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1.

Introdução

O uso da força, desde os primórdios da sociedade de Estados, sempre


sofreu restrições impostas pelo direito internacional. Ainda que a proscrição
completa das guerras e a limitação do uso de atos coercitivos sejam vedações
criadas apenas no século 20, pode-se afirmar que o sistema jurídico
internacional, ao menos se considerados os aspectos posteriores à Paz de
Westfália, sempre limitou, proibiu ou regulamentou o uso da força entre
coletividades estatais.

O sistema legal vigente no âmbito internacional contém regras e


princípios que proscrevem, de forma ampla, o uso da força pelos Estados.
Estes, conforme as disposições do Capítulo VI da Carta das Nações Unidas,
devem resolver eventuais litígios por meios pacíficos, os quais estão
exemplificativamente enumerados no Art. 33 da Carta.

O uso da força, por sua vez, de acordo com o direito internacional, está
restrito a situações específicas. Nestas, as atribuições conferidas ao Conselho
de Segurança da ONU são bastante relevantes e, em certas situações,
demasiadamente amplas, aspecto que prejudica a segurança jurídica e a
realização da justiça no plano internacional. Esse defeito do ordenamento
jurídico internacional, além de solapar seu funcionamento, afeta negativamente
sua credibilidade perante os diferentes povos do mundo. Embora bastante
evidente, o excesso de poderes do Conselho, no entanto, é vício de difícil e
incerta solução, uma vez que está diretamente relacionado a aspectos
sensíveis da soberania e da segurança das grandes potências.

Por meio de análise histórica, relatar-se-á o processo de concepção do


imperfeito sistema legal internacional de regulamentação do uso da força. A
análise das Resoluções 1970/2011 e 1973/2011, que autorizam a intervenção
armada na Líbia, serão premissas para identificação dos principais problemas
jurídicos do atual sistema normativo internacional.

2. HISTÓRICO
A classificação das guerras, com base no conceito ocidental de justiça,
foi a primeira forma clara de limitação jurídica do uso da força. Com fulcro
nessa classificação, doutrinadores - os quais foram, em grande parte,
influenciados pelo direito canônico e pelos princípios do jusnaturalismo –
determinaram as condições nas quais o conflito armado poderia ser
considerado legítimo. Deve-se notar que, nesse período (séculos 16 e 17),
predominava, no sistema europeu de Estados, o entendimento segundo o qual
o ato legal era, ao mesmo tempo, legítimo e justo, perspectiva que foi atenuada
e, em parte, modificada pelo advento do positivismo jurídico do século 19.
(AMARAL JUNIOR, pp. 193 e 194).
Apesar de o conceito de guerra justa ser abstrato, excessivamente
abrangente e não consensual, pode-se identificar as situações que eram
abarcadas por ele, no entendimento de doutrinadores como Francisco de
Vitória, Francisco Suarez e Hugo Grócio. Primeiramente, destaca-se a guerra
punitiva ou sancionadora, dirigida contra o Estado infrator ou responsável por
lesão a outro estado. Nesse tipo de conflito, o Estado, após ter sido
indevidamente prejudicado por outro, material ou moralmente, pode usar da
força com a finalidade de obter reparação ou de simplesmente punir a
coletividade provocadora do dano. As guerras feitas contra os infiéis, a
despeito da opinião contrária de doutrinadores como Francisco de Vitória,
poderiam, igualmente, ser consideradas formas de guerra justa. No que
concerne, especificamente, a identificação dos infiéis, nota-se que esta era
feita com base na exclusão. Na Idade Média, eram infiéis todos aqueles que
não pertenciam à cristandade, em especial os povos muçulmanos, em razão da
proximidade geográfica destes. Após o advento das grandes navegações, o
grupo de infiéis foi incrementado pelas diversas populações indígenas pagãs
do continente americano. (AMARAL JUNIOR, pp. 193 e 194).

No período de predominância do binômio guerra justa/guerra injusta, os


parâmetros de verificação da legitimidade da guerra tinham conteúdo
eminentemente religioso. Hugo Grócio, embora tenha destacado aspectos
temporais e consuetudinários do direito internacional (FONTOURA, p.18), não
conseguiu desenvolver uma doutrina jusnaturalista isenta de aspectos
religiosos. Sob influência dos princípios do direito romano, o jurista holandês
considerava justa a guerra feita para recuperar a propriedade ilegitimamente
retirada do domínio do Estado. Este, portanto, estaria legalmente autorizado
para retomar, por meios coercitivos, sua propriedade usurpada. (BULL, p.226)

Durante os séculos 18 e 19, a guerra passa a ser entendida como um


fenômeno natural nas relações entre Estados soberanos e, portanto, inerente à
política internacional. O estadista, por sua vez, deveria planejar, preparar e
executar a guerra como se fosse uma simples política pública. Os interesses do
Estado, no âmbito internacional, poderiam, dessa forma, ser satisfeitos,
basicamente, de duas formas distintas: mediante a diplomacia ou por meio do
uso da força. Embora subsistisse a noção de guerra justa, esta era, na maior
parte dos casos, completamente encoberta por considerações políticas. As
Guerras Napoleônicas, por exemplo, apresentaram como causa primária
aspectos puramente ideológicos. As alianças militares formadas contra a
França revolucionária e a nova ordem instaurada após o Congresso de Viena
foram determinadas pelas noções políticas de equilíbrio de poder e de
legitimidade dos governos.

As guerras do período eram feitas, em sua maior parte, sem a


participação ativa da população (embora, no caso da França revolucionária,
esse aspecto começasse a se alterar). Os males causados às populações civis,
para os padrões do século 20, eram bastante limitados. A perspectiva segundo
a qual o conflito bélico é eminentemente negativo e prejudicial para os povos é
posterior à Primeira Guerra Mundial, não obstante, no século 19, Jean Henri
Dunant, após testemunhar a alarmante destruição humana da Batalha de
Solferino durante o processo de unificação italiana, já denunciasse os horrores
inerentes às guerras modernas (SOARES, p. 389). A proibição de conflitos
armados interestatais, decorrente da valoração negativa atribuída
consensualmente à guerra, ocorrerá, no entanto, de forma clara, apenas no
século 20.

O período posterior à Primeira Guerra Mundial foi bastante relevante


para desenvolvimento do direito internacional no que concerne à
regulamentação da guerra. Apesar de ter sido precedida por conferências de
paz e por convenções de direito humanitário, o conflito mundial será o fato
determinante na formação do novo tratamento recebido pela guerra na ordem
jurídica internacional. A elevada quantidade de mortos e de feridos, a
proporção inédita da destruição, o sofrimento indescritível da população civil
foram fundamentais para que a sociedade internacional, consensualmente,
impusesse, por meio de normas jurídicas convencionais, limites mais rígidos ao
uso internacional da força. Dois foram os instrumentos legais que resultaram
dessa nova percepção acerca da guerra: o Pacto da Sociedade das Nações
(1919) e o tratado de renúncia à guerra (Pacto Kellog-Briand, ou Pacto de
Paris, 1928).

O Pacto da Sociedade (ou Liga) das Nações objetivou a criação de


organismo internacional multilateral que promovesse a paz e a cooperação
entre as nações. No Pacto, havia previsão de órgãos que, por meio do concerto
político e mediante a aplicação imparcial de direito internacional público,
resolveriam eventuais litígios entre os Estados. O Conselho da Liga deveria
agrupar as principais potências da época, a fim de, coletivamente, impedir ou
remediar as situações de possíveis rupturas da paz internacional. A Corte
Permanente de Justiça Internacional, por sua vez, seria o órgão judiciário
supremo da organização, com a finalidade de dirimir conflitos entre os Estados
por meio da aplicação das normas de direito internacional. Este, conforme o
Estatuto da Corte, teria, como fontes principais, aquelas enumeradas no art.
38: tratados, costume internacional e princípios gerais do direito.

O conteúdo do Pacto de Paris, tratado multilateral composto por


apenas três artigos, vedava, por completo, o recurso à guerra. No preâmbulo
do tratado, vislumbra-se a consolidação de sensível mudança na mentalidade
coletiva no que concerne ao fenômeno da guerra. Esta, diferentemente do que
entendiam os estadistas do século 19, não deveria mais ser usada como
instrumento legítimo de execução da política externa de um país: "persuadidos
de que chegou o momento de proceder a uma franca renúncia à guerra como
instrumento de política nacional" (tratado de renúncia à guerra, 1928,
preâmbulo). A asserção do preâmbulo dialoga, de certa forma, com a
concepção de guerra vigente até aquele momento, a qual foi sintetizada por
Clawsevitz: a guerra como continuação da política por outros meios.

Ambos os instrumentos jurídicos, no entanto, não foram suficientes


para evitar a eclosão da Segunda Guerra Mundial. A historiografia é
consensual no seu entendimento acerca do fracasso da Liga das Nações na
consecução de seu principal objetivo: manutenção da segurança e da paz
internacionais. A ausência dos Estados Unidos (principal potência da época), a
necessidade de consenso em quaisquer situações de ação do Conselho (Art. 5
do Pacto), a inércia em relação à ruptura da paz em casos isolados (e.g
invasão da Abssínia pela Itália e da Manchúria pelo Japão) foram alguns dos
principais problemas enfrentados pela Liga. Esta, no final da década de 1930,
encontrava-se bastante desacreditada perante a opinião pública mundial.

Os formuladores da Carta das Nações Unidas, tratado que institui a


organização internacional mais importante do período posterior à Segunda
Guerra, tentaram não repetir os erros materializados na Liga. Esse documento,
no entanto, embora apresente aspectos realistas relacionados diretamente à
política mundial do período, objetivou, como o Pacto Kellog-Briand, a
proscrição completa da guerra. (SEITENFUS, p.129). Na realidade, no texto do
documento, é utilizado o termo "uso da força" em lugar de "guerra", a qual
poderia, na interpretação literal de alguns, ser limitada apenas ao confronto
entre duas entidades estatais. O escopo da organização criada pela Carta é
restringir o uso da força a situações bastante específicas, as quais podem ser
resumidas a dois casos: legítima defesa e força empregada com autorização
do Conselho de Segurança. Este, por sua vez, diferentemente do Conselho da
Liga das Nações, reflete a distribuição do poder mundial, o qual passou a ser
exercido pelas potências vencedoras da Segunda Guerra. Nele, apenas os
membros permanentes (EUA, Inglaterra, França, Rússia e China) apresentam
poder de veto. Em comparação com a sua antecessora, a ONU é,
politicamente, mais realista, e, estruturalmente, mais funcional, embora
apresente problemas diversos e mantenha, em linhas gerais, os mesmo
princípios e objetivos.

No que concerne especificamente ao uso legal da força, deve-se


destacar o Capítulo VII da Carta, o qual contém prescrições acerca das
medidas coercitivas que poderão ser empregadas pelo Conselho de
Segurança. Este, no que tange à preservação da paz e da segurança, é,
indubitavelmente, o órgão mais importante. A Assembléia Geral, apesar de ser
mais representativa e, por conseqüência, mais democrática, tem a competência
apenas exortatória em assuntos relacionados à segurança. À Assembléia, além
disso, é vedado fazer recomendações acerca de matérias que estão em pauta
do Conselho de Segurança (Art. 12, 1, da Carta das Nações Unidas). Existe,
portanto, em matéria de segurança, evidente preponderância do Conselho,
desde que este não se mantenha omisso ou inerte.

As atribuições e os poderes do Conselho de Segurança são bastante


amplos. Conforme prescrito no Art. 39 da Carta, o Conselho tem a prerrogativa
de determinar a situação que considera perigosa para a paz e para segurança
internacionais. O uso do termo "determinar" em vez de "identificar" indicia a
elevada discricionariedade do órgão no que concerne a declaração de
existência de ameaça internacional. Após a determinação, o Conselho de
Segurança é dotado de amplos poderes para a adoção de medidas que
objetivem reverter ou cessar a situação de ameaça. Nesse caso, a utilização de
forças armadas, conforme os Art. 40 e 41, podem ser empregadas de acordo
com as prescrições do Conselho.
3. AS MEDIDAS DE FORÇA MULTILATERAIS NO CASO DA
LÍBIA
Na atualidade, situações de graves distúrbios internos que colocam em
risco a população civil também ensejam intervenção multilateral autorizada pelo
Conselho de Segurança. Essas situações, contudo, freqüentemente
apresentam características indefinidas, nas quais a potencialidade de
verdadeira ruptura da paz internacional é questionável. O difícil acesso dos
órgãos da imprensa, a distorção dos fatos pelas autoridades constituídas e a
falta de comunicação direta com a população são, em geral, as principais
causas da obscuridade dos atuais conflitos civis. Ainda que inexistentes
informações precisas, muitas das quais essenciais para a eficiente operação
militar, o Conselho de Segurança tem autorizado a intervenção militar nas
áreas de conflito, com o objetivo declarado de proteção dos civis e de
fornecimento de auxílio humanitário.

No começo do ano de 2011, movimentos populares ganham força nos


países de língua árabe. A Líbia, localizada no norte da África, e importante
exportadora de petróleo, é tomada por manifestações populares, algumas
pacíficas e muitas violentas, o que acarreta a ação repressiva do exército
nacional líbio. O Conselho de Segurança das Nações Unidas, em 26 de
fevereiro, adota a Resolução 1970/2011, a qual, além de expressar grave
preocupação acerca da situação do país africano, determina a solução pacífica
do conflito civil, recomenda a análise da situação pela Procuradoria do Tribunal
Penal Internacional e prevê a aplicação de sanções não militares
(congelamento de bens do Estado Líbio no exterior, embargos econômicos,
restrições a vôos internacionais). Na Resolução, previu-se prazo improrrogável
para a solução do conflito, situação que seria analisada por comitê específico,
composto pelos próprios membros do Conselho.

Em vista do prosseguimento da situação de extrema violência, com


acirramento da guerra civil e com a tomada de porções do território pelas
tropas rebeldes, o Conselho de Segurança aprovou, por maioria, a Resolução
1973/2011, a qual contém expressa condenação do governo Líbio pela
violação de direitos humanos e por crimes contra a humanidade. Em todos os
parágrafos da Resolução, determina-se a imposição de medidas coercitivas
cujo fundamento legal é o capítulo VII da Carta da ONU. O Brasil, representado
pela Embaixadora Maria Luiza Ribeiro Viotti, vota contra a Resolução, uma vez
que, no entendimento do país, as medida autorizadas pelo parágrafo 4 da
Resolução são excessivas e, por conseqüência, não favorecem a solução do
conflito:

"It is our view that the text of the resolution before us contemplates
measures that go much beyond such call. We are not convinced that the use
of force as provided for in operative paragraph 4 in the present resolution will
lead to the realisation of our common objective – the immediate end to violence
and the protection of civilians.
(…)
Many thoughtful commentators have noted that an important aspect of
the popular movements in North Africa and the Middle East is their
spontaneous, home grown nature. We are also concerned at the possibility that
the use of military force as called for in operative paragraph 4 of today’s
resolution could change that narrative in ways that may have serious
repercussions for the situation in Libya and beyond". (grifos do autor)

O parágrafo mencionado possibilita medidas de força bastante amplas;


sua única restrição é no que concerne à ocupação territorial forças de paz:

"4. Authorizes Member States that have notified the Secretary-General,


acting nationally or through regional organizations or arrangements, and
acting in cooperation with the Secretary-General, to take all necessary
measures, notwithstanding paragraph 9 of resolution 1970 (2011), to protect
civilians and civilian populated areas under threat of attack in the Libyan Arab
Jamahiriya, including Benghazi, while excluding a foreign occupation force of
any form on any part of Libyan territory, and requests the Member States
concerned to inform the Secretary-General immediately of the measures they
take pursuant to the authorization conferred by this paragraph which shall be
immediately reported to the Security Council;" (grifos do autor)
Em seu voto, a representante brasileira ainda ressalta que os objetivos
do Conselho, em especial a proteção dos civis, poderiam ser obtidos mediante
diálogo diplomático e por meio de negociação, o que, de fato, vinha sendo
tentado pela União Africana e pelo enviado especial da Secretária-Geral das
Nações Unidas. As aspirações populares, por sua vez, são consideradas
legítimas pela representante brasileira, embora esta ressalte que medidas de
força não são o meio adequado para edificação de um Estado mais
democrático.

O voto do Brasil, apesar de ter sido bastante coerente com a tradição


diplomática brasileira, encobriu o problema jurídico relativo ao alcance dos
poderes do Conselho, órgão responsável pela definição das situações de
ameaça à segurança e pela execução das medidas de força necessárias para
o restabelecimento da paz. O Conselho de Segurança, no que concerne à
decisão sobre a autorização do uso da força, é dotado de prerrogativas
demasiadamente amplas, pois determina, discricionariamente, quais são as
situações que ameaçam a paz mundial. Em última instância, a necessidade de
intervenção coletiva é determinada por juízo político, tomado pelo consenso
das potências mundiais, o que solapa a juridicidade das ações do Conselho e
da própria ONU.

A intervenção coercitiva, desde que autorizada pelo Conselho de


Segurança, não pode ser classificada como ilegal. O problema reside na
relação estrutural entre os principais órgãos das Nações Unidas e nas
competências atribuídas a eles pela Carta de 1945. Em uma entidade na qual
se pretenda distribuir igualitariamente o poder, a decisão sobre a aplicação ou
não da medida de força e a execução desta devem pertencer a órgãos
diferentes, sob pena de o órgão detentor de ambas as prerrogativas cometer
arbitrariedades e excessos. No caso da ONU, o Conselho, em matéria de
segurança, tem poderes plenos e incontrastáveis, uma vez que sua atuação,
destinada a identificar e a eliminar as ameaças à paz, exclui a de qualquer
outro órgão; a decisão tomada pelo Conselho, além disso, não é passível de
revisão ou de ponderação por outro órgão.

Conforme lembra Ricardo Seitenfus, essa estrutura concentradora e


desigual foi criticada por Hans Kelsen nos primórdios da organização. Segundo
o jurista austríaco, o monopólio da violência legítima no âmbito internacional
não pode ser de uma instância executiva. Kelsen analisa especificamente a
concentração, no Conselho de Segurança, do juízo de existência delitual e das
medidas coercitivas decorrentes do eventual delito. No entendimento do jurista,
a primeira atribuição deveria ser de uma instância jurisdicional, pois esta,
isenta, em teoria, de intenções políticas, identificaria, com maior imparcialidade,
a existência do delito (ou da ameaça à paz). (SEITENFUS, PP.127 e 128) A
instância jurisdicional, além disso, seria mais ponderada e comedida na
decisão acerca das medidas de força aplicáveis aos casos de ruptura da paz.

Embora a solução de Kelsen seja juridicamente adequada, ela é


politicamente inviável, uma vez que suscita a possibilidade de o Conselho,
como mero órgão de execução, agir contra os interesses dos membros
permanentes. Estes, na estrutura kelseniana, não poderiam exercer o direito de
veto, uma vez que não deliberariam sobre a aplicação da força. Por mais
enfraquecidas que algumas das potências estejam no momento atual, não se
pode esperar que elas renunciem à prerrogativa de ter a última palavra acerca
de assuntos relacionados à segurança internacional.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A doutrina da guerra justa não é mais aplicável na regulamentação do
uso da força no âmbito internacional. Hodiernamente, a guerra e a intervenção
armada em geral podem ser consideradas lícitas ou ilícitas. A regra
predominante é a de proscrição completa do uso da força. As exceções, com
base no princípio geral do direito, devem ser interpretadas restritivamente. A
exceção mais relevante é aquela que se refere ao uso da força com
autorização do Conselho de Segurança, colegiado político e oligárquico das
Nações Unidas. Segundo interpretação literal dos dispositivos da Carta, o uso
da força somente poderia ser autorizado pelo Conselho em casos de ameaça
ou de ruptura efetiva da paz e da segurança internacionais. Na prática,
entretanto, em razão dos poderes discricionários conferidos ao Conselho,
medidas coercitivas são aplicadas em variadas situações, desde que
convenientes para os membros permanentes. O voto dissidente do Brasil, no
caso das Resoluções direcionadas ao conflito na Líbia, expressa o não
alinhamento político brasileiro em relação às grandes potências e,
indiretamente, indicia o problema acarretado pela amplitude excessiva de
poderes do Conselho. A fundamentação do voto discordante brasileiro
evidencia que, em última instância, a decisão de aplicação da força foi
eminentemente política. Esse vício do órgão mais importante da ONU poderia
ser parcialmente solucionado mediante o aumento do poder do órgão
jurisdicional. Essa reforma, no entanto, demandaria vontade política das
grandes potências, o que, em curto prazo, não é possível se vislumbrar.

Bibliografia:

AMARAL JR, Alberto do. Introdução ao Direito Internacional


Público. São Paulo: Atlas, 2008.

BULL, Hedley. A sociedade anárquica. São Paulo: IPRI, UnB, IOE,


2008.

FONTOURA, José Augusto. Direito Internacional Público. São Paulo:


Saraiva, 2009.

SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações Internacionais.


Porto Alegre: Livraria do advogado, 2000.

SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de Direito Internacional


Público. São Paulo: Atlas, 2004.

SITES:

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