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Portanto, a sua função, da mesma forma que a anima, é a de se tornar uma ponte
entre o ego feminino e o Self.
Em Animus e Anima, Emma Jung esclarece essa função:
“Dentre esses arquétipos há sobretudo dois investidos de grande significado, pois,
pertencendo por um lado à personalidade, e por outro estando enraizados no
inconsciente coletivo, eles constroem uma espécie de elo de ligação ou ponte entre o
pessoal e o impessoal, bem como entre o consciente e o inconsciente. Estas duas
figuras - uma é masculina,a outra feminina - foram denominadas de animus e anima
por Jung. “
Outra função do animus, semelhante a anima, é a compensatória.
Mas essa compensação tem sido muitas vezes interpretada erroneamente. É
comum ouvirmos por ai que o animus e anima fazem oposição à sombra, mas para Carl
Jung, essas instâncias psíquicas formam um par de opostos com a persona.
Para exemplificar em Animus e Anima, Emma Jung diz:
“Ele entende aí um complexo funcional que se comporta de forma compensatória em
relação à personalidade externa, de certo modo uma personalidade interna que
apresenta aquelas propriedades que faltam à personalidade externa, consciente e
manifesta. São características femininas no homem e masculinas na mulher que
normalmente estão sempre presentes em determinada medida, mas que são incômodas
para a adaptação externa ou para o ideal existente, não encontrando espaço algum no
ser voltado para o exterior.”
A persona é uma atitude habitual que o ego adota para se relacionar com o
mundo externo. É uma máscara que o cada indivíduo usa para se adaptar ao meio em
que se encontra. Sem ela o convívio social seria impossível.
Já a anima e o animus são complexos funcionais que se concentram na
adaptação do ego com o mundo interior, ou para ser mais exata com o inconsciente
coletivo. Portanto, a persona é a ponte entre o ego e o mundo externo, assim como
anima e animus são pontes entre o ego e a psique mais profunda. Formando assim um
par de opostos. Entretanto, apesar de anima e animus possuírem semelhanças em suas
funções existem diferenças estruturais entre eles.
Para uma melhor distinção entre o papel da anima e do animus está em Animus e
Anima, onde Emma Jung diz,
“O papel de transmitir conteúdos inconscientes, no sentido de torná-Ios visíveis, recai
acima de tudo sobre a anima. Ela ajuda na percepção de coisas que de outra maneira
permanecem no escuro.”
“No animus, entretanto, a tônica não se encontra na percepção pura e simples - como
foi dito, isso já foi concedido ao espírito feminino desde sempre -, mas sim, de acordo
com o ser do logos, no conhecimento e especialmente na compreensão. O que o animus
tem a transmitir é mais o sentido que a imagem.”
Um dos riscos de qualquer componente psíquico é o da possessão. E isso não é
diferente com o animus, que por sua vez pode sobrepujar a consciência da mulher e
dominar o seu ego.
Essa problemática gerada pela possessão do animus é pouco explorada na
literatura por Carl Jung. Esse conceito foi bem desenvolvido posteriormente, por Emma
Jung em sua obra Anima e Animus e também por Marie Louise Von Franz em seus
estudos dos contos de fada. Esses estudos vão ser apresentados logo abaixo.
No momento que a mulher passa a ser “possuída” por seu animus ela irá
apresentar um “problema de animus”. E quando isso ocorre à mulher ela se torna
irritante para aqueles com quem convivem. Pois seu animus apresenta o caráter de um
homem inferior o que a torna arrogante e prepotente, mesmo que ela não queira
transparecer isso.
Em O mapa da alma, Murray Stein, diz:
“Por mais que ela possa querer ser receptiva e íntima, não consegue sê-lo porque o seu
ego está sujeito a essas invasões de energias demolidoras que a transformam em tudo,
menos na pessoa amável e gentil que gostaria de ser.”
Portanto, o animus leva a mulher a ter opiniões insensatas e obstinadas, ela fica
cheia de lugares comuns. Suas opiniões não exprimem o essencial, só conceitos vazios e
destituídos de sentido. É como se estivesse tomada por um juiz arbitrário, e tentar
convencê-la de que suas opiniões não possuem fundamento é apenas dar murro em
ponta de faca.
O animus representa o inconsciente da mulher. Não que o inconsciente possua
essas características irritantes, porém na personificação do animus essas características
desagradáveis irão aparecer na consciência da mulher.
Além disso, um ponto importante é que ao contrario da anima que invade o
homem com humores e uma sentimentalidade baixa, a mulher é dominada pela frieza.
Um caráter masculino inferior a torna brutal, rude. Ela se torna determinada, porém não
de uma forma positiva, mas de uma forma obsessiva.
Em, O caminho dos sonhos, Von Franz descreve:
“Quando uma mulher fica possuída pelo animus, o caráter feminino do seu rosto
desaparece, seus olhos e a expressão de sua boca tornam-se rígidos. Noto que quando
caio no animus levanto os ombros como quem se prepara para um combate. Quando
faço isso, digo para mim mesma: "Opa; ôpa, pare e relaxe."”
Outra característica do animus é que ele costuma levar a mulher a desvalorizar
tudo o que provém do inconsciente, ocasionando uma vida consciente muito pobre,
obrigando-a, assim, a viver de uma maneira bem abaixo de sua real capacidade.
Na verdade, nessa mulher, a arrogância e a humilhação irão se entrelaçar.
Quanto mais humilhada, mais arrogante ela se tornará.
Em O Homem e seus símbolos, vemos essa descrição:
“Uma estranha passividade, uma paralisação de todos os sentimentos ou uma profunda
insegurança que pode levar a uma sensação de nulidade e de vazio é, às vezes, o
resultado de uma opinião inconsciente do animus. No mais intimo de uma mulher
murmura o animus: "Você não tem salvação. Para que lutar? Não vale a pena realizar
nada. Não adianta querer fazer alguma coisa. A vida nunca há de mudar para melhor."
Esse aspecto paralisante do animus é reforçado pelo fato de o animus muitas
vezes ser representado como um arauto da morte tirando toda a vida produtiva da
mulher e afastando-a da existência humana.
Aspecto do animus é muitas vezes é apresentado nos contos e nos mitos como o
caçador e o guerreiro, ou seja, aquele que possui a propensão a matar. Ou seja, o animus
pode matar a vida interior e produtiva da mulher.
Heatthcliff - exemplo na literatura de um animus negativo
Além disso, a mulher dominada pelo animus possui uma atitude jocosa e critica
em relação aos homens, afastando qualquer possibilidade de relacionamento.
Outro fato digno de nota é que o animus, em geral, vê as coisas tortas e muitas
vezes de forma imprecisa. Cegando a mulher para os tesouros do inconsciente e
envenenando as opiniões dela.
Essas opiniões vão diretamente ao inconsciente das pessoas, infectando o ar com
uma nuvem de veneno. A mulher, então se torna intoxicante para os que convivem com
ela.
Em, A Interpretação dos contos de fada temos um panorama dessa situação:
“Dificilmente podemos contradizer uma opinião do animus porque em geral é uma
opinião certa; no entanto, raramente enquadra-se numa determinada situação
individual. É uma opinião que parece razoável, mas que está fora de propósito.”
Essa atmosfera intoxicante leva a mulher a atrair hostilidade para si mesma que
ela julga ser gratuita.
Não há escolha para essa mulher, é extremamente doloroso para ela viver sendo
hostilizada, por isso ela começa a questionar a irritação das outras pessoas e a
questionar-se. Só se questionando ela poderá reconhecer que parte de sua personalidade
ainda está inconsciente e não desenvolvida.
Mas a irritação das pessoas ocorre, pois essa mulher alterna ora entre atitudes
agressivas e ora em um estado de extrema passividade, se tornando distraída e
adormecida para a vida, parecendo que não está conectada com o que está acontecendo
ao seu redor.
De acordo com Marie Louise Von Franz, “tais mulheres fazem viagens
maravilhosas com seu animus-amante e vivem submersas nesse amor com o animus,
numa espécie de "sonhar-acordado", sem ter disso clara consciência”.
Outra característica de mulher possuída pelo animus é a de se remoer em
remorso. Ela se culpa por suas falhas, por suas omissões e pelo que podia ter sido feito.
Navegando em um mar de falsos sentimentos de culpa e de completa esterilidade.
Mergulhada em um sentimento desesperador de ter destruído, os próprios projetos e de
ter perdido sua vida por completo.
Outro enfoque pertinente nessa problemática do animus se refere a solidão, a
pobreza e a fome. Conforme apontado por Von Franz em A Interpretação dos contos de
fada:
“(...) Solidão, pobreza e fome são enfocados, típicos estados resultantes da possessão
do animus. A atitude de uma mulher, em grande escala, condiciona os eventos que
ocorrem com ela.
(...) A fome também é típica. A mulher necessita da vida, de relacionar-se com pessoas
e de participar numa atividade significativa. Parte de sua fome advém da intuição que
ela tem de suas atitudes adormecidas e não utilizadas. O animus contribui para a sua
inquietude e então ela nunca está satisfeita; é preciso sempre fazer mais por uma
mulher possuída pelo animus. Não percebendo que o problema é interior, tais mulheres
acham que se elas somente pudessem sair mais, pudessem gastar mais dinheiro ou,
ainda, se tivessem mais amigos, sua sede de vida seria saciada.”
E essa pobreza e fome podem significar a fome da alma, mas também podem ser
literais. A mulher pode realmente passar fome.
Agora se pode imaginar o quanto é difícil se relacionar com uma mulher nesse
estado. E quanto mais possuída por seu animus, mais ela irá afastar as pessoas do seu
convívio. Principalmente os homens, diante dos quais ela se sente estranha, pois seu
animus não permite que sua feminilidade natural flua, levando a mulher a relações
afetivas sem paixão genuína. Ela pode ser vista apenas como um objeto descartável,
pois o animus constantemente degrada sua feminilidade.
Se ela consegue estabelecer uma relação será extremamente reivindicativa,
levando o homem à loucura.
Outra característica que a afasta de qualquer contato humano é o fato de tal
mulher nunca pensar que se passa algo errado com ela, ela tem certeza que todos os
outros estão errados, pois suas convicções são absolutas, valiosas, necessárias e ela se
apega a isso com unhas e dentes. Não há como mudá-las. E assim se afasta do contato
humano, se tornando cada vez mais o homem inferior que habita seu inconsciente.
A falta de definição em seus propósitos mais importantes de vida também faz
parte dessa problemática. A mulher nesse estado, mesmo sendo extremamente
detalhista, quando confrontada a respeito de seus objetivos mais profundos
simplesmente não consegue defini-los. Um estado de dormência a apodera e a intuição e
projeção para o futuro não flui em sua psique. Ela está presa ao seu animus naquilo que
não é essencial para a sua vida e seu desenvolvimento.
Esse aspecto de prisão e morte se manifesta também em outro comportamento
extremamente irritante que é o da curiosidade mórbida, principalmente quando se refere
aos processos do inconsciente.
É sabido que durante o processo de análise, muitos conteúdos precisam de tempo
para se tornar conscientes. Uma conscientização prematura pode atrapalhar todo o
processo. Mas um espírito espezinhador e inquisitivo toma conta da mulher se
expressando em uma curiosidade selvagem e a levando a fazer aquilo que é
desnecessário.
Em A Interpretação dos contos de fada, temos um quadro mais claro desse
estado:
“Aqui também aparece o tema do perigo de uma iluminação prematura. Não se pode
querer saber intelectualmente tudo o que ocorre na psique nem querer definir e
categorizar a qualquer custo todos os acontecimentos interiores; é preciso dobrar a
própria curiosidade e simplesmente esperar.
Somente uma pessoa forte é capaz de controlar a própria impaciência e deixar o jogo
se desenrolar sem olhar; por outro lado, uma consciência mais fraca quer ler o sonho
interpretado imediatamente, pois teme a incerteza e a obscuridade da situação.”
Bibliografia
JUNG, C. G. O eu e o Inconsciente, 21 ed. Petrópolis: Vozes, 2008.
JUNG, C., VON FRANZ, M. L., HENDERSON, J. L., JACOBI, J. & JAFFÉ, A. O
homem e seus símbolos, 23 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002.
VON FRANZ, M. L. A interpretação dos contos de fada. 5 ed. São Paulo: Paulus, 2005.
VON FRANZ, M. L; BOA, F. O caminho dos sonhos. São Paulo: Cultrix, 1988.