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OPSIS, Catalão, v. 10, n. 1, p.

204-225, jan-jun 2010

INFÂNCIA ASSISTIDA: A ATUAÇÃO DAS


ASSOCIAÇÕES CIVIS E RELIGIOSAS NO INÍCIO DO
SÉCULO XX, EM JUIZ DE FORA/MG

CHILDHOOD ASSISTANCE: THE CIVIL AND


RELIGIOUS ASSOCIATIONS PERFORMANCE AT
THE BEGINNING OF THE TWENTIETH CENTURY,
IN JUIZ DE FORA/MG

Paloma Rezende de Oliveira1

Resumo: Esta é uma pesquisa Abstract: This is a document


documental que analisa as políticas de research that analyzes the politics of
assistência à infância, vinculadas à childhood assistance, linked to
escolaridade, em Juiz de Fora/MG, education in Juiz de Fora / MG, at
no início da República. Seu objetivo the beginning of the Republic. Its
é traçar um conjunto de temas que aim is to draw a set of themes of
desenham o perfil institucional da the institutional assistance profile that
assistência que se tinha àquele tempo, existed at that time, not only
não só nas dimensões materializadas materialized in the dimensions of the
dos prédios das escolas, asilos, buildings of the schools building,
institutos, como também as suas nursing homes, institutes, as also their
regras e formas de funcionamentos, rules and practice forms, moreover it
além das idéias que eram expressas focuses in the ideas that were
por essas construções. expressed by these constructions.
Palavras chaves: Assistência. Keywords: Assistance. Childhood.
Infância. Educação. Políticas públicas. Education. Public politics.

Introdução

Durante a análise das políticas de assistência à infância e


escolarização, em Juiz de Fora/MG, na passagem do regime monárquico
para o republicano, constatamos que este momento foi crucial para a
formação do pensamento social brasileiro, pois um dos principais
discursos da época era: “a criança como o futuro da nação”.

_____________________________________________________
1
Mestre em Educação pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Professora
substituta da UFJF e coordenadora pedagógica da PJF. Email:
rezende_paloma@yahoo.com

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Essa idéia pode ser observada nas obras sobre a historiografia


da infância e da assistência e também em fontes primárias:
correspondências, atas, legislação e nos jornais O Dia, O Pharol e Jornal
do Commercio, localizados no Arquivo Municipal, Arquivo da Biblioteca
Murilo Mendes e Arquivo da Igreja da Glória, todos em Juiz de Fora.
Ressaltamos que as diversas tentativas de utilizar os arquivos
das próprias instituições existentes até hoje no município, contaram com
a resistência de tais estabelecimentos em disponibilizar seus documentos
para esta pesquisa.
As abordagens da História da Cultura e da História das Idéias,
como método de investigação das políticas de assistência à infância,
tiveram como base os autores Chartier (1990) e Skinner (1996). De
acordo com a perspectiva desses autores, buscamos perceber em que
medida os atores concordavam, contestavam ou até mesmo ignoravam
os discursos e práticas presentes no contexto analisado. Nas palavras
de Chartier (1990, p.17), foi necessário “identificar o modo como em
diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é
construída, pensada, dada a ler.”
Nesse sentido, embora, no final do século XIX, tenha ocorrido
a separação política entre a Igreja e o Estado, estes parecem ter atuado
conjuntamente no sentido de buscar oferecer educação e assistir a
infância pobre, órfã ou abandonada, no recorte espacial analisado.
No Brasil, como em Juiz de Fora, a Igreja teve grande
participação, como entidade privada, na assistência e promoção social
das crianças pobres e órfãs. Porém, no período republicano essa
assistência teve um caráter distinto ao do Império, pois atuou junto às
associações e, até mesmo, criou instituições voltadas para atender
desvalidos e/ou para ensinar “a fé cristã e os bons costumes”. Segundo
Azzi (1992, p.60):
Dois setores específicos foram mobilizados no campo
católico: em primeiro lugar, o laicato, mediante a fundação
de associações religiosas, com a finalidade específica de
angariar recursos para a criação de atividades e obras em
benefício do menor desvalido. Em segundo lugar, os
religiosos, principalmente, do sexo feminino, através de suas
instituições anexas, como a roda dos expostos e os asilos
para a orfandade.

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Durante os primórdios da República, além da preocupação


social, a Igreja Católica tinha uma meta específica: o combate declarado
ao ensino laico. Com a separação entre a Igreja e o Estado, as
denominações protestantes, em Juiz de Fora, como também no contexto
nacional, passaram a ter condições favoráveis para atuação,
desenvolvendo atividade significativa no setor educativo.
O episcopado brasileiro não se conformou com essa perda de
espaço na área educacional, pois, até então, a educação religiosa era seu
domínio exclusivo. Por essa razão, os bispos reformadores esforçavam-
se por manter os níveis tradicionais de influência sobre a educação da
infância. Na Carta Pastoral, de 1901, anunciada no panfleto de abertura
das escolas paroquiais do Curato da Glória2, percebe-se, explicitamente,
a preocupação da Igreja Católica com o avanço do ensino laico:
Nas circunstâncias em que se acha a Igreja diante do ensino
leigo é de necessidade inadiável as escolas primárias, nas quais
a mocidade nascente da Paróquia encontre o pasto espiritual
da doutrina cristã e de outros conhecimentos úteis para a
vida prática. Exortamos a todos os pais de família e tutores
que enviem seus filhos e pupilos a essas escolas paroquiais.
Lembramos a todos os católicos de nossas dioceses a
gravíssima obrigação que têm de auxiliar seus párocos na
obra de fundar e sustentar as escolas primárias paroquiais
(vocabulário atualizado) (Arquivo da Igreja da Glória, Carta
Pastoral, 1901, documentos das escolas paroquiais)
Conforme o balancete das receitas e despesas da Sociedade
Propagadora do Ensino Primário, em 1909, a Igreja busca responsabilizar
as famílias pela educação moral de seus filhos, considerando a religião
católica a única possível para educá-los:
A educação chamada leiga, na qual não tem parte o ensino
e as práticas religiosas, é a mais eficaz arma que podia
inventar o inferno para ruína do cristianismo [...] enquanto a
tal educação sem deus, com capa de liberdade e a título de
progresso propina sorrateiramente e infiltra o veneno no
coração dos moços, levando-lhes a morte espiritual e moral
[...] A.S. Congregação do Santo Ofício, conhecendo, que o
fim das escolas neutras ou leigas, é extirpar na infância o
conhecimento das verdades santas e o cuidado da religião,

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Panfleto que anunciava a abertura de matrícula de alunos nas escolas paroquiais, em
1901, pelo padre Wiegant.

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declarou que se devia empregar todo empenho em persuadir


aos pais de família, que nenhum mal podiam causar maior
aos filhos, à pátria e ao catolicismo, do que entregar seus
filhos a esta extrema desgraça (vocabulário atualizado)
(Arquivo da Paróquia Nossa Senhora da Glória, Relatório,
1909, Livro de Prestação de Contas da Sociedade
Propagadora do Ensino Primário)
A instituição católica procurava garantir um espaço de influência
sempre maior na sociedade juizforana, atuando não somente sobre as
crianças, como também sobre as famílias.
A atuação do catolicismo restaurador se desenvolveu no
município através da criação da diocese de Juiz de Fora e a atuação do
primeiro prelado de Dom Justino - bispo de Mariana – que mobilizou
institutos religiosos vindos da Europa e as próprias fundações brasileiras,
a fim de ampliar sua rede escolar, sobretudo, em localidades de presença
protestante, como foi o caso de Juiz de Fora.
As primeiras congregações e irmandades católicas que chegaram
à cidade atuaram no setor educacional, através da formação de escolas
paroquiais, visando oferecer educação moral à população infantil e às
suas famílias.
Nas obras de Azzi (1992) e Muniz (2003), constatamos que, de
um modo geral, tal ampliação não se deu de forma tranqüila. As famílias
encontraram resistência, a princípio, às instituições estrangeiras. Por sua
vez, os educadores europeus, leigos ou religiosos, que, em quantidade
significativa, se transferiram para o Brasil lastimavam constantemente a
liberdade infantil, procurando impor, de todas as formas, padrões
educacionais coercitivos.

2. Irmandades e escolas paroquiais

A importância das escolas paroquiais no campo social deve-se


ao fato de que elas atendiam também crianças “indigentes”, oferecendo
educação, uniforme e material escolar. Contudo, as instituições criadas
após a questão religiosa, frente à expansão do ensino laico, priorizavam
a expansão do ensino católico, em detrimento da assistência à infância
pobre. Desde os primórdios da organização do município de Juiz de
Fora, percebe-se o surgimento de diversas obras assistenciais, cuja direção
foi confiada a determinado grupo da sociedade civil. Além dessas

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iniciativas, não se pode desconsiderar a importância das irmandades


que proliferaram, em Juiz de Fora, no final do século XIX, na ajuda
aos pobres, visto que, muitas delas, como por exemplo, a Irmandade
do Senhor dos Passos, colocavam como uma das suas principais funções,
além do culto religioso, o exercício da caridade.
De acordo com Azzi (1992, p.94), com o advento do regime
republicano, o movimento reformista entra em uma segunda etapa, cuja
característica mais significativa passa a ser o esforço organizativo. Não
obstante aos temores de alguns prelados, o novo governo da República
garantiu plena liberdade de ação para a Igreja. Sob o incentivo da Santa
Sé, os bispos passaram então à tarefa de organizar suas dioceses dentro
dos seguintes moldes:
Esse esforço era orientado para três setores principais:
formação do novo clero dentro do modelo tridentino, através
da fundação e manutenção dos seminários; criação e
organização das paróquias, contando, sempre que necessário,
com a colaboração de religiosos estrangeiros; atuação mais
direta junto aos fiéis, formando novas lideranças do laicato
dentro de novas associações religiosas, mantidas
rigorosamente sob o poder clerical. É dentro desses
parâmetros que atua à frente da diocese de Mariana Dom
Silvério Gomes Pimenta (AZZI, 1992, p.94).
Vieram se estabelecer, sucessivamente, em Juiz de Fora, ao longo
das duas primeiras décadas do século XIX, sete congregações vindas da
Europa por solicitação de Dom Silvério, sendo três masculinas:
Redentoristas holandeses, Salesianos italianos e Verbitas alemães; e quatro
congregações femininas: irmãs francesas do Sion, irmãs alemãs de Santa
Catharina, irmãs alemãs Servas do Espírito Santo e irmãs francesas do
Bom Pastor. Destacamos, no entanto, que tanto os salesianos, como as
religiosas do Sion tiveram curta permanência na cidade (AZZI, 2000, p.165)
Os redentoristas holandeses e os verbitas alemães assumiram,
respectivamente, a direção do curato da Glória e da paróquia de Santo
Antônio. Eles confirmaram a orientação reformista, marginalizando o
tradicional catolicismo luso-brasileiro, que privilegiava a cultura e as
crenças populares.
É bom ter presente que, nessa época, além dos religiosos
europeus, também as congregações religiosas femininas auxiliaram na
implantação do catolicismo romanizado em Juiz de Fora. Três dessas

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congregações instaladas na cidade dedicaram-se à educação da mulher:


as religiosas do Sion, as irmãs de Santa Catharina e as Servas do Espírito
Santo. Na área da saúde, destacaram-se: as irmãs de Santa Catharina (na
administração interna da Santa Casa, nos primeiros anos) e a congregação
do Bom Pastor, a qual tomou a seu cargo a direção do Asilo João
Emílio e se dedicou à assistência.
As primeiras irmãs da Congregação de Santa Catharina vieram
para atender aos serviços de saúde e à assistência social. De acordo
com Azzi (2000, p.156-158), estas irmãs chegaram a Juiz de Fora em
janeiro de 1898. Três delas assumiram o Asilo João Emílio e as outras
três a Santa Casa de Misericórdia, convidadas pelo provedor, o juiz de
direito, Brás Tavares, o qual construiu o prédio para o hospital e a
morada das irmãs.

3. A atuação das associações civis

As associações leigas, por sua vez, surgiram à medida que as


Irmandades da Misericórdia e suas rodas de expostos foram perdendo
sua hegemonia nas atividades sociais e caritativas dentro da esfera
eclesiástica, no Brasil. Foi necessário, então, criar associações, nas quais
se congregassem os católicos pertencentes às famílias abastadas, a fim
de que com sua influência e poder econômico fossem fornecidos os
recursos necessários para a manutenção das obras assistenciais assumidas,
progressivamente, pelos institutos religiosos. Por isso, além das
irmandades, muitas associações católicas foram criadas para se dedicarem
ao trabalho caritativo.
As associações filantrópicas estabeleceram uma complexa rede
de relações sociais com a sociedade e com o poder público no decorrer
dos anos. Diversos atores procuravam contribuir de alguma forma com
as associações de caráter mutualista ou particular, através de donativos
ou da organização e/ou participação em eventos para arrecadação de
fundos. Muitas dessas associações desenvolveram intrínsecas relações
com o poder público, seja sob a forma de auxílio, seja através de
cobranças. A atuação do Estado em relação à assistência não era,
portanto, clara, visto que havia uma relação estreita entre público e
privado, estabelecida através destas associações.

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Dentre essas entidades, destacam-se a Associação de Caridade


Nossa Senhora da Conceição, a Associação de São Mateus, o Centro
Operário Beneficente, as Sociedades Mútuas “A Redentora” e “A
Humanitária”, a Sociedade Auxiliadora de Senhoras, as Damas Protetoras
da Infância, a Sociedade Propagadora do Ensino Primário, a Conferência
de Santo Agostinho, o Culto Católico de Mariano Procópio, a Associação
São Francisco de Assis, a Associação de Amparo à Pobreza, a Sociedade
Beneficente São Vicente de Paulo, a Associação das Damas de Caridade,
a União Católica Pão de Santo Antônio, sendo as três últimas ligadas
aos vicentinos.3
Ao visitar a paróquia, em 1911, o bispo Dom Silvério registrou
as suas impressões acerca da assistência em Juiz de Fora:
[...] os meninos doutrinados com cuidado e com esmero, a
escola paroquial, funcionando com grande número de alunos,
as associações católicas em plena atividade: Conferência de
São Vicente de Paulo, Damas de Caridade, Pão de Santo
Antônio, Obra dos Tabernáculos, Vocações eclesiásticas, União
Católica ou Liga Católica, Apostolado da Oração, Irmandade
do S.S. Sacramento, Confraria do Puríssimo Coração de Maria,
Guarda de Honra, Congregação Mariana de Jovens, Santa
Infância, Pia União das Filhas de Maria, Doutrina Cristã,
Ordem Terceira de São Francisco (apud AZZI, 2000, p.137).
No campo católico, as instituições confiadas a essas associações
foram a Santa Casa de Misericórdia, o Asilo João Emílio e outras
entidades caritativas que se dedicaram à assistência aos pobres, bem
como as escolas paroquiais, que estavam a cargo do Culto Católico de
Mariano Procópio4 e da Sociedade Propagadora do Ensino Primário.5
A obra mais antiga de Juiz de Fora foi a Santa Casa de
Misericórdia, cujos serviços de assistência aos doentes pobres já eram
oferecidos, desde 1859, em uma primeira construção, junto à capela
dos Passos. De acordo com o discurso do Padre Júlio Maria sobre a
assistência, em 1896:
_____________________________________________________
3
Fundo da República (parte 1). VII – Documentos de entidades filantrópicas enviadas
à Câmara Municipal de Juiz de Fora. Arquivo Municipal de Juiz de Fora.
4
Após a questão alemã (disputa pelos bens doados pela Companhia União e Indústria
à Colônia Dom Pedro II, entre alemães e redentoristas), essa instituição passaria a se
constituir como entidade civil, desvinculada da Igreja Católica.
5
Administrada pelos padres Redentoristas e mantida por doações e mensalidades dos
sócios.

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Três grandes serviços desafiam nesta paróquia o zelo e o


devotamento do povo católico: o desafio da miséria física: a
doença; o desafio da miséria doméstica: a orfandade; o desafio
da miséria moral: o crime. A Santa Casa, o Asilo e a Cadeia,
eis as grandes minas donde se extrai o ouro que mais agrada
a Deus: a caridade (apud AZZI, 2000, p.170).
Ao lado da Santa Casa, foi fundado, no início da época
republicana, o Asilo de órfãs, o qual recebeu o nome de seu promotor,
o padre João Emílio Ferreira da Silva. Segundo o Almanak de Juiz de
Fora (1892, p.143) a princípio, a obra fora projetada como um abrigo
de mendigos e indigentes, mas, em seguida, foi direcionada para meninas
desamparadas pela orfandade. Com a finalidade de auxiliar esta
instituição, em 1890, foi fundada a Associação Protetora da Pobreza,
que tinha entre seus principais membros, além do padre João Emílio,6 o
Barão do Retiro e os doutores Luiz Eugênio Horta Barbosa e José
Mariano Pinto Monteiro. A associação se propunha a fundar um asilo,
para que nele se recolhessem os que vagavam pelas ruas do município
de Juiz de Fora.
O lugar escolhido para o asilo foi um terreno doado pelo tenente
Custódio da Silveira Tristão, localizado na Rua Antônio Dias. As obras
chegaram a ser iniciadas, mas foram suspensas pela Sociedade de
Medicina e Cirurgia, sob a alegação de que a obra, estando no centro
da cidade, poderia tornar-se um foco de infecção, causando
inconvenientes à higiene pública. Em 12 de abril de 1891, a Sociedade
de Medicina examinou o terreno doado pelo comendador Gervásio
Monteiro da Silva, localizado no Alto dos Passos. Em 19 de abril,
comunicou, por ofício, à Câmara, que o projetado Asilo não poderia
prejudicar a população do mesmo bairro, não somente por se achar em
um extremo dele, como por dever o edifício ser construído em uma
eminência do mesmo local, e, por conseguinte, suficientemente arejado
para manter-se em boas condições de salubridade.7
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6
O Padre João Emílio era favorável à implantação da República. Foi fundador, em
Juiz de Fora, do externato XV de novembro, que teve vida efêmera. Publicou uma
série de artigos no jornal O Pharol sobre as instituições de caridade. Ele mesmo fundou
a Associação Protetora da Pobreza, tendo como finalidade específica construir um
Asilo de Mendigos. As obras foram iniciadas em 1890, sendo inaugurado o asilo João
Emílio, em 1895.
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Arquivo Municipal de Juiz de Fora. Correspondências de entidades filantrópicas e
entidades médicas enviadas à Câmara Municipal de Juiz de Fora – Fundo da República.

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Esse abrigo para órfãs seria, então, inaugurado, em 1895. Com


a morte do Padre João Emílio, o asilo serviu de moradia às irmãs da
Congregação de Santa Catharina. Em 1902, entretanto, a instituição foi
entregue à Congregação Bom Pastor. Conforme o relato da Irmã Maria
da S. F. Xavier Nóvoa, em 1905, a instituição chegou a possuir 72 órfãs
e 11 funcionários, e, em 1910, 60 órfãs e 40 moças penitentes.8
De acordo com Paulino de Oliveira, o asilo João Emílio não
recebeu, a princípio, nenhuma ajuda oficial, nem mesmo uma loteria,
forma pela qual o governo provincial auxiliava as instituições existentes
nos municípios.9 No livro de atas da Câmara (1915-1923), referente ao
ano de 1916, localizado no Arquivo Municipal de Juiz de Fora há
referência à subvenção de 600$000 dada a este asilo.10
Em Juiz de Fora, bem como em outros municípios da
província, eram realizadas várias loterias. Nenhuma, porém, do vulto
da que foi instituída, em 1887, para extração da qual se firmou um
contrato entre a Câmara Municipal, representada por seu Presidente
Joaquim Nogueira Jaguaribe e o Sr. Francisco Antônio Brandi,
autorizando este, na qualidade de tesoureiro, a nomear e a demitir
empregados, estabelecer agências em Minas e em outras províncias. O
produto líquido desta Loteria, de acordo com o contrato de 9 de
abril, destinava-se à Igreja Matriz e às obras de saneamento da cidade,
mas quando o tratado foi oficializado, já vinham sendo feitas as
extrações, conforme se vê no próprio termo que declara que as cinco
primeiras séries do plano “foram pontual e fielmente realizadas pelo
dito encarregado” (OLIVEIRA, 1966, p.129).

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8
Apud Almanak de Juiz de Fora, 1892, p.143. Ainda de acordo com os documentos
de entidades filantrópicas enviadas à Câmara Municipal de Juiz de Fora (Arquivo
Municipal de Juiz de Fora) este asilo, em 1895, possuía 98 asiladas – crianças órfãs e
desamparadas – e em 1905, esse número passou a 72 órfãs e 11 funcionárias. Ainda
segundo o Álbum do Município de Juiz de Fora, organizado por Oscar Vidal e Albino
Esteves, em 1914, o asilo possuía 83 asiladas.
9
O processo era simples: a Assembléia votava uma lei, autorizando a extração da
loteria e indicando a entidade ou serviço que deveria ser por ela beneficiado, e o resto
se fazia por contrato com terceiros ou por iniciativa do próprio favorecido, que
descontadas as despesas, inclusive a do fisco, conseguia vultosas quantias, nunca, porém,
maiores do que as fixadas para cada caso.
10
Arquivo Municipal de Juiz de Fora. Neste mesmo ano, tem-se subvenções ao
recolhimento de São Vicente de Paula 500$000, ao asilo de Mendigos de Juiz de Fora
1:000$000 e ao Albergue dos Pobres 300$000.

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Nos jornais, foram encontrados artigos que realçavam o


problema da assistência pública, no sentido de que esta excedia as
possibilidades do poder público e, portanto, necessitava de dedicação
de toda a população no auxílio e manutenção das instituições
encarregadas de ajudar os desvalidos. No Jornal O Pharol, de 31 de
dezembro de 1901 11, há uma notícia de que a Associação União Católica
Pão de Santo Antônio lamentava a crise que se abateu em Juiz de Fora,
causada, sobretudo, pela febre amarela, a qual teve como uma de suas
consequências, a redução da renda da “União” e o aumento das suas
despesas, forçando-a a reduzir o auxílio aos pobres. Este fato sugere a
escassez de recursos investidos em assistência por parte do poder público.
A associação criou também um jornal, denominado O Pobre, de
curto período de circulação - 1899 a 1901 -, o qual cobrava das
autoridades civis providências frente ao crescente número de “vadios”,
em Juiz de Fora. Também diversos setores da sociedade viam com
preocupação a questão da infância e cobravam medidas das autoridades
no sentido de retirar os menores das ruas e colocá-los nas escolas, de
modo a não se tornarem meliantes, mas, pelo contrário, contribuíssem
para o futuro da nação como bons trabalhadores.
Conforme Azzi (1992, p.166-168), enquanto Brás Bernardino
e Hermenegildo Vilaça se destacavam na atuação junto aos enfermos
da Santa Casa, os primos Francisco Batista de Oliveira e Aprígio
Ribeiro de Oliveira se distinguiram pelo atendimento assistencial à
pobreza da cidade. Batista de Oliveira foi membro da Conferência
Vicentina e fundador da Associação União Pão de Santo Antônio,
cuja finalidade era oferecer alimentos e agasalhos aos necessitados.
Esta associação religiosa também zelava pelo patrimônio da matriz e,
em 1901, atendia a 52 adultos e 71 crianças. Dentre as atividades
organizadas naquele ano, incluíam-se a distribuição diária de pães e o
pagamento de aluguéis para pobres que não tivessem condições de
trabalhar. Seu primo, Aprígio Ribeiro de Oliveira, por sua vez, destacou-
se por suas atividades nas Conferências Vicentinas. A primeira
conferência foi criada, em Juiz de Fora, em 1894, junto à igreja matriz,
com o apoio do Vigário, Padre Café.

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p. 2 e colunas 4 e 5. Seção: A Pedidos. Arquivo da Biblioteca Murilo Mendes.

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Em relação aos núcleos vicentinos, foram encontradas na obra


de Azzi (1992, p.95-98) referências à existência, no início do século
XX, de três deles no município: o da matriz, presidido pelo Dr. Canuto
de Figueiredo, o dos Passos, presidido por Brás Bernardino, e o da
Glória, presidido pelo professor Luis Andrés.
No dia 24 de maio, de 1896, reuniram-se, pela primeira vez, na
Igreja da Glória, os membros da Conferência Vicentina, com a
participação de dois alemães, e cuja finalidade era cuidar dos pobres e
doentes do Curato. O conselho dirigente mantinha, naquela data, 15
casas, onde eram abrigadas 22 famílias. No recolhimento de São Vicente
de Paulo eram mantidas as famílias que não tinham teto e eram
oferecidos também outros serviços: rouparia para os pobres, obras de
visita e assistência aos encarcerados e uma escola noturna.
A Sociedade São Vicente de Paulo iniciou suas atividades, na
cidade, em 15 de março de 1894, com a Conferência de Santo Antônio,
na Catedral Metropolitana. Atuou na construção da Vila das Viúvas,
em 1895, do Recolhimento dos pobres e enfermos de São Vicente de
Paulo, em 1913, bem como da Avenida D. Rita Halfeld, a qual serviu
de abrigo e moradia para os pobres. Esta última associação atendia a
diversas famílias, arrecadando doações e realizando festas e espetáculos
beneficentes, com o intuito de distribuir recursos aos necessitados.
A expansão destas associações no município de Juiz de Fora,
contudo, encontrou alguns opositores que denunciavam a deficiência
da assistência na cidade e o caráter dos movimentos associativos, como
é o caso do senhor João Massena:
O aparecimento de uma associação é o produto de um
desequilíbrio, de uma fraqueza social; representa e indica
claramente uma necessidade não satisfeita, uma ação de
progresso irrealizado, um pedido de bem estar que ainda
não se conquistou. Significa, pois, em definitivo, um atraso a
vencer, uma imperfeição a destruir. É assim, por exemplo,
que a humanidade, sentindo-se atrasada, inerte e fraca na
luta contra a tuberculose, esse inimigo traiçoeiro e formidável,
que por enquanto desafia todas as forças sociais; sentindo-
se nesse embate quase desamparada pela ciência, verificando
não ter soado ainda a hora de progresso e de vitória, reúne
as fraquezas individuais a ver se faz delas uma força coletiva.
É assim também que o proletariado, sentindo-se esmagar
pelas classes elevadas, pela injusta organização social do
século XIX, reúne todas as suas forças e aspira violenta e

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desordenadamente a um bem, que nem mesmo sabe ou


consegue formular. É ainda assim que os filantropos,
sentindo-se individualmente fracos contra a miséria,
congregando-se, associam-se; congregando-se contra esse
flagelo às Nações, contra esse odioso produto de nosso
atraso, que a civilização ainda não conseguiu eliminar... (apud
OLIVEIRA, 1966, p.185)
Por outro lado, para a Igreja Católica, essas entidades
representavam uma forma de interferência mais direta nas obras de
educação e assistência empreendidas pelas congregações religiosas, visto
que possibilitavam um controle direto da diocese sobre as instituições
mantidas pelas associações.
A Igreja Católica manteve sua influência sobre a educação
também através das escolas paroquiais. Contudo, além dos católicos,
outras instituições religiosas ou de caráter laico adquiriram espaço para
se desenvolverem e encontraram adeptos, na sociedade juizforana.
Questão que será aprofundada, a seguir, começando pelas obras de
assistência e educação de outras entidades religiosas que se instalaram
em Juiz de Fora. O recorte temporal privilegiou o período conhecido
como Questão Alemã.12 Este período inicia-se com a criação da Escola
Agrícola, na Colônia D. Pedro II, em 1864, e culmina com a criação de
outros tipos de instituições filantrópicas de caráter laico, como por
exemplo, o Instituto de Proteção e Assistência à Infância, em 1918,
transpondo o caráter religioso, que predominou até este período, e
indicando uma mudança de perspectiva de assistência e do modelo de
atendimento à infância.
É importante salientar que as instituições de cunho religioso
não deixaram de existir com a aparição destas novas iniciativas, uma
vez que, ainda em 1923, encontramos documentos que fazem referência
à criação de escolas paroquiais, tal como a escola do Sagrado Coração.
Além das instituições de cunho religioso, a documentação aponta
variadas iniciativas da sociedade civil voltadas para a assistência infantil,
como asilos, lactários, gotas de leite, hospitais e caixas escolares, na
cidade de Juiz de Fora.

_____________________________________________________
12
Período de disputa entre Culto Católico e Padres Redentoristas pela posse dos bens
doados pela União Indústria à Colônia Alemã.

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OPSIS, Catalão, v. 10, n. 1, p. 204-225, jan-jun 2010

Quando ocorre a fundação do Instituto de Proteção e


Assistência à Infância Desamparada, 13 em 1918, diversas pessoas
pertencentes à classe mais abastada fizeram questão de colocar seus
nomes como sócios fundadores. Por exemplo, o Major Estevam de
Oliveira, Albino Esteves, Machado Sobrinho, Oscar Vidal Barbosa Lage
e Benjamim Colucci. Segundo o jornal O Dia, de 19 de abril de 1918,
p. 1 e coluna 6, este Instituto disponibilizava vacinas de BCG às crianças
carentes do município de Juiz de Fora.14
Segundo o livro de atas da Câmara Municipal (1915-1923),
localizado no Arquivo Público Municipal, havia também a assistência dentária
escolar, criada por Albino Esteves, cirurgião dentista, nos Grupos Centrais,
referido no documento em 01 de março de 1915, para as crianças que não
podiam pagar o tratamento. Em 26 de setembro de 1917, foi encaminhada,
pelo presidente da Câmara, à comissão de fazenda, uma petição pedindo
uma subvenção para a referida assistência e expondo em dados estatísticos
os serviços que ela havia prestado à infância nos seus quase 3 anos de
funcionamento. Contudo, em resposta a esta solicitação, Francisco Paletta e
Menezes Filho fizeram as seguintes considerações, demonstrando o
desinteresse da Câmara, bem como do Estado, em auxiliar tal iniciativa:
[...] consideramos que, de um lado, são realmente relevantes
os serviços abnegados que a assistência dentária escolar vai
prestando, por esforços dedicados de seu fundador, o
signatário da petição examinada, mas por outro lado, ao
Estado maior responsabilidade cabe ao amparo e
sustentação de instituições, como a Assistência, que
prestando serviços valiosos dentro da Escola estadual, delas
são um complemento tanto mais valioso quanto inicia o
menor estudante ao conhecimento dos cuidados que deve
ao seu próprio corpo; e [...] além disso, digo, além do mais,
são de aperturas as condições financeiras desta Câmara se
atender-se as numerosas e inadiáveis obras que se terão de
executar-se - é de parecer que não se pode atender ao
pedido retro (vocabulário atualizado) (Livro de Atas da
Câmara Municipal (1915-1923), 1917, Arquivo Municipal de
Juiz de Fora).
_____________________________________________________
13
IPAI – Instituto de Proteção e Assistência à Infância – vacina BCG, 29/09/1918,
Rua Roberto Barros, nº 45. Fundada pelos médicos Cícero Tristão e Carminha Sampaio.
Apud: FILHO, 1968, p.18-31.
14
De acordo com Kuhlmann (2002, p.460), o primeiro IPAI foi criado em 1899, por
iniciativa de Moncorvo Filho, médico que liderou o 1º Congresso nacional da Criança,
em 1916.

216
OPSIS, Catalão, v. 10, n. 1, p. 204-225, jan-jun 2010

Essa declaração indica que o Estado não demonstrou, a


princípio, interesse em valorizar as iniciativas médicas, apesar do esforço
da puericultura e da pediatria, desenvolvidas no fim do século XIX, de
fundamentar a campanha médica de intervenção sobre as crianças, e
apesar das conseqüentes reivindicações por uma ação mais eficaz dos
poderes públicos em relação ao problema da infância.15 Somente em
1920, pela resolução nº. 844, a Câmara resolveu auxiliar a Assistência
de caráter médico com a importância de 100 mil réis por ano.
A existência dessas iniciativas na cidade indica que as medidas
voltadas à infância pobre não estavam restritas a um setor da sociedade.
As iniciativas médicas começaram a ganhar espaço no campo da
assistência. Contudo, as ações da Câmara demonstraram maior incentivo
em relação às instituições de educação e de assistência voltadas para a
instrução da criança, nesse período.

5. As associações filantrópicas e sua relação com a infância

Muitas associações filantrópicas voltadas para o trabalho com


menores carentes foram criadas no município de Juiz de Fora, no período
de transição Império/República, tais como: a Associação Amiguinhos
da Infância, o Asilo de Órfãs Anália Franco e o Instituto de Proteção
e Assistência à Infância. Também diversas escolas surgiram com este
intuito, como a Escola Alemã e a Sociedade Propagadora do Ensino
Primário. O “Asilo Orfanológico Redenção”, por exemplo, destinava-se
a dar educação à orfandade desvalidada, através da escola prática de
agricultura e ensinos acessórios.
Quanto à educação, destacam-se as Caixas Escolares. Trata-se
de uma iniciativa da sociedade civil, que atuou no sentido de auxiliar a
vida escolar de crianças que viviam em condições de pobreza em Juiz
de Fora. Além dos uniformes, elas custeavam o material escolar e as
merendas dessas crianças. O público alvo das Caixas Escolares eram
aquelas crianças provenientes de bairros pobres da cidade de Juiz de
Fora.

_____________________________________________________
15
Apesar das teorias higienistas, que permeiam os estudos históricos sobre a assistência,
apresentarem esta preocupação por parte do poder público.

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OPSIS, Catalão, v. 10, n. 1, p. 204-225, jan-jun 2010

Na documentação do Arquivo Municipal de Juiz de Fora, foram


encontradas várias referências à distribuição de material didático para
alunos pobres. E ainda, na documentação sobre as entidades filantrópicas
existentes no início da República, há diversas referências à Escola das
Crianças Pobres16 e à Cooperação Escolar de Vargem Grande, na qual
os pais de família se reuniam para comprar material escolar para crianças
pobres.17
Segundo o Jornal O Dia de 7 de maio de 1919, p.1, coluna 3.
Seção: Correio do dia, diversas associações trabalharam no sentido de
recolher as crianças das ruas e as educar. Dentre elas, pode-se destacar
o Asilo de Órfãs Anália Franco, que foi idealizado por Francisco Antônio
Bastos, tendo como inspiração a Associação Feminina, de São Paulo. A
presidente era sua falecida esposa, a escritora Anália Franco, que tinha
o objetivo de abrigar órfãs desamparadas, dando-lhes educação.
Em 1909, o Juiz de Direito da Comarca, o senhor Gama Júnior
e o promotor da Primeira Vara, Sr. Couto e Silva, realizaram uma visita
às instalações da instituição e interrogaram várias asiladas, que se disseram
satisfeitas com o tratamento e a educação que recebiam das irmãs de
caridade, conforme expõe o jornal O Pharol de 1909, p.1, coluna 2, em
18 de agosto.
Para a internação no Asilo era necessária a apresentação de
documentos, tais como: a certidão de idade da criança e de óbito de
seus pais, o atestado de vacina e um atestado médico, comprovando o
bom estado de saúde e a ausência de moléstias contagiosas. As visitas
tinham horários regulados e as crianças que tivessem parentes deveriam
pagar uma matrícula e uma mensalidade para saldar as despesas com o
material escolar, bem como levar para a instituição alguns objetos de
uso pessoal.

_____________________________________________________
16
16/01/1898: Colégio e Escola Normal Santa Catarina oferecia curso primário,
comercial, ginasial e normal. Fundado em 1899, como “escola dos pobres” e
transformado em 1900, mantendo o primário gratuito como Colégio de Aplicação.
Apud: Fonseca, 1987, p.60-61.
17
Além de escritora, Anália Franco trabalhou na construção de diversas instituições
voltadas para a caridade. Situado à Rua Batista de Oliveira, 89, este asilo atendia as
classes operárias com aulas externas e maternal, sendo que, para os que não podiam
pagar, o ensino era gratuito (Ver nas correspondências de entidades filantrópicas
enviadas à Câmara Municipal no Arquivo Municipal de Juiz de Fora).

218
OPSIS, Catalão, v. 10, n. 1, p. 204-225, jan-jun 2010

Também a imprensa assume papel relevante na arrecadação de


fundos para o atendimento aos necessitados. O jornal O Pharol 18 realizava
festas de caridade em benefício das instituições que atendiam aos
indigentes da cidade. Em 1914, por exemplo, o periódico organizou a
“Festa da Caridade” e arrecadou um total de 2:117$000, por meio de
doações em dinheiro, entradas e venda de comidas e bebidas nos bares.
Esse dinheiro arrecadado foi distribuído entre diversas associações,
valendo ressaltar que as maiores beneficiadas foram as Conferências de
São Vicente de Paulo, o Albergue dos Pobres e o Asilo João Emílio.
Os festivais de caridade funcionavam como uma forma de
entretenimento para os mais variados setores do município. A
programação era bem diversificada, com apresentações de teatro, dança,
circo ou bandas de música. Em 1917, ocorreu um festival em benefício
do Albergue dos Pobres, no qual ocorreram atividades destinadas às
crianças, como jogos infantis, carrinhos de cabrito, gangorras, rodas,
pesca milagrosa, dentre outras atividades, como: corridas de saco e a
pé, pau de sebo, loterias, batalhas de flores, confetes e lança-perfume.
Outro exemplo é o festival a ser realizado, em 25 de agosto de 1908,
no Parque Weiss, em benefício das escolas mantidas pelo Culto Católico,
de Mariano Procópio, onde haveria torneio de pombos, jogo de bola,
tômbola, “quermesse” e sessões de cinematógrafo.
Além da sociedade em geral, eram convidadas para estas
festividades algumas autoridades, bem como outras associações da cidade.
De modo geral, a instituição promotora enviava um pedido de licença
à prefeitura para montar as barracas em via pública e para soltar foguetes.
Eram montadas barracas de alimentos e bebidas, e, freqüentemente,
eram realizados jogos e corridas. A renda arrecadada era direcionada
para a associação que estivesse realizando o evento ou, caso este fosse
organizado por terceiros, a renda obtida era enviada para alguma entidade
filantrópica.
Foram encontrados, com freqüência, no livro de prestação de
contas da Sociedade Propagadora do Ensino, a partir de 1908, os gastos
dos organizadores em relação ao total arrecadado, bem como o

_____________________________________________________
18
Como demonstrado no Jornal O Pharol, de 30/07/1914, p. 2 e colunas 1 e 2;
Jornal O Pharol de 01/08/1914, p. 1 e colunas 5 e 6. Arquivo da Biblioteca Murilo
Mendes.

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OPSIS, Catalão, v. 10, n. 1, p. 204-225, jan-jun 2010

agradecimento dos mesmos às generosas pessoas que compareceram ao


evento. Quando eram associações religiosas que organizavam essas
festividades, geralmente ocorria a celebração de uma missa, um culto
ou uma palestra no final da comemoração. Como exemplo, temos a
festa das escolas da Associação do Culto Católico, na qual se realizou a
entrega de prêmios aos alunos, os quais apresentaram comédias infantis,
declamações e cânticos religiosos. Dr. Antônio Carlos, então, presidente
da Câmara, e Francisco Valadares foram representados pelo capitão João
Rechner, com discurso oficial de Daniel Pinto Corrêa Sobrinho. Por
sua vez, o Culto Evangélico, segundo o Jornal do Commercio, em 1908 19,
foi representado por Christiano Griese e João Krambeck. Também a
premiação do evento, nos mostra um pouco sobre o currículo destas
escolas: “1º prêmio - aplicação: aluno Diogo Baptista Pinto; 2º prêmio
– comportamento: Maria Lenz; 3º prêmio – trabalhos de agulha: Maria
Azevedo Neto.”
A Câmara de Juiz de Fora, por sua vez, distribuía recursos a
diversas instituições do município, embora não seja explícito qual o
critério utilizado para definir os valores disponibilizados. Algumas
instituições como a Santa Casa de Misericórdia, o Asilo João Emílio, o
Asilo de Mendigos e o Instituto de Proteção à Infância recebiam
subvenções diretamente da União, conforme demonstrado, por exemplo,
no Jornal O Pharol, de 06 de julho de 1893, p. 2 e coluna 4.
Segundo o Jornal O Pharol, de 05 de outubro de 1915, p.2 e
coluna 2, a Câmara também operava no sentido de auxiliar algumas
associações. Por exemplo, no ano de 1915, ela atua na construção de
um asilo de mendigos: “A Câmara Municipal resolve: art. 1 – Fica o
presidente da Câmara autorizado a entregar, mediante contrato à
Associação civil “Asilo de Mendigos de Juiz de Fora” o prédio municipal
denominado Hospital Santa Helena para nele ser instalado o asilo.”
Frente à ineficácia do poder público em solucionar o problema
da mendicância, encontramos, com freqüência, cobranças feitas por
setores da sociedade e da imprensa. O padre João Emílio, em 1890, ao
pedir contribuições para a construção de um asilo de mendigos na cidade,
apontava a necessidade do auxílio da população para este fim, haja vista
_____________________________________________________
19
Notícia recortada do Jornal do Commercio de 16/07/1908. Grupo G série jornais
diversos cód.00004 II. 87. Arquivo da Paróquia Nossa Senhora da Glória.

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OPSIS, Catalão, v. 10, n. 1, p. 204-225, jan-jun 2010

o governo estadual não se encarregar de realizar tal ação em favor dos


pobres. Em 1892, no jornal O Pharol, de 21 de dezembro de 1892, p.
1 e coluna 2, as críticas permaneciam e apresentavam a grande
dificuldade do asilo recém-construído para receber verbas do tesouro
nacional.
Em 1893, o governo exigiu que a Associação Protetora da
Pobreza, criada para administrar o Asilo João Emílio, assinasse um
contrato, a fim de poder levantar no tesouro federal o produto do
benefício da loteria extraída em seu favor. Porém, a associação respondeu
que, ao tomar esta medida, estaria abrindo espaço para que o governo
interviesse na sua fundação, no seu regime e na sua economia interna,
convertendo, dessa forma, uma instituição de caráter particular em uma
dependência da administração pública.20
O jornal O Pharol, em 6 de julho de 1893, p.2, defendeu que a
associação, criada com o fim desinteressado e humanitário de fundar e
manter o Asilo João Emílio, não tinha necessidade alguma de se envolver
com o governo, por meio de um contrato, o qual seria para ela fonte
de penosas obrigações. Por fim, o impasse pareceu ter sido resolvido
com a assinatura, diante do Presidente do Estado de Minas Gerais, do
termo de responsabilidade, para que a Associação Protetora da Pobreza
pudesse levantar no tesouro nacional as quantias necessárias para o
término das obras do asilo, bem como para a compra de seu mobiliário.
Este fato confirma a hipótese de que havia uma relação estreita entre
público e privado nas medidas de assistência daquele período.
Em 17 de fevereiro de 1917, por exemplo, no jornal O Pharol,
p.1, coluna 1, foi publicada uma coluna dizendo que todos os esforços
realizados no município, nesse sentido, partiam de particulares, enquanto
as autoridades civis só elaboravam as leis, que nem sempre eram
cumpridas.
As instituições filantrópicas que dispunham de mais recursos
ou que eram dirigidas por setores da elite, cobravam, principalmente
através da imprensa, uma participação mais efetiva do poder público na
manutenção dessas sociedades. Argumentavam muitas vezes que estavam
exercendo funções que não eram suas obrigações, mas responsabilidades
_____________________________________________________
20
Informações disponíveis no Jornal O Pharol, de 04/01/1893, p. 1 e coluna 1. e
Jornal O Pharol, de 06/07/1893, p.2 e coluna 4. Arquivo da Biblioteca Murilo Mendes.

221
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do Estado. Essa cobrança frente ao Poder Público variava de acordo


com o status e o papel desempenhado pela associação na comunidade.
Convém salientar que nem sempre o fato de os nomes de
cidadãos ilustres estarem ligados às associações era garantia de bom
funcionamento das mesmas. Até porque, muitos participavam apenas
das inaugurações ou realizavam doações, apenas com o intuito de
divulgarem seus nomes, como beneméritos, nos jornais.

Considerações finais

O embate de idéias e interesses, que é abarcado pelas políticas


públicas, apontou conflitos e limites que permeavam os processos
decisórios dos governos, além das possibilidades de cooperação que
ocorreram entre os governos e outras instituições ou grupos sociais,
conforme se percebeu em relação às associações que surgiram no
município de Juiz de Fora, a partir do final do século XIX, com a
finalidade de auxiliar as instituições caritativas de caráter laico ou religioso.
O estudo das políticas públicas para a infância possibilitou
também fazer a distinção entre o que o governo pretendeu fazer e o
que de fato fez em prol da infância pobre, órfã ou desvalida, no período
de transição Império/República. Essas políticas envolveram vários atores
e níveis de decisão e, embora fossem materializadas através dos governos,
não se limitaram às leis e regras.
Nesse sentido, constatamos que a questão da assistência à
infância atravessa um complexo de relações entre o Estado e a sociedade,
ou seja, o público e o privado, levando em consideração as diferentes
visões do problema, o que diferencia, portanto, a abordagem deste
trabalho, das perspectivas que privilegiam a idéia determinista de que as
ações estão sujeitas à “força de trabalho”, “acumulação” ou “legitimação”.
De modo geral, as Congregações religiosas, em Juiz de Fora,
encontraram no início do século XX, espaço para desenvolverem e
fixarem o ensino católico, sem deixar de lado as iniciativas assistenciais.
Nesse sentido, as associações, de caráter civil ou religioso, tiveram grande
influência nas propostas de atendimento e de assistência à infância,
levando-nos a refletir sobre o papel do Estado em relação a essas
políticas. Foram apresentados diversos exemplos de medidas de
transmissão de recursos públicos para as iniciativas de caráter particular,
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OPSIS, Catalão, v. 10, n. 1, p. 204-225, jan-jun 2010

ou até mesmo, a não efetivação dessas subvenções, privilegiando a


transferência da responsabilidade pelo atendimento à infância aos diversos
setores da sociedade.
A análise das fontes que tratam das instituições e dos argumentos
apresentados pelos atores da época contribuiu para desvelar o caráter
das políticas públicas para a infância. Todavia, trouxe questões já
conhecidas, e, principalmente, apontou especificidades locais em relação
ao contexto mais amplo, ou seja, nacional.

Referências

Fontes

Arquivo da Paróquia Nossa Senhora da Glória


Documentos das Escolas paroquiais - Carta Pastoral, 1901
Livro de Prestação de Contas da Sociedade Propagadora do Ensino
Primário - Relatório, 1909
Jornal do Commercio de 16/07/1908. Grupo G série jornais diversos
cód.00004 II. 87.
Arquivo Municipal de Juiz de Fora
Fundo da República - Correspondências de entidades filantrópicas e
entidades médicas enviadas à Câmara Municipal de Juiz de Fora.
Livro de atas da Câmara Municipal (1915-1923)
Arquivo da Biblioteca Murilo Mendes
Jornal O Pharol, de 31/12/1901, p.2, coluna 4 e 5
Jornal O Dia, de 19/04/1918, p.1 e coluna 6
Jornal O Dia de 7/05/1919, p.1, coluna 3. Seção: Correio do dia
Jornal O Pharol de 18/08/1909, p.1, coluna 2
Jornal O Pharol, de 30/07/1914, p.2 e colunas 1 e 2

223
OPSIS, Catalão, v. 10, n. 1, p. 204-225, jan-jun 2010

Jornal O Pharol de 01/08/1914, p.1 e colunas 5 e 6


Jornal O Pharol, de 06/07/ 1893, p.2 e coluna 4
Jornal O Pharol, de 05/10/1915, p.2 e coluna 2
Jornal O Pharol, de 21/12/ 1892, p.1 e coluna 2
Jornal O Pharol, de 04/01/1893, p.1 e coluna 1
Jornal O Pharol, de 06/07/1893, p.2 e coluna 4
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Artigo recebido em 22/04/2010 e aceito para publicação em


02/09/2010

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