com o público está prevista a presença
na Morabeza deste ano de Abdulai Sila, escritor da Guiné-Bissau, Eurídice Monteiro,
Fausto do Rosário, Germano Almeida, Manuel Veiga e Margarida Fontes, de Cabo
Verde, Conceição Lima, de São Tomé e Príncipe, Mário Augusto e João Tordo, de
Portugal, e Ondjaki, de Angola.

LÍNGUA PORTUGUESA MOTIVA CONFRONTOS EM TIMOR-LESTE


Duas deputadas timorense envolveram-se em confrontos físicos e verbais durante
uma discussão sobre o uso do português num debate na comissão de Finanças Públicas,
na sala do plenário do Parlamento Nacional. A discussão começou quando Olinda
Guterres, do Kmanek Haburas Unidade Nacional Timor Oan (KHUNTO), criticou a
deputada do Congresso Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT) Fernanda Lay por
falar em português numa interpelação durante o debate, na presença da vice-ministra
da Solidariedade Social e Inclusão, Signi Chandrawati Verdeal, entre outros.
“A senhora Fernanda Lay fez a sua intervenção em português e eu fiz um ponto
de ordem porque as pessoas não compreendem português e a pedir para falar em
tétum”, disse Olinda Guterres à Lusa. “Pedi para falar em tétum porque o orçamento é
importante e as pessoas têm que perceber”, afirmou a deputada do KHUNTO.
Fernanda Lay criticou os comentários de Olinda Guterres, que acusou de ter feito
“comentários racistas” e de a ter chamado “china pirata”. “Eu falei em português e ela
disse para não falar porque ela não entende. E eu mostrei-lhe a Constituição. Mas ela
começou aos berros e chamou-me china pirata. Onde é que já se viu comentários
racistas no parlamento”, questionou Lay. “Se ela não compreende, nós temos aulas
gratuitas aqui no Parlamento”, acrescentou.
As deputadas acabaram por se envolver em agressões físicas, tendo que ser
separadas por outros deputados. A presidente da comissão C, Maria Angélica dos Reis,
acabou por interromper a audição, que decorria no plenário, tendo sido retomada pouco
tempo depois com apelos à calma.
Os incidentes ocorreram durante um debate das comissões especializadas C, D e
F sobre um pedido do Governo para um levantamento adicional do Fundo Petrolífero
(FP) e de alterações à lei do Fundo Covid-19, para dar mais amplitude às despesas que
pode abranger.
A tensão já se tinha sentido na terça-feira com Olinda Guterres que fez várias
intervenções aos gritos a ter de ser agarrada por colegas da bancada, para impedir que
agredisse uma outra deputada do CNRT Vírgina Ana Belo, de acordo com testemunhas
ouvidas pela Lusa.

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