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Gest. Prod., São Carlos, v. 19, n. 2, p.

405-418, 2012

Estratégias tecnológicas em transformação:


um estudo da indústria farmacêutica brasileira

Changing technology strategies: a study of brazilian


pharmaceutical industry

Maria Clara Bottino Gonçalves Santos1


Marcelo Pinho1

Resumo: Este artigo tem como objetivo avaliar a extensão das mudanças nas estratégias tecnológicas de um grupo
de empresas farmacêuticas de capital nacional ensejadas por alterações no ambiente institucional ocorridas na década
de 1990, como as leis de patentes e do medicamento genérico. Essas mudanças institucionais poderiam induzir
transformações na inserção de mercado e na posição competitiva dessas empresas e desencadear um processo de
intensificação do esforço de pesquisa e desenvolvimento de tecnologia farmacêutica no país, com ampliação dos
recursos dedicados a esse fim, montagem de novas estruturas organizacionais e formação de esquemas de cooperação
com agentes externos às empresas. Do ponto de vista metodológico, esta pesquisa, embora precedida de uma revisão
abrangente da literatura pertinente, caracteriza-se como um estudo de multicasos. As empresas que compõem a
amostra pesquisada foram definidas a partir do cruzamento de dois critérios: i) são todas empresas de porte relevante,
situadas entre as maiores no ranking nacional do setor; e ii) a identificação na literatura setorial de casos que
sugeriam inflexão nas estratégias tecnológicas. A pesquisa confirmou que as empresas estudadas passaram por uma
significativa intensificação do esforço tecnológico, o que não impede que, relativamente ao padrão de concorrência
vigente em escala internacional, esses esforços continuem a ser em média pequenos e tenham impactos modestos.
Palavras-chave: Estratégia tecnológica. Indústria farmacêutica. Laboratórios nacionais. Inovação. Lei de Patentes.
Lei do Medicamento Genérico.

Abstract: The aim of this research is to analyze the extension of changes in technological strategies of a group
of Brazilian pharmaceutical companies, which we believe were induced by transformations in the institutional
environment during the 1990s. Major institutional changes, such as the enacting of laws that recognized drug patents
rights and fostered generic drugs market, have strengthened the market insertion and competitive position of these
companies, what would enable an increase in research and development efforts in Brazil. In addition to the literature
on technology strategy and drug industry, this study was based on interviews with six Brazilian pharmaceutical
companies, all of which were ranked among the top national companies in the industry and have been considered
in previous studies particularly active in the process of changing technological strategies. This research confirmed
a significant intensification of technology efforts carried out by Brazilian drug companies. Nevertheless, the R&D
intensity is still far below the global pattern and innovative impacts are slight.
Keywords: Technology strategy. Pharmaceutical industry. Brazilian pharmaceutical companies. Innovation. Drugs
patents economic effects. Generic drugs economic effects.

1 Introdução
Entre as décadas de 1950 e de 1970, a estrutura estrutura industrial apresentava alto grau de integração
industrial brasileira foi substancialmente modificada e intersetorial e de diversificação da produção, mas com
ampliada. Nesse período, o crescimento da produção insuficiente desenvolvimento tecnológico e, em várias
baseou-se na expansão do mercado interno e no atividades, baixa competitividade. A instabilidade
aproveitamento de oportunidades de investimentos macroeconômica, que levou à estagnação da produção
substitutivos de importações. Embora a implantação industrial e à contração dos investimentos, provocou
das bases institucionais de um sistema nacional ao longo daquela década um aprofundamento da
de inovação já tivesse sido iniciada, no nível das defasagem do país em relação às economias que
empresas a capacidade de inovação era muito limitada. lideravam o processo de desenvolvimento tecnológico
Como resultado, no princípio dos anos 1980, a (SUZIGAN, 1992).
1
Departamento de Engenharia de Produção, Universidade Federal de São Carlos – UFSCar, Rod. Washington Luís, km 235,
CEP 13565-905, São Carlos, SP, Brasil, e-mail: mclarabottino@gmail.com
Recebido em 23/10/2010 — Aceito em 19/3/2012
Suporte financeiro: CAPES.
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A indústria farmacêutica não fugia a esse padrão de tecnológica. Essa diversidade é consequência da
defasagem tecnológica. Pelo contrário, nela o hiato era própria multiplicidade de campos disciplinares e,
mais amplo e profundo. O setor representava um caso dentro deles, de vertentes teóricas que tratam do
extremo das limitações do desenvolvimento industrial tema. Isso implica a existência de certo grau de
do país, comparável apenas a outras atividades de alta divergência sobre o escopo de atividades abrangidas
intensidade tecnológica, como a indústria eletrônica. pela estratégia tecnológica (ALVES FILHO, 1991).
As inúmeras transformações no cenário Durante os anos 1980, acadêmicos que estudavam a
macroeconômico e no ambiente institucional durante temática da gestão estratégica passaram a reconhecer
os anos 1990, em princípio, poderiam levar a mudanças a tecnologia como elemento importante para a
nas estratégias competitivas e tecnológicas das definição do negócio e para a estratégia competitiva.
empresas. Ademais de fenômenos que exerceram Sua crescente importância é explicada por Burgelman,
efeitos sobre o conjunto da indústria - como a abertura Maidique e Wheelwright (2001) como resultado de
comercial e a estabilização do processo inflacionário –, fatores históricos: desencanto com o planejamento
a indústria farmacêutica experimentou mudanças estratégico, sucesso de empresas de alta tecnologia
específicas em seu ambiente regulatório, com destaque em indústrias emergentes, surgimento da concorrência
para a introdução da Lei de Patentes em 1996 e da Lei japonesa, reconhecimento da importância competitiva
do Medicamento Genérico em 1999. Esse conjunto da manufatura e emergência do interesse acadêmico
de mudanças teria induzido uma reorientação das pela gestão da tecnologia. Com efeito, segundo
estratégias tecnológicas da indústria farmacêutica Davenport, Campbell-Hunt e Solomon (2003), o
nacional em direção à intensificação do esforço de conceito de estratégia tecnológica é parte do tema
pesquisa e desenvolvimento (P&D) no país. Um gestão da tecnologia desde o final da década de
bom exemplo disso seria o desenvolvimento pelo 1970, mas só chegou a configurar uma área distinta
laboratório Cristália do Helleva, um medicamento de interesse acadêmico e gerencial nos anos 1980.
para tratamento de disfunção erétil que foi a primeira De acordo com Zahra (1996), a estratégia
molécula sintética inovadora desenvolvida por uma tecnológica consiste no planejamento que direciona
empresa farmacêutica de capital brasileiro. o desenvolvimento, uso e acumulação de recursos
Este artigo tem como objetivo avaliar a extensão das e capacitações tecnológicas. Já para Porter (1985),
mudanças nas estratégias tecnológicas de várias das a estratégia tecnológica é o enfoque que a empresa
maiores empresas farmacêuticas de capital nacional adota para o desenvolvimento e uso da tecnologia,
ensejadas pelas alterações no ambiente institucional constituindo elemento essencial em sua estratégia
ocorridas na década de 1990. Para alcançar seu competitiva. Apesar de englobar o papel formal do
propósito, o artigo primeiramente revisa a literatura P&D, a estratégia tecnológica deve ter escopo mais
sobre estratégia tecnológica, enfocando seu escopo amplo, posto que a tecnologia impacta toda a cadeia
e suas dimensões. Na sequência, apresenta-se uma de valor. Nesse sentido, Ford (1989) sustenta que a
caracterização da indústria farmacêutica em nível estratégia tecnológica é formada pelas políticas, planos
mundial, descrevendo os traços fundamentais de e procedimentos para aquisição e gerenciamento de
sua dinâmica competitiva e tecnológica, e no Brasil. conhecimentos e habilidades dentro da empresa e na
Neste caso, a ênfase recai sobre uma discussão dos exploração lucrativa desses elementos.
dados da Pintec (Pesquisa de Inovação Tecnológica), Zahra (1996) analisa as principais dimensões da
cujo propósito é analisar a inovação tecnológica na estratégia tecnológica da firma. São elas: i) a postura
indústria farmacêutica brasileira e compará-la com tecnológica da empresa (se líder ou seguidora);
o padrão vigente no exterior. ii) o conteúdo de seu portfólio (o mix de tecnologias de
Além desses tópicos baseados em fontes secundárias produtos e processos em que a empresa vem investindo
de informação, o artigo reporta os resultados de uma ao longo do tempo); iii) o número de novos produtos
pesquisa de campo que contemplou seis laboratórios melhorados tecnologicamente que foram introduzidos
brasileiros, todos situados entre os maiores no ranking no mercado pela empresa; iv) os mecanismos de
nacional do setor apresentado pela IMS Health (2009) proteção ao capital intelectual da empresa; v) o nível
e indicados em estudos acadêmicos e matérias na de gastos com P&D; vi) as fontes de tecnologia da
imprensa como casos particularmente reveladores de empresa (internas ou externas); e vii) a prospecção
intensificação do esforço tecnológico e de inflexões tecnológica. As dimensões propostas por Zahra
em suas estratégias tecnológicas. A quarta seção deste (1996) permitem delimitar os principais âmbitos
artigo discute os resultados desse estudo de multicasos e
da operação das empresas atinentes à estratégia
embasa a discussão do tópico subsequente e conclusivo.
tecnológica e constituíram uma referência central tanto
para a elaboração do roteiro de entrevista aplicado
2 Estratégia tecnológica às empresas investigadas neste artigo quanto para
A literatura especializada apresenta grande a discussão dos resultados da pesquisa de campo
variedade de acepções para o termo estratégia reportados no tópico 4.2.
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Em relação à postura líder-seguidor, Freeman (1975) Num contexto em que se aprofunda a tensão entre a
chama a postura “líder” de ofensiva e define-a como capacidade crescente de codificação do conhecimento
aquela que pretende conseguir a liderança técnica, e a ampliação do nível de conhecimento tácito
colocando a empresa à frente de seus competidores acumulado por indivíduos, empresas e instituições de
na introdução de novos produtos. Segundo o autor, pesquisa, a gestão dos ativos intangíveis assume uma
a empresa que persegue uma estratégia ofensiva é função estratégica. Geroski (1995) sustenta que as
normalmente muito intensiva em pesquisa e depende, patentes ajudam a criar um mercado de conhecimento.
em grande medida, do P&D interno. Além disso, esse Ao garantir direitos de propriedade aos inovadores,
tipo de empresa atribui muita importância à proteção permitem superar os problemas de não exclusividade
por patentes, pois pretende estar entre as primeiras ao mesmo tempo em que favorecem a difusão do
em nível mundial. Os lucros associados à posição conhecimento. Como consequência, a propriedade
temporária de monopolista compensariam os altos intelectual pode servir às empresas não apenas como
gastos com P&D e os inevitáveis insucessos. um instrumento central de apropriação dos resultados
No entanto, o pioneirismo está sujeito a riscos do esforço tecnológico, mas também como fator de
específicos, os quais se somam à incerteza inerente barganha para acesso ou abertura de mercados.
a qualquer atividade de inovação tecnológica. Além Em relação ao nível de gastos com P&D, segundo
dos fortes investimentos em P&D, essa postura Cohen e Levinthal (1989), as atividades de pesquisa
requer desenvolvimento de mercado e educação e desenvolvimento realizadas pelas empresas não só
dos consumidores. Empresas líderes podem falhar geram inovações como desenvolvem sua habilidade
também na apropriação dos frutos de suas inovações, em identificar, assimilar e explorar o conhecimento
como ocorreu no setor de semicondutores. Nessa disponível no ambiente em que estão inseridas, o que
indústria, pioneiros perderam suas posições para outras os autores chamam de capacidade de “aprendizagem”
empresas que entraram posteriormente no mercado ou “absorção” das firmas. As empresas podem realizar
e utilizaram técnicas de produção e marketing mais a pesquisa básica menos para resultados particulares do
inovadoras (ZAHRA, 1996). que para serem capazes de identificar o conhecimento
Freeman (1975) usa o termo “estratégia defensiva” científico e tecnológico potencialmente útil. Da mesma
para a postura seguidora. Segundo o autor, uma forma, a pesquisa básica permite às firmas tornarem-se
estratégia defensiva não implica na ausência de P&D. rápidas seguidoras, habilitando-as a explorar os
Ao contrário, pode ser tão intensiva em pesquisa spillovers gerados por inovação desenvolvida por
quanto uma política ofensiva, residindo a diferença concorrentes.
na natureza e ritmo das inovações. O inovador As fontes externas de tecnologia - que abarcam
defensivo não deseja ser o primeiro em nível mundial, licenciamentos, alianças estratégicas, compra de
mas tampouco quer ser deixado para trás na onda de tecnologias e o desenvolvimento de tecnologias através
mudança técnica. A ideia é não assumir os grandes da contratação de outras empresas, universidades
riscos de ser o primeiro a inovar, mas sim tirar proveito e centros de pesquisa - em certas circunstâncias
dos erros e da abertura de mercado dos pioneiros. podem substituir o esforço tecnológico próprio,
Outra dimensão da estratégia tecnológica se refere mas frequentemente complementam os esforços
à seleção do conteúdo do portfólio tecnológico internos de P&D . O licenciamento oferece à firma a
e à determinação de sua amplitude. Selecionar o oportunidade de explorar a propriedade intelectual de
conteúdo do portfólio significa identificar o mix outra empresa, normalmente em troca do pagamento
de tecnologias de produtos e processos, indicando de royalties a partir das vendas. Tipicamente, o
a ênfase que a companhia confere a determinadas licenciamento de determinada tecnologia especifica
tecnologias, enquanto o escopo está associado as aplicações e os mercados nos quais a tecnologia
ao número de produtos e processos distintos em pode ser usada e, em geral, requer que o adquirente
determinado portfólio. Essa dimensão depende da forneça ao proprietário acesso a qualquer melhoria
postura tecnológica da firma, do posicionamento em na tecnologia (TIDD et al., 2005).
relação ao risco, das percepções quanto ao ambiente, Para autores como Lane e Lubatkin (1998), as
dos recursos financeiros e da capacidade de gerir a alianças de P&D vêm se tornando uma exigência para
complexidade do portfólio. Um portfólio mais amplo a sobrevivência em muitos mercados. A crescente
permite à empresa ter acesso a várias oportunidades importância do fenômeno é decorrente da maior
de mercado, reduz sua vulnerabilidade a tecnologias complexidade das tecnologias, da redução do ciclo
rivais e permite que a empresa se concentre na de vida dos produtos e do foco de muitas empresas
convergência de diferentes tecnologias para criar em suas competências centrais. Sendo assim, para
novos mercados. No entanto, pode sobrecarregar a muitas empresas, as alianças de P&D não são somente
organização da empresa, seus recursos e sua gestão uma opção, mas uma necessidade e uma fonte de
(ZAHRA, 1996). vantagem competitiva.
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A aquisição de tecnologias disponíveis no considerado oligopolista. As oito maiores empresas


mercado nem sempre é a forma mais simples e respondem por 40% do faturamento mundial.
menos custosa de se obter uma nova tecnologia. O desenvolvimento de novos medicamentos é
Além disso, as tecnologias de que se necessita podem um longo e dispendioso processo. Em 2007, os
não estar disponíveis no mercado. Nesse contexto, laboratórios associados à PhRMA (Pharmaceutical
e considerando a ausência de recursos e de tempo Research and Manufacturers of America) investiram,
para o desenvolvimento da tecnologia em questão, a apenas nos EUA, US$ 58,8 bilhões em pesquisa
empresa pode decidir subcontratar outras empresas, e desenvolvimento. Os gastos como porcentagem
universidades ou centros de pesquisa independentes das vendas permaneceram altos, alcançando 16,4%
para seu desenvolvimento (RIEG, 2004). das vendas totais e 18,7% das vendas nos EUA.
A última dimensão proposta por Zahra é Em 2006, o custo médio para o desenvolvimento
a prospecção tecnológica, que se refere ao de um novo medicamento teria sido de nada menos
monitoramento do desenvolvimento tecnológico que US$ 1,3 bilhão, incluindo o custo do capital
para identificar desafios e oportunidades em seu setor e de insucesso (PHARMACEUTICAL..., 2008).
de atuação e em atividades conexas. A prospecção é Além disso, o tempo para o desenvolvimento de
uma droga varia entre 10 e 15 anos. Ao longo desse
um componente integral da estratégia tecnológica de
processo, a taxa de insucesso é muito alta. Dos
uma empresa, uma vez que fornece aos executivos
5.000-10.000 compostos inicialmente testados, 250
informações sobre mudanças no ambiente e os auxilia
chegam aos testes pré-clínicos, cinco alcançam os
a encontrar tecnologias substitutas. Baseados nas
testes clínicos, e daí resulta a aprovação de uma única
informações obtidas com a prospecção, os executivos
nova droga pelo FDA (Food and Drug Administration)
podem, por exemplo, ajustar os gastos da empresa (PHARMACEUTICAL..., 2008).
com P&D e manter a estratégia tecnológica alinhada Segundo Alencar (2007), no setor farmacêutico o
com o ambiente em que está inserida a empresa poder de mercado é criado mediante os direitos de
(ZAHRA, 1996). exclusividade, com destaque para patentes e marcas.
Radaelli (2006) acrescenta que a superioridade
3 Tecnologia e estrutura de mercado competitiva entre as grandes empresas farmacêuticas
na indústria farmacêutica é alcançada através das vantagens decorrentes do
pioneirismo. Os concorrentes de um laboratório que
desenvolve um medicamento pioneiro poderão, no
3.1 Quadro internacional máximo, fazer melhorias a partir do medicamento
Segundo Capanema e Palmeira Filho (2007), inovador. A garantia é concedida pelo sistema de
mais de dez mil empresas compõem a indústria patentes, que concede ao inovador o monopólio
farmacêutica mundial. Dados do Intercontinental temporário por sua inovação e permite que a empresa
Medical Statistics - IMS Health indicam que o valor promova seu produto, incentivando a lealdade à
das vendas globais alcançou US$ 773 bilhões em 2008, marca entre os “consumidores”, categoria que
neste caso abrange os médicos que prescrevem os
contra US$ 393 bilhões em 2001. A estadunidense
medicamentos. As marcas registradas proporcionam
Pfizer, maior empresa do setor, apresentou em 2008
vantagens competitivas na medida em que estão
um faturamento na casa dos US$ 48 bilhões, dos
associadas a padrões de qualidade e fazem com
quais mais de 15% foi destinado às atividades de
que produtos semelhantes sejam considerados
P&D (RADAELLI, 2006; GLOBAL 500, 2008).
substitutos imperfeitos. De fato, os esforços de
Apesar do elevado número absoluto de empresas, marketing têm importância crítica no setor, seja no
as principais firmas atuantes na indústria farmacêutica lançamento de novos produtos, seja na sustentação
são de grande porte e, em geral, constituídas há das vendas dos mais antigos. Em 2000, a Merck
muitas décadas. Com o objetivo de disputar mercados investiu US$ 161 milhões somente para a divulgação
de medicamentos voltados a classes terapêuticas do Vioxx, um montante superior ao que foi gasto no
específicas, envolvem-se frequentemente em operações mesmo ano em bens de consumo de massa, como
de fusão e aquisição. A estrutura de mercado é o refrigerante Pepsi (US$ 125 milhões) e a cerveja
relativamente concentrada, existindo barreiras à Budweiser (US$ 146 milhões) (RADAELLI, 2006).
entrada em função da proteção obtida através de Apesar de toda a importância da inovação na
patentes e da própria intensidade dos investimentos em dinâmica competitiva da indústria farmacêutica, um
P&D, que alimentam as estratégias de lançamento de segmento de mercado de relevância cada vez maior
novos produtos, assim como a reputação das marcas é o de medicamentos genéricos, que, segundo dados
dos laboratórios líderes (RADAELLI, 2006). Com da IMS Health, teria movimentado aproximadamente
efeito, Capanema e Palmeira Filho (2007) ressaltam a US$ 80 bilhões em 2009 (http://www.progenericos.
crescente concentração de um setor tradicionalmente org.br/mercado.shtml). Desde 2003, as taxas de
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crescimento das vendas de genéricos são, em média, avançar na inovação de produtos mais sofisticados,
44% superiores às dos medicamentos de marca tanto genéricos como drogas de marca, caminho
(IMS HEALTH, 2006). Considerando que até 2011 semelhante ao trilhado pelos laboratórios indianos
devem expirar as patentes de vários medicamentos (CAPANEMA; PALMEIRA FILHO, 2007).
de marca, com vendas conjuntas de US$ 60 bilhões, Para entender melhor a trajetória recente da
pode-se presumir que o segmento de genéricos indústria, é preciso reconstituir a evolução de algumas
continuará a se expandir (ARNST, 2008). instituições que têm efeitos críticos sobre a conduta
das empresas e a estrutura do mercado. Conforme
3.2 A indústria farmacêutica no Brasil Bermudez et al. (2000), citado em Hasenclever (2002),
a legislação brasileira de propriedade intelectual
A importância do mercado farmacêutico brasileiro suspendeu a partir de 1945 a patente de produtos
pode ser atestada a partir de dados do Grupo de e, em 1969, a de processos farmacêuticos. O não
Profissionais Executivos do Mercado Farmacêutico reconhecimento de patentes e a permissão da cópia
(GRUPO..., 2008). As vendas em 2007 atingiram tinham como objetivos declarados reduzir custos e
quase R$ 30 bilhões, cifra derivada da venda de incentivar o P&D no setor farmacêutico. No entanto,
1,8 bilhão de unidades. a indústria nacional, apesar dos menores custos com o
Nesse mercado, tem crescido a participação dos licenciamento de tecnologia, não chegou a intensificar
laboratórios controlados por capital nacional. As os investimentos em P&D, especializando-se na cópia
empresas nacionais, que respondiam em 2000 por de medicamentos de marca estrangeiros. Durante o
28,2% do valor das vendas, alcançaram em 2005 período em que as patentes farmacêuticas não eram
uma participação de 40,6%. Na década de 1980, reconhecidas, proliferaram no Brasil os similares,
embora representassem cerca de 80% do número medicamentos geralmente fornecidos por empresas
total de empresas farmacêuticas instaladas no Brasil, nacionais que propõem a mesma ação da droga
sua parcela de mercado correspondia a não mais que original por preço inferior (URIAS, 2006).
20% (QUEIROZ; GONZÁLES, 2001). Apesar do Algumas características da dinâmica do mercado
crescimento das empresas nacionais desde meados farmacêutico brasileiro antes da Lei de Patentes
da década de 1990, essas empresas ainda não teriam podem ser ilustradas pelo grupo Aché, até então
alcançado o porte para participar com autonomia o maior laboratório farmacêutico nacional. Não
do processo competitivo da cadeia farmacêutica tendo custos significativos com P&D, o Aché podia
(CAPANEMA; PALMEIRA FILHO, 2007). vender produtos similares por preços inferiores
Com efeito, a balança comercial de produtos aos dos medicamentos de referência, usando em
farmacêuticos (não incluídos os insumos farmacêuticos) sua propaganda o argumento de “mesma qualidade
reflete a fragilidade do setor no Brasil, apresentando com preços inferiores” para convencer o médico a
sucessivos saldos negativos. Apesar de a taxa de prescrevê-los. A estratégia obteve êxito, colocando o
crescimento das exportações ser maior que a das grupo durante a década de 1990 entre as cinco maiores
importações desde 1997, as importações continuavam empresas farmacêuticas do mercado brasileiro, à
a ser cerca de quatro vezes superiores às exportações frente de empresas multinacionais de grande porte
em 2007 (CAPANEMA; PALMEIRA FILHO, 2007). (URIAS, 2006).
Gadelha e Maldonado (2008) argumentam que o A aprovação da Lei de Propriedade Intelectual,
patamar de exportações, ainda bastante reduzido, em 1996, e da Lei do Medicamento Genérico, em
evidencia a marcante assimetria no padrão de inserção 1999, teria dificultado as estratégias anteriores
internacional da farmacêutica brasileira no âmbito do das empresas farmacêuticas nacionais, fortemente
comércio exterior. A desnacionalização do mercado assentadas em fixação de marcas, controle de canais
brasileiro de farmoquímicos e adjuvantes está expressa de distribuição e amplas equipes de promotores de
no fato de as importações representarem o dobro da vendas. A estratégia que dera a essas empresas certo
produção local e quatro vezes o valor das exportações posicionamento de mercado era insuficiente para
(CAPANEMA; PALMEIRA FILHO, 2007). garantir competitividade no mercado de genéricos,
A importância crescente dos medicamentos produtos comercializados fundamentalmente com
genéricos contribuiu decisivamente para o aumento base no nome do princípio ativo. No novo contexto
da participação das empresas nacionais no mercado institucional, de um lado, tornou-se impossível
brasileiro. De acordo com dados do IMS Health, simplesmente copiar produtos com patentes vigentes
as vendas dos genéricos no Brasil movimentaram e, de outro, a fabricação de produtos equivalentes a
R$ 2 bilhões em 2008 (MAIA, 2009). Segundo medicamentos de referência com patentes expiradas
Pedro Palmeira, chefe do Departamento de Produtos (genéricos) passou a sujeitar-se a uma regulamentação
Intermediários, Químicos e Farmacêuticos do BNDES, rigorosa. Tendo dificultado a estratégia anterior, o
a venda de genéricos permitiu a empresas como novo marco regulatório teria induzido as empresas
Aché, EMS, Eurofarma e Medley fazerem caixa para locais a reforçarem suas capacidades tecnológicas e
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intensificarem o esforço de P&D no país (URIAS; farmacêutico nacional. A pesquisa fornece informações
FURTADO, 2007). sobre muitos aspectos do processo de inovação
Existem várias evidências dispersas dessa tecnológica das empresas farmacêuticas instaladas
intensificação do esforço tecnológico. No caso do no país, sejam elas controladas por capital nacional
laboratório Aché, o exemplo mais emblemático é o ou não, e permite a elaboração de indicadores com
desenvolvimento do Acheflan, um antiinflamatório comparabilidade internacional (http://www.pintec.
fitoterápico. Criado a partir da cordia verbenácea ibge.gov.br/). Cabe salientar que, na maioria dos
(erva baleeira), tornou-se conhecido por ter sido o temas investigados, a pesquisa interroga as empresas
primeiro medicamento desenvolvido com tecnologia sobre seu comportamento nos três anos imediatamente
100% nacional. Começou a ser comercializado em anteriores.
junho de 2005. A Pintec (PESQUISA..., 2008) cobriu na indústria
Em novembro de 2007, cerca de dez anos após a farmacêutica um total de 495 empresas - dessas,
chegada do Viagra ao Brasil, a Cristália anunciou o 315 (63%) realizaram inovações no período de
lançamento de um medicamento para o tratamento de 2006 a 2008. Dessas empresas inovadoras, 236 (75%)
disfunção erétil, o Helleva (carbonato de lodenafila). O desenvolveram inovações de produto e 217 (69%) de
mercado brasileiro era, naquele momento, o segundo processo. Das 236 empresas inovadoras em produto,
maior do mundo em volume de vendas - e o quarto 171 (72%) introduziram novidades para a empresa, e
em valor - de comprimidos para disfunção erétil. A 83 (35%), produtos novos em nível nacional, dado que
estratégia competitiva utilizada pela Cristália é praticar demonstra que grande parte das inovações realizadas
um preço no mínimo 25% menor que o do concorrente por empresas farmacêuticas nacionais só o são para
mais barato vendido no mercado (VIEIRA, 2007). a própria empresa. Certamente não é estranho a esse
Houve também iniciativas organizacionais resultado o fato de as multinacionais instaladas no
pioneiras, como a formação de joint-ventures Brasil realizarem esforços inovativos locais muito
para o desenvolvimento de tecnologia. Formada limitados.
em outubro de 2005 pelos laboratórios nacionais Uma das informações da Pintec se refere ao grau
Eurofarma e Biolab-Sanus, a Incrementha é um de novidade das inovações de produto - 22% eram
centro para pesquisa, desenvolvimento e inovação aprimoramentos de um produto já existente, e os
tecnológica (P,D&I) de novos produtos. Na primeira restantes 78%, produtos completamente novos para
fase da empresa, o objetivo era desenvolver inovações a empresa. No caso de produtos novos em nível
incrementais e, em particular, aperfeiçoar moléculas nacional, mas já existentes no mercado mundial,
já conhecidas. Portanto, o foco da empresa estava 52% eram aprimoramentos de produtos já existentes,
nas novas formulações, novas indicações e novas enquanto os outros eram completamente novos para a
combinações de drogas já conhecidas. Em dez anos, empresa. Já em relação aos 14 produtos novos para o
a empresa previa o início das pesquisas de inovação mercado mundial, cinco eram completamente novos
radical (geração de novas moléculas) (URIAS, 2006). também para a empresa. Note-se que apenas 6%
Outra iniciativa que envolve mecanismos de das inovações de produto da indústria farmacêutica
cooperação é o Coinfar (Consórcio da Indústria brasileira se enquadravam nessa categoria de maior
Farmacêutica), joint-venture de P&D formada por alcance. Embora modesto, esse percentual superava
três laboratórios farmacêuticos brasileiros: Biolab- o encontrado na indústria brasileira em geral (1,2%).
Sanus, União Química e Aché. A parceria nasceu de No tocante aos dispêndios com as atividades
uma iniciativa do governo do Estado de São Paulo inovativas, os dados da Pintec (PESQUISA... 2008)
e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado apresentam os esforços das empresas como proporção
de São Paulo (Fapesp) de tentar gerar tecnologias da receita líquida de vendas. Somando-se o P&D
nacionais a partir da biodiversidade brasileira interno e externo das empresas farmacêuticas, chega-se
(SANTOS et al., 2008). Um dos projetos prioritários a um percentual de 1,4%. Como a porcentagem das
da aliança é o da enpak (endogenous pain killer), vendas totais dos laboratórios dos EUA gasta em
proteína com poder analgésico obtida a partir do P&D situa-se em média acima de 15%, é inequívoco
veneno da cascavel. Trata-se de um analgésico que que os dispêndios da indústria farmacêutica instalada
tem se mostrado muito potente (600 vezes mais no Brasil - compreendendo tanto empresas nacionais
potente do que a morfina). A avaliação pré-clínica da quanto multinacionais - seguem sendo muito baixos,
toxicologia se iniciou no primeiro semestre de 2008. tanto em termos de porcentagem da receita líquida
Embora sejam relevantes, essas evidências de vendas quanto em termos absolutos.
esparsas não são suficientes para uma avaliação mais Os dados da Pintec (PESQUISA..., 2008) sobre
sistemática do desempenho tecnológico da indústria os métodos de proteção utilizados pelas empresas
farmacêutica brasileira. Um ponto de partida para tal farmacêuticas que realizaram inovações revelam que
avaliação são os dados da Pintec (PESQUISA..., 2008) em 226 casos foram utilizadas marcas, e em apenas
(Pesquisa de Inovação Tecnológica) sobre o setor 55, patentes. O baixo número de patentes é compatível
Estratégias tecnológicas em transformação: um estudo da indústria... 411

com o alcance restrito das inovações reportado minoritário, mas duplicou de 27 para 55. Do mesmo
anteriormente, já que essa forma de proteção pressupõe modo, o número de produtos novos para o mercado
um escopo mais abrangente da inovação. Além disso, mundial, embora ainda pequeno, dobrou de sete para
a frequência muito maior do uso de marcas - maior 14. Destoando dessa trajetória, porém, situa-se a
até do que na média da indústria - indica que os proporção de empresas inovadoras que avalia como
ativos comerciais continuam a ter grande importância de alta importância a cooperação com universidades
para as empresas farmacêuticas brasileiras. Das e institutos de pesquisa, que caiu de 47% para 34%.
315 empresas fabricantes de produtos farmacêuticos
que implementaram inovações, apenas 46 (15%) 4 Estratégias tecnológicas em
dispunham de patentes em vigor.
Um aspecto importante em relação à implementação
laboratórios nacionais
de inovações são as relações de cooperação com
outras organizações. De acordo com a Pintec 4.1 Metodologia
(PESQUISA..., 2008), no caso das empresas
farmacêuticas que desenvolveram inovações em Apesar da relevância dos dados coletados
parceria, dentre as relações consideradas de alta e tabulados pela Pintec, a caracterização das
importância, destacam-se as com fornecedores (53%), estratégias tecnológicas de empresas farmacêuticas
consultorias (35%) e universidades e institutos de de capital nacional, objetivo central do estudo,
pesquisa (34%). As relações com concorrentes exigia o levantamento de um conjunto mais amplo
atingiram esse mesmo nível de importância para de informações. Com esse propósito, foram de início
apenas 5% das empresas. Embora pouco expressivas sistematizadas as informações publicadas sobre as
em termos quantitativos, iniciativas como o Coinfar estratégias tecnológicas das empresas identificadas
e a Incrementha seriam de grande importância por como alvo da pesquisa. As principais fontes para esse
poderem ajudar a superar a dificuldade estrutural levantamento, que cobriu o período 2000-2008, foram
decorrente do porte relativamente pequeno dos os sites das empresas, os jornais Valor Econômico
laboratórios brasileiros. e Gazeta Mercantil, as publicações do BNDES
Outro ponto de grande relevância pesquisado Setorial, a revista eletrônica Inovação Unicamp e o
pela Pintec (PESQUISA..., 2008) são os obstáculos site da Pró-Genéricos.
encontrados para a realização da atividade de inovação. Mais do que isso, foi realizada uma pesquisa de
Empresas farmacêuticas que implementaram inovações campo baseada em entrevistas semiestruturadas junto
destacavam como obstáculos considerados de alta a seis importantes empresas farmacêuticas de capital
importância os elevados custos de inovação (50%), nacional: Aché (3ª colocada no ranking de vendas
os riscos econômicos excessivos (37%) e a no varejo dos laboratórios nacionais), Biolab-Sanus
dificuldade para se adequar a padrões, normas e (15ª), Cristália (que não está entre as vinte maiores
regulamentações (32%). Tal avaliação certamente no varejo, mas é um fornecedor de destaque de
é influenciada pelo que se pode chamar de efeito medicamentos aos hospitais), EMS-Sigma Pharma
“massa crítica”, isto é, as dificuldades associadas ao (1ª), Eurofarma (6ª) e Medley (4ª), segundo dados
porte muito inferior das empresas farmacêuticas em de julho de 2009 da IMS Health (IMS Health, 2009).
relação ao das multinacionais, que não só restringem O objetivo do roteiro de entrevista, como já se
os esforços inovativos das empresas nacionais, mas disse, era descrever os componentes das estratégias
também as levam a enfocar projetos mais baratos, tecnológicas das empresas pesquisadas, tendo como
de menor risco e, inevitavelmente, de muito menor fundamento principal as dimensões da estratégia
potencial. tecnológica propostas por Zahra (1996). Como em
Não obstante seja quando muito modesto algumas empresas houve mais de uma entrevista e,
o desempenho que se pode inferir da Pintec em alguns casos, dois e até três representantes delas
(PESQUISA..., 2008), deve-se registrar que a foram interrogados, foram realizadas nove entrevistas
comparação com análise semelhante feita com base com um total de dez entrevistados, todos ocupantes de
nos dados da Pintec de 2005 (SANTOS, 2010) indica cargos de direção ou gerência nas áreas responsáveis
melhorias relevantes em vários desses indicadores. pelo P&D. Afora duas experiências em caráter piloto
O percentual de empresas inovadoras no setor em 2008, a maioria das entrevistas ocorreu entre
farmacêutico aumentou de 53% para 63%. No caso das março e setembro de 2009.
inovações de produtos, ampliou-se de 25% para 35% Além do porte, as empresas foram selecionadas
a proporção de empresas que introduziram produtos a partir da identificação na literatura setorial de
que são novos não apenas para a própria empresa, mas evidências - como as apresentadas na seção 3.2 – de
pelo menos para o mercado nacional. O número de inflexão nas estratégias tecnológicas, constituindo
empresas que relatam o uso de patentes como meio casos potencialmente reveladores de intensificação
de proteção do esforço tecnológico continuou a ser do esforço tecnológico. Ainda que a amostra assim
412 Santos et al. Gest. Prod., São Carlos, v. 19, n. 2, p. 405-418, 2012

constituída não possa ter qualquer pretensão de contribuído substancialmente para a taxa média de
representatividade estatística, tentou-se cobrir crescimento anual da empresa na ordem de 15-20% nos
abrangentemente o conjunto de empresas farmacêuticas últimos cinco anos. Em 2008, o segmento respondeu
de capital nacional mais ativas no desenvolvimento de por 16% do total do faturamento do laboratório.
tecnologia. Nesse contexto, a investigação realizada A marca Medley surgiu em 1996, como substituta
pode ser caracterizada como um estudo de múltiplos do Instituto Químico de Campinas. A empresa teve
casos. Segue-se uma sucinta caracterização das uma grande ascensão a partir do ano 2000, passando da
empresas estudadas. 40ª colocação para a 3ª posição no ranking nacional,
O laboratório Aché está há mais de 40 anos no devido principalmente a sua linha de genéricos, os
mercado farmacêutico nacional e atua nos segmentos quais representam cerca de 70% do portfólio da
de medicamentos vendidos sob prescrição, genéricos empresa. O laboratório entrou neste segmento em
e éticos. O faturamento da empresa em 2009 foi 2000. Após esse ano, o crescimento da Medley foi
de R$ 1,7 bilhão. Já em 2008, as vendas totais da exponencial. A empresa se destacou por estratégias
companhia haviam sido de R$ 1,49 bilhão. A unidade comerciais agressivas, concedendo descontos de até
de negócios de genéricos foi responsável por 19% 80% sobre seus preços básicos e prazos de pagamentos
dessa cifra. superiores a 200 dias. Essa política a levou à liderança
Fundado em 1936, o grupo Castro Marques, de no mercado brasileiro de genéricos, mas a conquista
capital nacional, atua no mercado farmacêutico teve um alto custo em termos de deterioração da saúde
através da Biolab, da União Química e da Sintefina. financeira da empresa (VIEIRA, 2009). Em seu site,
Enquanto a Biolab é responsável pela produção de Medley declara um faturamento de R$ 458 milhões
medicamentos vendidos sob prescrição médica, a em 2008 (http://www.medley.com.br/src/). A empresa
União Química atua nos segmentos de genéricos e foi vendida para a francesa Sanofi-Aventis em 2009.
medicamentos éticos, e a Sintefina, na produção e
desenvolvimento de princípios ativos (http://www. 4.2 Discussão dos resultados
uniaoquimica.com.br/historico.html). Em 2009, o
faturamento da Biolab foi de R$ 540 milhões. Nessa seção é apresentada a discussão dos
O laboratório Cristália iniciou suas operações resultados dos estudos de caso. Pretende-se comparar
em 1972. A empresa começou como uma clínica as principais características das posturas tecnológicas
psiquiátrica que, com o intuito de baixar seu custo das empresas pesquisadas, tendo como pano de fundo
operacional, passou a fabricar medicamentos para as mudanças institucionais discutidas na seção 3.2.
utilização interna. Com cerca de 2.000 empregados O Quadro 1, localizado ao final desta seção, resume
e faturamento em torno de R$ 600 milhões em a caracterização das empresas da amostra frente a
2009, o laboratório tem três unidades farmacêuticas alguns dos principais elementos que compõem e
em funcionamento, uma em São Paulo, dedicada definem a estratégia tecnológica. Esse quadro cobre
à produção de injetáveis, e outras duas em Itapira diretamente quatro das dimensões das estratégias
(SP). Nesta unidade estão localizadas as divisões tecnológicas propostas por Zahra (1996) que, ao
de farmoquímica e de biotecnologia, que está mesmo tempo, i) são passíveis de caracterização
funcionando em escala-piloto. De acordo com mais objetiva e ii) puderam ser inequivocamente
a Cristália, os genéricos não são seu foco, não tipificadas a partir da pesquisa de campo. Além
tendo representatividade na carteira de produtos da disso, o quadro sintetiza as respostas a algumas
companhia. questões pertinentes especificamente a tecnologias
O laboratório EMS-Sigma Pharma foi fundado farmacêuticas que são muito importantes para
em 1964, com a construção da primeira fábrica em descrever a direção do esforço inovativo e detalhar
São Bernardo do Campo. Em 2002, foram investidos o conteúdo do portfólio tecnológico das empresas.
R$ 25 milhões no complexo de Hortolândia para a Como já se discutiu, as patentes são importantes
construção do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento. mecanismos de apropriação dos frutos da inovação
A empresa faturou R$ 2,1 bilhões em 2008. No ano no setor farmacêutico. Apesar de ser relativamente
anterior, segundo dados da IMS Health, os genéricos recente a retomada da proteção patentária a inovações
representaram 49% do faturamento e 52% da produção farmacêuticas no Brasil e das dificuldades intrínsecas
da EMS (NUNES, 2009). para se inovar num setor cuja dinâmica tecnológica
A Eurofarma iniciou sua trajetória em 1972, com o é marcada pela complexidade da base científica
nome de Billi Farmacêutica, fabricando medicamentos e por investimentos bilionários de empresas
para terceiros, laboratórios nacionais e multinacionais. gigantescas, a pesquisa identificou um despertar
Em 1993, adotou o nome Eurofarma, atuando sob por parte das empresas nacionais tanto em relação
uma única marca. Segundo o site da empresa, seu à importância das inovações para a sustentação da
faturamento foi de R$ 1,2 bilhão em 2009. A divisão posição no mercado quanto em relação à proteção das
de genéricos iniciou suas atividades em 2001 e tem descobertas. Outro indicador do despertar das empresas
Quadro 1. Características das empresas da amostra frente às dimensões da estratégia tecnológica.
Dimensão da Empresas
Estratégia Aché Biolab Cristália EMS Eurofarma Medley
Tecnológica
1 patente de embalagem
13 patentes depositadas 8 patentes concedidas e 60 3 patentes concedidas no 5 patentes de produto e
Patentes depositadas e média de 42 patentes concedida no Brasil e
no Brasil e nos países depósitos de pedidos no Brasil e no exterior e 5 processo concedidas no
concedidas depositadas 9 pedidos no Brasil e
do PCT Brasil e no exterior processos em andamento Brasil e no exterior
exterior
Equipe interna para Sim, composta por Sim, composta por Sim, em sua maioria,
Sim, composta por 3 Sim, coordenada por
tratar a propriedade 2 advogados e 1 2 farmacêuticos e 1 composta por Não obtivemos resposta
farmacêuticos e 1 químico uma bióloga
intelectual farmacêutico biólogo farmacêuticos
Sim, a cargo do
Departamento de P,D&I Sim, grande parte
Sim, a cargo da Sim, a cargo do Conselho
Prospecção ou p/ novas moléculas e do das possibilidades é Sim, a cargo da área de
área de Inteligência Científico da empresa, cujos Sim, a cargo da Equipe
Monitoração Departamento de Novos sinalizada pela EMS e Desenvolvimento de
Competitiva da conselheiros pertencem a de Inovação da empresa
Tecnológica Produtos p/ produtos já têm o respaldo técnico Novos Negócios
empresa universidades
no mercado ou novas do IIPF
associações
A empresa faz a
Os projetos são
As buscas são feitas primeira seleção, As buscas são
As buscas se dão através selecionados pelo Conselho As buscas são feitas em
em banco de dados em função do que o realizadas através
Forma de Prospecção da plataforma lattes do Científico (composto por universidades, banco
internacionais, p/ mercado está indicando de bancos de dados,
Estratégias tecnológicas em transformação: um estudo da indústria...

ou Monitoração CNPq, de publicações conselheiros pertencentes a de dados, publicações


avaliar as tendências de e de suas pretensões. sendo uma forma de
Tecnológica científicas, banco de universidades) em diversos científicas e parceiros
mercado, associada a Posteriormente, é pedida ficar atento a novas
dados etc estágios, o qual decidirá sua comerciais
uma análise patentária uma avaliação técnica tecnologias
importância
do IIPF

Sim, com a UNICAMP,


Sim, com a Central
USP, UNIFESP, UFRJ,
Flora, CPQBA
A empresa possui UFRGS, UFMG, UFAM,
(Unicamp), UNESP- Sim, com o Instituto
parcerias de P,D&I UFSM, UECE, Santa Casa
Araraquara, Unicor, Butantan, UNIVALI, Sim, com a USP-São
com universidade e Sim, com a UFMG, de Misericórdia de São Sim, com a USP-São
UnB, UFPR, UFCE, PUC-RS, UNESP, Paulo e Ribeirão Preto e
institutos de pesquisas UFRGS e Unicamp Paulo, Fundação Instituto Carlos e UNESP
UNIFESP, UFRGS, UFRJ, UFMG e CBME com a Unicamp
nacionais? Se sim, Oswaldo Cruz (FIOCRUZ),
UFSC, USP, UFRJ, (USP - São Carlos)
quais? Instituto Butantã, Instituto
UFMG, UFPB e UEFS
do Coração (INCOR) e
e UFAM
Fundação Zerbini

Fonte: Elaboração própria a partir das informações fornecidas pelas empresas


413
Quadro 1. Continuação...
Dimensão da Empresas
Estratégia Aché Biolab Cristália EMS Eurofarma Medley
Tecnológica
414 Santos et al.

A empresa possui
Sim, com a Biolab Sim, com o Aché no
parcerias de P,D&I
e União Química no COINFAR e com Sim, com a Biolab no
com outras empresas Não Não Não
COINFAR, através da a Eurofarma no Incrementha
farmacêuticas no
Biosintética Incrementha
Brasil? Se sim, quais?
A empresa possui
Sim, utiliza os serviços Sim, PHC Pharma,
relações com empresas Sim Sim Sim Sim
da Bioagri Newco Trials e Intrials
CRO? Se sim, quais?
Qual a porcentagem
2-3% do faturamento Em média 5% do
do faturamento 6-7,5% do faturamento 6% do faturamento bruto 7% da receita líquida de 3-6% do faturamento
bruto, ou R$ 18-20 faturamento bruto, ou
destinada à P&D? bruto anual vendas bruto
milhões R$ 15-20 milhões
E o montante?
12 projetos: 7 de 60 projetos: 40 15 projetos: 5 radicais,
Descrição do portfólio 22 projetos: 12 incrementais 30 projetos em 30 projetos em
inovação radical e 5 de inovações incrementais 1 incremental e 9 de
das empresas e 10 radicais andamento andamento
inovação incremental e 20 me toos "pesquisa clínica"
Sim, iniciou suas Sim, tem uma equipe
Possui atividades Não possui atividades Sim, possui um laboratório Não há atividades
atividades em 2008 Não possui atividades e um laboratório que
internas de voltadas à internas, somente com interno e uma equipe de internas, mas a empresa
e está começando a internas começou a operar em
biotecnologia? o COINFAR biotecnologia desde 2007 está prospectando
construir uma planta 2007
Produz farmoquímicos
Sim, a Sintefina realiza Sim, teve sua origem da
ou tem a intenção de Não Não Não Não
a síntese de hormônios Codetec em 1988
produzí-los no futuro?
Possui P&D a partir Sim, que culminou com
Sim, via COINFAR Não mencionou Não mencionou Sim Não mencionou
da fitoterapia? o Acheflan
Fonte: Elaboração própria a partir das informações fornecidas pelas empresas
Gest. Prod., São Carlos, v. 19, n. 2, p. 405-418, 2012
Estratégias tecnológicas em transformação: um estudo da indústria... 415

farmacêuticas nacionais para o patenteamento de suas impede a sociedade de se beneficiar das descobertas da
descobertas é a formação de equipes internas para academia. Na visão das empresas, um dos obstáculos
tratar especificamente da propriedade intelectual. ao desenvolvimento dessas relações é a prioridade
Praticamente todas as empresas possuem uma equipe absoluta conferida nas universidades à publicação
dedicada a esse propósito, com exceção da Medley, da científica, o que teria implicações adversas para os
qual não obtivemos resposta a essa questão. O número pedidos de patentes e a apropriabilidade de inovações
de profissionais de tais equipes é, no entanto, pequeno, tecnológicas derivadas do conhecimento científico.
prevalecendo em sua composição farmacêuticos, Em relação às decisões de investimentos em P&D
biólogos e químicos. Além do patenteamento no Brasil, dos laboratórios da amostra, optou-se por um conceito
há uma crescente preocupação de fazê-lo no exterior, mais amplo do que o proposto por Zahra (1996),
vislumbrando um mercado futuro internacional. incluindo não somente as decisões quanto ao nível
No tocante aos esforços de patenteamento, o maior de gasto, mas também outros aspectos igualmente
destaque entre os laboratórios nacionais estudados importantes do investimento em P&D, como a
cabe à Cristália, com oito patentes concedidas e 60 existência de um laboratório dedicado à atividade.
depósitos no Brasil e no exterior. Uma dificuldade encontrada na pesquisa se refere
Apesar da maior atenção à questão da propriedade às diferentes concepções de P&D nas empresas, o
intelectual, as evidências colhidas junto às empresas que afeta a comparabilidade dos esforços realizados.
nos permitem afirmar que as empresas farmacêuticas Informações obtidas na pesquisa de campo
nacionais pesquisadas continuam a patentear pouco indicam que a intensidade dos gastos em P&D das
fundamentalmente porque geram poucas inovações empresas nacionais líderes da indústria tende a ser
patenteáveis. Boa parte do esforço tecnológico - que, substancialmente maior do que a média detectada
como já se discutiu, é pequeno para os padrões pela Pintec. Tomando-se a porcentagem sobre o
internacionais - é direcionada a objetivos que, por faturamento bruto, sobressaem Cristália (6-7,5% do
definição, não são capazes de gerar patentes, como o faturamento bruto), EMS (6%) e, em seguida, Biolab
desenvolvimento de similares e de genéricos. Nesse (em média, 5%). A Eurofarma, que declarou investir
contexto, é absolutamente compreensível não só a em atividades de P&D 7% de sua receita líquida de
primazia de inovações que só o são para a empresa, vendas, estaria num patamar semelhante. Segundo
mas principalmente a preferência, revelada pela essa base, a Aché estaria em último lugar (2% a 3%
Pintec, por marcas e outros ativos comerciais como do faturamento bruto), abaixo também da Medley
mecanismos de apropriação. (3-6%). No entanto, considerando que se trata de um
Em relação à dimensão de prospecção ou dos laboratórios nacionais mais bem posicionados em
monitoração da estratégia tecnológica, praticamente termos de faturamento no ranking brasileiro, o valor
todas as empresas da amostra afirmaram possuir uma total investido pode superar o da Biolab, Cristália
área ou departamento voltado a essa atividade. As e Medley. Em termos de montante, a Aché afirma
empresas veem a prospecção tecnológica como forma investir de R$ 18 a 20 milhões em P&D, enquanto
de analisar as tendências de mercado de modo a obter a Biolab, de R$ 15 a 20 milhões.
uma base para a elaboração de suas estratégias. Uma De todo modo, se compararmos os esforços das
atividade central do processo de monitoramento é empresas nacionais com os das multinacionais, mesmo
a leitura e análise das patentes de outras empresas, lembrando que temos pouco mais de dez anos de
sobretudo as de multinacionais. proteção patentária, ainda se observa uma grande
Outra dimensão da estratégia tecnológica são as discrepância, não só em termos de porcentagem
fontes de tecnologia da empresa, podendo ser elas do faturamento, mas principalmente em termos
internas ou externas. Ao longo das entrevistas foi absolutos, já que o porte das empresas brasileiras é
possível notar a grande importância dos institutos de muito menor do que o de suas congêneres de países
pesquisa e, sobretudo, das universidades para a geração desenvolvidos. Como se viu, nos EUA os gastos
de inovação por empresas nacionais, especialmente com P&D como porcentagem das vendas totais
no caso das inovações de maior alcance. Todas as alcançaram em média 16,4% em 2007. No caso
empresas da amostra lançam mão de parcerias com das empresas pesquisadas, o valor não supera em
universidades e institutos de pesquisa nacionais para nenhum caso 7,5%. Considerando-se a diferença de
o desenvolvimento de medicamentos a partir de novas porte das empresas, o hiato se aprofunda. Enquanto
moléculas. No caso das inovações incrementais, nas empresas brasileiras o orçamento anual de P&D
as empresas desenvolvem com mais frequência os se situa na casa das dezenas de milhões de reais, na
projetos internamente, mas também adotam parcerias. líder mundial, a estadunidense Pfizer, o valor atinge
No entanto, a relação universidade-empresa ainda algo em torno de US$ 7 bilhões.
apresenta gargalos. Uma crítica recorrente entre Em relação à existência de laboratório de
empresas entrevistadas é que muitos dos projetos das P&D interno, todas as empresas possuem alguma
universidades não visam o consumidor final, o que organização desse tipo, mas realizam nele diferentes
416 Santos et al. Gest. Prod., São Carlos, v. 19, n. 2, p. 405-418, 2012

atividades. A Medley foi a única que o classificou fornecimento, o que garante que a empresa não fique
como de desenvolvimento, ou seja, sem atividades vulnerável a variações de preço, por exemplo. Além
de pesquisa propriamente ditas. A Aché, embora não disso, aponta a dificuldade de se fazer uma inovação
possua um laboratório interno, afirma realizar pesquisa radical sem possuir um centro de farmoquímicos.
junto a universidades e prestadoras de serviços e tem O fato de ter 20 anos de experiência na síntese de
a intenção de criar um laboratório para internalizar princípios ativos propiciaria, segundo a empresa,
etapas estratégicas, como o screening, a busca por um diferencial na capacidade de realizar projetos
novas moléculas. de alto nível.
A dimensão de produtos novos e tecnologicamente
melhorados introduzidos no mercado apontada 5 Considerações finais
por Zahra (1996) foi interpretada neste estudo da O objetivo deste artigo é avaliar a extensão das
indústria farmacêutica como a descrição do porftólio transformações nas estratégias tecnológicas de
de projetos das empresas da amostra. Também aqui um grupo de empresas farmacêuticas nacionais
é possível notar uma grande diferença no tamanho inauguradas pelas mudanças institucionais ocorridas
do portfólio das empresas, destacando-se os casos no país nos anos 1990, com especial destaque para a
da Biolab, com 60 projetos, e da Medley e EMS, Lei de Patentes e a Lei do Medicamento Genérico.
com 30 projetos. No entanto, é importante atentar Em relação ao impacto sobre a indústria e as
que não existe informação, nos dois últimos casos, empresas nacionais da Lei de Patentes, todas as
quanto à natureza dos produtos. Dadas as inserções empresas afirmam que a medida foi um divisor de
de mercado dessas empresas, caracterizadas pelo águas para o setor e para os laboratórios, tirando-os da
grande peso dos genéricos, é razoável supor que zona de conforto. Anteriormente, havia uma indústria
EMS e Medley consideraram projetos de genéricos, muito calcada na cópia, sem nenhum tipo de restrição
os quais são menos complexos e demandam um legal à imitação. Por outro lado, a Lei de Genéricos
tempo de desenvolvimento inferior a de projetos mais foi responsável pela criação de um novo segmento de
ambiciosos. Considerando a natureza da composição mercado. Os laboratórios que souberam se inserir e
da carteira de projetos, é possível destacar o esforço se posicionar rapidamente frente a essa oportunidade
de empresas como Cristália e Biolab no sentido de assumiram posição de destaque no setor. Cristália,
desenvolver projetos inovadores, sejam eles radicais EMS e Aché destacaram o fato de a legislação de
ou incrementais. O esforço da Eurofarma também genéricos ter aumentado a credibilidade dos produtos
não pode ser menosprezado. feitos pelas empresas de capital nacional, provando
Cabe discutir também o conteúdo das tecnologias de que o produto é intercambiável com o de referência.
produto e processo em que as empresas vêm investindo. Além disso, as exigências dos testes de bioequivalência
Nesse sentido, buscou-se verificar se as empresas e biodisponibilidade, bem como as das certificações
têm internalizadas as competências tecnológicas de qualidade na produção, induziram as empresas
necessárias para a produção de farmoquímicos. farmacêuticas nacionais a procurar modernizar seus
Ademais, questões sobre atividades de pesquisa parques produtivos e investir em qualidade.
internas voltadas à biotecnologia procuraram avaliar De todo modo, a nova realidade institucional não
se a empresa busca desenvolver competências em exclui a possibilidade de outros posicionamentos no
um segmento que está começando a ser montado no mercado. Alguns dos laboratórios estudados, como a
Brasil e para um paradigma tecnológico emergente. Medley, direcionaram-se bastante claramente para o
Por fim, uma questão referente aos fitoterápicos segmento de genéricos, que representa dois terços do
visou discutir se há capacidade de aproveitar essa portfólio da empresa e constituiu o principal motor para
que é considerada uma janela de oportunidade para a arrancada da empresa, que ocupava a 40ª colocação
as empresas nacionais. no ranking nacional em 2000 e alcançou a terceira
Três empresas da amostra possuem atividades posição em 2008. Contudo, outras das empresas
internas de biotecnologia: Aché, Cristália e Eurofarma. entrevistadas conferem maior ênfase à inovação.
Por outro lado, das empresas investigadas, apenas O caso mais nítido é o da Cristália. Embora
a Cristália e a Biolab, que sintetiza hormônios, possua em seu portfólio uma pequena faixa de
produzem alguns dos fármacos que usam em seus genéricos, esse nitidamente não é seu foco. A empresa
medicamentos. A Biolab montou a Sintefina a partir busca produtos patenteáveis, com maior conteúdo
da Biotec, um spin-off universitário que realiza a inovador e complexidade tecnológica. Segundo o
síntese de hormônios adquirido pela empresa em laboratório, seu diferencial com relação às principais
2005. A produção farmoquímica na Cristália nasceu empresas farmacêuticas brasileiras seria triplo: produz
da Codetec, em 1988, a partir de um projeto ligado farmoquímicos (só ela e a Biolab, que sintetiza
à CEME (Central de Medicamentos). O laboratório hormônios, o fazem), possui um laboratório interno
considera de grande importância a internalização de biotecnologia (para a qual destina 25% do seu
dessa etapa, pois se trata de uma fonte segura de orçamento para P,D&I), e outro de P&D. A empresa
Estratégias tecnológicas em transformação: um estudo da indústria... 417

possui competências em inovações radicais, que Além disso, boa parte do esforço tecnológico
culminaram com o lançamento do Helleva. destina-se a atividades que não são geradoras de
Não obstante, os dados da pesquisa de campo e patentes e inovações de largo alcance, como nos casos
da Pintec fornecem evidências de que as empresas dos similares e genéricos. Como já se argumentou,
farmacêuticas nacionais continuam a patentear diferentemente das multinacionais, que podem
pouco e a realizar um esforço de P&D muito menos arcar com projetos mal-sucedidos resultantes de
intenso em termos de proporção do faturamento do inovações radicais, as empresas brasileiras possuem
que as líderes internacionais do setor. Mais ainda, um orçamento muito mais restrito, o que implica foco
os laboratórios brasileiros têm porte muito inferior em projetos mais baratos, menos complexos e de
ao dos multinacionais. menor risco, mas também de muito menor potencial.
Das iniciativas de cooperação entre empresas Nesse contexto, o pequeno porte dos laboratórios
concorrentes para o desenvolvimento tecnológico, que nacionais representa um obstáculo estrutural para o
poderiam contribuir para superar essa restrição, cabe desenvolvimento do setor farmacêutico brasileiro e,
destacar o Coinfar (Biolab e Aché, visando inovações neste setor, políticas industriais indutoras de fusões
radicais) e a Incrementha (Biolab e Eurofarma, e aquisições parecem ser necessárias. Efetivamente,
visando inovações incrementais). Apesar de estarem apesar da evolução recente, não parece provável
presentes fatores essenciais para alianças tecnológicas, que empresas farmacêuticas completas, com porte,
como a complementaridade de competências e estrutura e competências compatíveis com as
a divisão de riscos e custos, o Coinfar teve suas líderes mundiais, surgirão da evolução gradual e do
atividades interrompidas, decisão que foi atribuída crescimento orgânico das empresas atuais.
a aspectos da legislação do estado de São Paulo
que obstruíam o relacionamento com o Instituto
Referências
Butantan. Seguindo o mesmo caminho, a Incrementha
encerrou suas atividades no final de 2009 (http://www. ALENCAR, R. S. Medicamentos no Brasil: uma
inovacao.unicamp.br/report/news-curtissimas100517. análise crítica da dinâmica técnica-setorial
(1996‑2006). 2007. 167 f. Dissertação (Mestrado em
php#barato).
Política e Gestão de Ciência e Tecnologia)-Centro de
A pesquisa mostrou também a frequência ainda
Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília,
muito maior do uso de marcas como forma de proteção,
Brasília, 2007.
indicando que os ativos comerciais continuam a ALVES FILHO, A. G. Estratégia tecnológica, desempenho
apresentar grande importância para os laboratórios e mudança: estudo de caso em empresas da indústria
farmacêuticos brasileiros, o que pode ser interpretado de calçados. 1991. Tese (Doutorado em Engenharia
como decorrência dos obstáculos muito menores que de Produção)-Escola Politécnica, Universidade de São
estão postos para estratégias competitivas centradas Paulo, São Paulo, 1991.
nesses recursos do que para estratégias pautadas por ARNST, C. Fim de patentes preocupa as grandes
um esforço tecnológico agressivo e sistematicamente farmacêuticas. Valor Econômico, São Paulo, 2008.
orientado à inovação. Disponível em: <http://www.valoronline.com.
Nesse sentido, o caso da EMS, maior laboratório br/?impresso/empresas/95/4774767/fim-de-patentes-
farmacêutico de capital nacional, parece exemplar. A preocupa-as-grandes-farmaceuticas&scrollX=0&scr
empresa dispõe da maior equipe de propagandistas do ollY=169&tamFonte=>. Acesso em: 24 maio 2008.
país, com cerca de 1.500 profissionais que realizam BERMUDEZ, J. et al. The WTO Trips Agreement
anualmente cerca de 5 milhões de visitas médicas, o and Patent Protection in Brazil: Recent Changes
que significa que cada médico no Brasil é visitado, em and Implications for Local Production and Access to
média, mais de uma vez por mês por representantes Medicines. Rio de Janeiro: ENSP/FIOCRUZ, 2000.
da EMS. A empresa afirma ainda que 6% de sua BURGELMAN, R. A.; MAIDIQUE, M. A.;
receita líquida são destinados aos investimentos WHEELWRIGHT, S. C. Strategic management of
technology and innovation. McGraw-Hill Irwin, 2001.
em P&D, enquanto em “criação de marca”, direção
CAPANEMA, L. X. L.; PALMEIRA FILHO, P. L. Indústria
que inclui marketing e força de vendas, o percentual
farmacêutica brasileira: reflexões sobre sua estrutura e
chega a 27% (RIBEIRO; SCARAMUZZO, 2009). potencial de investimentos. BNDES Setorial, Rio de
Com efeito, os resultados da pesquisa sugerem Janeiro, p. 165-206, 2007.
que os impactos dos genéricos sobre a indústria COHEN, W. M.; LEVINTHAL, D. A. Innovation and
farmacêutica nacional foram mais ambíguos do Learning: the two faces of R&D. The Economic
que se costuma presumir. É certo que os genéricos Journal, v. 99, p. 569-596, 1989. http://dx.doi.
ofereceram espaços de mercado, favoreceram a org/10.2307/2233763
acumulação de capital e demandaram a ampliação DAVENPORT, S.; CAMPBELL-HUNT, C.; SOLOMON,
do esforço tecnológico, mas, ao mesmo tempo, J. The dynamics of technology strategy: an exploratory
sancionaram estratégias competitivas que continuam study. R&D Management, v. 33, n. 5, p. 481-499, 2003.
centradas em ativos comerciais. http://dx.doi.org/10.1111/1467-9310.00312
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