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Pragmática

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Uníntese | Uníntese Virtual

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Texto

Aline Madrid
Flávia Burdzinski de Souza PRAGMÁTICA
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VI PRAGMÁTICA

Maria Bernardete Bechler 1

Inicialmente, a linguística como ciência tinha como foco o estudo da


língua, não o estudo da fala humana. Assim sendo, durante décadas, a análise
Linguística não envolveu o falante nas suas pesquisas. Porém, com o passar do
tempo, tornou-se cada vez mais difícil estudar um sistema linguístico ignorando o
seu contexto da fala, uma vez que as situações de fala materializam a realização
da língua. Nos estudos da língua, Ferdinand de Saussure destacou a constituição
do signo linguístico.

Vamos lembrar que o signo é a união entre um conceito chamado


significado e um significante, que é uma imagem acústica dos sons que usamos na
pronúncia da palavra, ou ótica na língua de sinais. Na constituição do signo
linguístico o significado (conceito) e o significante (imagem acústica ou ótica do
objeto a que se refere) existem na mente da pessoa usuária de uma língua.
Podemos afirmar que o signo linguístico constitui uma relação simbólica
inseparável entre sons da palavra e o seu conceito (de objeto, pessoa,
sentimento). Assim, cada vez que pronunciamos palavras, frases ou textos
inteiros, estamos também indicando conceitos, significados. Enfim, para que
servem os signos? Os signos servem para nomear tudo o que existe.

1
Possui especialização em Supervisão Escolar, em Filosofia da Educação e em Coordenação de Práticas e Processos
Pedagógicos. Graduação em Letras pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul e
graduação em Letras pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões. Atualmente é professora
visitante da Universidade Tuiuti do Paraná e vice-diretora da UNÍNTESE. Tem experiência na área de Educação, com
ênfase em educação, ensino e aprendizagem e elaboração de projetos.

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Em estudos anteriores vimos que a Fonologia é a área da linguística que


estuda os sons, os significantes. As áreas da Linguística que estudam o significado,
os conceitos são a Semântica e a Pragmática.

Embora muitos linguistas apontem o estudo do significado para duas


áreas da ciência linguística, a Semântica e a Pragmática, já foi demonstrado que o
limite entre ambas é muito tênue. Segundo os teóricos, a Semântica estuda o
significado das palavras e expressões linguísticas fora do contexto das situações de
fala, independente do uso que se faz da língua. A Pragmática, por sua vez, estuda
o significado das palavras e expressões linguísticas no contexto, no ato em que a
língua está sendo usada.

Por ser muito difícil separar o estudo da significação do contexto de uso,


as teorias linguísticas atuais manifestam o entendimento de que o

Estudo do significado linguístico é semântico e pragmático, ao mesmo tempo,


na medida em que as conceitualizações que fazemos das palavras, de
sentenças e de textos, são sempre alicerçadas em nossa experiência e em
nosso conhecimento enciclopédico. Portanto, é praticamente impossível dar
conta da significação sem levar em conta informações extra-linguísticas,
relacionadas à nossa experiência, ao nosso conhecimento, e ao contexto em
que as expressões linguísticas são usadas (MCCLEARY e VIOTTI, 2009, p. 48).

Assim sendo, muitos linguistas deixam de lado a distinção exata entre a


Semântica e a Pragmática, porque acreditam que a língua somente se estabelece e
se desenvolve plenamente quando é posta em uso.

A Pragmática é a ciência do uso da língua, “estuda as condições que


governam a utilização da linguagem, a prática linguística” (FIORIN, 2007, p. 161).
Os estudos da Pragmática envolvem duas importantes áreas de situações de uso
da língua: as expressões dêiticas e os atos da fala, sobre os quais estaremos
explanando a seguir.

6.1- As Expressões Dêiticas

Segundo Viotti (2008), existem alguns fenômenos linguísticos, cujo


significado somente poderá ser compreendido plenamente em situações

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concretas de uso da língua. A dêixis é um desses fenômenos linguísticos que


estaremos explicando a seguir.

A dêixis é uma palavra de origem grega e significa a ação de “apontar”,


“mostrar”. Para compreender as expressões dêiticas é preciso mais do que
conhecer a língua, é preciso entendê-la nas situações concretas de uso da referida
língua, numa situação de comunicação, na enunciação.

Enunciação é a situação de diálogo, de fala expressa oralmente, em sinais


ou por escrito. Enunciado é a realização concreta produzida na enunciação, é a
mensagem emitida. Todo enunciado envolve os participantes da comunicação:
eu/tu/você nós/vocês; a enunciação acontece em um momento: (agora, hoje,
ontem, amanhã); o lugar onde o enunciado é produzido (aqui, ali, lá, este, esse,
aquele). Assim sendo, os “dêiticos são os elementos que indicam os
participantes, o tempo e o lugar em que o enunciado é produzido” (FIORIN, 2007,
grifo nosso).

Para facilitar a compreensão do fenômeno linguístico “deixis”, sugerimos


uma leitura atenta da explicação sobre o que se entende por enunciação,
enunciado, referenciação, muito utilizadas na análise pragmática apresentada no
quadro abaixo.

O que se entende por uma enunciação?

A enunciação acontece numa situação de fala, de comunicação, com o


emprego de uma língua, sempre envolvendo um locutor (falante), que é a pessoa
que fala, e um interlocutor (ouvinte).

Envolve todo o contexto que permite a compreensão do que é falado, do


discurso, da mensagem, do texto. Permite a compreensão do enunciado.

O que se entende por enunciado?

O enunciado é a mensagem emitida pelo falante, o texto. O enunciado


pode ser formado por uma sequência de frases, uma frase, ou mesmo uma
palavra, um texto.

Exemplos:
- Olá!
- Quanta umidade no ar!
Os enunciados acima sugerem que os envolvidos na enunciação, falante e
ouvinte, compreendem, no contexto, o sentido da saudação ‘Olá’, bem como da

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sensação de umidade contida no segundo enunciado. Um enunciado pode


expressar uma afirmativa, uma ordem, um pedido, uma promessa, um apelo, uma
declaração, com significado trazido pelo contexto para o falante e para o ouvinte.

O que se entende por um campo de referenciação?

A pessoa que fala é sempre o principal marco de referenciação


linguística, porque é sempre a partir dela que se realiza a indicação/ localização de
objetos, pessoas, lugares. O falante está no centro do campo de referenciação, no
centro do processo de comunicação, no centro do espaço. Todos os outros
elementos estão ao redor dele. Observemos como exemplo os pronomes eu, tu,
você, isto, isso, aquilo, este, esse, aquele, e tantos elementos são usados a partir
da posição em que se encontra o falante em relação ao ouvinte e outras pessoas
do discurso.

A dêixis, ação de apontar através do uso da língua (oral ou escrita) ou de


sinais, pode ser de três formas:

• dêixis de pessoa: ocorre quando usamos os pronomes pessoais de 1° e


2º pessoa – eu, você, nós, vocês.

• dêixis de lugar – ocorre quando usamos palavras como aqui, aí, lá, este,
esse, aquele, trazer, levar, vir, ir.

• dêixis de tempo- ocorre quando usamos advérbios como ontem, hoje,


amanhã (MCCLEARY e VIOTTI, 2009).

Vamos observar o enunciado abaixo:


Marta disse para Carlos:
- Eu vou me apoiar em você.
Carlos respondeu:
- Eu não tenho forças para apoiar você.
Os dêiticos não nomeiam coisas, eles apontam coisas, pessoas, animais.
O significado dos dêiticos somente é possível determinar na enunciação. É só na
situação de comunicação que é possível identificar a pessoa, o tempo ou um
lugar. Vamos analisar a pessoa do diálogo acima: em “Eu vou me apoiar em você”,
eu é o pronome pessoal, 1° pessoa do singular, usado por Marta para referir-se a
si mesma; você é o pronome pessoal da segunda pessoa, usado por Marta para
referir-se ao interlocutor > Carlos.

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Na resposta de Carlos, “Eu não tenho força para apoiar você”, podemos
observar uma troca: o pronome pessoal eu é pronome pessoal usado por Carlos
para referir-se a si mesmo; e o pronome pessoal você se refere a Maria.

Através do exemplo com dêixis de pessoa, ficou demonstrado que o


significado de eu e de você varia, sendo possível determiná-lo somente na
enunciação.

Agora vamos observar o exemplo:

Ontem, o dia estava nublado. Hoje, continua sem sol e está agradável,
friozinho. Espero que amanhã o tempo colabore, pois afinal, é o dia da festa ao ar
livre.

Ao lermos as frases acima, não conseguiremos saber as datas a que os


advérbios hoje, ontem, amanhã se referem. Se hoje se refere à terça-feira, dia 3
de novembro de 2015, então ontem foi segunda-feira, dia 2 de novembro e
amanhã será quarta-feira, dia 4 de novembro. Porém, se o hoje a que o falante se
refere for o dia 23 de agosto de 2015, o ontem terá sido no dia 22 de agosto e o
amanhã será no dia 24 de agosto. Constatamos assim, que os dêiticos de tempo
somente terão sua referência determinada se conhecermos o contexto em que
acontece a enunciação. A compreensão do significado do enunciado somente será
possível a partir do conhecimento que tivermos da situação comunicativa.

No exemplo seguinte apresentaremos mais uma situação de


comunicação. O exemplo abaixo contribui para a compreensão de os dêiticos de
lugar.

Júlio e Lúcia são primos. Lúcia mora em Porto Alegre e Júlio mora em
Florianópolis. Júlio telefona para Lúcia:

- Aqui continua chovendo. E aí, também uma primavera chuvosa?


Lúcia responde:
- Aqui também chove muito. No feriado fomos para a serra, e lá fazia
muito frio.
- Quando você vier, poderia trazer uma capa-de-chuva?
- Tudo bem.Quando eu for para aí, levarei a capa-de-chuva e agasalhos.

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No enunciado acima temos os dêiticos de lugar: os advérbios aqui, aí, lá.


Ao procurarmos entender o significado dos dêiticos fora de uma situação de fala,
numa análise Semântica, veremos que os dêiticos determinam:

aqui é o advérbio de lugar em que está a pessoa que fala (1° pessoa do
singular). Aqui é o advérbio relacionado ao lugar onde está a pessoa que fala.

aí é o advérbio que indica o lugar em que está o interlocutor, a pessoa


com quem se fala (2° pessoa do singular).

lá é o advérbio de lugar que indica qualquer lugar, longe da pessoa que


fala e da pessoa com quem se fala (o interlocutor).

Se analisarmos os dêiticos no enunciado “Aqui continua chovendo...”, é


possível compreender que na fala de Júlio, a expressão aqui se refere ao lugar em
que Júlio está: a cidade de Florianópolis. Vimos então que o advérbio aqui está
indicando o lugar em que está o falante em uma enunciação. Quando Júlio
pergunta “E aí, uma primavera chuvosa?” emprega o dêitico aí e se refere à cidade
de Porto Alegre, a cidade em que Lúcia está. Demonstramos que aí é o advérbio
que aponta o lugar em que está o interlocutor de uma enunciação.

Por outro lado, quando Lúcia emprega o dêitico aqui, não se refere a
Florianópolis “Aqui também chove muito”, porque agora ela é quem está falando,
e aqui é o advérbio que aponta o lugar em que está o falante. Vimos então, que o
significado de aqui sempre vai indicar o lugar que o falante está, porém, à medida
que o falante muda de lugar, a referência do lugar vai ser diferente.

Quando Lúcia diz “No feriado fomos para a serra e lá fazia frio”, podemos
observar que empregou o advérbio de lugar lá, porque está se referindo a um
local distante a que estão o falante e o ouvinte (interlocutor).

Na sequência do diálogo entre Júlio e Lúcia “Quando você vier, poderia


trazer uma capa-de-chuva?”, Júlio usa os verbos dêiticos vir e trazer. Por que são
chamados de verbos dêiticos? Porque vir significa realizar um deslocamento até o
lugar em que está a pessoa que fala (MCCLEARY e VIOTTI, 2009), no enunciado o
lugar é Florianópolis, porque Júlio está em Florianópolis e não em outro lugar
qualquer. No enunciado, o verbo trazer significa “transportar algo para o lugar em
que está a pessoa que fala”, no caso, transportar para Florianópolis, e não para
outro lugar qualquer. Se Júlio estivesse na Bahia, os verbos vir e trazer seriam
direcionadas para a Bahia, não para Florianópolis.

Quando Lúcia responde para Júlio, assim se manifesta: “Sim, quando eu


for para aí levo a capa-de-chuva e agasalhos.” Ela emprega os verbos ir e levar.

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Esses verbos indicam um deslocamento a partir do local em que está a pessoa que
fala (MCCLEARY e VIOTTI, 2009). As ações de ir e levar a capa-de-chuva acontecem
a partir de Porto Alegre porque a Lúcia está em Porto Alegre.

Assim como vimos exemplos de expressões dêiticas de lugar com os


advérbios aqui, ali, aí, lá, também temos os pronomes demonstrativos este (a),
esse (a), aquele (a). Constatamos uma grande dificuldade da maioria dos usuários
da língua portuguesa com o emprego dos pronomes demonstrativos este (a), esse
(a). Para exemplificarmos o significado dos referidos pronomes, apresentaremos
uma situação de comunicação, ou uma enunciação em que aparece o seu uso
numa situação de fala:

João e Carlos encontram-se e cada um deles carrega uma sacola na mão.


A sacola que João carrega é de plástico verde, bem espaçosa, é utilizada para
transportar pequenas mercadorias. A sacola que Carlos carrega é branca, feita de
tecido grosso, serve para carregar os livros que utiliza em suas aulas.

- Olá, Carlos, que bom encontrar você, estou indo pra sua casa!

- Olá, João, vai até minha casa?

- Sim, esta sacola está com as mercadorias que o seu pai encomendou.
Será que essa sacola que você carrega é forte o suficiente para transportar as
mercadorias que estão aqui comigo? Se for possível, passo as mercadorias para a
sua sacola e nem preciso ir até lá.

- É mesmo, vamos experimentar. Esta sacola que carrego é bem


resistente.

Vamos analisar o emprego dos pronomes esta e essa na seguinte fala de


João: “Sim, esta sacola está cheia com as mercadorias que o seu pai
encomendou”. O pronome esta indica que a sacola está junto da pessoa que fala.
Na situação de fala representada na frase do diálogo, esta sacola indica que a
sacola está perto dele, da pessoa que fala: João. Na sequência da sua fala, João
diz: “Será que essa sacola que você carrega é forte o suficiente para transportar as
mercadorias que estão aqui comigo?” A que sacola João está se referindo? João
está se referindo a sacola que está junto de Carlos. O pronome essa ou esse é
empregado para relacionar o objeto, pessoa e outros que estão junto ao
interlocutor, ao ouvinte. Na enunciação, o pronome essa foi empregado para
referir-se a sacola que estava junto de Carlos.

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Observe que quando Carlos fala “É mesmo, vamos experimentar.Esta


sacola que carrego é bem resistente.”. O pronome esta foi empregado porque
Carlos é o falante e ele se refere à sacola que está com ele, junto dele.

Através dos exemplos acima, demonstramos que o significado das


expressões dêiticas varia de acordo com a situação que se estabelece na
enunciação. Com os signos eu, tu, você, há uma constante troca de papéis,
possibilitando uma reversibilidade. O eu poderá se tornar um você, que poderá se
tornar novamente um eu. Os dêiticos sempre dependem da situação de
comunicação, da enunciação, relacionados a: quem é a pessoa que fala? Quem é a
pessoa com quem se fala? Qual é o local em que estão às pessoas que falam e o
seu interlocutor? Em que tempo a fala está sendo referida no enunciado?
(MCCLEARY e VIOTTI, 2009).

6.1.1 Dêixis nas Línguas de Sinais

Dêixis - Como nas línguas orais, os dêiticos das línguas de sinais também
se estruturam como referências de pessoa, de lugar, de tempo. Nas línguas de
sinais, a dêixis é expressa espacialmente através de sinais constituídos por traços
linguísticos e gesto de apontamento, pelos articuladores (fundamentalmente as
mãos) no mesmo canal de produção (visual-espacial). Os dêiticos de pessoa são
realizados por meio de dois tipos de sinais de apontamento: os pronomes pessoais
(eu, tu, você, ele, eles) e os verbos indicadores. A localização ou o movimento dos
pronomes pessoais e dos verbos indicadores acontecem em frente ou ao redor do
sinalizador, e apontam para um local relacionado no discurso a um participante ou
para diferentes locais. A apontação é muito utilizada para identificar terceira(s)
pessoa(s), estando ou não presente(s) no momento de uma enunciação, ela não é
participante do processo de produção de enunciados.

Para Lucinda Ferreira (2010, p.28) a dêixis também é usada para chamar a
atenção do ouvinte, a exemplo dos vocativos na Língua Portuguesa, para tanto se
usam abanos de mãos ou toques no ombro do interlocutor.

Em sua dissertação de mestrado, Renata Lúcia Moreira (2007, p.35),


apresenta dois exemplos de pronomes pessoais na LIBRAS com função dêitica: os
sinais EU, em 1, e Você em 2, ambos retirados do dicionários de Capovilla e
Raphael (2001)

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(1) EU2

(2) VOCÊ3

Nas línguas de sinais, os verbos direcionais são dêiticos, a exemplo de


PERGUNTAR, RESPONDER, AJUDAR, pois dependendo da enunciação, eles
apontam para a pessoa que fala ou para o interlocutor, ou para os dois, ou para
uma terceira pessoa. Além da apontação, a forma do verbo muda de acordo com
local e espaço em que o sinalizador e o interlocutor se encontram (MCCLEARY e
VIOTTI, 2009).

Para exemplificar um verbo direcional na função dêitica, Renata Lúcia


Moreira (200, p.35), tomou o verbo PERGUNTAR, que no dicionário de Capovilla e
Raphael (2001), apresenta duas entradas lexicais: PERGUNTAR (3) e PERGUNTAR-
ME (4). Na primeira entrada a o sinalizador faz a pergunta em direção a quem
recebe a pergunta. Na outra entrada, PERGUNTAR-ME, descreve o sinalizador
recebendo a pergunta.

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Fonte: Capovilla e Raphael, 2001:10:33.
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Fonte: Capovilla e Raphael, 2001:10:33.

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(3) PERGUNTAR4

(4) PERGUNTAR-ME5

Assim sendo, tanto as expressões dêiticas de pessoa quanto de verbos


direcionais aqui exemplificados, devem ser analisadas a partir da situação de
enunciação para que o seu significado seja compreendido.

6.2- Atos da Fala

Quando iniciamos esta disciplina de Aspectos Linguísticos e Gramaticais


da LIBRAS, fizemos uma referência ao poder e o fascínio que a linguagem sempre
exerceu sobre o ser humano desde os tempos mais remotos. Lembramos que
desde a criação do mundo, no livro de Gênesis, a linguagem é compreendida como
um atributo divino, pois Deus cria o mundo falando e é através da fala que se
ordena o mundo - Deus disse: “Faça-se a luz”. E a luz foi feita. E assim Deus fez o
dia, a noite, a tarde, a manhã. Deus chamou à luz de dia e às trevas, noite. Até o

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Fonte: Capovilla e Raphael, 2001:10:33.
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Fonte: Capovilla e Raphael, 2001:10:33.

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quinto dia, Deus foi fazendo coisas e denominando-as. Dar nome, no mundo
mítico é criar. O mundo foi criado linguisticamente pelo Senhor.

Segundo Gustavo Adolfo da Silva, em seu artigo Teoria dos Atos da Fala
(2010), Deus, ao expulsar o homem do paraíso, colocou-o na História. No contexto
da linguagem, o que pertence à História é o discurso. Colocar o homem na história
é enunciá-lo, é colocá-lo num lugar determinado no contexto social.

6.2.1 A Teoria dos Atos da Fala

Ao iniciarmos esta seção reforçamos o ponto de vista de que para o


entendimento do significado pleno de expressões linguísticas, sempre devemos
considerar:

• o significado Semântico, “literal” da palavra;


• o contexto em que as expressões linguísticas são produzidas;
• o nosso conhecimento acumulado em relação à determinada palavra ou
expressão.
A Teoria dos Atos da Fala originou-se no seio da Filosofia da Linguagem,
passando, mais tarde, a integrar a área da Pragmática, sob a luz dos estudos de
John Langshaw Austin (1911-1960), sendo posteriormente seguido por John Searle
e outros. Austin demonstrou que a língua não serve apenas para nomear,
descrever, declarar. Austin afirma que as palavras também fazem coisas. Como
assim, as palavras fazem coisas? Muitas ações humanas se realizam através da
linguagem: através da língua fazemos promessas, apelos, ameaças, ordens... Já
vimos que as expressões linguísticas usadas nos atos da fala têm um significado
literal e um significado que “comunica algo que queremos que aconteça em
consequência do ato comunicativo” (MCCLEARY e VIOTTI, 2009). Por exemplo:
Declaro aberta a sessão; Junte os papéis; Ordeno que você saia!

O uso da língua é um ato, é uma forma de agir sobre o interlocutor, de


agir sobre o mundo. A essa capacidade de o ato da fala comunicar uma ordem,
uma ameaça, juramento, chama-se de ato ilocucionário.

Até a demonstração da Teoria dos Atos da Fala apresentada por Austin,


os filósofos e os linguistas entendiam que as frases afirmativas limitavam-se a
descrever situações, eventos, pessoas, animais, coisas, estados, sentimentos,
sendo possível dizer se eram verdadeiras ou falsas. Austin demonstrou que
existem certas afirmações que não servem para descrever nada, mas sim para
realizar ações (SILVA, 2010).

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Em sua teoria, Austin apresentou a distinção entre dois tipos de


enunciados: os constativos e os performativos:

Enunciados constativos: são enunciados que descrevem ou relatam,


constatam algo: “A sala é ampla, ensolarada, limpa”, “Fui ao médico, “Realizamos
as filmagens dos jogos da escola”, “A família viajou”. São afirmações que poderão
ser falsas ou verdadeiras. São os enunciados chamados de afirmações, relatos,
descrições. Exemplos: “Pedro guardou sua bola de couro por medo de estragá-la”.
“Cuida tanto do seu brinquedo favorito que, com frequência, faz uma bola de
jornal amassado para jogar sozinho no terreno baldio empoeirado”.

Enunciados performativos: são enunciados que não descrevem, não


relatam, não constatam nada. Não podem ser analisados sob o critério de falso ou
verdadeiro. São enunciados que realizam uma ação. Performativo, palavra
originada do verbo inglês to perform, cujo significado é realizar. Performativo é o
nome dado às expressões que significam uma ordem, uma condenação, perdão,
ameaça, juramento, etc. Exemplos:

Ordeno que você saia deste recinto;


Eu te batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo;
Eu te condeno a vinte anos de prisão.
Eu te perdoo.
Declaro aberto o Seminário.
Prometo estar aqui no horário previsto.
Juro que tomei todos os remédios.
Lamento que o resultado não tenha sido o esperado.
Se, no entanto, as sentenças fossem descritivas, descrevendo juramentos,
lamentos, promessas, declarações, não seriam performativas, observem os
exemplos:

Paulo ordenou que você saísse deste recinto.


O padre batizou a criança em nome do Pai, do Filho e do Espirito Santo.
O juiz condenou o acusado a vinte anos de prisão.
O coordenador declarou aberto o seminário.
Maria prometeu que estaria aqui no horário previsto.
Carlos jurou que tomou todos os remédios.

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Meu primo lamentou que o resultado não foi o esperado.


As sentenças acima não são enunciados performativos, pois não realizam
ações no ato da fala.

Para que o enunciado performativo cumpra a sua função de realizar, é


preciso que se estabeleça uma relação entre o falante e o ouvinte. É preciso que o
ouvinte aceite o que é dito pelo falante. Assim sendo, um ato da fala pode se
realizar ou não, visto que a sua realização depende de algumas condições. Austin
(apud MCCLEARY e Viotti, 2009), apresenta algumas condições para que os atos da
fala se realizem, sejam bem sucedidos, os principais são:

• o falante tem que ter autoridade para pronunciar a ato. Por exemplo:
Os professores estão no recinto em vai acontecer uma importante assembleia dos
profissionais. Alguém vai até o micro fone e anuncia: - Declaro aberta esta
Assembleia. Observa-se que ninguém se importa com o que foi declarado,
continuam conversando e se movimentando pela sala. Percebe-se que a pessoa
que declarou aberta a Assembleia era um funcionário da portaria do prédio, não
fora reconhecido pelo grupo como autoridade para executar aquele ato. O
enunciado torna-se nulo, não obteve sucesso.

• As circunstâncias em que as palavras são pronunciadas devem ser


apropriadas: Exemplo: se o presidente do sindicato dos professores declara aberta
a assembleia da categoria, em sua casa, sozinho, não haverá resposta, pois as
circunstâncias não estarão apropriadas.

Os enunciados performativos normalmente são pronunciados em primeira


pessoa do singular. Em menor quantidade em segunda pessoa, podendo também
aparecer na 3° pessoa.

Primeira pessoa: Eu vos declaro marido e mulher.

Segunda pessoa: Você está livre para tomar sol no pátio.

Terceira pessoa: Os estudantes do 9° ano estão autorizados a sair mais


cedo, hoje.

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