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POR UMA PEDAGOGIA E POLÍTICA

DA BRANQUIDADE
HENRY A. GIROUX
Pennsylvania State University — Tradução: Clara Colotto

SUMÁRIO

Neste artigo, Henry Giroux coloca o estudo da branquidade em um contexto histórico, reconhecendo
os vários modos pelos quais a identidade racial tem sido usada por ideólogos conservadores e
acadêmicos críticos que procuram expandir a discussão de raça e poder. O autor também focaliza as
limitações do conhecimento atual sobre branquidade. Embora esse conhecimento tenha ampliado,
com sucesso, o estudo da raça, no sentido de incluir o estudo da branquidade como uma construção
histórica, cultural e política, não revelou o potencial liberador da desconstrução da branquidade na
esfera pública. Por meio de uma análise de Dangerous Minds e Suture, dois filmes com narrativas
contrastantes sobre raça, o autor fornece um exemplo das possibilidades de discutir criticamente, em
sala de aula, a representação de raça e etnicidade na mídia. Por meio dessa discussão, os estudantes
de raças e etnias diferentes podem refletir sobre a representação de si próprios e de outros e a posição
da branquidade como o referente dominante. É necessário que a branquidade seja teorizada e
discutida de maneira que se reconheça o seu potencial crítico, bem como a possibilidade de que
estudantes brancos distingam seu próprio modo de agir e lugar legítimo no interior da luta pela
mudança social e por uma sociedade anti-racista.
ETNIA – IDENTIDADE RACIAL – PRECONCEITO – ANTI-RACISMO

ABSTRACT

REWRITING THE DISCOURSE OF RACIAL IDENTITY: TOWARDS A PEDAGOGY AND POLITICS OF


WHITENESS. In this article, Heniy Giroux places the study of Whiteness in a historical context,
recogwizing the various modes in which racial identity has been used by conservative ideologues and
critical scholars who seek to expand the discussion of race and power. The author also points out the
limitations of the current scholarship on Whiteness. Although this scholarship has successfully expanded
the study of race to include the study of Whiteness as a historical, cultural, and political construction, it
has not shown the liberating potential of deconstructing Whiteness in the public sphere. With an analysis
of Dangerous Minds and Suture, two movies with contrasting narratives of race, the author provides an
example of the possibilities for critically discussing, in a classroom, the representation of race and
ethnicity in the media. Through such a discussion, students of different races and ethnicities can reflect
on the representation of themselves and others and the position of Whiteness as the dominant referent.
There is a need for Whiteness to be theorized and discussed-in a manner that recognizes the potential
for criticism, as well as the possibility for White students to recognize their own agency and legitimate
place within the struggle for social change and an anti-racist society.

Artigo publicado em Harvard Educational Review, v.67, n.2, Summer 1997.

As indicações de bibliografia constantes das notas de rodapé foram transpostas, nesta edição, para o texto, e a anotação
completa, para as Referências Bibliográficas.

Cadernos de
dePesquisa,
Pesquisa,nºnº107,
107,p.julho/1999
97-132, julho/1999 97
A liberação da identidade racial faz parte tanto da luta contra o racismo como da eliminação da discriminação racial e
da desigualdade. Essa liberação envolverá uma revisão da política racial e uma transformação da diferença racial.
Tornará a própria democracia muito mais radicalmente pluralista e a identidade muito mais um problema de escolha do
que de atribuição. À medida que as lutas para alcançar esses objetivos forem reveladas, reconheceremos gradualmente
que a racialização da democracia é tão importante quanto a democratização da raça.

(Howard Winant, Racial Conditions, 1994. p.169)

A BRANQUIDADE E O MOVIMENTO DE REVIDE CONSERVADOR

Na última década, o debate a respeito da raça tomou uma direção intrigante, na


medida em que branquidade se tornou cada vez mais visível como símbolo de identidade
racial. Deslocada de seu status amplamente compreendido como um referente sem nome,
universal e moral, branquidade, como categoria de identidade racial, foi apropriada por diver-
sos grupos conservadores e de direita, bem como por acadêmicos críticos, como parte de
uma articulação mais ampla de raça e diferença. Para um grupo variado de brancos, em parte
mobilizados pelo pânico moral gerado pelos ataques da direita à imigração, aos programas
com referencial racial e ao bem-estar social, branquidade tornou-se um elemento importan-
te para a resistência da classe média à “tributação, à expansão de direitos providos pelo
Estado, e à integração” (Winant, 1992). Ameaçados pela exigência dos direitos das minorias,
pela reescrita da história americana do começo ao fim e pelas alterações nos dados demográficos
raciais das cidades da nação, outros brancos passaram a sentir-se cada vez mais zangados e
ressentidos com o que era encarado como um ataque a seu sentido de consciência individual
e coletiva (Edsall, Edsall, 1992).
À medida que a branquidade começou a sofrer exame minucioso da parte de vários
grupos sociais – tais como feministas negras e latinas, multiculturalistas radicais, teóricos críticos
das relações raciais e outros – como uma fonte opressiva, invisível, perante a qual todo o
restante é referido, muitos brancos começaram a se identificar com o “novo racismo” tipificado
pelos conservadores de direita, tal como o apresentador do programa de entrevistas Rush
Limbaugh (Winant, 1994; Giroux, 1992). Prevalecendo sobre vastas audiências com o rugido
do “homem branco zangado”, amargurado por ofensas raciais imaginárias cometidas contra
os brancos, a popularidade de Limbaugh sugeria que raça havia se tornado uma das forças
sociais mais significativas das décadas de 1980 e 1990. Numa era de desemprego sem
precedentes, pobreza e oportunidades decrescentes para a maioria dos negros americanos,
os brancos de direita convenceram-se de sua própria perda de privilégios. Assim, o discurso
da raça tornou-se um veículo para apaziguar a ansiedade branca e minar o legado poderoso
da “justiça social” e racial. Por exemplo, durante as décadas de 1980 e 1990, à medida que
o Partido Republicano se movia para a direita, tirava vantagem dos receios raciais de muitos
brancos e lançava um ataque agressivo contra a ação afirmativa promovendo, com sucesso,
programas retrógrados projetados para reduzir os gastos sociais, desmantelar o sistema de

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bem-estar social e desacelerar o ritmo da integração racial (Edsall, Edsall, 1992). O legado
progressivo da política de identidade – com ênfase no reconhecimento da presença de novos
atores sociais, que usam sua própria posição social como um recurso para desenvolver uma
política que tenta historicizar e compreender de que modo as identidades são construídas e
funcionam como “um movimento crucial para expandir a cidadania às pessoas de cor e outros
grupos subordinados” – foi trivializado ou descartado, na medida em que os conservadores se
apropriaram da política de identidade como um princípio definidor de branquidade (Yudice,
1995). John Brenkman (1995) acentua essa apropriação alegando que “os eleitores, cujas
crenças e receios foram mais significativamente moldados por sua identidade racial na década
de 1980, são brancos”.
Surgiu uma mentalidade de caráter circunscrito para policiar fronteiras culturais e
reafirmar a identidade nacional. O discurso da branquidade expressa o ressentimento e a
confusão de muitos brancos que se sentem vitimizados e amargurados, enquanto mascara
desigualdades profundas e práticas de exclusão dentro da ordem social atual. Desviando a
política da raça do discurso da supremacia branca, do legado histórico da escravidão e segre-
gação, bem como do fardo contínuo da injustiça racial suportada pelos afro-americanos e por
outras minorias nos Estados Unidos, políticos tais como Pat Buchanan, David Duke, Jesse
Helms, e Pat Robertson mobilizaram um novo discurso populista sobre a família, a nação, os
valores tradicionais e o individualismo, como parte de uma resistência mais ampla à democra-
cia multicultural e à cultura racial diversificada.
Na mídia popular, os conservadores acusam acerbamente os negros por muitos dos
problemas sociais e econômicos que assolam o país (Giroux, 1996). O colunista conservador
Mickey Kaus exemplificou essa sensibilidade ao dizer que deseja “viver numa sociedade na
qual não haja raça alienada nem racismo, em que eu não precise me sentir desconfortável ao
andar em uma rua porque sou branco” (Kaus apud Brenkman, 1995). Como raça se tornou
fator primordial, modelando a política norte-americana e a vida do dia-a-dia desde a década
de oitenta, o preconceito racial em suas formas abertas foi considerado um tabu. Enquanto o
antigo racismo mantinha alguma distinção entre os conservadores de direita mais populares
(por exemplo, Bob Grant, o anfitrião do programa de entrevistas de rádio de Nova York), um
novo discurso racista emergia nos Estados Unidos. O novo racismo era codificado na lingua-
gem da “reforma do bem-estar social,” como “escolas da mesma vizinhança,” como “dureza
com o crime,” e como “nascimentos ilegítimos.” Inteligentemente projetado para mobilizar os
temores dos brancos, aliviando-os, ao mesmo tempo, de qualquer aparência de responsabi-
lidade e compromisso social, o novo racismo serviu para reescrever a política da branquidade
como uma identidade racial “sitiada”. À medida que o movimento de revide racial se intensi-
ficava na mídia e em outras esferas públicas, a branquidade assumiu uma nova forma de força
política que se tornou visível com o surgimento de grupos de milícias de direita, de skinheads
brancos, e de cruzadas anti-PC de estudantes brancos indignados e de organizações

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acadêmicas conservadoras tais como a National Association of Scholars e a Southern League
(Diamond, 1995; Diamond, 1996; Novick, 1995; Berlet, 1995).
Ao contrário de a branquidade ser invisível, como alegaram certos críticos de esquer-
da tais como Richard Dyer e bell hooks*, entre outros, ela foi agressivamente incorporada
pela cultura popular a fim de rearticular um sentido de identidade individual e coletiva aos
brancos “sitiados”. Tanto Dyer como hooks, argumentaram que os brancos se vêem como
racialmente transparentes e reinscrevem a branquidade como invisível; isto é, raramente
ocorre aos brancos que são privilegiados por serem brancos. Embora esse argumento possa
ter sido verdadeiro na década de oitenta, ele não faz mais sentido na medida em que a
juventude branca, em particular, tem se tornado cada vez mais sensível a seu status como
brancos por causa da política racial e da exposição da raça pela mídia em anos recentes (Dyer,
1998; bell hooks, 1992). Celebrada pelos meios de comunicação de massa na década de
noventa, a nova cartografia da raça emergiu como o resultado de uma tentativa de reescrever
o legado racial do passado, ao mesmo tempo recuperando a visão mítica da branquidade
associada à pureza e à inocência. Filmes imensamente populares, tal como Forrest Gump
1994) tentaram reescrever a memória pública, limpando o passado americano de tensões
raciais e endossando “uma compreensão preferencial de relações raciais que opera a favor
do pranto público pelo ‘homem branco vitimizado’” (Gresson III, 1996). Livros amplamente
discutidos, tais como The Bell Curve de Richard Herrnstein e Charles Murray (1994) e The End
of Racism de Dinesh D’Souza (1995), revisaram e reafirmaram os princípios básicos do
debate eugênico das décadas de vinte e trinta e apresentaram uma defesa das hierarquias
raciais. Na imprensa popular, o discurso da discriminação racial e da desigualdade social deu
lugar a histórias chocantes sobre crime negro, estrangeiros ilegais se apossando de empregos,
ameaça de déficit decorrente do pagamento de benefícios sociais a mães solteiras adolescen-
tes, e à asserção de que os “gangsta” rap artists negros, tais como Snoop Doggy Dogg e Ice
Cube corrompem os valores morais da juventude branca de classe média (Reeves, Campbell,
1994; Fiske, 1994; Ferrel, Sanders, 1995; Gray, 1995; Dyson, 1996; Giroux,1996; Jones,
Deterline, 1994). Embora revistas acadêmicas liberais, como a New Republic e a Atlantic
Monthly, evitassem os discursos extremistas de David Duke, Ralph Reed e Jerry Falwell, elas
publicavam editoriais e histórias que legitimavam a percepção popular de que a cultura negra
é uma cultura de crime, patologia e degeneração moral. A New Republic (1994) devotou uma
edição inteira a uma análise da distribuição de curva normal, com o título The Bell Curve,
justificando sua decisão em uma vergonhosa afirmação editorial que declarava, “A noção de
que pode haver extensas diferenças étnicas em relação à inteligência não é, acreditamos,
inerente a uma crença racista”. É claro, a recusa em reconhecer que essa posição surgiu
historicamente de um movimento eugênico legitimador de ódios raciais diversificados bem

*. Bell Hooks, pseudônimo de autora feminista radical negra, é grafado em letras minúsculas (N.T.)

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como de alguns dos massacres mais bárbaros e atrozes do século vinte, parecia irrelevante
perto da asserção editorial autocongratulatória de flexibilidade intelectual. A Atlantic Monthly
ecoou temores raciais similares em uma enxurrada de histórias de cobertura e artigos sensa-
cionalistas sobre como o crime, a doença, gangsta-rap, e mães não casadas (negras) estavam
prontas para causar danos a “todos – mesmo aos brancos de Back Bay” (Augnet, 1966).
As representações de mau gosto da experiência negra, publicadas por essas revistas,
ganharam aceitação crescente na mídia dominante. Codificação racial, exibida na forma de
populismo de senso comum, associava o negro a uma série de equivalências negativas que
contradiziam a injustiça racial, ao mesmo tempo afirmando o inconsciente racista reprimido e
indescritível da cultura branca dominante. Imagens ameaçadoras da juventude negra, de
mães sob a tutela do bem-estar social e de condenados, forjadas pela retórica evocativa de
jornalistas semeadores do medo, ajudavam a sustentar a imagem de uma família branca de
classe média de subúrbio, sitiada e ameaçada por:

...uma cultura e povos estrangeiros menos civilizados do que os nativos… um povo que se situa
em lugar inferior na ordem da cultura porque é, de algum modo, inferior na ordem da natureza,
definida pela raça, pela cor e, algumas vezes, pela herança genética. (Hall, 1992. p.13)

Enquanto a imprensa popular assinalava a emergência de uma política de identidade,


pela qual homens brancos se definiam a si próprios como vítimas do preconceito racial
“reverso”, acadêmicos se dedicavam a investigar a fundo e a acumular uma quantidade
substancial de conhecimento, explorando o significado da análise da branquidade como uma
construção social, cultural e histórica. Esse trabalho se caracterizou por várias tentativas para
situar a branquidade como uma categoria racial e analisá-la como um locus de privilégio,
poder e ideologia. Além disso, esse trabalho procurou examinar criticamente de que modo
a branquidade, como identidade racial, é experienciada, reproduzida e tratada pelos homens
e mulheres brancos que se identificam com suas pressuposições e valores.
Em alguns setores, a idéia de estudar a branquidade provocou escárnio e indignação.
Por exemplo, a revista Time ridicularizou uma professora que chamou o curso acadêmico que
ministrava sobre literatura americana de “Escritores homens hispânicos” (Henry III, 1991). A
Newsweek assumiu a posição da corrente principal, ao construir uma imagem dos homens
brancos nos Estados Unidos sofrendo uma crise de identidade relativa à mudança de sua
imagem pública. De acordo com David Gates (1993), ao escrever para a Newsweek, os
homens brancos não mais se sentiam seguros em uma identidade que havia sido devastada
por “feministas, multiculturalistas, ex-chefes policiais, patrões adeptos da ação afirmativa, artis-
tas de rap, ameríndios, magnatas japoneses, fundamentalistas islâmicos e ditadores do Tercei-
ro Mundo”. A Newsweek também lamentou os violentos ataques que os homens brancos
estavam recebendo da mídia, apoiando seu argumento em comentários de uma assalariada
“rancorosa” e de um psiquiatra proeminente, que assegurava aos leitores que, “para os

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homens brancos na faixa dos trinta e quarenta anos, o assunto não era de modo algum uma
piada. Em suas mentes, todo o seu futuro está em jogo. Estão assustados” (Gates, 1993).
Embora a dissolução do poder dos homens brancos parecesse um tanto exagerada aos
editores e redatores da Newsweek, eles deixaram bem claro que o pânico vigente entre os
brancos não era inteiramente infundado, pois poderiam viver, no próximo século, em uma socie-
dade constituída, em larga escala, por “minorias raciais e étnicas diversificadas” (Gates, 1993).

ESTUDOS SOBRE BRANQUIDADE

Baseando-se na obra de W. E. B. DuBois, Ralph Ellison e James Baldwin, acadêmicos


de uma ampla gama de disciplinas, incluindo a História, os Estudos Culturais, os Estudos
Literários, a Sociologia e a Comunicação Verbal, colocaram a “construção da ‘branquidade’
na mesa para ser investigada, analisada, esmiuçada, testada” (Fishkin, 1995). Rejeitando o
pressuposto de que uma análise da raça significa focalizar principalmente pessoas de cor,
intelectuais como David Roediger, Ruth Frankenberg, Theodore Allen, bell hooks, Noel Ignatiev,
Toni Morrison, Howard Winant, Alexander Saxton e Fred Pfeil tratam da construção histórica
e social da “branquidade” por meio de um vasto espectro de esferas, identidades e institui-
ções e redefinem a necessidade de tornar a branquidade o ponto central da área mais ampla
da política racial (Roediger, 1991; Saxton, 1991; hooks, 1992; Ware, 1992; Frankenberg,
1993b; Morrison, 1992; Winant, 1994; Allen, 1994; Omi, Winant, 1994; Roediger, 1994;
Ignatiev, 1995; Pfeil, 1995; Ignatiev, Garvey, 1996).
Conquanto seja impossível analisar este grande corpus de trabalho em detalhe, comenta-
rei sucintamente algumas das direções teóricas que tomou e avaliarei suas implicações para
aqueles entre nós, preocupados com questões de representação política racial e pedagógica.
Historiadores como David Roediger, Noel Ignatiev e Theodore Allen, entre outros,
basearam-se na obra de historiadores mais antigos da raça, concentrando-se menos nas
influências dos afro-americanos sobre a cultura predominante branco-americana – a cultura
sulina, a agricultura colonial americana, a música americana, o teatro, a literatura, etc. – e
mais no problema do modo pelo qual a identidade racial branca foi assumida, apropriada e
modelada historicamente, e em termos de como os brancos narram e representam a si
próprios, bem como as maneiras pelas quais a identidade branca dominante influencia a
construção e o tratamento dos “outros” raciais (Fishkin, 1995). Contestando o que significa
ser branco e a experiência da branquidade como um processo de inclusão e exclusão,
freqüentemente instável e sujeito à mutação, esses historiadores rearticularam e ampliaram
o conceito de identidade racial, embora, simultaneamente, contestem a branquidade como
um locus de privilégio racial, econômico e político. Mais especificamente, esse trabalho in-
troduz um aporte histórico revisionista aos debates fortemente acirrados sobre identidade
racial e nacional, centrais na política americana contemporânea. Ao focalizar de que maneira
a branquidade, como identidade racial dominante, modelou a história do trabalho americano

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em diferentes intervalos e configurou relações históricas e políticas entre grupos étnicos (tais
como os irlandeses), Roediger e outros atenuaram muitíssimo
...o impacto que a identidade racial dominante nos Estados Unidos tem exercido não
apenas no tratamento dos “outros” raciais, como também nos modos como os brancos
pensam sobre si próprios e a respeito de poder, prazer e gênero. (1994. p. 75)

A tentativa de confrontar “o problema da identidade racial branca [e de levantar] as


questões de quando, por que e com quais resultados as assim chamadas ‘pessoas branca’
vieram a se identificar a si próprias como brancas é essencial ao trabalho teórico sobre a
branquidade” (Roediger, 1994). Não mais essência estável, auto-evidente ou pura, que é
central à autodefinição da modernidade, a branquidade é desmascarada, no trabalho de histo-
riadores como David Roediger e Noel Ignatiev, como uma tentativa de, arbritrariamente,
categorizar, posicionar e conter o “outro” dentro de hierarquias racialmente ordenadas. De-
salojada de um discurso autolegitimador fundado em um conjunto de categorias raciais fixas
de ordem transcendental, a branquidade é analisada como um componente vivido, mas
raramente reconhecido, da identidade racial e da dominação branca.
Esses estudiosos fizeram mais do que acrescentar um componente histórico ao dis-
curso sobre a branquidade; expandiram e aprofundaram a relevância de politizar os debates
sobre o inter-relacionamento entre branquidade e raça. Roediger, por exemplo, apresenta
três razões para conclamar os críticos culturais envolvidos na construção social de raça a
direcionarem suas energias políticas para “expor, desmistificar e degradar a ideologia particu-
lar da branquidade”:

A primeira é que, embora nem a branquidade, nem a negritude, constituam uma categoria racial
científica (ou natural), a primeira é infinitamente mais falsa, e precisamente por causa dessa
falsidade, mais perigosa do que a última. A segunda é que, ao atacar a noção de que branquidade
e negritude se equivalem, minamos especificamente o que se tornou, por meio da noção de
“racismo reverso”, uma importante sustentação da recusa popular entre os brancos de confron-
tarem tanto o racismo como a si próprios. A última é que a branquidade agora constitui uma
forma quebradiça e frágil de identidade social e pode ser combatida. (1994. p.12)

A noção de que a branquidade pode ser desmistificada e reformulada é um motivo


teórico que une as análises históricas da construção da branquidade ao trabalho de teóricos
proeminentes numa variedade de outros campos. Por exemplo, Toni Morrison, em seu livro
memorável Playing in the Dark, desafia os críticos a examinarem de que modo a branquidade,
como categoria literária, funciona modelando e legitimando uma “identidade americana”
monolítica. Morrison apresenta sua interrogação acerca da construção imaginativa da
branquidade da seguinte maneira:

Os leitores de, virtualmente, toda a ficção americana têm sido posicionados como brancos.
Estou interessada em saber o que essa pressuposição tem significado na imaginação literária.

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Quando a “inconsciência” racial ou a consciência de raça enriquecem a linguagem interpretativa
e quando a empobrecem?... Quais partes da invenção e desenvolvimento da branquidade
participam da construção daquilo que é livremente descrito como “americano”? (1992. p.XII, 9)

No campo dos estudos culturais, Ruth Frankenberg, Richard Dyer e bell hooks
sondam mais a fundo o papel da branquidade como um locus de privilégio e exclusão,
reconhecendo que ela é produzida diferentemente dentro de uma variedade de espaços
públicos, bem como percorrendo as diversas categorias de classe, gênero, sexualidade e
etnicidade. Frankenberg (1993a), por exemplo, explora de que modo a branquidade, como
um locus de privilégio racial, molda as vidas e identidades de um grupo diversificado de
mulheres brancas. Por outro lado, por meio de uma análise das pedagogias raciais atuantes na
cultura popular, Dyer (1998) desafia o poder representativo da branquidade de “ser tudo e
nada como fonte de seu poder representativo”. Ele fornece um instrumento teórico ao
analisar a branquidade como um fiador da beleza e da verdade dentro da política represen-
tada por três filmes de Hollywood.
Uma das críticas mais incisivas da branquidade provém de bell hooks (1990), segundo
a qual, um grande número de intelectuais brancos focaliza os “outros” em sua análise da raça,
mas pouco fazem “para investigar e justificar todos os aspectos da cultura branca sob o ponto
de vista da ‘diferença’”. De acordo com hooks (1990), “seria tão interessante se todos aqueles
sujeitos brancos, que consideram os negro e a negritude, soubessem o que está acontecen-
do com a branquidade”. A autora amplia ainda mais sua crítica argumentando que, embora os
brancos estejam dispostos a analisar de que modo os negros são percebidos pelos brancos,
raramente os críticos brancos estão atentos a como os negros vêem os brancos. De acordo
com hooks, os brancos se recusam a ver os negros como agentes políticos. Tampouco os
brancos, presos em suas próprias fantasias raciais de assassinato e estupro, reconhecem que,
na imaginação negra, a branquidade freqüentemente está associada ao terror. Para hooks
(1992), há mais em jogo do que conseguir que os brancos reconheçam que representações
da branquidade como pura, boa, benevolente e inocente sejam contestadas por represen-
tações da imaginação negra a respeito da branquidade como caprichosa, cruel e incontrolável.
Também coloca em questão a branquidade como uma ideologia ao expor suas leituras privi-
legiadas da história, da arte e do poder institucional mais amplo e suas formas politicamente
míopes de crítica cultural. A autora constrói sua crítica exigindo dos brancos que se tornem
autocríticos sobre o modo como a branquidade aterroriza, “trocando de posição a fim de
enxergar o mundo diferentemente”.
Em uma mudança de direção teórica decisiva e, de certo modo, paradoxal, hooks
insta os brancos a não irem demasiado longe ao focalizar a branquidade, particularmente se
isso servir para minimizar os efeitos do racismo sobre os negros. Primeiro, argumenta que
tentativas de encarar o racismo como forma de vitimação dos brancos, “na esperança de que
isso funcionará como uma intervenção, é uma estratégia mal orientada” (hooks, 1992).

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Segundo, repudiando o discurso da vitimação Branca, por falhar em distinguir entre precon-
ceito racial, do modo como é experienciado tanto por negro como por brancos, e racismo
institucional, que vitima pessoas de cor, hooks concorda com o teólogo negro James Cone,
para o qual o único modo pelo qual os brancos podem se tornar anti-racistas é “destruir a si
próprios e renascer como belas pessoas negras” (Cone apud hooks, 1992). A crítica de hooks
é metaforicamente manifesta para o campo da comunicação verbal por Thomas Nakayama e
Robert Krizek, os quais argumentam que a tarefa primária dos brancos é desmistificar e
desvelar a branquidade como uma forma de domínio. Nesse caso, Nakayama e Krizek se
esforçam para

...desterritorializar o território do “branco”, expor, examinar e romper… de modo que,


como ocorre com outras posições, possa ser colocado sob análise crítica.... Procuramos a
compreensão dos modos pelos quais esta construção retórica se faz visível e invisível,
escapando à análise e no entanto exercendo influência sobre a vida diária. (1995. p. 291-309)

Com ênfase na pressuposição de que branquidade é sinônimo de domínio e opres-


são, o novo conhecimento sobre a branquidade focaliza, em ampla escala, o projeto crítico
de desvelar os mecanismos retóricos, políticos, culturais e sociais pelos quais a branquidade é
inventada e usada para mascarar seu poder e privilégio. O investimento político de tal
trabalho procura abolir a branquidade como uma categoria racial e marcador de identidade.
Ou seja, no centro desse esforço está a tentativa de despir a branquidade de seu poder
histórico e político, de produzir, regular e constranger “outros” racializados por meio das
relações discursivas e materiais de dominação e subjugação racial. Roediger ecoa esse senti-
mento em seu comentário de que “não se trata meramente de ser a ‘branquidade’ opressiva
e falsa; trata-se de que a ‘branquidade’ nada mais é do que opressiva e falsa (Roediger, 1994).
Essa posição é repetida por Noel Ignatiev, que escreve provocativamente em Race Traitor :

...a chave para solver os problemas sociais de nossa época é abolir a raça branca... Enquanto
existir a raça Branca, todos os movimentos contra o racismo estão condenados a fracassar
[ e] traição à “branquidade” é lealdade à humanidade. (Ignatiev, Gavey, 1996. p. 10)

Argumentos similares, combinando “branquidade” com racismo branco podem ser


encontrados no trabalho de Derrick Bell (1992) e Andre Hacker (1992).
A seguir, analisarei alguns dos problemas políticos e pedagógicos decorrentes de uma
crítica baseada nos pressupostos de que branquidade é sinônimo de dominação e que a única
alternativa para a juventude branca progressista construir uma identidade racial consiste, de
fato, em renunciar à sua própria branquidade. Desenvolvo essa crítica examinando três con-
siderações. Primeiro, focalizo alguns dos problemas subjacentes à compreensão do movi-
mento de revide racial que está ocorrendo entre muitos estudantes brancos nos Estados
Unidos. Segundo, trato o modo como representações da branquidade, em dois filmes,

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exemplificam os limites e as possibilidades de analisar sua construção social. Terceiro, exploro
como esses filmes poderiam ser usados pedagogicamente para rearticular uma noção da
branquidade que se elabora a partir da visão dela própria como simplesmente uma posição
fixa de dominação, porém também se amplia para além dessa posição. Para tanto, procuro
estruturar, de modo ainda inicial e estratégico, uma abordagem pedagógica da branquidade,
que oferece aos estudantes a possibilidade de rearticular a “branquidade”, ao invés de
simplesmente aceitar suas pressuposições normativas dominantes ou de rejeitá-la como
forma racista de identidade. Conquanto estudantes brancos possam sentir-se traumatizados
ao colocar suas identidades raciais em julgamento, neste caso, o trauma pode se tornar um
intrumento pedagógico útil para ajudá-los a se localizar dentro e contra o discurso e prática
do racismo. Como instrumento pedagógico poderoso, o trauma se refere aos efeitos, sen-
tidos subjetivamente, de práticas em sala de aula que dispersam, reorientam e desafiam
pressuposições de bom senso dos estudantes sobre raça, refere-se também ao modo como
ele modela suas vidas e afeta suas interações com grupos de pessoas racialmente diversifica-
dos. O trauma representa aquele momento pedagógico em que as identidades se tornam
desorganizadas, provocando ansiedade e oportunidade para repensar a natureza política e o
conteúdo moral da própria identidade racial de alguém e os papéis que ela representa ao
modelar o relacionamento de alguém com aqueles que são constituídos como o “outro” do
ponto de vista racial. Em suma, a juventude branca necessita de um meio mais crítico e
produtivo para construir um senso de identidade, força e raça em uma ampla gama de
contextos e esferas públicas. Entretanto, a ligação da branquidade com o projeto de mudança
democrática radical não deve prover um argumento racional para camuflar a injustiça racial e
as profundas desigualdades entre negro e brancos.

A JUVENTUDE E A REARTICULAÇÃO DA BRANQUIDADE

Cada vez mais, raça é importante como um princípio definidor de identidade e


cultura, tanto para os estudantes brancos da década de noventa como para a juventude de
cor das décadas de setenta e oitenta. Como um marcador de diferença, a raça modela
significativamente o modo pelo qual a juventude branca experiencia a si própria e seus
relacionamentos com uma variedade de espaços públicos marcados pela presença de pesso-
as de cor. Identidades raciais distintas têm-se tornado mais visíveis e mais híbridas como
decorrência da demografia mutável do espaço urbano, da proeminência da raça na cultura
hip-hop, em revistas de fãs, na MTV, em seriados cômicos de televisão, em filmes de
Hollywood, como resultado da emergência de intelectuais negros públicos na mídia. À
medida que a cultura se torna mais diversificada racialmente, a juventude branca torna-se
cada vez mais consciente dos modos pelos quais outros subordinados lutam para representar
a si próprios e da necessidade de se definir em termos raciais que levam em consideração sua
branquidade como um marcador de identidade, um ponto de ligação cultural e localização

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histórica. Em contraste com a posição popular entre educadores brancos que clamam que
“nós [brancos] não somos definidos pela cor de nossa pele” (Scheurich, 1993), a juventude
branca tem se tornado cada vez mais consciente de si própria como branca. Duas forças
principais que afetam a linha racial divisória têm servido para tornar a branquidade mais visível
e frágil como um locus de privilégio e poder, enquanto, ao mesmo tempo, limitam as oportu-
nidades para a juventude ser branca e de oposição (Jester, 1992; Yudice, 1995). Em outras
palavras, a branquidade tornou-se mais visível como um significador privilegiado de identida-
de racial e, conseqüentemente, passou a sofrer ataques em muitos aspectos. Entretanto, à
medida que branquidade se torna, cada vez mais, um objeto de análise histórica e crítica, têm
havido poucas tentativas de prover uma linguagem teórica pela qual a juventude branca possa
se recusar a referenciar sua branquidade apenas pela da experiência comum do racismo e da
opressão. Daí se tornar difícil para a juventude branca perceber a si própria ao mesmo tempo
como branca e anti-racista.
A primeira força é a emergência da política de identidade nos Estados Unidos desde
a década de sessenta até o presente. Embora contraditória e diversificada em suas manifes-
tações, a política de identidade resultou amplamente na formação, consolidação e visibilidade
de novas identidades raciais de grupo. Estas incluem grupos tão variados como a juventude
branca que se identifica com a cultura da juventude negra e se rotula a si própria de wiggers;
feministas cujas identidades foram rearticuladas por rótulos raciais como negras, latinas, pardas
ou mestiças; e grupos políticos tais como nacionalistas negros, mexicano-americanos, nacio-
nalistas porto-riquenhos e ameríndios que afirmam suas identidades raciais e híbridas como
parte de uma nova política de diferença, representação e justiça social. Essas identidades
emergiram dentro de um debate público intensamente acirrado sobre raça, gênero e orien-
tação sexual e tornaram mais difícil para a juventude branca seja ignorar a branquidade como
uma categoria racial, seja “imaginar com segurança que é invisível às pessoas negras” (hooks,
1992). Estudantes brancos podem ver a si próprios como não racistas, porém, não se
percebem mais como sem cor. Como observa Charles Gallagher (1995), a branquidade
tornou-se “uma categoria destacada de autodefinição, emergindo em resposta aos desafios
políticos e culturais de outros grupos racializados”.
Infelizmente, para a maioria da juventude branca, cuja imaginação tem sido negligen-
ciada, não nutrida por uma visão mais ampla da sociedade ou uma busca pela justiça social, a
política de identidade engendrou uma postura defensiva. Estudantes brancos assumiram que
o único papel que podiam representar na luta contra o racismo era ou renunciar a sua
branquidade e adotar as modalidades do grupo subordinado, ou sofrer a acusação de que
qualquer alegação de identidade branca era equivalente a racismo. Dentro desse paradigma,
o racismo foi configurado por meio de uma política de representação que analisou o modo
pelo qual os brancos construíram, estereotiparam e deslegitimaram outros grupos raciais,
porém praticamente nada foi dito sobre como a política racial poderia tratar a construção da
branquidade como uma categoria racial de oposição. Além disso, embora o debate dentro da

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política de identidade tenha alcançado ganhos teóricos importantes ao reescrever o que
significa ser negro, não questionou a complexidade da branquidade com a mesma atenção
dialética. Embora a branquidade tenha se tornado um objeto de escrutínio crítico, sua conotação
primária parece “significar o centro que expele, exclui, apropria e distorce as margens” (Jester,
1992). Similarmente, a ideologia liberal forneceu apenas uma agenda única para o modo
como negros e brancos poderiam trabalhar juntos na luta pela justiça social e racial. Ela
substituiria o seu reconhecimento da importância das identidades raciais com apelos pela
tolerância e por uma sociedade que fecha os olhos à cor.
A política de identidade serviu, em parte, como um meio para minar as possibilidades
da juventude branca de confrontar criticamente o apelo liberal por uma sociedade que fecha
os olhos à cor; também teve a conseqüência involuntária de reforçar a linha divisória entre
negros e brancos. Além disso, a ausência de uma política de oposição à pedagogias anti-
racistas e os conflitos entre o discurso do separatismo e um liberalismo evasivo em relação
ao poder, constituíram uma oportunidade para que conservadores e ativistas de direita se
enfronhassem na rixa e se apropriassem da branquidade como parte de um revide mais
amplo contra os negros e as pessoas de cor. Neste caso, os conservadores e a extrema
direita, engajaram-se ativamente no processo de recuperação da branquidade e redefiniram
a si próprios como vítimas do antagonismo racial, enquanto, simultaneamente, empreendiam
um ataque brutal e racialmente codificado contra a juventude urbana, os imigrantes e os
pobres. Igualmente ignorando as necessidades da juventude branca, da classe operária
branca e da classe baixa branca, o discurso da branquidade foi facilmente apropriado como
parte de uma política cultural reacionária mais ampla que, em suas manifestações mais extre-
madas, estimulou o levante das milícias brancas, o crescimento do movimento skinhead entre
a juventude branca bem como do movimento contra as posturas “politicamente corretas” na
educação superior e nos meios de comunicação de massa.
A segunda força atuante na reconstrução da branquidade, como uma categoria racial
entre a juventude, é constituída pelas alterações profundas em relação à visibilidade dos
negros na mídia. Conquanto seja tolice igualar a visibilidade crescente dos negros na mídia
com um aumento de poder, especialmente em relação a questões de propriedade, repre-
sentações diversificadas da cultura negra, na mídia, tornaram problemas da identidade branca,
inextricavelmente mais frágeis e mutáveis. Isso é evidente nos modos pelos quais a cultura
popular está sendo cada vez mais reconfigurada pela música, pela dança, e pela linguagem do
hip-hop. Similarmente, a emergência da [Televisão de Entretenimento Negra] Black
Entertainment Television — BET, da MTV, e da televisão a cabo, dá testemunho da presença
ubíqua de pessoas de cor em novelas de televisão, esportes e música, enquanto a imprensa
popular apregoa a emergência dos “novos” intelectuais negros no meio acadêmico. Todas
essas mudanças na mídia assinalam que os brancos não podem mais alegar o privilégio de não
“ver” negros e outras pessoas de cor; a juventude branca agora precisa se confrontar com a

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diferença cultural como uma força que afeta todos os aspectos de suas vidas. Ao mesmo
tempo em que emerge uma política racial incendiária, a racialização da cultura da mídia, e
aumentam receios econômicos quanto a seu futuro, um número significativo da juventude
branco-americana está cada vez mais passando por uma crise de auto-estima. Similar ao co-
mentário crítico-cultural de Diana Jester (1992) sobre a juventude britânica, a branco-america-
na “não sente que tem uma “etnicidade”, ou, se a possui, não é uma que a faça sentir-se bem”.
Jester também sugere que a juventude branca tem poucos recursos para questionar e
rearticular a branquidade como uma identidade que narre produtivamente suas experiências
diárias. Isso parece corroborar os modos pelos quais muitos estudantes universitários bran-
cos têm reagido à política racial da última década. Uma indicação da maneira pela qual a
branquidade está sendo tratada entre estudantes é evidente no aumento de ataques racistas a
alunos de cor nas universidades dos Estados Unidos em anos recentes. Na medida em que
um racismo ressurgente se torna mais aceito na cultura mais ampla, atos racistas e agressões
tornaram-se outra vez parte da vida univesitária (Ehrlich, 1994; Eflin, 1993). Ao mesmo
tempo, grande número de estudantes brancos parece apoiar os ataques contínuos aos pro-
gramas de ação afirmativa empreendidos pelos tribunais e legislaturas estaduais. Além disso,
estudantes brancos cada vez mais expressam uma sensação geral de angústia quanto à
política racial e uma enfática indiferença à política em geral.
O estudo etnográfico de Gallagher sobre estudantes universitários brancos sugere
que muitos deles encaram a emergência de multiculturalistas, feministas e outros grupos
progressistas como um ataque à branquidade e uma forma de discriminação oposta. Por
exemplo, Gallagher escreve:

É um pressuposto comum entre estudantes brancos que qualquer classe que trate de tópicos
de raça ou racismo deva ser necessariamente antibranca. Mais especificamente, os estudantes
acreditam que os instrutores dessas aulas vão responsabilizar estudantes brancos individuais
por escravidão, linchamento, discriminação e outros atos medonhos. (1995. p.170)

Muitos dos estudantes brancos que Gallagher entrevistou não vêem a si próprios
como privilegiados em virtude da cor da pele; alguns foram tão longe a ponto de clamar que,
dada a ascensão das preferências raciais, os brancos não têm mais chances iguais quando
competem com minorias no mercado de trabalho. Gallagher (1995) afirma que estudantes
brancos se ressentem por serem censurados de racismo e que “ignorar os modos pelos quais
os brancos ‘ficam racializados’ tem um potencial politicamente perigoso”, igualmente afirma
que “a branquidade deve ser tratada porque a política racial permeia quase todas as trocas
sociais, desde as manifestações em centros acadêmicos, até questões relativas a crime, de
representatividade no legislativo estadual”.
Infelizmente, Gallagher contribui pouco no sentido de sugerir como a branquidade
poderia ser rearticulada em termos oposicionais. Na realidade, ele conclui sugerindo que, à

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medida que a branquidade se tornar mais visível, ela será ainda mais apropriada e mediada
pela ideologia racista e que qualquer noção de solidariedade branca resultará em uma política
reacionária. Por essa razão, a branquidade como marcador de identidade está confinada à
noção de dominação e racismo que deixa a juventude branca sem uma visão crítica, vocabu-
lário ou imaginário social, por meio dos quais ela poderia ver a si própria criando um espaço
de oposição para lutar pela igualdade e justiça social.
O reconhecimento de que a raça, como um conjunto de atitudes, valores, experiên-
cias vividas e identificações afetivas, tornou-se um traço definidor da vida americana é funda-
mental para qualquer abordagem pedagógica sobre raça e política da branquidade. Por mais
que sejam arbritrárias e míticas, perigosas e variáveis, as categorias raciais existem e moldam
diferentemente as vidas das pessoas perante desigualdades de poder e riqueza existentes
(Bernard Bell, da Pen State University, Comunicação pessoal). Como modalidade central de
diferença, a raça não desaparecerá, nem será desejada que desapareça ou se torne de algum
modo irrelevante nos Estados Unidos e no contexto global mais amplo. Dando-se conta
dessa questão, Howard Winant argumenta:

Raça é uma condição de identidade individual e coletiva, um elemento permanente da


estrutura social, embora extremamente flexível. Raça é um meio de conhecer e organizar
o mundo social; está sujeita a contestação e reinterpretação contínuas, porém é tão
improvável que desapareça quanto quaisquer outras formas de desigualdade e diferenças
humanas... Repensar raça é não apenas reconhecer sua permanência, como também
compreender o teste essencial que ela propõe para qualquer sociedade diversificada em
busca da realização de uma fração de liberdade. (1994. p.XIII)

Pedagogicamente, isso implica fornecer condições aos estudantes para tratar não
apenas o modo como sua branquidade funciona na sociedade como marcador de privilégio
e poder, mas também como pode ser usada como uma condição para expandir as realidades
ideológicas e materiais da vida pública democrática. Além disso, é imperativo que todos os
estudantes compreendam de que modo a raça funciona sistemicamente ao modelar várias
formas de representações, relações sociais e estruturas institucionais. Em lugar de propor a
erradicação do conceito de raça em si mesmo, educadores e outros profissionais da cultura
necessitam estruturar práticas pedagógicas que promovam uma reviravolta na questão da raça
a fim de indicar de que maneira a branquidade poderia ser renegociada como uma força
produtiva dentro de uma política de apoio às diferenças ligada a um projeto democrático radical.
Analisar a branquidade como um elemento central da política racial torna-se útil para
explorar em que condições a branquidade, como prática cultural, promove hierarquias
baseadas em raça, de que modo a identidade racial dos brancos estrutura a luta por recursos
culturais e políticos e como direitos e responsabilidades são definidos, confirmados ou contes-
tados em meio a alegações raciais diversificadas (Baker, 1992). A branquidade, nesse contex-
to, torna-se menos uma questão de criar uma nova forma de identidade política do que uma

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tentativa de rearticulação da questão da cor branca como parte de um projeto mais amplo de
cidadania cultural, social e política.
Todos os estudantes necessitam sentir que possuem interesse pessoal em sua identi-
dade racial (ainda que mutável, instável e transitória), uma identidade que lhes permitirá
afirmar uma visão de força política pela qual eles podem se unir a diversos grupos em torno
da noção de vida pública democrática, que afirma diferenças raciais mediante uma “rearticulação
de cidadania cultural, social e política” (Yudice, 1995). Unir identidade, raça e diferença a uma
visão mais ampla de democracia radical sugere várias considerações pedagógicas importan-
tes. Primeiro, os estudantes necessitam investigar o relacionamento histórico entre raça e
etnicidade. O historiador David Roediger está certo ao advertir contra a fusão de raça e etnia
feita por teóricos críticos, especialmente à luz de uma história da etnicidade na qual imigran-
tes brancos vêem a si próprios como brancos e étnicos. De acordo com Roediger (1994), a
reivindicação de etnicidade entre imigrantes brancos, especialmente os da Europa, não os
impediu de definir suas identidades raciais pelo discurso do separatismo e da supremacia
branca. Nesse caso, a etnicidade branca não foi ignorada por tais imigrantes; ela foi afirmada
e associada, em alguns casos, às relações dominantes do racismo.
O problema da identidade racial pode ser associado ao que Stuart Hall denominou a
“nova etnicidade”1 Para Hall, as identidades raciais podem ser compreendidas por meio da
noção de etnicidade, porém não a velha noção de etnicidade, que depende em parte da
supressão da diferença cultural e de uma noção separatista da identidade branca. Dentro do
discurso da “velha identidade,” esta era vista como fixa e contida em si mesma, em oposição
à idéia de abertura, complexidade e não acabamento. Conseqüentemente, a “velha etnicidade”,
com freqüência, era definida como uma essência que precisava ser protegida contra outras
formas de diferenças culturais nas quais ela se encontrava enredada. A tentativa de Hall de
reescrever a etnicidade como um conceito progressista e crítico não cai na armadilha teórica
descrita por Roediger. Ao remover a etnicidade das amarras tradicionais do nacionalismo,
racismo, colonialismo e Estado, Hall (1996) coloca a nova etnicidade como um referente
para reconhecer “o lugar da história, da linguagem e da cultura na construção da subjetividade
e da identidade, bem como o fato de que todo discurso é colocado, posicionado, situado e
todo conhecimento é contextual”.
Ampliando os insights de Hall sobre etnicidade, sugiro que as diversificadas posições
individuais, experiências sociais e identidades culturais que informam a branquidade como um
constructo político e social podem ser rearticuladas, a fim de os estudantes reconhecerem:

...todos nós falamos de um lugar particular, de uma história particular, de uma experiência
particular, de uma cultura particular sem ficar constrangidos por [tais] posições... somos

1. Stuart Hall aborda a reescrita da etnicidade em uma variedade de artigos; consultar especialmente: Hall, 1990,
1991a , 1991b, 1996.

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todos, nesse sentido, etnicamente localizados e nossas identidades étnicas são cruciais à
percepção subjetiva de quem somos. (1996, p. 29)

Nos termos de Hall (1990), a branquidade pode ser tratada não como uma forma de
identidade moldada por uma alegação de pureza ou alguma essência universal, mas como
algo que “vive com e por meio da diferença, não apesar dela”.
Hall (1996) apresenta uma linguagem teórica para racializar a branquidade sem
essencializá-la. Isto é, ele reconhece que branquidade é uma forma crucial de auto-identida-
de, “uma categoria construída política e culturalmente, que não pode ser confinada em um
conjunto de categorias raciais fixas transculturais ou transcendentais”2. Nesse caso, a branquidade
fornece um conjunto de ligações e identificações mutáveis e complexas pelas quais indivíduos
e grupos sociais compreendem quem são e como se espera que ajam dentro e por meio do
cenário diversificado da diferença cultural. Hall também argumenta, corretamente, que a
etnicidade deve ser definida e defendida por meio de um conjunto de referentes éticos e
políticos que se relacionam com várias lutas democráticas, à medida que expandem a escala
e as possibilidades de relações e práticas democráticas. Dentro dos parâmetros teóricos de
uma nova etnicidade, a branquidade pode ser lida como um registro complexo de identidade
e uma teoria de representação definida por uma política das diferenças sujeita às correntes
mutáveis da história, do poder e da cultura. Isto é, a branquidade não mais pode ser tomada
como fixa, naturalmente confinada em uma tradição ou ancestralidade, porém, como Ien Ang
(1995) alega em outro contexto, deve ser compreendida como uma forma de etnicidade
pós-moderna, “experienciada como um locus de identidade provisório e parcial que deve ser
constantemente (re)inventado e (re)negociado”.
A nova etnicidade define as identidades raciais como múltiplas, porosas, complexas e
mutáveis e, assim, fornece uma abertura teórica para educadores e estudantes transcende-
ram a caracterização da branquidade como boa ou má, racialmente inocente ou intratavelmente
racista. A branquidade, neste contexto, pode ser tratada pelo seu relacionamento complexo
com outros fatores determinantes que usurpam qualquer reivindicação à pureza ou singulari-
dade racial. Ao mesmo tempo, a branquidade deve ser estudada dentro das relações de
poder que exploram seu potencial subversivo, embora não apagando o papel histórico e
político que ela desempenha na estruturação de outras identidades racializadas e diferenças
sociais. Diversamente da velha etnicidade, que coloca a diferença em termos essencialistas
ou separatistas, a noção da nova etnicidade de Hall define a identidade como um ato contínuo
de recuperação cultural, embora reconhecendo que qualquer reivindicação particular por
identidade racial não oferece garantias em relação a resultados políticos. Ao mesmo tempo,

2. Minha definição de essencialismo é baseada em Hindess (apud San Juan Jr., 1991). Ele alega que o essencialismo
se “refere a um modo de análise pelo qual os fenômenos sociais são analisados, não em termos de suas
condições específicas de existência e de seus efeitos em relação a suas relações e práticas sociais, mas, antes,
como a expressão mais ou menos adequada de uma essência”.

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a nova etnicidade fornece uma teoria que permite a estudantes brancos irem além da
paralisia inspirada pelo sentimento de culpa, ou do racismo alimentado pelo combustível da
ansiedade e medo da diferença. Nesse contexto, a branquidade alcança seu significado apenas
em conjunção com outras identidades, tais como as informadas por classe, gênero, idade,
nacionalidade e cidadania. Para os brancos progressistas, “mudar de posição não significa
anular a posição,” ou renunciar à branquidade como uma forma de identidade racial. Os
brancos precisam aprender a viver com sua branquidade, rearticulando-a em termos que os
ajudem a ter clareza sobre o que significa fazer coalizões políticas e implementar movimen-
tos sociais viáveis. Também precisam aprender a se envolver em uma pedagogia crítica de
autoformação, que lhes permita cruzar as linhas raciais, não a fim de se tornarem negros,
porém para começarem a forjar coalizões multirraciais baseadas em um envolvimento críti-
co, ao invés de em uma negação da “branquidade.” Os brancos precisam desaprender aque-
las histórias, ideologias, valores e relações sociais que lhes permite “categorizar o Outro
primariamente como objeto de avaliação estética, não de avaliação moral; como uma fonte
de sensações, não de responsabilidade... [forças] que tendem a tornar as relações humanas
fragmentárias e descontínuas” (Bauman, 1995).
Ao posicionar a branquidade dentro de uma noção de cidadania cultural que afirma a
diferença, política, cultural e socialmente, os estudantes podem perceber de que modo sua
branquidade funciona como uma identidade racial. Além disso, eles podem ser críticos de
formas de branquidade estruturadas em termos de domínio e alinhadas a interesses de
exploração e opressão. Ao rearticular a branquidade como mais do que uma forma de
dominação, os estudantes brancos podem construir narrativas da branquidade que desafiem
e, esperançosamente, forneçam uma base para transformar o relacionamento dominante
entre identidade racial e cidadania, um relacionamento informado por uma política de opo-
sição (hooks, 1990, 1992; Winant, 1994; Giroux, 1977). Tal prática política sugere novas
posições individuais, alianças, compromissos e formas de solidariedade entre estudantes
brancos e outros empenhados na luta para expandir as possibilidades da vida democrática por
“uma profunda reestruturação e reconceitualização das relações de poder entre comunida-
des culturais” (Shohat, Stam, 1994). George Yudice argumenta que, como parte de um
projeto mais amplo para articular a branquidade em termos de oposição, a juventude branca
deve sentir seu interesse pessoal na política racial que a conecta às lutas empreendidas por
outros grupos. No centro dessas lutas está a batalha em relação à cidadania redefinida pelo
discurso dos direitos e o problema da distribuição de recursos. Ele escreve:

Aqui a política de identidade deriva para outros tópicos, tais como déficits tributários, cortes
salariais, falta de oportunidades educacionais, falta de empregos, políticas de imigração,
acordos de comércio internacionais, destruição ambiental, falta de seguro saúde e assim
por diante. Essas são áreas nas quais as classes média e operária dos brancos têm tido,
historicamente, vantagem sobre pessoas de cor. Entretanto, hoje a vantagem erodiu em
certos aspectos. (Yudice, 1995. p.276)

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Como parte de uma tentativa mais ampla para confrontar esses tópicos, Yudice
sugere à juventude branca que forme alianças com outros grupos sociais e raciais os quais
reconhecem a necessidade de solidariedade no tratamento dos problemas da vida pública
que solapam a qualidade da democracia para todos os grupos. À medida que os jovens
brancos lutam para encontrar um espaço cultural e político a partir do qual falem e ajam
como cidadãos transformadores, é importante que educadores tratem daquilo que significa
pedagógica e politicamente ajudar os estudantes a rearticular a branquidade como parte
de uma política cultural democrática. Embora seja imperativo que uma análise crítica da
branquidade trate de seu legado histórico e de sua cumplicidade com a exclusão e a
opressão racistas, é igualmente crucial que tal trabalho possa distinguir entre a branquidade
como identidade racial que é não-racista ou anti-racista e aqueles aspectos da branquidade
que são racistas (Frankenberg, 1993a). Quando a branquidade é discutida nos meios
educacionais, dá-se ênfase, quase exclusivamente à sua revelação como uma ideologia de
privilégio mediada amplamente pelas das dinâmicas do racismo (Scheurich, 1993). Embora
tais intervenções sejam cruciais ao se desenvolver uma pedagogia anti-racista, elas não vão
suficientemente longe.

REPRESENTAÇÕES DA BRANQUIDADE NA MÍDIA

Começarei a tratar esse desafio pedagógico partindo da observação pertinente de


James Snead (1994) de que a emergência de produções visuais de massa nos Estados Unidos
requer novas maneiras de ver e tornar visível a estruturação racial da experiência branca. A
mídia eletrônica – televisão, cinema, música e notícias – tornou-se uma força pedagógica
poderosa, verdadeira máquina de ensino ao modelar a imaginação social dos estudantes em
termos de como eles vêem a si próprios, os outros e a sociedade mais ampla.
No centro da influência formativa da mídia encontra-se uma política de representação
da raça na qual o retrato dos negros os abstrai de suas histórias reais, ao mesmo tempo
reforçando todos os estereótipos demasiado familiares que vão do preguiçoso e imóvel ao
ameaçador e perigoso. Filmes recentes de uma variedade de gêneros, tais como Pulp Fiction
(1995), Just Cause (1995), e Ace Ventura: When Nature Calls (1996), não apresentam descul-
pas por empregarem linguagem racista, retratando os homens negros como estupradores,
selvagens ou subumanos. Leituras anti-racistas desses filmes freqüentemente colocam os
estudantes brancos em posição de definir e criticar o racismo como o produto de estereóti-
pos racistas dominantes que retratam injustamente identidades, experiências, histórias e
relações sociais dos negros. Por mais importantes que sejam essas críticas em qualquer
discurso ou pedagogia anti-racista, elas são muito limitadas teoricamente porque não tratam
de como a branquidade, como identidade racial e construção social é ensinada, aprendida,
experienciada e identificada dentro de certas formas de conhecimento, valores e privilégios.
Os filmes de Hollywood raramente levam o público a colocar em questão os prazeres,

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identificações, desejos e receios que as pessoas sentem como pessoa brancas assistindo
políticas dominantes de representação de raça. Mais especificamente, esses filmes raramente
problematizam seja os princípios estruturantes que mobilizam os prazeres no público, seja de
que modo o prazer, como resposta a certas representações, funciona como parte de um
discurso público mais amplo. Na pior das hipóteses, tais filmes posicionam os brancos como
turistas raciais, observadores distantes das imagens e narrativas racistas que preenchem os
filmes de Hollywood. Na melhor das hipóteses, tais filmes reforçam a pressuposição liberal de
que o racismo é responsável pela opressão ao negro, porém tem pouco ou nada a ver com
a promoção do poder, do privilégio racial e com um senso de força moral nas vidas dos
brancos (Frankemberg, 1993a).
A seguir, explorarei as implicações pedagógicas do exame das representações da
branquidade em dois filmes aparentemente diferentes, Dangerous Minds (1995) e Suture
(1993). Embora eu focalize principalmente Dangerous Minds, é por uma justaposição e leitura
intertextual desses filmes que espero fornecer alguns insights pedagógicos para examinar de
que modo a branquidade, como prática cultural, é aprendida pela representação de identi-
dades racializadas; de que modo ela abre a possibilidade de auto-reflexão intelectual; e como
os estudantes poderiam mediar criticamente as relações complexas entre branquidade e
racismo, não pelo repúdio da própria branquidade, porém confrontando seu legado racista e
seu potencial com vistas a rearticulá-lo em termos oposicionistas e transformadores. Também
não estou sugerindo que Dangerous Minds seja um mau filme e Suture um bom filme, por
causa de suas diferentes abordagens da “branquidade.” Ambos apresentam notáveis fraque-
zas. Considero que esses filmes sejam exemplares ao representarem as leituras dominantes
sobre a branquidade e, como textos culturais, podem ser utilizados pedagogicamente para
tratar das deficiências de conhecimento sobre o tema, particularmente como meio de se ir
além da visão enviesada desse conceito apenas como dominação em sentido figurado.
À primeira vista, esses filmes parecem nada ter em comum em termos de público,
gênero, intenção ou política. Dangerous Minds, um sucesso inesperado de Hollywood, estre-
lado por Michelle Pfeiffer, foi produzido para um público de massa e acumulou milhões para
seus produtores na primeira semana de exibição. A popularidade do filme pode ser medida
em parte pelo aparecimento de uma série piloto de televisão, chamada Dangerous Minds que
estreou no outono de 1996. Em contraste, Suture é um filme independente, destinado
principalmente a um público intelectual com inclinação para o cinema de vanguarda. Embora
possa se argumentar que Dangerous Minds é demasiado popular e pouco original para ser
levado a sério como um texto pedagógico, é precisamente por causa de sua popularidade e
grande apelo que ele justifica uma análise extensa. Como muitos filmes de Hollywood,
Dangerous Minds é ofensivo, não apenas nos termos de sua política racial como também na
caracterização degradante do ensino e da educação. O seu sucesso no verão de 1995 também
é sintomático de como um entretenimento, na aparência “inocente”, alcança popularidade ao

Cadernos de Pesquisa, nº 107, julho/1999 115


fazer parte de um discurso público mais amplo sobre raça e branquidade e grandemente
informado por uma noção de política, teoria e pedagogia de direita e conservadora.

DANGEROUS MINDS E A PRODUÇÃO DA BRANQUIDADE

Dangerous Minds assemelha-se à longa tradição de filmes de Hollywood narrando o


triste estado da educação de jovens muito pobres que suportam o fardo da miséria, crime,
violência e desespero em bairros decadentes de áreas centrais de cidades americanas. À
diferença de filmes anteriores, tal como Blackboard Jungle (1955), To Sir With Love (1967), e
Stand and Deliver (1988), que também tratam da interface da escolarização e das duras
realidades da vida nos bairros decadentes, Dangerous Minds faz mais do que simplesmente
narrar a história de uma professora idealista que luta para interagir com seus estudantes
rebeldes e desinteressados. Dangerous Minds funciona como uma crônica dupla. Na primei-
ra, o filme tenta representar a branquidade como o da racionalidade, da autoridade “dura” e
dos padrões culturais em meio à demografia racial em mudança no espaço urbano e à
emergência de um racismo ressurgente na política elevadamente tensa da década de 1990.
Na segunda crônica, o filme oferece aos espectadores uma mistura de compaixão e
consumismo, como uma solução para motivar adolescentes que há muito tempo desistiram
de considerar a escola como algo significativo para suas vidas. Em ambos os casos, a
branquidade se torna um referente não apenas para rearticular noções racialmente codifica-
das de ensino e aprendizagem, como também para redefinir de que modo a cidadania pode
ser construída para estudantes de cor como uma função de escolha estritamente ligada ao
mercado.
Apresentando uma alegoria para representar tanto o objetivo da escolarização como
a política da diferença racial em uma intersecção no espaço contestado das escolas públicas
urbanas, Dangerous Minds habilmente mobiliza a raça como um princípio organizador para
promover sua estrutura narrativa e mensagem ideológica. Adolescentes negros e hispânicos
fornecem a principal linha de conflito para o desenvolvimento de relações pedagógicas em
sala de aula. Por intermédio dessas relações, a branquidade, centrada na autoridade do pro-
fessor, é privilegiada, em contraste com imagens racialmente codificadas de desordem, caos
e medo. Nas primeiras cenas do filme estabelece-se claramente a oposição entre professor
e estudante, branco e não branco. A seqüência de abertura mostra moradias urbanas deca-
dentes, pressagiando pobreza, tráfico de drogas e perigo iminente. Contra esse fundo, jovens
negros e hispânicos rebeldes entram em um ônibus escolar que os levará à Parkmont High
School, longe de suas vizinhanças infestadas de drogas e crimes. Essa é uma das poucas
tomadas da fita que apresenta um contexto para as vidas dos jovens e a mensagem é clara: o
bairro decadente tornou-se lugar de patologia, decadência moral e delinqüência, sinônimos
da cultura da vida da classe trabalhadora negra. A trilha sonora, apresentando música hip-hop,
está presente apenas como pano de fundo para o filme.

116 Cadernos de Pesquisa, nº 107, julho/1999


Uma vez que, no início, o filme é estruturado por uma iconografia racial e uma linha
musical que retrata os estudantes minoritários como capazes de provocar medo e como
sujeitos que necessitam ser disciplinados e controlados, o público fica preparado para que
alguém assuma a ação. Aparece LouAnne Johnson, uma nova professora jogada, como um
carneiro sendo levado à matança, na Academy School, um eufemismo para um depósito de
estudantes considerados não ensináveis.
Com uma roupa clássica, LouAnne entra na classe com grandes expectativas e encon-
tra uma sala repleta de jovens hispânicos e negros que trouxeram os “piores” aspectos de sua
cultura para a sala de aula. Deixando a segurança de sua cultura branca de classe média, a fim
de ensinar em um lugar onde paira no ar um grande perigo potencial, LouAnne Johnson é
apresentada ao público como uma inocente cruzadora de fronteiras. Essa imagem de inocên-
cia e boa vontade é usada para dar à América branca a crença reconfortante de que a desor-
dem, a ignorância e o caos estão sempre em algum outro lugar, naquele espaço racial
homogeneizado conhecido como o gueto urbano (Goldberg, 1993). Frustrada, ela deixa a
sala e diz a um amigo que acabou de encontrar os “rejeitados do inferno.” Ele lhe assegura
que ela pode se aproximar desses alunos se descobrir um modo de atrair-lhes a atenção.
Essas cenas de abertura funcionam poderosamente no sentido de relacionar jovens
hispânicos e hispânicos à cultura da criminalidade e do perigo. As cenas também deixam claro
que a branquidade, como identidade racial, incorporada por LouAnne Johnson, é vulnerável
e sitiada, mas também constitui a única esperança para aqueles garotos ultrapassaram seu
contexto e o caráter de suas identidades raciais. Em outras palavras, essas cenas controem a
branquidade como uma identidade racial em contraste com o retrato estereotipado dos
jovens negros e hispânicos infantilizados, hostis e intelectualmente inferiores. Assim, a
branquidade é codificada como uma norma de autoridade, ordem, racionalidade e controle.
Os princípios estruturadores em ação em Dangerous Minds desempenham uma fun-
ção ideológica distinta em sua tentativa de satisfazer aos consumidores brancos de cultura
popular. Segundo o modo como é usada nesse filme, a pedagogia desempenha um duplo
papel. Como parte do projeto aberto, o filme focaliza o ensino em uma escola de bairro
central decadente e constrói uma visão dominante de raça como incorporada às vidas dos
jovens negros e hispânicos. Por outro lado, o projeto oculto do filme funciona pedagogica-
mente para recuperar e nomear os valores ideológicos e culturais que constroem a branquidade
como forma dominante de identidade racial. Hollywood tem produzido filmes sobre ensino
há cerca de quarenta anos, mas muito raramente tais filmes usam esse tema a fim de legitimar
a visão conservadora da branquidade como formação social sitiada e a de identidades raciais
subordinadas como ameaça à ordem pública. Dangerous Minds funciona como uma exceção
à regra. As implicações conservadoras e ideológicas de como a branquidade é construída
nesse filme podem ser vistas por uma série de representações.
Dangerous Minds nada conta ao público sobre as vidas dos próprios estudantes, suas
histórias ou suas experiências fora da escola. Descontextualizadas e não historicizadas, as

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identidades culturais desses estudantes aparecem marginais à construção da raça como um
princípio organizador do filme. Diferenças raciais são situadas dentro da metáfora espacial de
centro e periferia, e os jovens de cor ocupando claramente a periferia. No centro do filme
encontra-se a “verdadeira história” (enfeitada) de LouAnne Johnson, que não apenas supera
seu fracasso inicial em motivar os estudantes como também serve de guia ao convencê-los de
que aquilo que são e o que sabem necessita ser descartado para se tornarem mais civilizados
e educados (e mais brancos). Nesse contexto, o conflito racial é resolvido por meio de um
modelo educacional colonialista em que o paternalismo hispânico e o zelo missionário inspi-
ram adolescentes de meios carentes a aperfeiçoarem seu caráter e senso de responsabilida-
de lendo poesia. Os rapazes nesse filme parecem simplesmente um pano de fundo para
expandir a autoconsciência e auto-educação da própria LouAnne; o filme não mostra ne-
nhum interesse pelo desenvolvimento dos alunos e ignora as oportunidades para compreen-
der sua passagem para a vida adulta e examinar de que modo o racismo funciona nas escolas
e na sociedade mais ampla. Sempre que esses jovens enfrentam uma crise, LouAnne invade
seus lares e vidas particulares, usando a oportunidade para conquistar sua lealdade ou
chamar atenção para o próprio divórcio, abuso físico ou sensação de desespero. Se alguma
noção de identidade ocupa o centro do palco, não é a dos alunos, porém a de uma mulher
branca tentando descobrir como viver em um espaço público habitado por outros racializados.
A noção de autoridade e força em Dangerous Minds é construída dentro de uma
pedagogia de “amor duro”, que serve para mascarar de que modo as hierarquias raciais e a
desigualdade estruturada operam dentro das escolas e as relacionam à sociedade mais ampla.
A autoridade em Dangerous Minds é inicialmente afirmada quando LouAnne Johnson apare-
ce no segundo dia de aula vestindo jeans e jaqueta de couro. Reinventando a si própria como
ex-oficial militar, ela qualifica ainda mais sua nova aparência dura informando seus alunos que
foi da Marinha e conhece caratê. Sugerindo que o medo e o perigo são as únicas emoções
que seus estudantes reconhecem como importantes, LouAnne cruza uma linha racial divisó-
ria, enraizando seu senso de autoridade em uma noção tradicionalmente racista de disciplina
e controle; isto é, a autoridade em sala de aula, para grupos subordinados, é freqüentemente
menos baseada em ameaças, manipulação e ação punitiva do que na persuasão e no diálogo.
Depois de conseguir a atenção do grupo, ela se move para terreno mais sólido e começa a
árdua tarefa de tentar desenvolver uma pedagogia elevada moralmente e relevante pedago-
gicamente. Para LouAnne, a escolha torna-se o eixo teórico que organiza sua abordagem em
sala de aula. Primeiro, do lado da moral elevada (completa, com um branqueamento da
história, conservador e típico da década de 1990), ela diz a seus estudantes que não há
vítimas em sua classe. Presumivelmente, isso significa um apelo para provocar o senso de
força e responsabilidade nos alunos, mas soa inteiramente falso pois LouAnne não faz a
menor idéia dos limites sociais e históricos que estruturam sua percepção de força no dia-a-
dia. Naturalmente, alguns estudantes reconhecem de imediato a má-fé implícita em seu

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apelo predicador e a desafiam a testá-lo com uma dose de realidade, ou seja, propondo que
ela resida em vizinhança com eles durante uma semana.
Além do mais, LouAnne parece confundir sua própria variedade de escolhas, basea-
das, em parte, em sua classe e privilégios raciais, com as de seus estudantes, ainda que lhes
falte poder e recursos para negociar suas vidas, política, geográfica ou economicamente com
a mesma facilidade ou opções. Ela não tem noção de que a escolha surge do poder e aqueles
que têm poder limitado têm menos escolhas. O significado implícito aqui reforça a pressupo-
sição popular de direita, geralmente aceita, de que caráter, mérito e auto-ajuda são a base
sobre a qual as pessoas assumem seu lugar na sociedade. Naturalmente, dentro de uma
estrutura hierárquica e social organizada pela raça, bem como pelo poder econômico,
gênero e outros determinantes-chave, a branquidade emerge como base normativa de
sucesso, responsabilidade e autoridade legítima. Ao sugerir que educadores brancos podem
ignorar o modo como considerações sociais mais amplas impactam grupos raciais, seu
questionamento de o privilégios, experiência e cultura brancos negam também a cumplicida-
de como a responsabilidade por desigualdades estruturais e uma ideologia racista.
A escolha não é apenas trivializada na sala de aula de LouAnne, pois fornece a base
para uma pedagogia tão indiferente às vidas dos alunos de bairros centrais decadentes quanto
errônea. Confiando na lógica de mercado para motivar seus alunos, LouAnne premia a
cooperação da classe com doces, uma ida a um parque de diversões e jantar em um
restaurante caro. Atrair os estudantes por meio de truques e subornos faz mais do que
projetar uma sombra moral sobre o valor pedagógico de tal aproximação ou sobre o profes-
sor como um modelo ético. Também deixa claro quão pouco LouAnne conhece sobre a
realidade das vidas de seus alunos. Indiferente às habilidades de que eles necessitam para
sobreviver, ela não está preocupada com suas experiências, interesses ou recursos culturais.
Isso se torna claro em três exemplos cruciais no filme.
No primeiro exemplo, LouAnne tenta motivar os estudantes dando-lhes a letra da
canção de Bob Dylan, Mister Tambourine Man. Indiferente à força da cultura hip-hop (embora
os executivos de marketing aparentemente conhecessem o apelo e impacto do hip-hop
sobre o público do filme ao programar a trilha sonora), sua tentativa de usar a cultura popular
se assemelha a um ato de ignorância cultural e má pedagogia. Porém, mais reveladora é sua
tentativa de relacionar a letra de Dylan a um dos aspectos mais estereotipados da cultura dos
estudantes, a saber, a violência e as drogas. Não apenas ela ignora seus recursos e interesses
culturais, como também estrutura sua noção de cultura popular em um texto da década de
1960, quase vinte anos antes daqueles jovens terem nascido. Ao invés de pesquisar as
tradições, temas e experiências que fazem parte das vidas de seus alunos, para construir seu
currículo, ela simplesmente evita suas características por completo ao elaborar o conteúdo
daquilo que ensina. Sob tal forma de violência pedagógica também há a pressuposição de que
os brancos podem entrar nessas escolas e ensinar sem uma teoria, ignorar as histórias e

Cadernos de Pesquisa, nº 107, julho/1999 119


narrativas que os estudantes trazem para as escolas e realizar milagres nas vidas das crianças
por meio de meros atos de bondade.
Na realidade, o ensino de LouAnne é uma pedagogia de desvio da atenção, quando
se recusa a propiciar aos estudantes as habilidades que os ajudarão a tratar das questões
urgentes e perturbadoras de uma sociedade e de uma cultura que ignora, de muitas manei-
ras, sua humanidade e bem-estar. Esses alunos não são ensinados a questionar os recursos
intelectuais e materiais que necessitam para tratar das condições profundamente desumanas
com as quais precisam negociar todos os dias. Mais do que reestruturar na sociedade,
simplesmente sobreviver nela envolve questão pedagógica importante que não pode ser
separada da questão maior do que significa viver num país que é crescentemente hostil à
existência de crianças pobres nos centros urbanos. Porém, LouAnne ignora essas questões e
oferece a seus estudantes incentivos materiais para aprender e, fazendo-as, estrutura como
sujeitos consumidores, em vez de sujeitos sociais aptos e ansiosos a pensar criticamente a fim
de negociar e transformar os mundos em que vivem.
A noção de privilégio de LouAnne também se torna evidente na confiança ilimitada
que ela exibe em sua autoridade e superioridade moral. Ela acredita que, de algum modo,
seus estudantes atendem a suas expectativas, seja em termos de desempenho em sala de
aula, seja em termos de suas vidas particulares. Seu papel é afirmar ou “corrigir” gentilmente
o modo como eles narram suas crenças, experiências e valores. LouAnne acredita ter o
direito de “salvá-los” ou dirigir suas vidas sem questionar a própria autoridade e pureza de
intenção. Nesse caso, a autoridade funciona como uma maneira de tornar invisíveis os
próprios privilégios de LouAnne como mulher branca. Simultaneamente, lhe permite ser
tolerante com um tipo de moral coerente com seu papel colonizador como professora
branca, que extrai amor e lealdade de seus estudantes em troca de lhes ensinar a ser parte
de um sistema que os oprime. Além disso, a pedagogia de LouAnne nada faz para romper
seu próprio liberalismo, que muda o foco das estruturas reais de opressão enfrentadas por
seus estudantes para os dilemas morais que o racismo e outros problemas que se colocam
para os grupos dominantes. LouAnne ignora a gravidade social dos problemas que seus
estudantes enfrentam e assim, praticamente, é insensível às questões relacionadas ao
modo como o racismo e a pobreza estão entrelaçados na própria estrutura e organização
da escola e da sociedade dominante. Ao invés, ela se concentra nos problemas que esses
estudantes representam para autoridades institucionais tal como ela própria e como po-
dem ser mediados e resolvidos sem precisar colocar em questão seja seu próprio racismo,
seja os modos pelos quais as escolas funcionam sistemicamente para oprimir a juventude
dos bairros decadentes.
De forma mítica, Dangerous Minds reescreve o declínio da escolarização pública e o
ataque aos estudantes pobres, negros e hispânicos dentro de um projeto mais amplo que
rearticula a branquidade como um modelo de autoridade, racionalidade e comportamento
civilizado. A política de representação em ação nesse filme reproduz uma visão dominante de

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identidade e diferença que tem um longo legado em filmes de Hollywood, especificamente
em filmes de faroeste e de aventuras africanas. Como observa Robin Kelley (1992), a popu-
laridade de muitos filmes de Hollywood se deve tanto à construção da branquidade como à
demonização do outro, suposto como racializado. Ele nota que, dentro deste legado racializado
de Hollywood, os “índios americanos, africanos e asiáticos representam uma existência pré-
civilizada ou anticivilizada, uma ameaça à hegemonia da cultura ocidental e prova de que os
brancos são superiores, mais nobres, mais inteligentes”. Dangerous Minds é uma defesa
atualizada da identidade branca e de hierarquias raciais. O impacto colonizador dessa narra-
tiva é realçado pela imagem de Michelle Pfeiffer como uma rainha de beleza visitante branca,
cujo sucesso, em parte, é possível por incentivos de mercado e talentos missionários.
À benevolência e ao insight de LouAnne Johnson se justapõem a personalidade e
pedagogia de Mr. Grandy, o diretor negro de Parkmont High School. Grandy é retratado
como um burocrata, um “carreirista” profissional cujo único interesse é aplicar as regras da
escola (o estereótipo favorito de Hollywood para diretores negros). Grandy supervisiona
rigidamente o programa da escola e censura constantemente Johnson por se esquivar ao
currículo tradicional, gerando formas não tradicionais de ensino e levando os alunos a excur-
sões não autorizadas. Como homem negro em posição de liderança, é retratado como um
obstáculo ao sucesso de seus dependentes, impiedoso e insensível às suas necessidades.
Quando Emilio visita o escritório de Grandy para denunciar outro estudante que está tentan-
do matá-lo, Grandy o manda sair porque ele não bateu na porta. Depois de sair do prédio,
Emilio recebe um tiro e é morto a poucas quadras da escola.
A política racial neste filme é tal que profissionais negros são apresentados como a
ameaça real à aprendizagem e ao comportamento civilizado, e brancos, naturalmente, estão
lá apenas para dar apoio. Em contraste com Grandy, a branquidade de Johnson provê o
referente racializado para a liderança, capaz de assumir riscos e sentir compaixão. Isso fica
evidente no fim do filme quando os estudantes dizem-lhe que querem que ela continue sua
professora porque ela representa sua “luz”. Nesse contexto, Dangerous Minds reforça a
principal pressuposição, altamente racializada, de que reina o caos nas escolas públicas de
bairros decadentes e que somente professores brancos são capazes de trazer ordem, de-
cência e esperança àqueles que estão à margem da sociedade.

SUTURANDO A BRANQUIDADE

Suture explora a posição da identidade dentro de uma política racial dominante.


Essencial à política do filme é o modo como organiza o desdobramento do enredo em duas
de suas narrativas. De um lado, os diretores usam a narrativa discursiva (diálogo entre
protagonistas) e adotam a forma convencional de suspense policial. De outro lado, constroem
uma narrativa visual que introduz a identidade racial como um princípio definidor do filme ao
elencar um dos dois personagens principais como negro e o outro como branco. Situado

Cadernos de Pesquisa, nº 107, julho/1999 121


dentro de um enredo sobre assassinato e identidade forjada, Suture conta a história de dois
irmãos, Vincent Towers e Clay Arlington. Sob investigação policial pela morte do pai, o rico e
impiedoso Vincent trama um plano que coloca sua licença de motorista e cartões de crédito
na carteira de seu meio-irmão operário. Depois, convence Clay a dirigir seu Rolls Royce para
o aeroporto. Clay não sabe que Vincent colocou uma bomba no carro que pode ser ativada
por controle remoto pelo telefone do veículo. Vincent espera até Clay partir para o aeropor-
to e então lhe telefona, fazendo a bomba explodir. Depois da explosão, Vincent deixa a
cidade, pressupondo que a polícia o confundirá com Clay. Infelizmente para Vincent, Clay
sobrevive à explosão, embora precise se submeter a extensa cirurgia de reconstrução do
rosto. De fato, o dano em Clay é tão extremo que a polícia e os médicos que o tratam
acreditam tratar-se de Vincent.
Clay sobrevive à agonia mas sofre de amnésia e acredita ser o irmão. De fato, todos
os que entram em contacto com Clay acreditam tratar-se de Vincent. Clay submete-se a
tratamento psicanalítico e a repetidas intervenções cirúrgicas. E apaixona-se por Renee
Descartes, uma cirurgiã plástica bela e famosa. Enquanto isso, o verdadeiro Vincent invade
sua velha casa para matar Clay. Porém, Clay atira nele primeiro e se livra do corpo. Na ocasião
em que mata Vincent, Clay já recuperou a memória mas se recusa a assumir a identidade
anterior e desistir da identidade e da vida que vem assumindo.
O que é notável em Suture é ser mediado por uma narrativa visual completamente
discrepante da narrativa discursiva e perturbar o papel do público como o de espectadores
“passivos.” Clay em nada se parece com Vincent. De fato, Clay é negro, mas é tratado, no
filme, como se fosse branco. Em uma cena carregada de ironia e tensão, Renee Descartes
retira as ataduras de Clay e diz-lhe que ele tem um nariz greco-romano, o que prova
claramente que ele “não tem inclinação para praticar comportamentos degenerados, como
matar pessoas.”
Nesse filme, memória e identidade são fluidas e híbridas ao invés de fixas e suturadas.
A identidade negra é apresentada como uma construção social que não pode ser estruturada
em termos de essencialidade. Clay assume todas as marcas da experiência e cultura brancas
e somente o público têm condições de captar seu novo capital cultural assumido em virtude
de sua negritude3. Há mais em jogo neste filme do que uma crítica ao essencialismo negro.
Também há a representação irônica da branquidade como invisível para si própria e, ao
mesmo tempo, como norma pela qual tudo o mais é medido. Isto é, a branquidade em Suture
torna-se o marcador racial de identidade, poder e privilégio. Jogando a narrativa visual contra
a narrativa discursiva, Suture evoca uma forma peculiar de testemunho racial pelo qual expõe
a branquidade como uma ideologia, um conjunto de experiências e uma posição de privilé-
gio. Entretanto, faz isso sem se entregar a oposições binárias, nas quais os brancos maus

3. Para uma definição e análise do capital cultural e seu relacionamento com a educação, consultar minha análise
do trabalho de Pierre Bordieu e Jean Claude Passeron (Giroux, 1983).

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oprimem os negros bons, porém, colocando em questão a tensão racial entre aquilo que é
visto e o que é ouvido pelo público. No filme, o discurso narrativo privilegia a linguagem e, ao
mesmo tempo nega o princípio definidor de raça, mas a narrativa visual força o público a
reconhecer que o fenomenológico, mais do que político, define implicações de raça, identi-
dade e diferença. Como observa o crítico de cinema Roy Grundmann (1994), “no início
queremos pular de nossos lugares e gritar aos personagens que pensam que Clay é Vincent,
especialmente perante provas comparativas, como vídeos, fotos e uma fila de pessoas arro-
ladas pela polícia, com uma testemunha que conhecia Vincent.” A diferença racial, neste
caso, é inteiramente definida pela política de representação de um conjunto de imagens
visuais que ataca seja o apelo liberal de cegueira à cor, seja a estética da diferença, evasiva ao
poder, que reduz as identidades raciais a estilos de vida, nichos de mercado ou produtos de
consumo.
A tradição cinematográfica de Hollywood de apresentar a branquidade como um
discurso “invisível”, embora determinante, é rompida. Suture força assim o público a reconhe-
cer a branquidade como um significante racial, como um “índice de status ou posição social”
(Goldberg, 1993). Porém, ao fim, Suture não fornece meios para organizar a branquidade fora
da política discursiva e visual de dominação. A tentativa do filme de desenvolver uma política
de representação força, certamente, o espectador a desmistificar e repudiar a branquidade
como invisível, abstraída das modalidades de poder e identidade. Porém, nada faz para
desenvolver uma política estratégica de poder – uma política que tenta transformar ideologias
e relações materiais de poder – que se recusa a aceitar a branquidade como uma categoria
racial cujo único objetivo é fortemente ligado, se não definido, por narrativas mutáveis de
domínio e opressão. Isso pode explicar por que Suture, ao fim, se envolve em uma moralização
reducionista ao sugerir que Clay deveria ser condenado por querer ser branco, porém faz
isso sem realmente confrontar a branquidade de forma mais dialética ou crítica.

O CINEMA E A PEDAGOGIA DA BRANQUIDADE

As narrativas contrastantes sobre raça apresentadas por Dangerous Minds e Suture


podem ser usadas, no sentido pedagógico, para desconstruir criticamente a qualificação do
outro e a branquidade racial como parte de um discurso mais amplo de justiça racial. A
justaposição desses dois filmes abre um espaço pedagógico para ler representações contra-
ditórias da branquidade como uma ideologia e um lugar de poder e privilégio dentro do
discurso daquilo que Stuart Hall rotulou de “velha etnicidade.” Similarmente, romper defini-
ções singulares da branquidade fornece aos educadores a oportunidade de construir mode-
los mais complexos para teorizar esse conceito utilizando-se de uma multiplicidade de rela-
ções sociais, posições teóricas e identificações afetivas. Neste contexto, a branquidade pode
ser considerada pedagógica e politicamente, a fim de permitir que estudantes brancos e
outros de cor tratem de problemas de identidade racial dentro de uma conceituação nova e

Cadernos de Pesquisa, nº 107, julho/1999 123


expandida de etnicidade. Isso sugere realçar a natureza histórica, política e contextual de
identidades raciais, não como formações raciais distintas mas pelo seu relacionamento complexo
umas com as outras dentro de relações específicas de poder. Uma vez mais, Stuart Hall
exprime, a partir das possibilidades democráticas, que uma noção reconceitualizada da etnicidade
pode permitir aos estudantes e a outros analisar as identidades culturais tal como são estruturadas,
a partir da complexa rede da história, do poder e da política. Vale a pena citá-lo por extenso:

Tenho discutido a favor de novas concepções de etnicidades que reconhecem que as pessoas
estão inseridas numa história, numa cultura, num espaço; que elas provêm de algum lugar;
que uma proposição é sempre localizada. Tenho perguntado se a etnicidade poderia ser um
termo que nos permitisse reconhecê-la de maneira muito diferente das etnicidades belico-
sas, agressivas, que têm explodido com violência em nosso mundo. (Hall, 1995. p.67)

Ao invés de ser descartado simplesmente como um texto racista por educadores


críticos, Dangerous Minds deve ser lido sintomaticamente pela maneira como ele articula e
reproduz a branquidade como uma forma de dominação racial dentro do espaço público da
sala de aula dos bairros decadentes. Oferecendo uma leitura não apologética da branquidade
como uma expressão em sentido figurado de ordem, racionalidade, insight e beleza, Dangerous
Minds é um importante texto educacional para ser utilizado com estudantes, pelo modo
como retrata a branquidade e a diferença, e de que modo a raça, consciente ou inconscien-
temente modela suas experiências diárias, atitudes e visão do mundo. Pedagogicamente, o
objetivo não é pressionar os estudantes a considerarem o filme como bom ou mau, porém
confrontar as condições sociais mais amplas, pelas quais a popularidade do filme precisa ser
compreendida. Uma tarefa pedagógica é levar os estudantes a pensar sobre como o filme
presta testemunho dos dilemas éticos e raciais que animam o cenário social e racial mais amplo.
Os estudantes podem oferecer várias respostas a um filme como Dangerous Minds.
Porém, dada a popularidade do filme, e o grande número de críticas favoráveis que recebeu
nos jornais do país, é razoável supor que as leituras dos estudantes brancos recairão numa
mistura de interpretações, desde as liberais às conservadoras que, embora não diferindo
umas das outras substancialmente, podem revelar contradições interessantes a serem explo-
radas nas análises em sala de aula (Glass, 1995; Saillant, 1995; Chastain, 1995). Ao invés de
enfatizar que os estudantes são leitores diversificados de uma cultura, é pedagogicamente
importante reconhecer e compreender de que modo a propriedade e o controle dos
aparatos da produção cultural limitam as leituras tornadas amplamente disponíveis aos estu-
dantes e modelam o contexto popular a partir do qual as noções dominantes de racismo são
compreendidas. Quando o racismo é discutido em sala de aula, muito provavelmente foca-
lizará o comportamento desagregador que os estudantes negros e hispânicos exibem nas
escolas. Esse comportamento é o que será freqüentemente visto como característico de todo
um grupo social, ou como uma forma de patologia cultural segundo a qual as minorias devem
ser censuradas pelos problemas educacionais por elas vivenciados. Do mesmo modo, quando

124 Cadernos de Pesquisa, nº 107, julho/1999


a branquidade é desestabilizada ou visualizada de modo crítico por estudantes, é mais do que
provável que venha a ser considerada dentro de um discurso evasivo do poder, pelo qual o
racismo branco, com freqüência, é reduzido a um ato de preconceito individual nitidamente
à parte dos contextos confusos da história, da política e da opressão sistêmica (Frankenberg,
1993a; Gallagher, 1995). Daí ser pouco provável que os estudantes brancos reconheçam o
método de ensino da professora de Dangerous Minds, que valoriza o capital cultural da classe
média, como uma tentativa racista para ensinar a estudantes negros e hispânicos que suas
próprias narrativas, histórias e experiências são rústicas não civilizadas. Por mais populares que
essas leituras dominantes possam ser, elas oferecem aos educadores uma oportunidade
pedagógica excelente para interrogar e romper seus códigos e ideologias. Por exemplo, o elo
ideológico entre a valorização do capital cultural branco e a representação contínua e degra-
dante do outro, nos filmes de Hollywood, talvez não seja evidente em uma primeira leitura
do filme, porém, pode tornar-se objeto de análise, na medida em que vários estudantes na
classe tenham acesso a leituras alternativas. Na melhor das hipóteses, Dangerous Minds
oferece aos estudantes brancos uma oportunidade para se envolverem com um texto popu-
lar que incorpora muito daquilo que eles geralmente aprendem ou (des)aprendem sobre
raça sem, de início, colocar suas próprias identidades raciais em julgamento.
Uma análise de Suture revela um conjunto diferente de alegações sobre a branquidade
que levanta possibilidades alternativas para interrogar as relações entre branquidade, raça e
racismo. Suture apresenta a leitura crítica da branquidade como construção social e cultural
dominante e a tentativa, por uma narrativa visual perturbadora, de revelar como a branquidade
promove a violência simbólica ao se recusar a reconhecer seus mecanismos definidores de
poder e privilégio. Assim, o filme força os estudantes, especialmente os estudantes brancos,
a problematizerem o pressuposto de que questões referentes à raça e à política racial dizem
respeito, em grande parte, a não-brancos como um grupo social. A defesa dominante da
branquidade como norma universal, visivelmente perde o equilíbrio nesse filme e torna a
branquidade uma categoria racial aberta à crítica. Ao romper com a idéia de branquidade
como um código racial e politicamente neutro, Suture fornece uma oportunidade pedagógi-
ca para educadores discorrerem sobre como a experiência branca é construída diferente-
mente dentro de uma variedade de espaços públicos e mediada pelas lentes de classe, gêne-
ro e orientação sexual diversificadas, porém, relacionadas.
Comparados entre si, os dois filmes implicam uma política de representação que
mostra a branquidade como uma categoria mutável, política, cujo significado pode ser tratado
dentro, ao invés de fora, dos inter-relacionamentos de classe, raça, etnicidade e gênero. Em
outras palavras, os princípios estruturadores que informam esses filmes, na medida em que
funcionam intertextualmente, fornecem uma base teórica para desafiar a branquidade como
uma construção ideológica e histórica. É precisamente a tensão gerada entre esses filmes que
convida a adentrar em uma pedagogia que começa com aquilo que Gayatri Spivak (1990)
denomina como “momentos de estupefação,” isto é, uma pedagogia que se concentra em

Cadernos de Pesquisa, nº 107, julho/1999 125


desmistificar o ato e o processo de representar, revelando como são produzidos significados
dentro de relações de poder que configuram narrativas de identidades ao longo da história,
de formas sociais e de modos de expressão ética que aparentam objetivos, universalmente
válidos e consensuais. Tal pedagogia tenta abrir questões “referentes ao elo entre epistemologia
e moralidade: entre o modo como conhecemos aquilo que conhecemos e a vida moral a que
aspiramos levar” (Hartman, 1994). Embora tais tensões pedagógicas não garantam a possibi-
lidade de descentrar a branquidade, a fim de tornar “visíveis as estruturas históricas e institucionais
no interior das quais [professores e estudantes brancos] falam” (Spivak, 1990), de fato, elas
fornecem as condições pedagógicas para que estudantes e professores questionem e
desaprendam aqueles aspectos da branquidade que os colocam no espaço e nas relações
privilegiadas do racismo.
Embora seja impossível predizer de que modo os estudantes, de fato, reagirão a uma
pedagogia que considera branquidade e raça como objeto de debate e análise criteriosa, é
importante reconhecer que os estudantes brancos geralmente resistem em analisar critica-
mente o “espaço residual-normativo [da] prática cultural branca” – ou seja, aquelas narrativas
históricas da branquidade que distorcem o passado para privilegiar a visão racista branca do
presente e do futuro (Frankenberg, 1993a). A resistência, neste caso, deveria ser examinada
pelo conhecimento que ela enseja e pela possibilidade de interrogar seus silêncios e recusas.
Pedagogicamente, isso estimula os estudantes a arejarem suas posições sobre branquidade e
raça, independentemente de quão confusas ou politicamente incorretas tais posições possam
ser. Porém, há mais em jogo aqui do que prover um espaço pedagógico para que os
estudantes falem de si próprios, sem medo, e no contexto de suas histórias específicas e
experiências próprias.
Ao invés de propor que os estudantes simplesmente tenham permissão de dar voz a
sua política racial, sugiro que lhes seja oferecido um espaço para diálogo e crítica, no qual tais
posições possam ser comprometidas, desafiadas e rearticuladas pela análise contínua das
realidades materiais e das relações sociais do racismo. Em outras palavras, os professores
podem começar tal diálogo com aquilo que os estudantes já sabem; eles podem questionar
a percepção dos estudantes sobre as diferenças raciais e culturais entre vizinhanças, espaços
para recreação, escolas, lugares para alimentação e outros lugares públicos dentro de suas
próprias comunidades. Questões podem ser levantadas sobre quem pode cruzar esses
espaços, de que modo certos grupos raciais são excluídos, sob quais circunstâncias e por quê?
Similarmente, questões de identidade cultural podem ser exploradas por uma pedagogia de
representação que analisa de que modo grupos raciais dominantes e subordinados são
retratados e estereotipados na mídia, imprensa e outros aspectos da cultura e como tais
grupos são influenciados e posicionados por esses esterótipos. Neste exemplo, é importante
que os estudantes compreendam como o poder e o privilégio intermediam o modo como
diferentes grupos raciais são representados (Shohat, Stam, 1994). Os estudantes podem

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estudar as relações entre os modos pelos quais as identidades raciais são construídas e o
cenário social mais amplo que registra conseqüências muito diversas sobre como o racismo afeta
na realidade [e diferentemente] brancos e não-brancos no bojo das relações iníquas de poder.
Ao mesmo tempo, os professores podem apontar estratégias de intervenção, explorar de que
modo os estudantes podem exercitar sua percepção da política, do poder e da força coletiva
para confrontar e tentar mudar as relações dominantes e opressivas na medida em que afetam
suas vidas diárias e as vidas de outros que lutam sob o peso opressivo do racismo.
O problema de sensibilizar os estudantes brancos quanto à política do privilégio racial
é agravado pelo medo e raiva que acompanham a necessidade de repensar a própria identi-
dade. O envolvimento em formas de ensino que incitam estudantes brancos a examinar suas
práticas sociais e sistemas de crenças, em termos raciais, pode levar a reforçar a pressuposi-
ção que a raça é uma categoria estável, um dado biológico ao invés de uma construção
histórica e cultural. Por exemplo, Ann Louise Keating (1995) observa por exemplo que, ao
ensinar seus estudantes a interrogar a branquidade criticamente, muitos deles acabam acre-
ditando que todos os brancos eram colonialistas, apesar de suas tentativas de distinguir
pedagogicamente entre a branquidade como a ideologia política e racial dominante e as
diversas posições raciais contingentes assumidas pelos brancos.
Apesar das tensões e contradições que qualquer pedagogia da branquidade possa
enfrentar, é imperativo que os professores abordem as histórias que têm modelado o espaço
normativo, as práticas e os relacionamentos diversificados que os estudantes brancos herdaram
por meio de privilégios raciais. Analisar o legado histórico da branquidade como uma força racial
opressiva requer que os estudantes se envolvam em uma forma crítica de trabalho de memória
que impeça um silêncio sombrio ou culpa paralisadora e, ao mesmo tempo, que estimule um
senso de indignação contra a opressão histórica bem como um desejo de justiça social no
presente. Keating refere-se aos problemas por ela enfrentados ao incentivar estudantes bran-
cos a pensarem criticamente sobre o racismo e sua natureza sistêmica ao interrogar ou reverter
suas pressuposições tomadas como certezas sobre a branquidade e o privilégio racial:

Essas reversões disparam uma variedade de reações indesejáveis em estudantes auto-


identificados como “brancos”, reações que vão da culpa à raiva, ao alheamento e desespe-
ro. Os instrutores devem estar preparados para lidar com essas respostas. O básico é não
encorajar sentimentos de responsabilidade pessoal pela escravidão, dizimação de povos
indígenas, apropriação de terras e, assim por diante, sobre o que ocorreu no passado.
Trata-se, antes, de permitir aos estudantes de todas as cores compreenderem mais plena-
mente de que modo esses sistemas opressivos que se iniciaram no passado histórico
continuam deformando as condições contemporâneas. Encenações para provocar senti-
mentos de culpa não têm lugar nesse processo. (1995. p.915)

Entretanto, Keating não explica como os educadores podem evitar sentimentos de


culpa em estudantes, ou em que grau eles não devem ser responsabilizados por suas atitudes

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atuais dentro desse tipo de pedagogia. Tornar a branquidade, ao invés do racismo branco, o
foco do estudo é uma estratégia pedagógica importante. Analisar a branquidade abre um
espaço teórico para professores e estudantes estabelecerem relações entre o modo como
suas próprias identidades raciais têm sido modeladas dentro de uma cultura racista mais
ampla e quais as responsabilidades que podem assumir para viver em um presente no qual os
brancos recebem amplos privilégios e oportunidades (embora de maneiras complexas e
diferentes) à custa de outros grupos raciais. No entanto, por mais esclarecedora que essa
estratégia se possa mostrar, mais trabalho teórico deve ser feito para permitir que os estudan-
tes se envolvam criticamente e se apropriem dos instrumentos necessários para politizar a
branquidade como uma categoria racial, sem bloquear sua própria percepção de identidade
e força política.
Embora ambos os filmes, Dangerous Minds e Suture representem uma oportunidade
educacional aos estudantes para que possam ver de que modo pressupostos dominantes
sobre a branquidade podem ser estruturados e desafiados, nenhum dos dois trata do que
significa rearticular a branquidade em termos de oposição. O retrato da branquidade como
uma forma de privilégio racial, ou como uma prática de dominação, não estabelece necessa-
riamente uma base para estudantes brancos rearticularem sua própria branquidade, de forma
que possam ir além de uma superidentificação com ou o desejo de ser “negro” à custa de sua
própria identidade racial.
Preocupo-me com o que significa educacionalmente, para todos nós que nos
engajamos em uma pedagogia e política anti-racistas, sugerir aos estudantes que branquidade
só pode ser compreendida em termos da experiência comum da dominação branca e do
racismo. Que subjetividades ou pontos de identificação tornam-se disponíveis a estudantes
brancos que podem conceber a experiência branca exclusivamente como monolítica,
autocontida e profundamente racista? Quais são os riscos pedagógicos e políticos da
rearticulação da branquidade em termos anti-essencialistas como parte de um discurso novo
e mais amplo da etnicidade, de modo que a juventude branca possa compreender e lutar
contra o longo legado do racismo branco, embora usando as particularidades de “sua própria
cultura como um recurso para resistência, reflexão e poder?” 4
Ao mesmo tempo, há também poucas tentativas de desenvolver uma pedagogia da
branquidade que tornem os estudantes brancos aptos a irem além de posições de culpa ou
ressentimento. Há uma ausência curiosa nos trabalhos sobre a branquidade quanto ao modo
como os estudantes poderiam examinar criticamente a construção de suas próprias identida-
des para repensar a branquidade como um discurso de crítica e possibilidade. Os educadores

4. Nesse contexto, Hall não está discorrendo sobre brancos, mas sobre negros. Parece-me que seu ponto de vista é tão
relevante para rearticular a branquidade como para desmistificar o sujeito negro essencializado, embora isso não deva
sugerir que tal apropriação ocorra fora do discurso de poder, história, desigualdade e conflito. Consultar Hall (1991a),
Pfeil (1995).

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necessitam conectar-se com a branquidade por meio de uma nova linguagem de etnicidade,
que forneça um espaço aos estudantes brancos para imaginar de que modo a branquidade,
como ideologia e forma de localização social, pode ser progressivamente apropriada como
parte de uma política mais abrangente de reforma social. Teorizar o relacionamento entre
etnicidade e identidade permite aos estudantes localizarem-se na sociedade e construírem
referências temporárias de pertinência e orientação. Nessa tarefa é central o desafio político
e pedagógico de reconstruir uma política anti-racista informadora de um projeto mais amplo,
radical, democrático (Haymes, 1995; Keating, 1995).

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