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Introdução
Do trabalho foi usado consultas bibliográficas de várias obras de vários autores, pois,
apresenta algumas ideias sobre o processo de formação de uma identidade do povo cabo
verdiano passando a destacar o papel das instituições no cariz social e da natureza, que, nos
primórdios da colonização e povoamento eclodiu.
Segundo Amaral (1991), o país denominado República de Cabo Verde, é constituído por dez
ilhas e algumas ilhotas de origem vulcânica, em sua maioria montanhosas. Está situada na
zona tropical do Atlântico Norte, a uma distância aproximada de 450 a 500 km da costa
ocidental africana. De modo geral, as condições climáticas desfavorecem as riquezas naturais
e vão constituindo o caráter físico e humano do arquipélago.
As pesquisas de Amaral (1991) e Lopes Filho (2008) sugerem que as primeiras ilhas foram
descobertas em 1º de maio de 1460 e, dentre elas, destaca-se a ilha de Santiago4 , pois lá se
deu o início do povoamento que começou em 1462 e, mais tarde, foi elevada ao título de Vila
da Ribeira Grande (atual Cidade Velha). Assim que as ilhas foram doadas ao príncipe
português D. Fernando, em 1460, iniciou o processo de povoamento por meio da instauração
de capitanias.
Para tal, D. Fernando, juntamente com alguns criados, António da Noli e alguns casais de
uma província de Portugal, partiram em direcção a Santiago, constituindo, assim, os primeiros
povoadores conhecidos de Cabo Verde. Contudo, o clima não favorecia o trato com a
agricultura e a pecuária e, por isso, António da Noli importou negros do continente africano,
uma prática normal e aceita em Portugal, mais especificamente de Guiné e da Serra Leoa.
Para Domingues (1991) e Barros (1939), o povoamento não se deu da forma esperada, pois os
possíveis colonos não tinham interesse em um ambiente que não potencializasse a agricultura
e a pecuária. Porém, a fim de explorar as terras recebidas, mas sem sucesso em relação a uma
“migração espontânea”, após cinco anos, António da Noli percebeu a necessidade de conceder
“benefícios” de forma que a migração acontecesse. Reconhecendo o mercantilismo como uma
prática comercial muito lucrativa, António da Noli encontrou na posição geográfica do
arquipélago a forma de atrair povoadores, ou seja, ao mesmo tempo em que o clima não era
um factor que estimulasse o povoamento, a posição geográfica acabava favorecendo o
comércio de produtos e escravos
O arquipélago de Cabo Verde é um país africano cuja população, bem como sua língua nativa
o crioulo de Cabo Verde ‘resultam’ diretamente do fenômeno da expansão ultramarina
portuguesa que levou à mestiçagem de europeus com africanos de diversas etnias nas ilhas
cabo-verdianas.
Cabo Verde em uma posição geográfica favorável à prática de comércio de escravos, pois está
localizado entre os continentes das Américas, Europa e África. De acordo com Amaral
(1991), Domingues (1991) e Barros (1939), o arquipélago torna-se um importante local para o
exercício de tal prática, especificamente na Ilha de Santiago. A partir do benefício concedido,
por intermédio da Carta Régia de 1466, os moradores poderiam ir a diferentes partes da Guiné
comercializar escravos, além de isenções fiscais. Tais benefícios foram concedidos para
estimular a migração e, por isso, o povoamento de Cabo Verde passa a ser constituído
principalmente por brancos europeus (em sua maioria portugueses, mas também vieram
espanhóis) e africanos (em sua maioria escravos).
Amaral (1991), Domingues (1991) e Barros (1939) destacam ainda que, juntamente com os
escravos oriundos da costa ocidental da África, vieram as diferentes línguas africanas. Da
mesma forma, aconteceu com os portugueses que, vindos de diferentes regiões de Portugal e
das ilhas próximas, possuíam dialectos distintos. Com isso, a comunicação se tornava muito
difícil, pois os portugueses pouco se entendiam entre si, devido aos diferentes dialectos e, de
igual modo, acontecia com os africanos que, por possuírem também línguas distintas e na
maioria das vezes, não se entendiam. E tratando-se da comunicação entre europeus e
africanos, a situação era ainda pior, contudo, o diálogo era necessário. A partir disso, surge,
então, outra possibilidade de comunicação, abrindo espaço para o surgimento da Língua
Crioula cabo-verdiana.
Foi nesse contexto que se originou o crioulo de Cabo Verde. A situação actual ainda é de
grande mestiçagem: 80% da população é mestiça, 17% é negra, e apenas 3% da população é
branca Cabo Verde (2013).
Ao falar da identidade, em Cabo Verde é imprescindível destacar o papel das instituições de
cariz social e religioso, que, nos primórdios da colonização e povoamento (1460-1462), foram
importantes na afirmação cultural e identitária desta Nação. É indispensável também ter em
conta as características endógenas do arquipélago de Cabo Verde, tais como: a geografia, o
clima e o território, permitindo que, no universo dos países colonizados pelo Império
Português, a Nação se apresentasse como única e singular, e a identidade nacional se
estruturasse em torna de várias subestruturais como: a língua, a música, a gastronomia, a
literatura entre outras.
“A língua cabo-verdiana é, deste modo, a nossa bandeira cultural e um dos elementos mais
significativos do nosso cartão de identidade” (Veiga 2002: 7). A língua cabo-verdiana, como
língua materna, surgiu da necessidade urgente de comunicação e de compreensão mútua entre
grupos presenciais no povoamento/colonização do Arquipélago de Cabo Verde. Surge da
interacção e interadapatação entre as línguas presentes neste processo. Ela nasce no contexto
colonial português, o que possibilitou a sua passagem por um processo sociolinguístico e
consequentemente com marcas visíveis na sua estrutura linguística (Lima 1992: 24-25).
, Pereira (2006, p. 19-20) destaca que: “Crioulo” é uma palavra derivada de “cria”
(significando “pequena cria”, “pequeno animal de mama”) e foi, segundo alguns autores,
usada originalmente para designar os animais domésticos nascidos na casa dos seus donos.
Só posteriormente o termo passou a aplicar-se também aos indivíduos que, de algum modo,
estavam ligados às terras descobertas ou colonizadas pelos europeus, embora o seu
significado fosse muito variável, referindo-se tanto à mistura de sangue quanto à
naturalidade. [...] O termo crioulo era assim usado para designar que os escravos, desde os
finais do século XV, se criavam nas terras descobertas e ocupadas pelos portugueses (Cabo
Verde foi o primeiro arquipélago africano a ser encontrado), tendo-se estendido a todos os
naturais dessas terras, nelas nascidos. Também na Ásia, “crioulos” eram os naturais da terra,
filhos de pais europeus, por oposição aos “reinóis”, nascidos no Reino.
A teoria euro genética defende que o crioulo foi formado pelos colonizadores portugueses,
numa simplificação da língua portuguesa de modo a torná-la acessível aos escravos africanos.
É o ponto de vista de alguns autores como Prudent, Waldman, Chaudesenson, Lopes da Silva.
A teoria afrogenética defende que o crioulo foi formado pelos escravos africanos,
aproveitando as gramáticas de línguas da África Ocidental, e substituindo o léxico africano
pelo léxico português. É o ponto de vista de alguns autores como Adam, Quint.
A teoria neurogenética defende que o crioulo formou-se espontaneamente, não por escravos
nascidos no continente, mas pela população nascida nas ilhas, aproveitando as estruturas
gramaticais inatas com as quais todo o ser humano nasce.
É o ponto de vista de alguns autores como Chomsky, Bickerton, que explicaria porquê que os
crioulos localizados a quilómetros de distância apresentam estruturas gramaticais similares,
mesmo sendo de base lexical diferente. O melhor que se pode dizer é que nenhuma dessas três
teorias foi concludentemente provada.
Rodrigues (2010) confirma que a origem da Língua Crioula cabo-verdiana está associada à
busca pela sobrevivência dos escravos que, por virem de diferentes partes da África e não
falarem a mesma língua, precisavam estabelecer uma comunicação na busca pela resistência
como grupo.
Segundo Veiga (2015, p. 179): Foi o nível zero das línguas em contacto, no chão da ilha de
Santiago, primeiro, e, logo depois, nos rincões da ilha do vulcão. Nessa fase inicial, não havia,
para os negros estantes ou flutuantes, nenhuma identidade linguística social, como também
não havia ainda nenhuma identidade nem cultural e nem antropológica comunitária. Havia,
sim, mais bocados de história, pedaços de cultura e manifestações idiolectais do que uma
comunidade antropológica e linguística coesa.
Numa primeira fase foi colonizada a ilha de Santiago (2.ª metade do séc. XV), e em seguida a
do Fogo (fins do séc. XVI).
Numa segunda fase foi colonizada a ilha de São Nicolau (sobretudo na 2.ª metade do séc.
XVII), e em seguida a de Santo Antão (sobretudo na 2.ª metade do Séc. XVII).
Numa terceira fase, foram colonizadas as restantes ilhas a partir de populações originárias das
primeiras ilhas: Brava foi colonizada a partir de populações do Fogo (sobretudo no início do
séc. XVIII), Boa Vista foi colonizada a partir de populações de São Nicolau e Santiago
(sobretudo na 1.ª metade do Séc. XVIII), Maio foi colonizada a partir de populações de
Santiago e Boa Vista (sobretudo na 2.ª metade do séc. XVIII), São Vicente foi colonizada a
partir de populações de Santo Antão e São Nicolau (sobretudo no séc. XIX), Sal foi
colonizada a partir de populações de São Nicolau e Boa Vista (sobretudo no séc. XIX).
O crioulo cabo-verdiano atravessou um processo de evolução até se tornar a língua que hoje
identifica a Nação cabo-verdiana. A sua formação e evolução deve-se a três fases importantes:
o pidgin; o proto crioulo e o crioulo, ou seja, a língua cabo-verdiana.
Em Santiago, a crioulização do português deve, portanto, ter começado logo nas primeiras
décadas após a descoberta. Por conseguinte, o crioulo desta ilha é um dos mais antigos
crioulos de base europeia ainda vivos, ou talvez até o mais antigo. Os escravos oriundos do
continente africano eram baptizados em Santiago e recebiam aí uma instrução rudimentar
(latinização), o que poderia explicar a presença de certos elementos luso crioulos em muitas
línguas crioulas das Caraíbas (Lang 2001: 228-229).
Um escritor anónimo no ano de 1784, considerava que, pela grande influência da língua
crioula cabo-verdiana ou do “falar da terra”, os brancos, na sua maioria, não comunicavam em
português puro.
A justificação era que “raro (são) os que sabem falar a língua portuguesa com perfeição, e só
vão seguindo o estilo de falar da terra” (Carreira 1982: 68) ou seja, da língua crioula cabo-
verdiana, que se afirmava paulatinamente e influenciava mutuamente a comunicação entre os
senhores brancos e entres estes e os escravos. A língua crioula cabo-verdiana surgiu nas
circunstâncias em que o colonizador não conseguiu “impor a sua língua no seu relacionamento
com o escravo nos primórdios do povoamento, aconteceu um processo de aproximação através da
utilização comum, embora limitada, de versões simplificadas de ambas as línguas” (Filho 1981: 14).
A importância do português no surgimento da língua crioula cabo-verdiana é reconhecida,
partilhando ambas o mesmo universo e definindo a situação sociolinguística em Cabo Verde.
Considera-se que a língua crioula cabo-verdiana é uma “forma menos correcta do português”
(Fanha 1983: 297).
Situação actual
Apesar de o crioulo ser a língua materna de quase toda a população de Cabo Verde,
o português ainda é a única língua oficial. Entretanto há actualmente um movimento para
tornar a língua oficial no país.
Como a língua portuguesa é utilizada na vida quotidiana (na escola, pela administração
pública, em actos oficiais, etc.) o português e o crioulo vivem num estado de diglossia.
O crioulo de São Vicente foi divulgado através dos poemas de Sérgio Frusoni. Por seu lado, o
crioulo da Brava é conhecido através das mornas de Eugénio Tavares, o crioulo de Santo
Antão pelos contos de Luís Romano de Madeira Melo e o crioulo do Fogo pela colectânea de
contos de Elsie Clews Parsons
Bú câ ê Bú câ ê
bunítu. bunítu. Bô câ ê b’nít’. Bô câ ê b’nít’. Bô n’ ê b’nít’. Tu não és
[bu kɐ e bu [bu kɐ e bu [bo kɐ e bnit] [bo kɐ e bnit] [bo ne bnit] bonito.
ˈnitu] ˈnitu]
Cumó’ qu’ ê ’Módi qu’ ê Qu’ manêra Qu’ manêra Qu’ menêra Como é o teu
qu’ ê bô qu’ ê bô qu’ ê bô
bú nômi? bú nómi?
nôm’? nôm’? nôm’?
[kuˈmɔ ke [ˈmɔdi ke bu nome?
[k mɐˈneɾɐ ke [k mɐˈneɾɐ ke [k meˈneɾɐ ke
bu ˈnomi] ˈnɔmi]
bo nom] bo nom] bo nom]
encôntra / encontrá ,léxico português, em crioulo seria mais comum átcha / otchá;
púrqui / púrq’ , léxico português, em crioulo seria mais comum pamódi / pamód’;
procurâ-’s / procurá-’s ,léxico português, em crioulo seria mais comum spiâ-’s / spiá-’s;
Apesar de o crioulo não estar oficializado, existe uma normativa governamental que defende a
criação de condições necessárias para a oficialização do crioulo. Essa oficialização ainda não
foi efectivada sobretudo porque o crioulo não está normalizado, por vários motivos:
Existe uma grande fragmentação dialectal. Os falantes opõem-se a falar uma variante
que não seja a sua.
Ausência de normas a estabelecer qual a forma correcta (e grafia) a ser adoptada para
cada palavra. Por ex. apenas para a palavra correspondente à palavra portuguesa
«algibeira»,
Fernandes registaasformas algibêra,agibêra,albigêra, aljubêra, alj’bêra, gilbêra, julbêra
, lijbêra.
Ausência de normas a estabelecer quais os limites lexicais a serem adoptados. É
frequente os falantes do crioulo, ao escrever, juntarem classes gramaticais diferentes.
Por ex. pâm… em vez de pâ m’… «para que eu…».
Ausência de normas a estabelecer quais as estruturas gramaticais a serem adoptadas.
Não são apenas diferenças dialectais, até numa só variante encontram-se flutuações.
Por ex.: na variante de Santiago, quando existem duas orações e uma é subordinada à
outra, existe concordância nos tempos dos verbos (bú cría pâ m’ dába «tu querias que
eu desse»), mas alguns falantes não a praticam (bú cría pâ m’ dâ ou bú crê pâ m’
dába).
O sistema de escrita adoptado (ALUPEC) não foi bem aceite por todos. Ainda não
estão estabelecidos os níveis de linguagem: familiar, formal, informal, científico, gíria.
O sistema de escrita
Apesar de o alupec ser o único sistema de escrita oficialmente reconhecido pelo governo de
Cabo Verde, a mesma lei permite o uso de outros modelos de escrita, «desde que apresentados
de forma sistematizada e científica». Por esse motivo, como nem todos os leitores estão
familiarizados com o ALUPEC ou com o AFI, nos artigos do Wikipédia sobre o crioulo cabo-
verdiano foi adoptado um sistema de escrita alternativo:
A escolha entre a letra m, n ou o til para representar a nasalidade das vogais é feita segundo
uma base etimológica, ou seja, se em português é escrito com m em crioulo é escrito com m,
se em português é escrito com n em crioulo é escrito com n, se em português é escrito com til
em crioulo é escrito com til.
o vocabulario
A página das Etimologias do Dicionário Caboverdiano Português On-Line fornece uma ideia
de diferentes origens do vocabulário cabo-verdiano.
Por exemplo:
Fonologia
vogai
centrais
anteriores posteriores
não-
não-arredondadas arredondadas
arredondadas
semifechada
/e/, /ẽ/ /o/, /õ/
s
apicai
labiais pré-dorsais pós-dorsais
s
nasai
/m/ /n/ /ɲ/ /ŋ/
s
Gramatica
Excerto da letra de Dôci Guérra da autoria de Antero Simas. A letra completa pode ser
encontrada (com uma ortografia diferente) em CABOINDEX » Doce Guerra.
transcrição segundo
crioulo tradução para português
o AFI
Papái, bêm dzê-m’ quí ráça /pɐˈpaj bẽ dzem ki ˈʀasɐ Papai, vem dizer-me que raça nós
quí nôs ê, óh pái ki noʒ e ɔ paj somos, oh pai
Nôs ráça ê prêt’ má’ noʒ ˈʀasɐ e pɾet ma bɾɔ̃k A nossa raça é pretos com brancos
brónc’ burníd’ nâ vênt’ buɾˈnid nɐ vẽt brunidos no vento
Burníd’ nâ temporál dí buɾˈnid nɐ tẽpoˈɾal di Brunidos no temporal da escravatura,
scravatúra, óh fídj’ ʃkɾɐvɐˈtuɾɐ ɔ fiʤ oh filho
Úm geraçõ dí túga cú ũ ʒeɾɐˈsõ di ˈtuɡɐ ku ɐfɾi Uma geração de portugueses com
africán’ ˈkan africanos
Ês bêm dí Európa farejá eʒ bẽ di ewˈɾɔpɐ fɐɾeˈʒa Eles vieram da Europa farejar
riquéza ʀiˈkɛzɐ riquezas
Ês vendê fídj’ dí África nâ eʒ vẽˈde fiʤ di ˈafɾikɐ Eles venderam filhos da África na
scravatúra nɐ ʃkɾɐvɐˈtuɾɐ escravatura
Carregód’ nâ fúnd’ dí porõ kɐʀeˈɡɔd nɐ fũd di poˈɾõ Carregados no fundo do porão das
dí sês galéra di seʒ ɡɐˈlɛɾɐ suas galeras
D’bóx’ dí chicôt’ má’ júg’ dbɔʃ di ʃiˈkot ma ʒuɡ Debaixo do chicote e jugo colonial
culuniál kuluniˈal Alguns que ficaram por aqui
Algúns quí f’cá pralí
ɐlˈɡũʒ ki fka pɾɐˈli ɡɐ
gatchód’ nâ rótcha, óh fídj’ escondidos nas montanhas, oh filho
ˈʧɔd nɐ ˈʀɔʧɐ ɔ fiʤ
Trançá má’ túga, ês criá Misturaram-se com os portugueses,
tɾɐ̃ˈsa ma ˈtuɡɐ eʒ kɾiˈa
êss pôv’ cab’verdián’ eles criaram este povo cabo-verdiano
es pov kabveɾdiˈan
Êss pôv’ quí sofrê Este povo que sofreu quinhentos
es pov ki soˈfɾe kiˈɲẽtʃ
quinhênt’s ón’ di turtúra, anos de tortura, oi, oi
ɔn di tuɾˈtuɾɐ oj oj
ôi, ôi Este povo que revoltou-se
es pov ki ʀɐvultiˈa tɐ
Êss pôv’ quí ravultiá inteiramente
ˈbãkɐ ĩˈteɾ/
tabánca intêr’
Grosjean (2008) conceitua como bilíngue o indivíduo que faz uso de, pelo menos, duas
línguas em seu cotidiano e argumenta que a aquisição das línguas por pessoa bilíngue se dá
em momentos distintos da vida, assim como uma das línguas é melhor falada se comparada à
outra, sendo que muitos leem ou escrevem em apenas uma das línguas que falam.
O autor argumenta ainda que, o bilinguismo pode ser percebido como um fenômeno comum,
em países que utilizam mais de uma língua, visto que o falante não precisa ser fluente nas
duas línguas
A situação linguística em Cabo Verde pode parecer à primeira vista um bilinguismo, mas, na
verdade, não há um verdadeiro bilinguismo, porque, por um lado, o bilinguismo exige da
comunidade um domínio efectivo dos dois sistemas linguísticos presentes e de igual estatuto
oficial equiparado; por outro lado, o português, apesar de ser a língua oficial em Cabo Verde,
é usado apenas em situações especiais de comunicação, o que se traduz num uso restringido
dessa língua por parte da população, ou seja, o uso em circunstâncias específicas e formais de
uma pequena elite (Veiga 2004: 99).
Seria um equívoco considerar que a sociedade cabo-verdiana é bilingue, porque apesar de os
cabo-verdianos entenderem o português, nem todos falam esta língua (Lima 1979: 109-112).
A relação que se estabelece entre as duas línguas em Cabo Verde (português e a língua crioula
cabo-verdiana), não se trata de uma relação de “bilingualidade”, mas sim de diglossia. O
bilinguismo tornarse-á real no momento em que existir “uma relação existencial e
comprometida entre as duas línguas”, no seio da comunidade cabo-verdiana, e, se assim vier a
ser, verificar-se-á um enriquecimento cultural do povo cabo-verdiano (Duarte 2003: 279).
Existe uma diglossia em Cabo Verde, e “é caracterizada pela exclusividade dos contextos da
escrita para a língua portuguesa e pela predominância do uso da língua materna nos contextos
de oralidade” (Mendes 2004: 15).
Esta interferência pode, de facto, ocorrer quer a nível fonético-fonológico, quer a nível
morfológico e/ou sintáctico. Muitos cabo-verdianos desconhecem a fronteira linguística entre
o português e a língua crioula cabo-verdiana, o que facilita a invasão mútua das fronteiras,
impossibilitando uma aprendizagem sadia e consistente dessas línguas.
Conclusao
Carreira, António (1983): Cabo Verde: Formação e extinção de uma sociedade escravocrata
(1460-1878). Praia: Instituto Caboverdiano do Livro.
Carreira, António (1982): O Crioulo de Cabo Verde: Surto e Expansão. Lisboa: MemMartins
Gráfica. Caniato, Benilde Justo (2002): “Língua Portuguesa e línguas Crioulas nos Países
Africanos”. Via Atlântica, número 5: 129-138.
Delgado, Carlos Alberto (2008): Crioulo de Cabo Verde: Situação linguística da zona de
barlavento. Praia: Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro.
Duarte, Dulce Almada (2002): “História da Escrita em Cabo Verde”. In: Grupo para a
Padronização do Alfabeto (Orgs.) Proposta de Bases do Alfabeto Unificado para a Escrita do
Cabo-verdiano. Praia: IIPC: 49-97.