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de Almeida
As Solidariedades do Povo do Santo
(http://www.espiritualidades.com.br/Artigos/A_autores/Almeida_Marco_Solidariedades
_povo_santo.htm)
Nessa cidade de integração e choque entre culturas e etnias, da busca por representações
no meio social e urbano através da religião, dos cultos Afro-Brasileiros, como no caso
dos Candomblés (1) e da Umbanda, novo culto surgido da miscigenação e sincretismo
de várias religiões, que através de suas visões míticas da realidade com idéias de
ancestralidade, natureza e comunidade constituíram um modelo religioso com uma
lógica particular de sociedade, cultura e economia.
Logo, com as guerras santas islâmicas as Jihád, que no início do século XIX, fornecem
escravos para Salvador, que trazem para o Brasil seu espírito guerreiro, sua capacidade
de liderança e articulação, e a ideologia islâmica dos negros Haussas e Malês, que
vieram junto com os seus adversários na África, os Iôrubas e os Jejes.
Com isso, desenvolve-se uma nova movimentação cultural em Salvador, na organização
de cultos religiosos e sociedades secretas. Sendo assim, fica explicitada na composição
social do negro baiano a idéia como as dos negros islâmicos de que a função do Estado
é servir a lei divina, “implicando a conversão num projeto político de tomada de
governo”.(5)
“repelidos pêlos fulás, os negros haussas caíram sobre o grande e poderoso reino central
de Ioruba e destruíram-lhe a capital Oyó. No reinado de Arogamgam Ioruba perdeu, em
1807, a província Ilorim, cujo governador Afunjá, sobrinho do Rei, serviu-se dos
haussas para torna-se independente. Os maometanos em 1825. Queimaram vivo o
Afunjá e desde de então um rei ou governo muçulmano, Ilorim. Tornou-se pôr este
modo um centro de propaganda do islamismo nos povos Iorubanos ou nagôs”.(6)
Contudo, Haussas e Nagôs, adversários comuns na África, mas reunidos no Brasil sob a
mesma condição escrava, vão organizar uma revolta em 1809. Na expansão deste
movimento, em 1835, aconteceria a união de “oito nações contra o poder colonial”(7). É
a revolta Malê na Bahia.
“se a liderança guerreira era dos Haussas islâmicos, a vida religiosa nas cidades é
redefinida com a chegada das grandes religiões dos Iorubas, seus Orixás conquistando
os terreiros que batiam tarde da noite, disfarçados em meras reuniões festivas, mesmo
nas casas dos Bantos, os Orixás e Iorubas passam a descer junto com as suas entidades,
expressão das identidades e compatibilidades entre mística dos diversos africanos”.(8)
Verifica-se também que o culto Malê no Brasil, desenvolve-se a partir da existência das
sociedades secretas, Nagôs Ogboni, Gueledê e Egungun, importantes segmentos
organizados de mobilização política e cultural.
A partir da fundação do Candomblé do Iyá Omi Axé Airá Ontile, nas imediações da
igreja da Boa Morte, situada no Bairro da Barroquinha - BA, onde ingressam no culto
Iyá Nasô, que mais tarde torna-se Yalorixá, chefe de terreiro que, então, dá nome a uma
nova casa o Ilê Iyá Nasô, de orientação Ioruba-Nagô, situando-se mais tarde no
Engenho Velho, tornando-se assim um dos pilares da religião afro no Brasil e da sua
resistência.
Depois da segunda metade do século XIX, com as sucessões e as cisões após a morte do
chefe do terreiro, prática ancestral, fundar-se-iam outros Candomblés, como no caso do
Ilê Iyá Nasô que vai originar o Iyá Omi Axé Iyá Massê no Rio Vermelho e mais tarde o
Ilê Axé de Opô Afonja “...na sucessão de Mãe Ursolina, que Aninha filha do Bambochê
lidera”.(9)
Logo, no Brasil a identidade dos grupos negros, alicerçada a partir das relações
interétnicas e sociais, construídas no conjunto das representações conseguidas no
cotidiano das irmandades religiosas e de cultos de todas as origens, configuram-se como
elementos de integração e institucionalização desses cultos. Segundo a fonte do
ISER(10):
Logo, como podemos observar no quadro acima, a integração dos cultos e de suas
variações, apesar das diferenças de nação ou mesmo das línguas faladas nos cultos,
revelam sempre um caráter agregador dessas religiões africanas e afro-brasileiras.
Sendo assim, essas formas de núcleo vem reinventar as referências familiares e muitas
vezes o próprio laço familiar, como na própria forma de tratamento Pai, Mãe e Filha de
Santos, funcionando todavia como uma fórmula de vínculo social com uma lógica de
organização do cotidiano na construção de uma vida em comunidade, e na reinvenção
de formas, práticas de existência e resistênci a cultural e social, contra os padrões de
comportamento impostos pelo Estado, nas palavras de Kátia Matoso:
“O negro deve abdicar de certas formas de seu mundo anterior, mas sua vida nova, se
ela se integra bem pode oferecer-lhe outras riquezas e ganhos libertadores por serem
criadores de um modo novo de pensar e, sobretudo novos laços afetivos”.(11)
Com isso, a partir desse redimensionamento das relações pessoais, cria-se no meio
urbano em Salvador, não só novos cultos e novas formas religiosas, mas também um
espaço de participação, memória e cultura, na medida em que esses povos trazem na
bagagem suas crenças, símbolos, ritos e tradições além de sua visão mítica e a sua
própria História. “Sendo, portanto centrais na história subalterna do Brasil”.(12)
Existiam também outros candomblés, como o Alaketo, o Olê Ogunja e outros com
raízes de Angola, já praticados pelos grupos Bantos, chamados Candomblés de
caboclos, que já constituíam-se com um caráter mais sincrético e da anterior
miscigenação que sofrera o culto com a influência católica, sendo assim:
“O fenômeno do sincretismo é gerado pela repressão que se abatia sobre o negro e sua
cultura, no Brasil esse processo se caracteriza pelo fato de que, para superarem a
repressão religiosa, e a opressão catequética os diversos cultos negros foram
introduzindo imagens de santos católicos capazes de fazer passar ao repressor, que era o
culto a santos católicos que ali se processava...” (13)
O cenário urbano carioca dos subúrbios, além dos cortiços e favelas do centro da cidade,
propiciam a instalação desses grupos de uma maneira semelhante a que tinham em
Salvador, como no bairro do Engenho Velho, com todas as suas práticas e vivências
cotidianas como na pequena África aonde os recém chegados na cidade recebiam a
solidariedade dos já instalados.
Através de seus ritos, cultos e festas, que celebram a identidade do povo do santo e suas
particularidades na forma de organização social, podemos destacar que os elementos do
culto em geral, estavam instalados em cortiços e favelas, onde era prática comum
oferecer estadia aos que chegavam. Os problemas com a Inspetoria Geral de Higiene
eram constantes, por causa do problema da insalubridade, e com a polícia pela qual era
exercido no meio urbano o controle social a essas “classes perigosas”, que são na sua
maioria transeuntes e circulantes no meio urbano carioca com suas tradições e
incorporações de novos elementos, a partir do cotidiano das ruas e dos cortiços.
Muitos habitavam a zona portuária, no bairro da Pedra do Sal, Saúde, Gamboa, Santana,
Cidade Nova, onde a maioria estava ligado ao trabalho no porto, na estiva, no trapiche,
e no comércio ambulante. As mulheres, em geral as tias baianas trabalhavam em
atividades domésticas. Eram: lavadeiras, doceiras, costureiras “que transformavam as
habitações coletivas em verdadeiras unidades administrativas (14)’’ e etc. capitalizando
assim, várias dessas atividades, já que os empregos formais, em geral e as oportunidades
eram oferecidos a sociedade branca que já estava estabelecida.
Tinha na Pedra do Sal, lá na Saúde, ali que era uma casa de baianos e africanos, quando
chegavam da África ou da Bahia. Da casa dele se via o navio, aí já tinha o sinal que
vinha chegando gente de lá.(...) Era uma bandeira branca, sinal de Oxalá avisando que
vinha chegando gente. A casa era no morro era de um Africano, ele chamava Tia Dadá e
ele Tio Ossum, eles davam agasalho, davam tudo até a pessoa se aprumar. (...) Tinha a
primeira classe, era gente graúda, a baianada veio de qualquer maneira, a gente veio
com a nossa roupa de pobre, e cada um juntou sua trouxa: “vamos embora para o Rio,
porque lá no Rio agente vai ganhar um dinheiro, lá vai ser um lugar muito bom”.(...) Era
barato a passagem, minha filha, quando não tinha, as irmãs inteiravam para ajudar na
passagem. (15)
(Depoimento de Carmem Teixeira da Conceição, Arquivo Corisco Filmes)
Devido ao grande fluxo da corrente migratória baiana no Rio de Janeiro, no final do séc.
XIX, início do século XX, e a integração desses grupos migratórios às populações
pobres já existentes na cidade, com o seu sistema simbólico de crenças e valores,
mudam a já em mutação paisagem urbana carioca.
Com a sucessão de Mãe Sussu, do Ilê Axé Nasô, em dissidência na casa, funda-se em
São Gonçalo do Retiro (Ba) o candomblé Ilê Axé de Opô Afonja que mais tarde abre
uma casa no Rio de Janeiro, segundo depoimento de Dona Carmem citada pôr Roberto
Moura: ‘‘esse terreiro teria sido visitado diversas vezes pôr João Alabá na Bahia", o que
torna legítimo ser Ciata e sua gente baiana no Rio ligada ao tronco mais tradicional do
candomblé nagô de Salvador”.(17)
Nesse contexto, o que vemos é uma interação étnica e também religiosa dos diversos
grupos das camadas populares, decorrente de uma verdadeira solidarização na miséria,
buscando soluções próprias frente ao mundo de dificuldades, na qual as condições de
vida e de trabalho tornam-se cada dia mais difíceis, pois na construção do novo espaço
urbano e a criação de uma novo padrão estético, acrescido do adensamento habitacional
e do crescimento urbano-industrial amparam um ideal de progresso construído a partir
dos descaso das políticas públicas. Esses fatores são responsáveis por essa
institucionalização das solidariedades na miséria na criação de leis próprias contra esse
falta de enternece do poder público.
Luiz Edmundo nos conta de uma casa de culto na travessa do morro do Castelo.
Segundo ele, a casa de ‘’João Gambá de Loanda’’, diz ser o culto de orientação Jeje-
nago, mas na verdade pela descrição feita, já se trata de um culto miscigenado e
mesclado com elementos católicos, logo pode nos servir de exemplo dessa
transformação:
Já o cronista João do Rio, nos fala do culto malê e da religião dos Alufás, no Rio de
Janeiro no seu livro As religiões do Rio, em uma série de reportagens publicadas em
1904:
‘’Os alufás... são maometanos com o fundo de misticismo. Quase todos dão para estudar
a religião... Logo depois do suma ou batismo e da circuncisão ou Kola, os alufás
habilitam-se à leitura do Alcorão. A sua obrigação é o Kissium, a prece. Rezam ao tomar
banho, lavando a ponta dos dedos, os pés e o nariz, rezam de manhã, rezam ao pôr do
sol. Eu os vi retintos, com a cara reluzente entre as barbas brancas, fazendo alguma
gariba, quando o crescente lunar aparecia no céu. Para essas preces, vestem abadá, uma
túnica branca de mangas perdidas, enterram na cabeça um filá vermelho, donde pende
uma faixa branca, e, à noite, o Kissium continua, sentados eles em pele de carneiro ou
tigre...
Essas criaturas contam a noite o rosário de Teesubá, tem o preceito de não comer carne
de porco, escrevem as orações numas tábuas, as Ato com tinta feita de arroz queimado e
jejum com os Judeus, quarenta dias a fio.... tanto sua administração religiosa como a
Judiciária estão pôr inteiro independentes da terra em que vivem.... Os Alufás não
gostam de gente de Santo, a que chamam Adoxu; a gente do Santo desprezam os bichos
que não comem porco, tratando-os de Malês. Mas acham–se todos relacionados pela
língua, com costumes exteriores mias ou menos idênticos e vivendo de feitiçaria. (20)
“A raça negra no Brasil, pôr maior que tenham sido seus incontestáveis serviços a nossa
nação, pôr mais justificadas que sejam... de que cercou um revoltante abuso da
escravidão... Há de se constituir num dos fatores de nossa inferioridade como povo”.
(21)
Sendo assim, na continuidade desse processo de consolidação da República, onde a
primeira constituição do regime de texto federalista, promulgado a 24 de fevereiro de
1891, nos tempos em que assume o governo em meio à crise, Floriano Peixoto o
“Marechal de Ferro” com a repressão nas ruas, mais tarde a mesma repressão com
Prudente de Morais, que aniquila o "mau exemplo" Canudos, mostra-nos mais uma vez,
que esse governo deveria ser uma "coisa pública", ou seja, que essa administração do
país atendesse aos interesses coletivos e não de grupos privilegiados, o que não se
configura, pois esses governos sempre tenderam a beneficiar os interesses de grupos
particulares, como na celebre frase de Campos Sales : “É de lá [dos estados ] que se
governa a República, pôr cima das multidões, que tumultuam, agitadas, as ruas da
capital e da União.’’
‘‘Os decretos promulgados pelo prefeito, sobretudo na fase inicial de seu governo,
quando pode legislar ditatorialmente, atingiram os mais variados domínios da existência
social e cultural da população, práticas do cotidiano popular e costumes profundamente
arraigados foram considerados indignos de figurarem no contexto de cidade saneada e
civilizada. Nessa perspectiva podem ser encaradas perseguição sistemática ao
candomblé e aos cultos religiosos de origem africana.”(22)
‘‘Não era de se esperar, igualmente, que essa sociedade tivesse tolerância para com as
formas de cultura e religiosidade populares. Afinal, a luta contra a “caturrice”, “a
doença”, o “atraso” e a “preguiça” era também uma luta contra as trevas... os
cerceamentos a festa da Glória e o combate policial a todas as formas de religiosidade
popular... as autoridades zelam na perseguição aos Candomblés, enquanto João Luso
nas crônicas dominicais do jornal do Comércio manifesta o seu desassossego com a
popularização crescente desse culto, inclusive dentre as camadas urbanizadas.”(24)
Enfim, esses elementos integrantes dos cultos são constantemente presos pela polícia no
exercício de suas manifestações culturais e religiosas, não só na via pública, como
também nos cortiços, local freqüente dos cultos. Logo, esses elementos são também
enquadrados no código penal, responsabilizados e processados criminalmente, sendo
então encaminhados pela polícia ou mesmo pela guarda municipal para as Pretorias
Criminais e podendo ser levados a cumprir pena na Casa de Detenção ou nas Colônias
Correcionais. Eram participantes de um mesmo conjunto de perseguidos e observados
pelas autoridades segundo as práticas do controle social urbano. Nesse contexto, são
atores de um mesmo processo histórico e político. Sendo assim, o Código Penal nos
traduz as preocupações das autoridades político-jurídicas, e mesmo na sociedade civil
refletia uma mentalidade de permanente vigilância aos setores constitutivos dos
movimentos populares, vide o número de artigos que tratam da questão religiosa, art.
158, curandeirismo; art. 185, cultos religiosos: ultrajar objetos; art. 186: impedimento e
etc. Além de serem freqüentemente enquadrados por algazarra, desordem e também por
vadiagem, já que por definição o “vadio” era todo aquele que ocupasse a via pública,
considerado suspeito pela tipologia policial e que não estivesse desenvolvendo uma
atividade lícita, ou seja, um emprego reconhecido e que também, comprovasse
domicílio certo, o que quase sempre não era de intenção dos policiais comprovarem.
“dessa forma a polícia tem nas mãos instrumentos de disciplinarização do conjunto das
camadas populares que lhe permitem demarcar regras de comportamento no espaço
urbano – ainda que precariamente. Empregando-as “estafadas chapas” de identificação
como gatunos conhecidos, desordeiros ou vagabundos, é possível a polícia punir,
mesmo fora do âmbito processual, aqueles que criam problemas para a vida na cidade”.
(25)
Dessa forma, as manifestações populares serão vistas como um perigo eminente que
habita o espaço urbano e onde a polícia através de uma série de ações rotinizadas
procura exercer um controle social como nas festas populares: no caso a festa da Penha:
“A festa da Penha, talvez a mais importante na época, provocava inquietação e planos
com alguma antecedência”.(26)
Enfim, são nessas festas tomadas pelos costumes negros, que passam a ser no meio
urbano espaços de representação social para camadas populares, e uma construção
simbólica que reverberiza no imaginário carioca, e passa a construir a sua modernidade
e identidade cultural, no âmbito das reinvenções e práticas transculturais na dimensão
da sua ótica de cotidianidade como, no caso dos compositores populares que lançavam
as suas músicas na festa da Penha, antes do advento do rádio. E era o acontecimento.
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