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COMO CONSTRUIR Lajes protendidas com monocordoalhas engraxadas pare 1 Franscico Paulo Graziano Engenheiro civil, metre em engenharia civil pela Pol-USP ediretor da Gramont Engenharia ‘email: gramont@uolcom.br Introducaio Nao foram poucasas tentativas de utilizarasolucaoestrutural de lajes planas' em conereto armado, sem vigas de borda, que resultaram em dissaboresao construtor, 20 usuario eao projetista estrutural. Em sua maioria apresentaram deformacoes além das previstas, induzindo a fissuras e até a ruptura das vedagoes em alvenaria, quando nao apresentaram fissuras junto aos apoios nos pilares, preminciosde um comportamento pouco confortavel 40s esforcos de cisalhamento que, especificamente neste caso, denominam-se esforcos de pungio. Mas as decepgdes nao pararam porai, eaté asmetasde “contrapiso zero” do construtor foram por agua abaixo, uma vez que as deformagoes excessivas que estas lajes apresentavam as inviabilizavam, Todosestes contratempos, muitas vezes, foram erroneamente tratados eanalisados, ora culpando-seo conereto, oraculpando- se a execugao e, noutros momentos, o projetista estrutural. A realidade € que nao existem culpados e sim um proceso incorreto de projetar e construir lajes-cogumelo em concreto. Para que se compreenda o que ocorreu € necessirio, primeiro, procurar entender 0 comportamento do concreto armado. Na busea deste esclarecimento, este trabalho procurard num primeiro momento, apresentar os fatores que influem no ‘comportamento em servico do concreto armado, abordando a deformabilidade das estruturas em concreto estrutural e, num segundo momento, apresentara a protensio como uma forma eficaz de solucao para os fenomenos de deformabilidade dessas estruturas. Em sequencia, serio abordados alguns procedimentos de projeto para lajes-cogumelo em concreto protendido, que visam 0 bom desempenho destas estruturas protendidas, Estudo sucinto da deformabi concreto armado 0 concreto é um material extraordinario, amolda-se a qual- quer forma, tem uma resistencia mecénica a compressio bastante consideravel e, conjuntamente com 0 aco disposto em barras re~ dondas, proporciona uma combinago espetacular de resisténcia A compressio e flexto, durabilidade e custo adequado. Mas, como ‘tudo também tem os seus caprichos e, para certas sitwagbes, mere- ce a atengio dos projetistas estruturais, especialistas em materiais € construtores, especialmente quando se deixa de proceder de uma ‘maneira que & técnica de dominio corrente e passa-se a atuar de uma forma diversa, como é 0 caso da mudanga da estruturagio {tradicional laje'-viga ilar para a estruturagao laje*pilar, Este mo- ‘mento é importante para parar e refletir, e uma reflexdo impor- tante consiste em abordar-se o fendmeno da deformabilidade das estruturas de concreto armado, lade de pegas de 82 Para que qualquer estrutura submetida a flexdio funcione, & necessirio que esta se deforme: portanto, deformacdo nao ¢ privi- lgio das estruturas de concreto. O que ovorre diferentemente nestas € que para funcionarem econémica ¢ adequadamente a flex20, © ago presente no seu interior deve ser solicitado a tragio, © para que isto ocorra de forma econémica, 0 conereto deve fissurar por tragdo, 0 que em outras palavras quer dizer que o conereto deverd romper-se a tragio para que todo o potencial de resisténcia do ago seja desenvolvido e aproveitado. Acom- panhando-se a figura abaixo, onde se procura representar um ‘grafico de deslocamento X carregamento de uma viga isostatica de concreto armado, pode-se apreciar algumas situagées dig- nas de nota e que poderio clarificar 0 conhecimento sobre 0 comportamento das estruturas fletidas de conereto armadbo, Diagrama carga X deslocamerito de uma viga de concreto armado Como ¢ possivel perceber pela Figura I, 0 concreto armado responde até 0 ponto A do diagrama com 0 comportamento de ‘um material de resposta linear, sendo esta fase conhecida como Estidio I. Apés 0 ponto A ocorre a fissuracao do concreto (Estadio ID) a viga tem uma perda de rigidez alterando suas caracteristicas de resposta com aumentos desproporcionais de deformacao frente a um acréscimo de carregamento, até que em B, © aco inicia o processo de escoamento (Estédio IIl) ea seco atingira a ruptura em C. ‘Nas lajes, sempre foi costumeiro admitir, com a anuencia das normas técnicas, que estas, em situagdes de servico, mio ultrapassam o limite do ponto A na maior parte de sua extensdo, ou seja, nao apresentam regides substancialmente fissuradas. Com o aumento da resistencia caracteristica do concreto, foi ficando cada vez mais visvel projetar e construir lajes de maior vao, tendo-se em foco sempre a situacao de prevencao a ruina, 6 que corresponde a verifica-las a0 Estado Limite Ultimo, No ‘ohe ei s00- 0 entanto, a premissa de que as lajes pudessem manter-se no Estadio 1 na situacao de servigo, Estado Limite de Utilizacdo, do mais se verificou, pois a resistencia a tragao do concreto (fet) ndo mantém um crescimento proporcional a sua resistencia a compressao (fe), conforme ilustra a Figura 2. Figura 2 Evoluglio do f,,com of, Com esta perspectiva, nao € de estranhar que tenham ocor- ido tantos dissabores com as lajes esbeltas, em especial as do tipo cogumelo que, como se verd mais adiante, fissuram sempre mais do que as apoiadas sobre vigas. Como se sabe, os esforcos de flexao nas lajes-cogumelo sa0 consideravelmente maiores que os desenvolvidos numa laje convencional, induzindo-as a trabalharem, em servigo, com imaiores areas fissuradas. Recordando-se conhecimentos da re- sisténcia dos materiais, sabe-se que 05 deslocamentos desen- volvidos em estruturas fletidas podem ser matematicamente descritos pela integral em segundo grau das curvaturas: + [ft que por sua vez podem ser, no caso das estruturas de con- creto, associadas a 1)__M r) (ED aq" com (El),,*representando a rigidez ¢quivalente da segao trans- ‘versal do elemento fletido. Assim nao € dificil concluir-se que, quanto maior a area de laje fissurada, maior sera a integral que quantificara o deslocamento da estrutura analisada (Figura 3). Portanto, ¢ de suma importancia o fenomeno da fisstragao para o estudo da deformabilidade das lajes, em especial das lajes-cogumelo, nas quais podem induzir uma amplificacao de, aproximadamente, até duas vezes a grandeza da flecha determinada com a rigidez plena da secao. (Outro fator que deve ser observado € 0 da fluéncia do concreto que, quando submetido a cargas de longa duracto, amplifica as deformagdes e, por sua vez, os deslocamentos, em até tes vezes?, tomando-se como base o valores obtidos logo apos 0 carregamento (flecha imediata), como procura explicitar a Figura 4. tonne soit 200-0 8 Figura 4 Conforme o que foi exposto, pode-se notar que se deve evitar que as lajes em conereto armado apresentem, em condigoes de servico, esforcos que promovam a fissuracdo de suas secoes transversais, em regides de consideravel extensao, isto é que estcjam fortemente em Estadio II ou, ainda, que seus momentos fletores ultrapassem consiceravelmente aquele que fissura a seca. Para evitar tal situagao existem basicamente duias possibilidades: a) aumentar © momento de inércia da laje; ) aumentar a capacidade do concreto de resistir a flexao, sem fissurar em situacio de servico, A possibilidade “a” acarreta duas outras: 1. aumento da inércia por mudanea da geometria da secao, que é a solucao por lajes em grelha ou, como sao também conhecidas, lajes tipo waffle; 2. aumento da espessura da laje. A possibilidade “b” também se subdivide em outras duas 1. melhorar a resistencia do concreto, melhorando a classe especificada a fim de que a resistencia a tracao do concreto obtenha um incremento; 2, protender a laje', o que a levard a fissurar para uma solicitacao de flexao tao maior quanto maior for a forga de protensao, resultando num incremento do momento de fissuracao. Das quatro possibilidades de solucao, a que sera abordada €a protensdo, que atende as necessidades de controle da fissuracao em servigo sem acréscimo de consumo de concreto ¢, portanto, de peso proprio, que, € uma grande parcela do carregamento que, por ser de longa duracao, da origem aos incrementos de deforma¢ao por fluencia, © controle da fissuracdo nas estruturas de concreto através da protensdo Quando utiliza-se a protensao em lajes, busca-se exatamente neutralizar os dois fatores que mais influem na deformabilidade das pecas fletidas de concreto: a Fissuragao e a fluéncia. Cases de: flexio simples e de protensio Fxdo simples f worm: t stiiot J Estadio! == A Figura 5 procura mostrar a influéncia da protensio na fissuracao € ressalta que o comportamento da secio continua podendo ser tratado como linear e em Estadio I (secao plena), devido A normal de compressto que age como se fosse um esforco interno do elemento solicitado © que garante que as tensdes de tracio, que eventualmente venham a surgir, estejam abaixo daquela que fissura a peca. Na mesma figura constam trés situacées de distribuicao de tensdes para 0 caso de protensao: a primeira, trata-se de uma situacao onde se admite certa intensidade para a tensao de tracao na secao, porem sem Langamento das cordoalhas Detalhes de fixagao ¢ fretagem (Halr-Pins) mal Vista de uma lsje plana protendida totalmente liberada para utlizagao que esta ultrapasse a tensio de fissuracao do concreto na peca’, a segunda e a terceira caracterizam situacoes onde nao ha descompressao da secao. ‘As normas brasileiras abordam os casos de dimensionamento ea verificacao das secoes fletidas submetidas a protensto, com uma abordagem semiprobabilistica de seguranca, estabelecendo trés Estados Limites de Utilizacao a serem respeitados, ou seja: 1 Estado limite de descompressao (ELD) - onde nao se admite tensdes de tragdo cm qualquer secio da peca, exceto junto a regio das ancoragens Tl, Estado limite de formacdo de fissuras (ELF) - onde a maior tensao de tragao ¢ limitada a f 0,06.fck+0,7 MPa: IIL, Estado limite de abertura de fissuras (ELW) ~ onde a verificacao ¢ feita no Estadio Il, com Es/Ec=10, limitando-se a abertura das issuras (w,) dependendo da agressividade do meio ambiente; e caracterizando trés niveis de protensao a) Protensao completa ~ requerida em meios agressivos: b) Protensao limitada ~ requerida em meios pouco agressivos; ©) Protensao parcial ~ requerida em meios nao agressivos. Instalagdo das ancoragens ativas. tiohme sos -2000- 8 5 quais devem atender a dois dos trés Estados Limites de Utilizacao citados, para determinados casos de combinacao de carregamento, conforme quadro abaixo Tipo de Protenséo Combinagio—Combinago.—-Combinagao Rava Frequente Quast Completa EF ELD Limitada eur =D Parcial LW ELE (s casos de combinagdes devem ser ponderados de acordo com a norma de acdes e seguranca, porém para lajes de edificios emandares-tipo sujeites a agdes nao anormais podem-se simplificar as expressoes, excluindo-se 0 termo relativo as acdes varidveis concomitantes e prefixando-se o valor de’y,, em 0,6, como segue: ‘© Combinagio Rara (CR) Fat Fa * Fccsot + Fu ‘© Combinacao Frequente (CF): Fan Fat Fat Feascuae * O6-F, * Combinacao Quase-Permanente (CQP) F. F,+F,+F, Onde: F, corresponde a acao de célculo para a combinacao adotada F., sdo as agdes permanentes exceto a protensao ¢ as de coacao F,. slo as agdes devido a protensao Fret temp. so as agdes de coacdo — retracdo, fluencia e Fy, € a acao bdsica variavel, tomada aqui como uma tnica tonne sine 20-08 Roparo da bainha Desta maneira, escolhendo-se o tipo adequado de protensao, € possivel controlar, através das condigdes da Tabela 1, 0 nivel de forca de protensio requerido e condicionar a laje, com um certo grau de confiabilidade, a “funcionar” como projetada, com “nenhuma” fis: “controladas”, respectivamente na protensdo completa, protensio limitada e protensao parcial fissuras ou fissuras , “poucas Controle da fluéncia nas estruturas de concreto através da protensdo Como foi visto, 0 controle da deformacao por fluéncia também € um dos objetivosda protensio eisto feito procurando- se anular a deformagao oriunda das agdes permanentes. Para conseguir-se este feito, o cabo deve procurar situar-se de tal forma na seco que a forca que nele atue produza um momento interno capaz de neutralizar a parcela de momento provocado pelas acdes permanente. Na Figura 6, procura-se representar graficamente o efeito da protensao excentrica em relacao ao baricentro da secao, mostrando que € possivel neutralizar, em servico, 0 momento permanente através da excentricidade do cabo. Como em cada de uma pe¢a biapoiada fletida e isostatica, para realizar a operacao de neutralizagao dos efeitos das cargas permanentes, deve-se colocar o cabo de protensao a uma certa excentricidade eg, do baricentro da segao ¢, recordando, que em cada secdo desenvolver-se-d um momento fletor diferente devido as cargas permanentes, que comegara em um valor nulo nos apoios € atingira um maximo no meio do vao, nao ¢ dificil concluir que © cabo também devera desenvolver-se, iniciando o seu Cabos prontos para 0 inicio da protensio 85 eet us hy ala posicionamento no baricentro da seco, junto aos apoios, buscando a excentricidade correspondente a cada se¢do tal que: Desta maneira, sendo N,=-F, e como F, pode ser considerado aproximadamente constante ao longo do Cabo, a equacao de ¢, resultard numa parabola do 2° grau, com concavidade para cima, como ilustra a figura Figura 7 Uma outra forma de considerar-se este efeito ¢ através das cargas, chamadas de levantadas, oriundas da conformacio do cabo patabolico, descrito acima, € que, por estar solicitado a tragio, busca retificar a sua forma parabolica, confinada pela peca de concreto que, por sua vez, se opde a este movimento de retificacdo do cabo, interagindo com o mesmo, Esta interacdo provoca um conjunto de forgas entre o cabo ¢ a superficie de conereto em contato que pode ser, simplificadamente, tomada por uma carga uniformemente distribuida, na peca de concreto de baixo para cima, provocando um pseudo-alivio de uma parcela das cargas permanentes, que pode ser escrita como igual a 4g (carga permanente) HEH be Pee Sam Laje protendida = fees es aera Os beneficios da utilizagéo de monocordoalhas engraxadas em lajes de concreto ‘Asmonocordoalhas engraxadas sio cabos de aco de protensio CP-190 RB, de sete fios de 12,7 mm, mais comumente, e que esto envolvidos por uma camada de graxa anticorrosiva que por sua vez € coberta por uma bainha plistica. Sua geometria assemelha- se as barras de aco de concreto armad e por este motivo tem sido facilmenteassimilada pela mao-de-obra daconstrucio de edificios © equipamento de protensao € levee portitil, permitindo a protensio em locais de dificil acesso a outros equipamentos, © fato de nao ser necessaria a injecio de pasta nas bainhas 86 proporciona uma operacao a menos no processo, além de evitar o depésito indesejavel de pasta sobreasuperficieda laje Por ser 0 cabo flexivel, pode-se serpentear o mesmo horizontalmente pela laje, desviando-o de shafis, furos e obsticulos, ou buscando a melhor situacdo para atingir os apoios. Alem destes beneficios proprios da protensao comcordoalhas engraxadas, a protensio inibe os efeitos de fissuragio e de deformacao lenta to indesejaveis nas obras com “lajes cogumelo, sendo, por assim dizer, 0 tinico processo confisvel em que se podem utilizé-las sem as vigas de borda No entanto, éimportante que se igaque, em lajes-cogumelo, torna-se crucial verificar os efeitos das aces transversais (vento, empuxos) sobre a obra e sobre a estabilidade global, devido a sensibilidade destes sistemas estruturais® a esses esforcos Concluindo, € importante consolidar as seguintes propriedades das lajes protendidas, que justificam sua adocio nnas_lajes-cogumelo: ‘ maior controle da fissuracao * maior controle da fluencia: * maior controle das deformacoes em geral (conforme ilustrado na Figura 8 - Diagrama carga deslocamento de uma viga de concreto protendido). Inicio da pés-tensio ‘inicio da tssurago do conereto & rags Biniclo do escoamenta 8 ago taconado ‘C-Ruptura da socae Diagrama carga X deslocamento de uma viga de eonereto protendido Boke sit -s00 0

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