Você está na página 1de 8

CRITÉRIOS DE ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL

Graciette Borges da Silva *

SILVA, G. B. da Critérios de estratificação social. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 15:


38-45, 1981.

RESUMO: É discutido o problema dos múltiplos critérios de estrati-


ficação social, existentes na literatura sociológica, e proposto um modelo
de estratificação intimamente vinculado à sociedade de classes.
UNITERMOS: Sociologia. Estratificação social, critérios.

I N T R O D U Ç Ã O

O processo de estratificação social, re- do-se posteriormente uma rápida digressão


ferindo-se à disposição hierárquica dos sobre duas importantes teorias de estrati-
grupos ou indivíduos numa escala (Stave- ficação social existentes.
nhagen 20 , 1973), constitui uma caracterís-
tica universal das sociedades humanas, que
assume formas diferentes no tempo e no OS CONCEITOS DE ESTRUTURA
espaço (Hirano 8 , 1974). SOCIAL E CLASSE SOCIAL

Entretanto, como os critérios utilizados


Segundo Costa Pinto 2 (1970), estrutura
para apreender este fato universal e des- social se refere ao conjunto das relações
contínuo são, muitas vezes, elaborados pelo dos homens entre si e com as coisas ma-
investigador ou escolhidos por ele dentre os
teriais que os cercam, "relações interde-
já existentes na literatura das Ciências Hu-
pendentes e geradas historicamente na
manas, achamos de grande importância, neste
artigo, discutir essa questão. Mais explicita- atividade social de produzir e reproduzir
mente, é nosso objetivo aqui debater o pro- as condições essenciais de sobrevivência do
blema da escolha de critérios para estrati- grupo. Desse modo, toda estrutura social
ficar populações vinculadas a uma forma contém, no mínimo, essas três partes que
histórica específica de estratificação: a da lhe são inseparáveis: por base, uma forma
sociedade de classes. No entanto, antes de histórica de produção (relações homem-
enveredarmos por essa discussão, julgamos -natureza); por corpo, um sistema de estra-
necessário um esclarecimento prévio em tificação social (relações homem-homem);
torno dos conceitos de estrutura e classes por cúpula, um conjunto de instituições e
sociais, de medir e quantificar, introduzin- valores sociais, cujo escopo é sancionar e

* Da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da USP — "Campus" de Ribeirão Preto — 14100


— Ribeirão Preto, SP — Brasil.
manter, como um todo, o sistema estreita- podendo-se considerá-lo, como já sugerido
mente interdependente formado por essas inicialmente, uma forma histórico-social de
partes". estratificação, distinta de outros tipos de
Esse mesmo autor 2 define classes sociais estruturação societária (estamentos e
como sendo "grandes grupos ou camadas castas).
de indivíduos que se diferenciam, basica-
mente, pela posição objetiva que ocupam OS CONCEITOS
na organização social da produção. Essas DE MEDIR E QUANTIFICAR
classes se relacionam e se superpõem for-
mando um sistema de classes que é parte Esclarecidos os conceitos de estrutura,
integrante da estrutura social e que, histo- estratificação e classes sociais, conforme os
ricamente, se transforma com a transfor- entendemos, cabe agora discutir os de medir
mação da sociedade. A posição das dife- e quantificar.
rentes classes na estrutura social é funda-
Diz Stevens 21 (1951), "In its broadest
mentalmente determinada por suas relações
sense, measurement is the assignment of
com os meios de produção e com o mercado.
numerals to objects or events according to
Elas se identificam pelo papel que têm na
rules".
organização do trabalho, e daí, pelo vo-
lume, pelo modo de ganhar e pelo modo de É imprescindível, para os propósitos
empregar a porção de riqueza de que dis- desta discussão, esclarecer a diferença de
põem". significado entre os vocábulos ingleses "nu-
Como se pode observar, essa definição meral" e "number", porque ela fundamenta
abrange Marx 13 (1974) quando alude às a distinção que, em alguns casos, pode-se
diferentes relações das várias classes fazer entre medir e quantificar. Um "nu-
com os meios de produção; Weber 2 2 meral" é um símbolo de qualidade especial,
(1969), quando se refere à diversidade na que não possui significado quantitativo,
situação de mercado; e Simiand (segundo enquanto "number" possui (Kerlinger 11 ,
Costa Pinto 2 , 1970) ao referir às dife- 1964).
renças no volume, modo de ganhar e de Na mensuração, como se disse anterior-
empregar a porção de riqueza disponível. mente, atribuem-se símbolos a objetos ou
Neste trabalho, portanto, o termo classe a acontecimentos, segundo regras pré-esta-
social tem uma conotação histórica precisa, belecidas. Em outras palavras, de acordo
ligando-se ao surgimento do capitalismo, com Cintra 1 (1966), medir se refere à
também encarado aqui como categoria his- "operação pela qual se estabelece a corres-
tórica (Hirano 8 , 1974; Dobb 3 , 1973). pondência dos elementos reais aos elementos
Da explanação feita, pode-se apreender do modelo, de modo que se possam substi-
a existência de um estreito relacionamento tuir operações no sistema de elementos
entre classe, estrutura e estratificação so- reais pelas operações no sistema abstrato".
ciais. A primeira é conseqüência direta Sendo assim, quando o cientista social
do relacionamento homem-homem (Marx 1 4 , classifica uma população segundo crenças
1965), constituindo um dos elementos bá- religiosas, grau de escolaridade ou ideologia
sicos da estrutura social capitalista, que se política, por exemplo; em suma, quando
refere, fundamentalmente a diferentes po- utiliza qualquer critério quantitativo ou
sições ocupadas pelos homens nesse modo qualitativo (Stavenhagen 20 , 1973), está
de produção: num extremo, encontram-se medindo de alguma forma.
os detentores dos bens de produção e Como se pode constatar, a definição de
serviços; no outro, os detentores da força medida de Stevens 21 como a de Cintra 1
de trabalho. Em outras palavras, o sis- não inclui nenhuma referência à qualidade
tema de classes constitui uma hierarquia, do procedimento usado.
Desde que se elaborem regras com alguma posições que relacionem variáveis (ou seja,
base empírica ou racional, pode-se, teorica- para enfatizar mais a idéia, variações) e
mente, medir qualquer objeto. Tais regras, advogar uma ciência empírica que não
entretanto, variam em clareza e precisão meça, constitui uma contradição nos próprios
dependendo da espécie de objetos que se termos".
quer medir. "Many things are easy to Em síntese, é possível medir-se o social.
measure, because the rules are easy to Quando o sociólogo classifica uma popula-
draw up and follow... Unfortunately, most ção segundo suas origens urbano-rurais ou
human characteristics are much more a ordem de preferência por uma série de
difficult to measure, mainly because it is partidos políticos, ele a está medindo, ainda
difficult to divise rules that are good. que grosseiramente. O que se critica são
Nonetheless, we must always have rules of as tentativas de alguns cientistas sociais
some kind in order to measure anything" de transpor os modelos, ricos de proprie-
(Kerlinger 1 1 , 1964). dades, das ciências chamadas exatas, para
Há, portanto, níveis de mensuração cor- a realidade social que não os comporta.
respondentes aos diversos tipos de escalas: O objeto social tem características pe-
nominais, ordinais, de intervalo e de razão. culiares (Fernandes 5 , 1967), que impedem
o uso indiscriminado de escalas de medida,
Quantificar, por sua vez, significa atribuir a menos que se pretenda domínio das
valores quantitativos aos objetos, ou seja, técnicas estatísticas, convertendo-as na
classificá-los utilizando "numbers". Os níveis meta soberana da atividade de investigação
de quantificação variam com os níveis de (Rajs e Mercer 18 , 1977).
mensuração. Na escala nominal, o pro-
cedimento quantitativo consiste na contagem Espelhando essa tendência atual para a
dos sujeitos de cada uma das categorias do quantificação indiscriminada nas ciências
universo, depois que esta divisão foi feita, sociais, Guidi e Duarte 7 (1969) propõem
segundo determinadas regras. Aqui, as um esquema de caracterização sócio-econô-
operações de medir e quantificar são dis- mica que consiste em conjugar seis indica-
tintas. Todavia observe-se que, nas outras dores de classe, atribuindo-se pontos a cada
escalas, ambas as operações se confundem uma de suas sub-divisões. Cada um dos
porque elas envolvem, intrinsecamente, pro- seis indicadores se sub-divide em cinco
cedimentos quantitativos (ou seja, as clas- sub-itens, numerados de 1 a 5.
sificações são feitas utilizando "numbers"). A distribuição dos indivíduos pelas
Pode-se pois constatar que, na origem classes sociais dependeria da soma de
dessa polêmica como na de tantas outras, pontos obtidos nos vários indicadores: 1)
freqüentes em sociologia, está o problema nível ocupacional (do pai, da mãe ou res-
que os lingüistas denominam sobrecarga ponsável); 2) nível de instrução do pai ou
semântica. responsável masculino; 3) nível de instrução
da mãe ou responsável feminino; 4) área
Tratando da questão da medida e da residencial; 5) características físicas da mo-
operacionalização, Cintra 1 escreve: "As radia; 6) conforto doméstico.
proposições científicas afirmam relações
Os autores propõem a seguinte distri-
entre termos, com graus de generalidade
buição:
diferentes. Os termos relacionados são
variáveis. A idéia de medida implica
que os eventos, ligados através de con-
ceitos operacionais aos conceitos teóricos,
sejam suscetíveis de variação (do contrário,
seria um contra-senso medir). Admitir,
pois, que a ciência seja constituída de pro-
O esquema proposto é de fácil aplicação, breve, aos estudos sociológicos de estra-
mas ele é passível de dois tipos de crítica : tificação, referentes às sociedades urbano-
o que se refere à impropriedade do uso do -industriais capitalistas. Neste aspecto,
conceito de classe social; o ligado ao pro- duas linhas antinômicas de pensamento
blema da quantificação inadequada do quali- podem ser consideradas: a de origem
tativo. européia, representada por Marx; a norte-
O primeiro é ampla e profundamente -americana, representada por Cooley, Ross,
Giddings, entre outros (Fernandes 4 , 1971).
analisado por Fernandes4 (1971), que res-
salta a contribuição da sociologia para a Aquela, adotada neste trabalho, encara,
compreensão das classes sociais como uma de maneira geral, o fenômeno classe como
forma histórico-social de estratificação, historicamente determinado. Esta, refle-
diferente de outros tipos de formações so- tindo as condições materiais dos EUA de
ciais (estamentos e castas). Aquele autor, princípios do século XX (Mills 15 , 1957),
referindo-se às modernas tendências da propõe a substituição do vocábulo classe
Antropologia, que revelam preocupação pelo por estrato, contrapondo a teoria da mobi-
estudo das sociedades ocidentais, critica- lidade social à do conflito.
-lhes a ausência de fundamentação lógica De acordo com Stavenhagen 20 (1973),
e sobretudo o modo como encaram um dos foi a identificação de classe com estrato
problemas sociológicos básicos: o das clas- que permitiu o surgimento de grande nú-
ses sociais. Mencionando o estudo de mero de esquemas bipartites, tripartites
Warner e Lunt, que distinguem seis classes entre outros, em cujos extremos se encon-
em Yankee City, ("upper-upper", "lower- tram as classes chamadas "superiores" e
upper", "upper-middle", "lower-middle", "inferiores" e um grande número de classes
"upper-lower" e "lower-lower") procura ou camadas médias. Na verdade, esta
evidenciar-lhes o caráter verbal, nominal e classificação de caráter nominalista, de
arbitrário. uso corrente entre leigos e cientistas sociais,
Quanto ao segundo tipo de crítica acima não diz nada sobre o tipo de estrutura
mencionado, já o explicitamos, em parte, ao social das sociedades estudadas porque,
tratar dos conceitos de medir e quantificar. em todas essas, encontram-se grupos situa-
Através da exposição já feita, podemos dos no topo, no meio e na base da pirâ-
identificar, por exemplo, o esquema de mide social.
estratificação proposto por Guidi e Duarte 7 Levando em consideração esses aspectos,
como correspondendo ao modelo da escala resolvemos optar por um critério de estrati-
ordinal, cuja característica básica é a ine- ficação que tivesse relacionamento estreito
xistência de intervalos iguais. Como esta com a estrutura social capitalista.
limitação decorre da natureza do objeto
que se quer medir, não há o que criticar Como já se disse, a estratificação é uma
nela. Critica-se, entretanto, o uso que é feito característica universal das sociedades hu-
da escala, ou seja, o enquadramento dos manas, mas os seus critérios constituem
indivíduos nesta ou naquela classe social uma criação do observador. Este pode
de acordo com o total de pontos obtidos escolher um critério quantitativo, qualita-
nos indicadores selecionados. tivo (no sentido de Stavenhagen 20 ) ou
combinar ambos segundo um dos modelos
de quantificação mencionados. Esse autor 2 0
TEORIAS E CRITÉRIOS (1973), citando Marshall, menciona dois
DE ESTRATIFICAÇÃO tipos de dificuldades praticamente insolúveis,
relativas ao assunto: a falta de consenso
Discutidos esses problemas conceituais, quanto ao critério essencial; a não corres-
cabe agora uma referência, ainda que pondência entre os vários critérios.
Do ponto de vista do método compreen- Por outro lado, Martuscelli 12 coloca uma
sivo e do dialético, o problema da falta dúvida de ordem metodológica ao critério: o
de consenso permeia toda a teoria socio- simples fato de pedir aos entrevistados que
lógica (e das outras ciências humanas), ordenem uma série de ocupações segundo
sendo uma decorrência natural do modo de o prestígio já não os estaria condicionando
ambas encararem a relação sujeito cognos- a ordenar segundo o que eles pensam ser
cente e objeto cognoscível (Pereira 1 6 , 1970). o pensamento dos pesquisadores?
Quanto à segunda dificuldade mencionada
por Marshall, esta perderia o seu sentido Acredita-se que atrás dessa dúvida exista
se a primeira não existisse. uma outra que envolve a questão da este-
reotipagem dos socialmente distantes. Ape-
Antes de comentarmos o critério esco- sar de os autores afirmarem que a variação
lhido, consideramos importante um resumo apresentada pelos dois grupos citados não
do utilizado por Hutchinson e col.10, com as foi significativa e por isso o critério tinha
críticas que usualmente lhe são feitas. validade, Mills 15 (1957) faz pensar o oposto
ao examinar a variação do prestígio de um
Hutchinson e Castaldi 9 (1960), tomando pequeno negociante quando encarado por
como ponto de partida uma lista de trinta operários e por membros das classes
ocupações, agrupam-nas em seis diferentes "altas".
categorias, correspondendo cada uma a um
Talvez caiba ao critério de Hutchinson e
nível ocupacional numa escala hierárquica.
col. 10 o mesmo tipo de crítica que se cos-
A classificação se baseia nas respostas da-
das por um grupo de universitários e um tuma fazer ao critério propriamente subje-
grupo de imigrantes italianos, a quem se tivo de estratificação. Diz Costa Pinto 2
solicitou a ordenação das ocupações de (1970): "identificar e explicar as classes
acordo com o prestígio de cada uma. Na sociais, perguntando ao indivíduo a que
base desse estudo encontra-se o problema classe pertence, é estudar estereótipos, não
de "como melhor determinar a posição de
classes". Poder-se-ia dizer que ao cons-
um indivíduo na hierarquia social" (Hut-
chinson e col.10, 1960). truir uma escala partindo de ordenações
baseadas no prestígio que diferentes indi-
As críticas que lhe dizem respeito são víduos atribuem a diferentes ocupações,
várias. A primeira está na correlação posi- também se está lidando com estereótipos.
tiva que os autores implicitamente estabe- Não obstante, a importância da contribuição
lecem entre prestígio ligado à ocupação com de Hutchinson e col.10 deve ser ressaltada,
status social, em seu sentido amplo, não uma vez que se tem plena consciência das
weberiano. Sabe-se que nem sempre a uma limitações e dificuldades de todo esquema
ocupação com elevado prestígio corresponde classificatório.
um elevado status na hierarquia social.
Gouveia e Havighurst 6 (1969), apresen-
Some-se a isso o problema da variação do
prestígio das ocupações no tempo, o que taram "uma versão ligeiramente modificada"
implicaria na necessidade de uma nova pes- da escala ocupacional de Hutchinson e
quisa para se estabelecer nova hierarquia. col.10. A principal alteração que nela intro-
duzem refere-se ao acréscimo de um item
Em segundo lugar, não existe correspon- relativo à "supervisão de trabalho manual",
dência entre algumas denominações gené- antes incluído no item "ocupações não ma-
ricas de nível ocupacional e os tipos hetero- nuais de rotina". Uma alteração de super-
gêneos de profissionais que elas englobam. fície, portanto, que mantém intacto o instru-
Por exemplo: nível ocupacionaí B, "cargos mental hutchinsoniano. Por outro lado,
de gerência e direção", nele estando incluí- visando a facilitar comparações dos vários
dos o padre e o jornalista. níveis ocupacionais com outras variáveis,
aqueles autores reagrupam-nos em três cate- colocar, numa mesma classe, seguindo esse
gorias mais amplas, denominadas estratos modelo, pessoas que se distinguem quanto
superior, médio e inferior. ao "volume e modo de empregar a porção
de riqueza de que dispõem" como, por
Abstemo-nos de repetir neste trecho
exemplo, os proprietários de um pequeno
do artigo a argumentação já citada de
bar e de uma grande indústria. Em virtude
Fernandes 4 (1971), Pereira17 (1969) e
disto, é importantíssima a distinção feita
Stavenhagen 20 (1973) contra esse tipo de
escala, que, em nosso país, é tão ampla- por Mills 15 (1957) entre posição de classe
e situação de classe porque ela traz novas
mente utilizada na produção da pesquisa
luzes à problemática em pauta. Para esse
empírica em ciências sociais e em ciências
autor, a posição de classe refere-se à fonte
da saúde há várias décadas.
dos rendimentos, ou seja, ao tipo de relações
sociais de produção, enquanto a situação
CRITÉRIO DE ESTRATIFICAÇÃO de classe depende da quantidade de rendi-
PROPOSTO mentos. Isso significa que nem sempre há
correspondência entre ambas. Explicando,
Após essas digressões necessárias, visto Mills 15 cita os mineiros, agentes de seguro,
que nosso objetivo básico aqui é discutir doutores de uma clínica entre outros, como
o problema dos critérios de estratificação, desfrutando de uma mesma condição, ou
passamos a comentar aquele que reputamos seja, a de não serem proprietários de seus
mais adequado para se estratificarem po- meios de vida, mas cuja situação de classe
pulações inseridas no sistema capitalista de é bastante diversa. Portanto, as situações
produção. de classe variam grandemente dentro de
cada posição no sistema de produção, o
Nosso ponto de partida, conseqüente- que leva a concluir que cada uma das
mente, são as relações sociais fundamentais citadas posições constituem pirâmides dentro
oriundas desse sistema. Relações sociais da pirâmide da sociedade global.
estas, que correspondem à dicotomia: assa-
lariado vs. não-assalariado. A segunda espécie de limitação diz respeito
Visando a enriquecer esta classificação, à categorização das pessoas de acordo com
resolvemos recorrer àquela que Pereira 17 o tipo de atividade que exercem. Que cri-
(1969) utilizou em seu estudo sobre o tério usar para classificar as ocupações
magistério primário. Dessa forma, intro- como manuais ou não manuais uma vez que
duziu-se, para as atividades assalariadas, todo trabalho envolve a conjugação de
uma nova dicotomia ligada ao tipo de atividades mentais e manuais? Uma tal
trabalho executado: manual vs. não-manual. separação, portanto, deve ser feita em
termos da predominância de um ou outro
Como muito bem argumenta o citado tipo, baseando-se, por exemplo, no grau de
autor, tal critério ajusta-se perfeitamente escolaridade exigido para o desempenho da
ao conceito de classe escolhido e foge à ocupação, no tempo necessário de apren-
concepção nominalista de estratificação dizado, ou, diversamente, numa exigência
sócio-econômica, que toma as categorias menor ou maior de esforço físico, "strictu
ocupacionais por classes sociais. sensu".
Suas limitações, todavia, envolvem ambos Cientes de que cada sub-divisão do es-
os polos do modelo, tomados como pontos quema sugerido engloba atividades bastantes
de referência. A primeira delas refere-se heterogêneas, julgamos aconselhável: 1)
ao fato de ser a classificação das pessoas, discriminar a posição de classe, deixando
de acordo com a posição no sistema de explícito, no caso das atividades não assa-
produção, demasiado ampla. Isso implica em lariadas, se se trata de empregador ou
trabalhador autônomo, com especificação do enquadrar-se-ia nos itens A. I. (b) 1 e B.3,
caráter dominante da atividade (manual, e assim por diante.
não-manual); 2) discriminar a situação de
classe, estipulando algumas faixas de renda;
COMENTÁRIOS FINAIS
3) usar, paralelamente, ambos os critérios.
Dependendo do interesse do investigador Neste artigo nosso propósito foi discutir
poderá constar, ainda, no item referente à vários critérios de estratificação social, de
posição de classe, uma discriminação por uso freqüente na investigação empírica na
setor econômico (primário, secundário, ter-
área das ciências sociais, e propor um que
ciário). reputamos condizente com o tipo de estra-
tificação característico da sociedade de
O modelo completo de estratificação pro-
classes.
posto é, conseqüentemente, o seguinte:
O modelo proposto parte da ocupação do
A. POSIÇÃO DE CLASSE indivíduo, classificando-a, posteriormente,
segundo suas relações no sistema de pro-
1. Atividades não assalariadas dução econômica. Este marco de referência,
(a-empregador; b-trabalhador por seu caráter histórico, é que o distingue
autônomo) de tantos outros modelos.
1 . Manuais Finalizando, gostaríamos de enfatizar a
importância do debate em torno do assunto
2. Não manuais
aqui tratado, deixando explícito que a es-
colha de critérios de estratificação de po-
I I . Atividades assalariadas
pulações concretas não pode menosprezar
1. Manuais as implicações ideológicas embutidas neste
ou naquele sentido de um dado termo. Isso
2. Não-manuais
justifica as digressões feitas em torno de
19 conceitos como por exemplo os de estrutura
B. SITUAÇÃO DE CLASSE
e classe social. Pensamos, portanto, que
1 . Menos de um salário mínimo. ao se pesquisarem sociedades inseridas no
2. De 1 a 2 salários mínimos. sistema capitalista este fato deve ser consi-
derado em primeiro lugar, sempre que for
3. De 3 a 7 salários mínimos. necessário se proceder à estratificação das
4. De 7 a 10 salários mínimos. respectivas populações.
5. Mais de 10 salários mínimos (e Por outro lado, achamos que o confronto
assim por diante). do conceito marxista de classe social com
um problema de pesquisa empírica, como
Para melhor explicitar-lhe a utilização, o discutido, induz a refletir sobre a impor-
achamos conveniente recorrer a exemplos tância operacional da distinção feita por
concretos: um gerente de loja seria classi-
Mills 1 5 entre "posição de classe" e "situação
ficado como um assalariado não-manual
de classe", colocando-nos à margem de
(A. I I . 2 ) , com vencimentos, por exemplo,
entre 7 a 10 salários mínimos ( B . 4 ) ; um posições ortodoxas rígidas, prenhes de pos-
servente de pedreiro seria enquadrado nos tulados teóricos de amplíssimo alcance mas
itens A . I I . 1 e B . 2 ; uma costureira (pro- que não apresentam soluções a nível empí-
prietária de seus instrumentos de trabalho) rico (ou não se preocupam em apresentar).
SILVA, G. B. da [The criteria for social stratification]. Rev. Saúde públ., S. Paulo.
15:38-45, 1981.

ABSTRACT: The problem of the multiple criteria for the social


stratification in sociological literature, is discussed. A model of stratification
intimately linked to the society of classes is proposed.
UNITERMS: Sociology. Social stratification, criteria.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. CINTRA, A. O. Sociologia e ciência. Rev. 12. MARTUSCELLI, C. O julgamento de ocupa-


bras. Ciênc. soc., 4(1): 3-49, 1966. ções: um estudo psicológico. In: Hut-
chinson, B., org. et al.10, p. 52-74.
2. COSTA PINTO, L. A. Sociologia e desen- 13. MARX, K. O capital: crítica da economia
volvimento. Rio de Janeiro, Ed. Civili- política. Rio de Janeiro. Ed. Civilização
zação Brasileira. 1970. Brasileira, 1974.

3. DOBB, M. A evolução do capitalismo. Rio 14. MARX, K. A ideologia alemã e outros es-
critos: 1.ª parte. Rio de Janeiro, Zahar
de Janeiro, Zahar Ed., 1973.
Ed., 1965.
4. FERNANDES, F. Ensaios de sociologia 15. MILLS, C. W. Las clases medias en Norte
geral e aplicada. São Paulo. Ed. Pioneira, America. Madrid, Aguilar, 1957.
1971. 16. PEREIRA, L. Ensaios de sociologia do
desenvolvimento. São Paulo, Ed. Pio-
5. FERNANDES, F. Fundamentos empíricos neira, 1970.
da explicação sociológica. São Paulo. Ed.
Nacional. 1967. 17. PEREIRA, L. O magistério primário na
sociedade de classes. São Paulo, Ed. Pio-
neira, 1969.
6. GOUVEIA, A. J. & HAVIGHURST, J. R.
Ensino médio e desenvolvimento. São 18. RAJS, D. & MERCER, H. Notas sobre el
Paulo, Ed. Melhoramentos, 1969. manejo de la informacion cuantitativa en
la investigación social aplicada a salud.
7. GUIDI, M. L. & DUARTE, S. G. Um es- Saúde Deb., 3: 16-9, 1977.
quema de caracterização sócio-econômica.
Rev. bras. Est. psicol., 52: 65-83, 1969. 19. SINGER, P. Mais pobres e mais ricos.
Opinião, 24 jan. 1975.
8. HIRANO, S. Castas, estamentos e classes
sociais. São Paulo. Ed. Alfa-Omega, 1974. 20. STAVENHAGEN, R. Estratificação social e
estrutura de classes. In: Estrutura de
9. HUTCHINSON, B. & CASTALDI, C. A hie- classes e estratificação social. Rio de
rarquia de prestígio das ocupações. In: Janeiro, Zahar Ed., 1973. p. 133-70.
Hutchinson. B., org. et al.10 p. 19-51. 21. STEVENS, S. Mathematics measurement
and psychophisics. In: Stevens, S., ed.
10. HUTCHINSON, B., org. et al. Mobilidade Handbook of experimental psychology.
e trabalho. Um estudo na cidade de São New York. Wiley, 1951. p. 1.
Paulo. Rio de Janeiro, Centro Brasileiro
de Pesquisas Educacionais MEC/INEP. 22. WEBER, M. Economia y sociedad. Mexico,
1960. Fondo de Cultura Economica, 1969.

11. KERLINGER, F. N. Fondations of beha-


vioral research. New York. Holt Rinehart Recebido para publicação em 21/07/1980
and Winston, 1964. Aprovado para publicação em 22/10/1980

Você também pode gostar