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A DIÁSPORA AFRICANA E SUA INFLUÊNCIA NA LÍNGUA

PORTUGUESA NO BRASIL
RESUMO
Se a cor de suas peles, seus costumes tribalistas e sua fé foram os pontos de maior
rejeição dos europeus para com os africanos, na vinda involuntária destes para o novo
mundo, é inegável que a resistência negra se deu, em grande parte, na persistência de
um corpus linguístico passado através de ensinamentos religiosos e culturais deste povo.
Inegável é a influência de línguas africanas na constituição da nossa própria língua,
mesmo sem qualquer status oficial. Portanto, nesse artigo, discorreremos sobre o
possível marco inicial e analisaremos as variações linguísticas sofridas pela Língua
Portuguesa no cenário das expressões populares. Para tanto, nos valeremos de estudos
históricos acerca do Brasil colonial nas ANDRADE (2000), da autora HEYWOOD
(2008.), bem como textos linguísticos e etnoliguísticos nas obras de PETER E FIORIN
(2008), Margarida Petter (Org.) e PETTER (2015). Veremos, assim, que tais marcas são
tão fortes quantos às deixadas pelo açoite dos chicotes nas pretas carnes.

Palavras-Chave: Linguística, Etnolinguísta, Língua Africana, Língua Portuguesa,


Diáspora.

INTRODUÇÃO
Diáspora Africana, conhecida também como Diáspora Negra, é o nome dado ao evento
sociocultural e histórico ocorrido no continente africano devido à imigração forçada,
para fins escravagistas e que perdurou do período colonial ao final do século XIX, onde
os que sobreviviam aos navios negreiros, aportando no Novo Mundo, eram privados,
acima de tudo, da própria dignidade. E isso é de conhecimento de todos.

O que muitos desconhecem, e trataremos nesse trabalho, é que da miséria da condição


humana nasce um importante elo para a nossa língua pátria. Conforme a obra Andrade
(2000), vemos uma importante contribuição no que podemos chamar hoje de idioma
brasileiro, compreendemos o Brasil como um país miscigenado pelo tráfico negreiro,
responsável pela vinda de quatro à cinco milhões de falantes africanos originários, boa
parte, da África Subsaariana ou, impropriamente conhecida também como África Negra
(parte do continente africano situada ao sul do Deserto do Saara).

Conforme Heywood (2008), dessa população duas se destacaram: os bantus, na região


central, que compreende cerca de 300 línguas semelhantes e os sudaneses, no oeste
africano, sendo o Yorubá e Ewe-Fon as língua de maior influência, faladas
principalmente no Golfo de Benin. Somadas, essas línguas passam de 400 idiomas e
embora o número seja vultuoso, todas elas pertencem a família Niger-Congo, logo, são
aparentadas.

Assim o objetivo geral do trabalho é analisar a influência da diáspora africana na


formação da Língua Portuguesa no Brasil. Como objetivos específicos vamos
contextualizar, de acordo com as regiões negreiras exploradas, a diversidade das
Línguas Africanas trazidas ao Brasil; identificar possível marco inicial dessa influência
linguística no país; analisar quais os meios utilizados para a incorporação dessa língua;
estimar o impacto que a incorporação dessa nova língua proporcionou aos nossos
falantes (ditos populares) e avaliar atual cenário linguístico após quase 500 anos de
história.
Essa pesquisa é de caráter descritivo e se propõe a estudar, registrar, analisar e
interpretar o fenômeno linguístico ocorrido na Língua Portuguesa brasileira em função
da diáspora negra. Desta maneira, seu objetivo é identificar características e variáveis
que se relacionam com o fenômeno etnoliguístico, buscando estabelecer as relações
entre esses fatores. Considerando que o português do Brasil não é um todo, um bloco
uniforme, mas um conceito coletivo que se pode desdobrar em níveis, de acordo com as
ocasiões, as regiões e as classes sociais, os aportes africanos estão mais ou menos
completamente integrados ao sistema linguístico do português brasileiro segundo os
níveis de linguagem socioculturais, sendo assim, usaremos como coleta de dados, parte,
com levantamentos de expressões de senso comum e parte com análise documental.
Para que ao fim desse artigo, possamos fazer uma análise dessas interferências.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
As primeiras excursões ao continente africano datam do século X, quando escritores
árabes embrenharam-se pelo Sudão e assinalaram ali a existência do poderoso e antigo
Estado negro, o império de Ghana. Com o passar dos tempos e dos descobrimentos
acerca do novo território no século XV a exploração do litoral africano e regiões
próximas perdurou até meados do século XIX.

Bonvini (2008) esclarece que o tráfico humano era um comércio de longas distâncias,
onde primeiro havia as trocas com regiões afastadas e podia-se notar que o escravo
comercializado sempre pertencia a outras etnias. À figura encarregada dessas transações
dava-se o nome de pombeiro, que levava tecidos, objetos ou marfim e voltava com
escravos. Os portos utilizados eram do norte do rio Congo, porto Loango, ou ainda
pelos portos de Malemba e Cabinda, assim como o porto de Pinda, Luanda ou
Benguela.

Em função desse comércio criou-se nesses lugares entrepostos fixos e cada vez mais
organizados, já que na maioria das vezes a lotação de um navio negreiro não se dava de
uma única visita do pombeiro. Sendo assim os cativos eram deixados em depósitos
fixos ou barracões em terra firme e aqueles mais enfraquecidos pela jornada do interior
até a costa poderiam se restabelecer antes de partir da sua terra. Caso a estadia se
alongasse era permitido que trabalhassem a terra para que dali tirassem seu sustento. Já
os portugueses optavam por manter esses depósitos humanos em grandes navios
ancorados em um porto a fim de evitar ataques exteriores aos confinados.

Estima-se que cerca de 15% dos africanos capturados morreram no mar, sendo uma taxa
de mortalidade maior na própria África entre os processos de captura e transporte de
povos nativos para os navios. O número total de mortes africanas diretamente
atribuíveis ao tráfico entre 1500 e 1900 pode chegar ao número de até quatro milhões.
Por séculos, traficantes de escravos portugueses tiveram um quase monopólio sobre a
exportação de escravos da África e como dissemos anteriormente foi o Brasil principal
personagem deste triste episódio da história da humanidade, que alguns chamam de
Maafa ou "grande desastre" em suaíli.

No ano de 1535 aportou em Salvador (BA) o primeiro navio com negros escravizados e
só após 353 anos, com a chegada do modo de produção industrial, é que em 13 de maio
de 1888 foi sancionada a liberdade através Lei Áurea.
A emergência de comunicação entre os sequestrados e o confinamento compulsório
criaram o ambiente linguístico, que embora transitório, pôde influir por sua duração e
sua renovação regular na língua que surgirá no Brasil. BONVINI (p.32) nos explica que
esse cenário se caracterizava pela concentração forçada e prolongada de diferentes
línguas africanas tipologicamente próximas que culminou na adoção do quimbundo
como língua veicular e não menos próximo também se fez presente a língua portuguesa.
Tendo seu primeiro contato através do pombeiro, posteriormente pelos negreiros
portugueses e brasileiros, que posteriormente viriam a ser seus senhores. O
plurilinguismo provocou um pidgin resultante de falares quimbundo, portugueses,
brasileiros

Pidgin é uma língua criada do resultado do contato entre línguas, usada como língua de
comunicação, não sendo língua materna de nenhum falante, normalmente possuem
gramáticas rudimentares e um vocabulário restrito, podendo ou não desenvolver-se,
transformando-se em línguas crioulas. Um pidgin diferencia-se de uma língua crioula,
que tem vocabulário e gramática plenamente desenvolvidos, tornando-se a primeira
língua de uma comunidade de fala. A maioria dos linguistas acredita que uma língua
crioula se desenvolva através de um processo de nativização de um pidgin, ou seja,
quando crianças falantes do pidgin passam a utilizá-lo como primeira língua, adquirindo
complexidade e estabilidade típicas de uma língua. Então, a língua crioula substitui o
pidgin como forma de comunicação. A criação de um pidgin requer normalmente um
contato regular e prolongado com comunidades linguísticas diferentes; necessidade de
comunicação e ausência de uma língua franca espalhada e/ou acessível.

Quaisquer que tenham sido as circunstâncias das capturas, o que era majoritariamente
comum entre os grupos é que foram expostos à cultura afro-lusitana, principalmente
aqueles que vieram da África Central, ou seja, os escravizados trariam não apenas a
cultura de seus respectivos grupos étnicos como também elementos de uma cultura afro-
lusitana. Como o caso da mulher Luiza, escrava de Manuel Lopes de Barros que
sobreviveu até os 13 anos de idade em ambiente luso-africano em Luanda, antes de ser
vendida em Sabará, Brasil. Consigo trouxe seu dom de curar as pessoas combinando
rituais católicos e raízes africanas. Foi presa pela Inquisição no Brasil em 1739, acusada
de bruxaria.

O EMPRÉSTIMO LINGUISTICO
O empréstimo de vocábulos se tornou um fenômeno sociolinguístico normal e
frequente, ocorrendo constantemente uma troca bilateral entre os falantes africanos,
portugueses já em terras brasileiras na segunda metade do século XVI até o final do
século XIX, em função das exigências dos trabalhos na lavoura e na casa grande. A
escravidão obrigava a todos uma constante relação de interdependência levada por
inúmeras questão do quotidiano. Podemos ainda lembrar que em uma época um pouco
anterior a essa o Brasil passava pelo menos processo com os povos indígenas, dando
destaque para a língua tupi-guarani BONVINI (p. 103)

Convém explicar que em momento algum falamos de uma língua apoderar-se da outra,
ou apropriar-se, pelo contrário, há uma colaboração entre os falares, um apoio léxico e
semântico para que a resistência não fosse amordaçada e calada. Como BONVINI
(2009, p. 103) esclarece:
De modo algum trata de “impacto” de uma língua “fonte” (aqui, línguas africanas) sob
uma língua ‘alvo” (o português do Brasil) ou vice-versa. Trata-se antes da capacidade
corrente e normal de toda língua de apropriar-se dos termos necessário a sua própria
expressividade, qualquer que seja sua origem, quando o contexto discursivo novo o
exigir O termo “empréstimo” serve justamente para designar tal fenômeno

Em função do isolamento em que foi subjugada a colônia de Portugal, grande parte pelo
interesse de manter o monopólio do comércio externo brasileiro, o ambiente ficou
condicionado à vida de aspecto conservador, com tendências niveladoras, mais
suscetível à aceitação de aportes culturais mútuos e de interesses comuns. Podendo
destacar a atuação da mulher negra como agente socializador no seio da família branca e
o processo de simbiose linguística exercido pelos negros ladinos junto à escravaria,
esclarecendo que os “ladinos” eram negros que rapidamente aprenderam a falar
rudemente o Português alçando assim duas comunidades sociolinguística diferenciadas:
a casa-grande e a senzala.

Já a figura da mulher negra, na função de “mãe-preta”, tivera oportunidade de interagir


e exercer sua influência naquele ambiente doméstico e conservador, incorporando-se à
vida cotidiana do colonizador, fazendo parte de situações realmente vividas e
interferindo no comportamento da criança através de seu processo de socialização
linguística e de determinados mecanismos de natureza psicossocial e dinâmica. Entre
eles, os elementos de sua dieta nativa, com comidas temperadas com azeite-de-dendê, e
componentes simbólicos do seu universo cultural e emocional que ela introduziu em
contos populares e cantigas-de-ninar, tais como, seres fantásticos (tutus, mandus, boi-
da-cara-preta), expressões de afeto (dengo, xodó), crenças e superstições (o homem-do-
saco, interdições alimentares).

Ao mesmo tempo, já se formavam os falares afro-brasileiros das senzalas, das


plantações, dos quilombos, das minas. Posteriormente, de alguns núcleos da costa
atlântica, até o seu estabelecimento como línguas rituais, a chamada língua de santo na
Bahia, e, dispondo de um vocabulário menos rico, sob a forma de falares especiais de
comunidades negras isoladas, como as que vivem no Cafundó, em São Paulo, e em
Tabatinga, Minas Gerais.

Essa língua-de-santo é a fonte atual dos aportes lexicais africanos no português do


Brasil, e a música popular brasileira é, hoje, o seu principal meio de divulgação, em
razão de muitos dos seus compositores serem membros de comunidades afro-religiosas,
como o foi Vinicius de Moraes e, atualmente, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton
Nascimento e tantos outros de igual grandeza, entre os quais os compositores de blocos
afros e afoxés da Bahia.

Exemplo relevante é a palavra axé (de étimo Fon/Iorubá), sendo sua tradução direta
“força", usada para designar os fundamentos sagrados de cada terreiro, como termo
equivalente a “assim seja”, da liturgia cristã ou então “boa-sorte”, que terminou
incorporada ao português do Brasil para denominar um estilo de música de sucesso
internacional, tipo “world-music”, produzida na Bahia e conhecida por todos como
“axé-music”.

Subjacente a esse processo, é notável o desempenho sociolinguístico de uma geração de


lideranças afro-religiosas que sobreviveu a toda sorte de perseguições e é detentora de
uma linguagem litúrgica de base africana, cujo conhecimento é veículo de integração e
ascensão na hierarquia sócio religiosa do grupo, porque nela se acha guardada a noção
maior de segredo dos cultos. Podemos ver assim que essa simbiose linguística se deu
em vários nichos sociais e de muitas formas.

A necessidade de improvisar formas de se alimentarem no novo território, que, por sua


vez, tinha uma estrutura bem pouco eficaz, surgiu a própria maneira de cozinhar,
preparar e principalmente reinventar sua arte de cozinhar, pois até mesmo a elite da
época, tinha de importar vários gêneros, devido a precariedade de desenvolvimento e
produtividade da terra.

Os alimentos eram preparados assados, tostados ou cozidos. Feijão variados, inhames,


quiabos com camarões defumados, gengibre, pimentas e óleos vegetais como o azeite-
de-dendê fazem a base de uma mesa em que vigoram acarajés, abará, vatapás de peixe e
galinha, bobós, carurus, integram a esse repertório a cozinha de santo, que são
comidas sagradas nos terreiros de candomblé e trazem alimentos como ipeté, amalá,
acaçá, aluá. Os temperos utilizados na comida eram o açafrão, o óleo de dendê e o leite
de coco. O cuscuz já era conhecido na África antes da chegada dos portugueses ao
Brasil, e tem origem no norte da África, entre os berberes.

Não podemos deixar de citar a feijoada nesse artigo já que, embora tenha nascido da
necessidade do negro de se alimentar já aqui no Brasil, ela é a marca das senzalas.
Enquanto as melhores carnes iam para a mesa dos senhores, os escravos ficavam com as
sobras: pés e orelhas de porco, linguiça, carne-seca e outras partes eram misturados com
feijão preto ou mulatinho e cozidos num grande caldeirão.

O negro influenciou profundamente a nossa língua e esse contato prolongado de duas


línguas produziu em ambos fenômenos de osmose. Considerando que o português do
Brasil não um bloco uniforme, e sim um conceito coletivo que se pode desdobrar em
níveis, mudando de acordo com as ocasiões, as regiões e as classes sociais, essas
contribuições africanas estão integrados ao sistema linguístico do português brasileiro.

Podemos perceber também que próprio português de Portugal (antigo e regional) foi
africanizado, de certa forma pelo fato de uma longa convivência no período da
escravidão. Ao lado desta vasta contribuição vemos sinais bem seus marcantes nos
dialetos. Sendo assim, vemos evidências claras e vivas até hoje que houve participação
das línguas africanas e luso-africanas na construção do nosso corpus linguístico.

Podemos ver também que, infelizmente, há uma carência de documentos históricos que
comprovam essa triste e importante parte da nossa história e que, embora não tenha sido
devidamente documentada, é fato que a língua portuguesa no Brasil manteve contato
direto com as línguas africanas. Essa contribuição é vista, sentida e falada até nos dias
de hoje.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Independente das circunstâncias em que foram raptados e escravizados, todas as vidas
negras reféns foram de alguma coisa expostas à cultura afro-lusitana no inicio da sua
jornada de cativo, sobretudo os negros vindos de Luanda e Benguela, além daqueles que
viviam na região costeira da África Central.
Boa parte desses povos desembarcaram no Brasil trazendo consigo a sua cultura: sua
música, sua comida, sua fé. Embora suprimidos por seus compradores brancos, de
forma sutil e silenciosa toda essa bagagem africana fora sendo incorporada a rotina da
casa grande e das grandes fazendas onde trabalhavam de sol a sol sem ter o mínimo de
direitos e dignidade a que se pode reservar ao ser humano.

Estudar sobre o encontro do português com as línguas faladas na África é fundamental


para a compreensão do que chamamos hoje de português brasileiro. As palavras de
origem africana permanecem até hoje vivas é uma forma de contextualizar a realidade
atual. Vemos que algumas palavras africanas mantiveram seu sentido de partida integral
ou parcial, enquanto outras já foram carregadas de preconceitos e soam de forma
pejorativa, mesmo quando seu sentindo original não o é. Enquanto ainda outras
chegaram já com seu sentido alterado. De vários termos emprestados das línguas
africanas a maioria refere-se a religião e culinária conforme apontado por PETER e
CUNHA (p. 221)

É fundamental entender que "a língua sempre esteve muito colada à sua identidade,
como partes de uma mesma moeda, fazendo com que não rara vezes a língua fosse o
fator de identificação de um grupo” PETER e CUNHA (P. 246)

REFERÊNCIAS
ANDRADE, Manuel Correia de. A Trajetória do Brasil - de 1500 a 2000. São Paulo:
Editora Contexto, 2000.

FIORIN, José Luiz (Org.) e PETTER, Margarida (Org.). África no Brasil - a formação
da língua portuguesa. São Paulo: Editora Contexto, 2000.

HEYWOOD, Linda M. Diáspora Negra no Brasil. São Paulo: Editora Contexto, 2000.

PETTER, Margarida (Org.). Introdução à Linguística Africana. São Paulo: Editora


Contexto, 2000.

Publicado por: Carla Baron prado

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