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A MAIORIA DAS PESSOAS

NÃO GOSTA DE SI MESMA


QUER TENHA
CONHECIMENTO DISSO OU
NÃO
A vida é como uma cebola. Você tira uma fatia de
cada vez, e às vezes você chora.
- Carl Sandburg

Ela era uma mulher normal, de trinta e oito anos, deitada sobre um tapete de espuma, numa
sala à prova de som, mas o barulho que fazia era semelhante ao de uma criancinha.

“Mamãe! Papai! Onde estão vocês? Por que vocês não vêm?” ela gritava, contorcendo a face
como uma garotinha angustiada.

“Eu preciso de vocês! Por favor! apareça alguém! Estou com medo. Mamãe, mamãe, mamãe!”
Mais gritos de cortar o coração e soluços meio sufocados. “Eles se foram. Eles não me
querem; vocês não gostam de mim., Mamãe, mamãe, venha por favor!” Isso continuou por
quarenta e cinco minutos. Finalmente ela abriu os olhos, respirou fundo, e disse com sua voz
de adulta: “Nossa, foi assustador! Eu era um pequeno bebe, sozinha no berço. A sala estava
escura. Eu estava apavorada, meio fora de mim. Eu estava abandonada, ou pelo menos senti
como se estivesse. Talvez eles apenas tivessem ido para outro lado da casa, mas eu precisava
deles. Senti-me perdida e assustada e ninguém veio me atender. Não ha sentimento mais
esquisito do que esse. Tudo o que eu queria era que alguém me pegasse, para me acariciar.
Quão desesperadamente eu precisava disso! Senti que iria morrer se alguém não aparecesse.”

Ela estava descrevendo uma experiência primal. Eu a tinha feito voltar à infância, e ela reviveu
essa experiência de sentir-se abandonada quando criança. Talvez a maioria das crianças
experimente isso ou algo parecido.

“A sensação” - ela disse - “é de que eles foram embora para sempre. Eles jamais voltarão. Eu
sou má. Eles me odeiam, caso contrario eles viriam me pegar”.

Uma parte de sua mente, como numa tela dividida, estava revivendo uma experiência da
infância. A porção adulta de sua mente sabia onde ela estava, e estava “ouvindo”, à medida
que a criança gritava seus sentimentos de terror e solidão. Ela poderia ter retornado ao
presente a qualquer momento que desejasse, mas alguma coisa a conservou na experiência
primal. “Eu queria ver o que acontecia”, disse ela. “Fiquei imaginando se eles viriam. Eles não
vieram e eu desisti. A sensação foi esta: Eles não me amam. Eu sou indigna.”

A Origem do Ódio de Si Mesmo

Tendo ouvido centenas de experiências primais, temos aprendido que, embora os pais amem a
criança, se eles poucas vezes pegam-na no colo e acariciam, e criticam ou repreendem
demasiadamente, a criança invariavelmente vai ter esse sentimento: “Eles não gostam de mim.

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Eu sou ruim. Eu farei qualquer coisa tão somente para que me amem; mas não dá certo. Eles
me odeiam. Eu sou indigno. Eu me odeio.”

Nós deixamos de gostar de nós mesmos porque na infância experimentamos sentimentos como
estes:

Eles não me querem.


Eu não presto.
Eu não devo chorar. Eles ficam irritados quando eu choro.
Eu vou ser castigado se não ficar quite (bonzinho).
Eles me odeiam. Eu me odeio.
Eles ficam perturbados quando eu faço barulho.
Eles jamais devem saber o que estou sentindo; isso os irrita.
Se eles bateram em mim, eu não devo chorar.
Eles me odeiam se eu não fico bonzinho (quito).
Eu me odeio porque não consigo ser sempre bonzinho.
Eu sou indigno; medroso, solitário, culpado.

Estes e dezenas de outros sentimentos têm sido verbalizados com intensidade em milhares de
horas de experiências primais, 1 no Centro de Aconselhamento de Burlingame, associado à
Yokefellows, Inc. 2 A dor revivida e expressa com lágrimas, soluços, e gritos revela a razão
por que os adultos tão freqüentemente odeiam a si mesmos: eles se sentiram odiados como
bebes e crianças pequenas porque não foram amados de uma maneira que pudessem aceitar.
Eles se sentiram sem amor porque não foram carregados, acariciados, tocados; ou porque
alguém gritou com eles, bateu, repreendeu e disse, através de uma centena de meios diferentes,
que eles eram maus, maçantes, todos e errados.

Controlando a Dor Primal

É amplamente reconhecido o fato de que a personalidade de uma criança é formada por volta
dos quatro ou cinco anos, e ainda certamente dos seis. Eu não sabia que a Dor 3 da infância
podia deixar marcas tão relevantes, ate que, dirigindo sessões em que sondava o recôndito dos
pacientes, os ouvi reviver suas dores, hora por hora, magoa por magoa, grito por grito. O
reviver desses traumas descarrega a tensão e a ansiedade, onde esta encapsulada a Dor da
Infância.

É como se você estivesse em pé dentro de uma piscina, segurando sob a água um grande
numero de bolas de praia cheias de ar e sentindo que, se elas vierem à superfície, vai ser um
desastre. Ao mesmo tempo, você esta tentando manter uma conversação com as pessoas que
estão ao redor, nas margens da piscina. A energia psíquica gasta nesse jogo de repressão é
inacreditável. Não é de admirar que estejamos tão cansados e preocupados, tão tensos e
ansiosos, com medo de algo desconhecido.

De modo geral as pessoas não gostam de si mesmas por causa de sofrimentos primais, antigos.
A critica severa dos pais, falada ou implícita, transforma-se na convicção da criança: “Eu sou
um tolo.” A expressão de irritação ou desgosto dos pais transforma-se no sentimento da
criança: “Eu não presto. Eu irrito as pessoas.”

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Eu lidei com essa dor primal e experimentei-a em toda a sua forca, muitos anos atras, em um
grupo de terapia. Um membro do grupo era uma jovem mulher, super dócil, plácida, reprimida,
que apresentava inúmeras fobias. Usando uma técnica, que desde então tem sido refinada
através de milhares de horas de experiência, levei a jovem mulher a bater numa grande
almofada de sofá que eu segurava diante de mim. Ela a colocou no chão e continuou batendo e
gritando a todo instante para a sua mãe: “Eu a odeio, eu a odeio!” Depois ela gritou para seu
pai ate ficar exausta. Ela jamais havia expressado o menor antagonismo contra qualquer um
dos dois ate então. Toda a hostilidade tinha sido reprimida.

Mais tarde ela disse: “Aquilo foi bacana! Eu nunca soube que todo aquele ódio estava dentro
de mim. Eu não sabia que odiava alguém. Jamais me permitiram usar a palavra ódio ou
expressar ira. Eu tinha que dizer coisas bonitas para as pessoas, e apenas coisas agradáveis
sobre elas. Eu jamais respondi a meus pais.” Ela freqüentou um grande numero de sessões
particulares, alem dessa, ate que uma vida inteira de ira reprimida pudesse ser descarregada.

Suas fobias e seu comportamento obsessivo - compulsivo começaram a diminuir à medida que
ela foi aliviada do peso de reprimir sua Dor primal. A repressão conduz à obsessão. Nesse
caso, ela havia reprimido tanto a dor e a ira, que seu comportamento obsessivo tornou-se
quase insuportável.

Que é que os pais fazem às crianças que as leva a reprimir seus verdadeiros sentimentos? E
como podem as crianças ter a permissão de expressar todos os seus “sentimentos
inaceitáveis”? Vamos considerar a última pergunta em primeiro lugar.

Manejando os Sentimentos
“Inaceitáveis”

Temos três escolhas: expressar sentimentos, o que pode ou não ser apropriado em
determinada ocasião; suprimir esses sentimentos, que significa ter consciência deles, mas
também reconhecer que o momento não é apropriado para expressá-los; ou reprimir os
sentimentos, sepultá-los, negar que eles existam, e então batalhar para conservar, no
inconsciente, aqueles sentimento de culpa inaceitáveis, pagando o preço de um prejuízo rela
para a personalidade. Os sofrimentos de Infância que não nos foi permitido expressar são
simplesmente acrescentados ao poço da Dor primal. Isso se transforma em “dor armazenada”,
que finalmente se expressara em sintomas emocionais ou físicos.

A mãe de uma criança pequena ficou embaraçada quando seu filhinho começou a gritar numa
loja. Ele queria um brinquedo que viu no balcão. A mãe não sabia exatamente o que fazer, e,
não querendo bater nele, permitiu que ele rolasse no chão, aos gritos. Uma multidão se ajuntou
em volta, e ouviu-se um murmúrio indignado de alguns que achavam que ela era uma mãe sem
autoridade.

Atingida pela comoção e pela critica, ela arrastou a criança chorona para o carro e fechou os
vidros. Quando ele parou de gritar, disse: “Jimmy, eu entendo o seu desejo de querer aquele
brinquedo. Não ha nada de mal em deseja-lo; mas não é certo gritar desse jeito em publico. As
pessoas não entendem. Sempre que você tiver vontade de chorar, fale comigo. Nos então
vamos ficar sozinhos, e você pode chorar o tempo que quiser.”
Alguns dias depois, tendo experimentado um desapontamento em casa, ele disse à sua mãe que
estava sentindo vontade de chorar. Ela disse: “Muito bem, vamos para o quarto e você pode
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chorar e ficar zangado do jeito que quiser.” Ele chorou bastante, e quando acabou ela o
abraçou. Ele estava aprendendo que o chora era uma coisa lícita, no lugar certo. Isso é bem
melhor do que a conhecida frase: “Pare de chorar (pare de sofrer), ou eu vou lhe dar um
motivo para chorar ainda mais!”

As Repressões dos Pais Causam


Prejuízo Permanente

Tendo ouvido, de centenas de pessoas aconselhadas, a respeito de repressões dos pais, pedi
que algumas delas fizessem uma relação das que lhes causaram maior ressentimento. Selecionei
algumas significativas, e, como resposta, indiquei o que a criança poderia ter dito se ele/ela
possuísse um vocabulário adulto suficiente, e a coragem de arriscar-se a ser severamente
punida ou mandada, em desespero, para seu quarto. Essas repressões verbais, com respostas
fantasiosas, ajudam a explicar como chegamos a ser o que somos.

Pai/Mãe: Não me interrompa! Eu estou conversando.

Criança: Ah! é? Sinto muito; mas, e as dez mil vezes que você me tem interrompido? Por
que para você é certo interromper-me a qualquer hora, em qualquer lugar, mas
para mim não é certo interromper você? Isto deveria funcionar dos dois lados,
não acha? Se você pedisse desculpas toda vez que me interrompesse, talvez eu
aprenderia um pouco de boas maneiras com o seu exemplo.

Pai/Mãe: Faça isso agora. Eu disse, nesse instante!

Criança: Está certo, está certo! Mas por que você espera obediência instantânea de minha
parte, mas nunca grita: "Faça isso agora!" para os outros? E quando eu lhe peço
alguma coisa, quase sempre você diz: "Espere um minuto, estou ocupado" ou
"Eu vou fazer isso quando ficar bom e estiver preparado. " E ontem você gritou
para mim: "Sai de cima de mim, por favor!" Eu sempre tenho de fazer as coisas
agora, neste exato minuto. Não importa o que eu esteja fazendo, eu tenho que
parar e fazer o que você quer que eu faça. Eu não entendo as pessoas adultas.
Acho que não gosto delas, às vezes penso que elas são doidas.

Mãe: Espere até seu pai chegar!

Criança: lh! eu já ouvi isso antes! Ainda faltam cinco horas para ele chegar, enquanto isso
eu tenho que viver sob uma grande nuvem negra de medo. Você sabe quanto
tempo cinco horas demoram para uma criança? É como se fossem cinco dias para
você. Você gostaria de viver os próximos cinco dias com uma ameaça sobre sua
cabeça, sabendo unicamente que alguma coisa de horrível vai acontecer? Você
não gostaria disso, gostaria? Sabe de uma coisa? Eu acho que você é sádica. É
isso aí. Ou então, você é completamente perversa. Se você acha que eu devo ser
punido, por que, então, você mesma não me castiga e acaba logo com isso?
Assim eu não teria que esperar cinco dias inteiros para descobrir se papai vai me
bater. Eu acho que não gosto de você. Nem um pouquinho. Mas vou fingir que
gosto, porque senão eu perco a minha segurança. E eu preciso dela
tremendamente.

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Pai/Mãe: Vá correndo e traga-me o martelo.

Criança: Olha! Por que eu sempre tenho que correr e pegar as coisas para você? Corra à
loja. Corra e diga a seu pai. Corra e pergunte à sua irmã. Corra e pegue a chave-
de-fenda. Corra, corra, corra. Eu estou cansado de correr. Vocês não correm.
Vocês andam! Vagarosamente. Vocês não se afobam. Mas eu tenho que estar
em alta velocidade, correndo para todo lado, levando recados, pegando
ferramentas, correndo para cumprir uma ordem. Eu vou continuar correndo até
gastar muito as minhas pernas, só para ter certeza de que sou amado, pois tenho
grande necessidade disso; mas espere até que eu cresça. Então não vou correr
para ninguém. Eu vou é aproveitar meu tempo. Eu posso até reagir e atuar
vagarosa e estupidamente apenas para vencer uma disputa pelo poder. Ou eu
poderei decidir-me a continuar correndo para Ia e para cá o resto de minha vida,
tenso e ansioso, com uma tremenda neurose de ansiedade me devorando,
engolindo tranqüilizantes para diminuir a ansiedade. Que tal vocês passarem a
receber ordens de mim? Hein? Corra e traga o meu café, mamãe. Papai, corra e
traga aquele brinquedo que você me prometeu. Olhem, vocês dois, a coisa
deveria funcionar de igual modo para mim e para vocês. Mas isso não acontece.
Esperem até que eu fique de fato bem grande, digamos com doze ou dezesseis
anos, e sabem o quê? Eu vou encontrar a maneira de tirar uma desforra. Eu
poderei então rebelar-me contra toda autoridade, e me voltar contra vocês. Eu
vou dar um jeito para isso.

Pai/Mãe: Deus não gosta quando você é mau.

Criança: Mau? Eu sou mau? Será que Deus me ama quando sou bom e fica aborrecido
comigo como vocês fazem quando cometo um erro? Se ele é assim, ele não é
melhor que vocês! E se Deus me odeia quando eu falho, então ele está aborrecido
com vocês também, porque no domingo passado o pastor leu aquela parte da
Bíblia que diz: "Todos pecaram", e isto diz respeito a vocês. E se, quando vocês
pecam, Deus se aborrece, então vocês estão em apuros. Quando vocês se
aborrecem e gritam um com o outro, será que Deus fica indignado com vocês?
Se é assim, ele está indignado com vocês a maior parte do tempo. A propósito,
por que é certo para vocês se aborrecerem, mas não é permitido que eu fique
zangado? Respondam, hein?

Pai/Mãe: Diga ao Jimmy que você está arrependido. Diga!

Criança: Está bem, está bem, mas eu não estou arrependido. Nem um pouquinho. Ele me
bateu primeiro e eu não me arrependo de ter batido nele; mas se eu não mentir e
disser a ele que estou arrependido, vocês vão me bater. Então eu vou mentir, e
desta maneira não levarei uma surra. Por que eu tenho que pedir desculpas ao
Jimmy, quando eu bato nele em defesa própria, e vocês nunca me pedem
desculpas quando me batem, hein?

Pai/Mãe: Olha para estas notas!

Criança: Eh! olhe só para elas! Continue olhando até ver se consegue descobrir por que
elas estão tão baixas. Eu vou lhe dizer. Todas as crianças querem aprender. lsso
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está dentro de nós; mas com vocês dois brigando e ameaçando separar-se, meus
nervos estão bombardeados. Eu não consigo me concentrar; eu nem mesmo
consigo lembrar-me das tarefas que o professor passa. Metade das vezes vou
para a escola com um nó no estômago, e então o meu cérebro não funciona.
Quando vocês não discutem sobre quem está certo e quem está errado, vocês
brigam sobre dinheiro e milhares de outras coisas que eu não entendo. O que eu
sei é que fico com esse nó enorme no meu estômago e me sinto angustiado o
tempo todo. Outra coisa: De outra vez, quando eu tirei três notas 10, duas notas
8 e um 7, vocês disseram, "está bem, mas você pode ainda fazer melhor. " Será
que eu recebi algum reconhecimento par ter-me matado, a rim de tirar essas
notas? Não! Vocês apenas continuaram colocando alvos mais altos. Eu não
gostei disso, vocês sabem ? Por isso, na vez seguinte tirei notas 7, dois 6 e dois 4.

Pai/Mãe: Isso faz sofrer mais a mim do que a você.

Criança: Você deve estar brincando! Ou ficou maluco. Crianças não engolem essa. Eu sei
o que você sente quando está batendo em mim. Você se sente irado e frustrado
porque tem uma pobre idéia do que significa criar filhos, e projeta sobre mim o
ódio que tem contra si mesmo, e me bate só porque é um pai incompetente. Eu
sei que cometo erros, mas isso é uma justificativa para você sair por aí me
espancando? Você chama isso uma surra. Para mim é um espancamento, porque
é assim que sinto. Olhe, quando você comete um erro, será que alguém bate em
você? Qualquer pai idiota pode sair batendo em uma criança, mas o pai
cuidadoso é aquele que vai à biblioteca para retirar alguns livros sabre como
educar filhos. Se você gastasse tanto tempo estudando como ser um bom pai,
como gasta vendo televisão, poderia aprender como algumas punições só me
fazem ficar ressentido e rebelde, e como eu inconscientemente decido punir você
de algum modo, por fazer alguma coisa realmente má.

Pai/Mãe: Pare de chorar, se não eu vou fazer você chorar de verdade.

Criança: Está bem, se você diz assim. Eu não tenho outra escolha. Portanto, o que vou
fazer é isso: Vou sepultar minha dor, meu sofrimento e minha raiva, sepultá-los
tão profundamente que ninguém jamais vai saber o que estou sentindo. Também
vou sepultar minha alegria e minha espontaneidade. Vou me trancafiar, e assim
não sentirei muito as coisas. Vou-me tornar uma pessoa sem sentimento, isso é o
que vou fazer. Vou substituir os sentimentos sepultados, que não posso
expressar, pelo cinismo. Posse ter dores de cabeça, depressão, ou outros
sintomas, mas pelo menos não terei de sentir.

Pai/Mãe: Você deve respeitar seus pais.

Criança: Eh, o quê? Você não me respeita. Você grita comigo, bate em mim, me diz que
eu sou mau, ou bobo, ou burro, ou desajeitado. Se você fizesse isso com seus
amigos, você perderia todos eles. Você é obrigado a ser delicado com eles,
mesmo quando você não gosta do que eles estão fazendo. Você os respeita tanto,
que não os pode insultar. E sabe de uma coisa? Alguns deles são verdadeiros
esquisitões. Eu já ouvi você dizer isso às escondidas, mas na frente deles você é
gentil. Se eu agisse desse jeito estranho, você ia me fazer pagar! Não, você não
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me respeita, e, francamente, nem eu posso respeitar você. Mas eu tenho que
representar ao seu lado, porque você é maior do que eu, e eu preciso de você por
enquanto. lsso até eu crescer. Então, tome cuidado!

Pai/Mãe: Não meta a mão aí embaixo!

Criança: É? Há alguma coisa errada com esta parte do meu corpo? lsso aqui embaixo é
mau ou pecaminoso? Eu pensava que tudo em mim for feito por Deus. Sendo
assim, por que uma parte de mim é má ou suja? Está bem, eu vou reprimir minha
sexualidade e passar a pensar em sexo como algo sórdido, sobre que não se pode
falar, e apenas contar estórias imorais. A propósito, se sexo é obsceno, que dizer
de algumas dessas revistas que vejo espalhadas pela casa? Será que sexo é
assunto apenas para pessoas grandes? Qual é o grande segredo? Se há alguma
coisa que você está tentando esconder de mim, eu vou descobrir o que é, de um
jeito ou de outro. Breve.

Pai/Mãe: Não Ouse responder-me!

Criança: Por que não? Vocês dois respondem um ao outro e em tom elevado. Vocês
gritam e discutem ou ficam muito tempo com raiva, sem se falar, o que é pior do
que gritar. As vezes vocês usam algumas palavras que vocês me disseram que são
feias, e que eu não deveria usar. Por que vocês discutem e gritam um com o
outro, e se eu respondo com uma pequena palavra, levo uma surra?

Pai/Mãe: Eu não sei o que vai ser de você!

Criança: Se vocês não sabem, então quem sabe? Eu sou apenas uma criança, e como
posso eu saber? Mas se vocês continuarem a predizer fracasso para mim, eu vou
acreditar de fato que eu sou uma criança má, estragada, como vocês dizem. Suas
perguntas se tornam minhas dúvidas. E minhas dúvidas vão tornar-se uma
certeza, e eu vou fracassar exatamente como vocês me programaram.

Pai/Mãe: Você fez isso? Se você fez. eu vou castigá-lo?

Criança: Não seja tolo. Eu não vou confessar. Eu vou mentir sobre isso, como qualquer
criança normal, de sangue vermelho, que não quer levar uma surra. Porque
algumas vezes, quando minto, escapo; mas se confesso, sou espancado de todos
os lados. E quando vocês dizem que eu não serei punido se falar a verdade, e eu
confesso, então recebo um tremendo sermão, que dura uma hora inteira; e vocês
ficam dias e dias fazendo referência ao fato. Eu prefiro arriscar a mentira, e assim
talvez escape de levar uma surra. E provavelmente eu vou continuar mentindo
porque quando sou acusado, minha resposta automática é que deve defender-me.
Vocês também mentem. Eu já ouvi vocês mentirem para as pessoas várias vezes.
E eu ouvi vocês dois tramando contra o imposto de renda. Aquilo foi ou não foi
uma mentira? E alguém bateu em vocês por causa disso? Então, por que vocês
me batem quando digo uma mentira? Acusem-me bastante, e eu vou tornar-me
um mentiroso profissional, com medalha de ouro, patológico, como vocês dizem
que o Tio Ted é.

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Pai/Mãe: Fique quieto! Pare de se mexer! Você tem que ficar quieto na igreja, ouviu?

Criança: Na minha idade, vocês esperam que eu, uma criança, fique sentado quieto
enquanto alguém solta toda aquela pesada discussão teológica? Se vocês querem
saber, aquilo é uma verdadeira ginástica mental. Eu já estou de cabeça cheia. Eu
aposto que vocês também ficavam, quando eram crianças e iam à igreja, apesar
de serem tementes a Deus e severos agora. Olhem, suponhamos que vocês
fossem a uma conferência de um físico nuclear e ele falasse sobre como E =
MC2 opera em relação aos ions de determinada molécula e qual o efeito disso
sobre um bocado de isótopos. Vocês ficariam sentados quietos ouvindo isso
durante três horas? É quanto dura a sua hora para mim. A igreja não está
aparelhada para crianças! Minhas pernas, quando sentado, nem sequer alcançam
o chão. Vocês gostariam de sentar num banco duro durante horas com as pernas
balançando? Outra coisa. Considerem aquela caixa cheia de areia em que eu
costumava brincar quando estava no Departamento de Infância da Escola Bíblica
Dominical. Por que brincar numa caixa de areia na igreja é religioso, e brincar em
uma caixa de areia no Jardim de Infância é secular? Que você me diz sobre isso?
E ainda mais outras coisas. Eu notei quão piedosos vocês dois pareciam sentados
na igreja, mas vocês não pareciam tão religiosos no outro dia, quando estavam
gritando um com o outro. E que dizer daquela vez quando vocês não se falaram
durante quatro dias inteiros? E eu tenho ouvido um linguajar bastante áspero da
parte de vocês dois, palavras que vocês dizem para eu não usar. Não importa o
que vocês digam para eu fazer ou não, eu vou crescer imitando vocês. Vocês
deviam saber disso.
Eu amo vocês, mas acho que vocês são fingidos. Aquela asma que tive,
lembram-se? E aquela cólica antes, e aquele desmaio? Vocês sabem o que
causou aquilo? Eu vou dizer, foi por causa de toda essa tensão a que estou
sujeito nesta família. E aqueles sonhos terríveis, que eu costumava ter, vinham
todos do conflito que sinto nesta casa. Eu amo vocês, na verdade, principalmente
porque preciso de vocês, mas detesto vê-los falando de um jeito e agindo de
outro. lsso me aborrece.

A auto - imagem da criança é formada em seus primeiros anos. Ou ela aprende que é amada, é
uma grande criança, de boa índole, fazendo o melhor possível, e vai ser bem - sucedida na
vida, ou aprende que não é amada, mas suporta impacientemente, que é má ou burra, e vai
provavelmente chegar a um final infeliz.

Ausência de uma Alternativa

É igualmente frustrador e prejudicial deixar a criança sem uma alternativa. George, um homem
de quarenta anos, agradável, mas incrivelmente tenso e ansioso, disse: "Quando eu era criança,
minha mãe ficava perguntando por que eu não falava. É claro que eu não sabia por que. Ela
costumava dizer: “Você nunca fala! Que é que há com você?” Eu só podia imaginar que devia
haver alguma coisa errada comigo, mas, quando eu tentava dizer algo, ela invariavelmente se
arremetia contra mim, sempre mostrando-me onde eu estava errado, ou por que eu não deveria
pensar como pensava. Com ela não havia para mim jeito de sair-me bem."

O Feto É uma Pessoa Que Sente!

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A vida não começa no nascimento, mas antes dele. Uma criança não nascida pode aprender,
sentir dor, adquirir preferências e aversões, e até ficar entediada no ventre materno, de acordo
com o Prof. William Liley, da Universidade de Auckland. Ele declarou, em uma conferência:
"O processo de aprender a sugar, beber, usar as pulmões e membros, começa no ventre
materno, um ambiente em que se prepara para emersão em outro ambiente, por ocasião do
nascimento." Ele continuou dizendo que "a criança não nascida é responsiva à dor e ao tato,
ao frio, ao som e à luz. Ela tem soluços, e chupa o dedo. Pisca as olhos e dorme. Ela se cansa
de sinais repetidos, mas pode ser ensinada a ser alertada por um primeiro sinal ou um sinal
diferente."

As conclusões do Prof. William foram baseadas em experiências com crianças não nascidas,
na Universidade de Auckland, na Nova Zelândia.

Também há considerável evidência de que a criança não nascida sente muito do que a mãe
sente. Sua ansiedade, ou medo, felicidade ou depressão, são sentidos pela criança, uma vez
que, afinal de contas, a criança é ainda parte da mãe.

O Dr. Frederick Leboyer, autor de Birth Without Violence (Nascimento sem Violência),4
afirmou, numa entrevista, que, em sua opinião, a criança é "consciente desde o momento da
concepção".

Esteja-se ou não preparado para aceitar isso sem questionar, aceita-se geralmente que os
primeiros anos de vida são de enorme importância. Não podemos estar certos de todas as
forças que atuaram sobre nós nos primeiros anos de vida, uma vez que muito mais de nove
décimos de tudo quanto aconteceu desde o nascimento até a idade de cinco anos for sepultado,
mas o que aconteceu naqueles primeiros anos formou-nos e fez de nós aquilo que somos.

Não são apenas as humilhações verbais que prejudicam uma criança. Um pai ou uma mãe sem
sentimento, incapaz de expressar amor, pode produzir uma criança cujos sentimentos sejam
bloqueados; e os resultados variam de depressão e ineficácia geral à doença mental.

Todos Nós Somos Prejudicados

Sem conhecer os detalhes, podemos sentir o quadro geral: todos nós, mesmo no ambiente
familiar mais esclarecido e amoroso, fomos prejudicados de alguma forma; pois, como não há
pais perfeitos, não há ambiente perfeito e assim não há crianças perfeitas se desenvolvendo
para a idade adulta.

Nós deixamos de gostar de nós mesmos na proporção direta da quantidade de rejeição e


criticismo que experimentamos na infância. Nós gostamos de nós mesmos e nos aceitamos no
mesmo grau em que nossos pais nos amaram e aceitaram de um modo que pudemos aceitar.

Pais aduladores, insensíveis, frios produzem crianças que tendem a sentir-se indignas e
autorejeitadas. Elas acham difícil receber cumprimentos, e experimentam uma excessiva carga
de ansiedade, que se desprende livremente. O bebê que não foi segurado no colo, ninado ou
afirmado irá tornar-se um adulto portador de profunda ansiedade e problemas físicos ou
emocionais. Como Erich Fromm observou, nós aprendemos a amar pelo fato de termos sido
amados.5 Freqüentemente um indivíduo é limitado no amor - próprio porque, quando criança,
pouco ou nenhum amor lhe foi demonstrado. Na parte inicial deste século, a escola do
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"behaviorismo" floresceu por um tempo e produziu uma grande dose de influência prejudicial
sobre os filhos daqueles que seguiram os princípios do behaviorismo.

A fim de entender completamente a escola do behaviorismo, considere-se a seguinte


declaração de seu fundador, Dr. J. B. Watson:

"As mães, quando beijam seus filhos, os pegam no colo, embalam, acariciam e balançam nos
joelhos, simplesmente desconhecem que estão vagarosamente formando um ser humano
totalmente despreparado para enfrentar o mundo no qual ele deve viver mais tarde... Há um
modo sensato de tratar as crianças. Trate-as como se elas fossem adultos jovens... Nunca as
abrace ou beije, nunca as deixe sentar no seu colo. Se você desejar, beije-as na testa quando
elas disserem boa-noite... Será que uma mãe não pode treinar a substituir o beijo e o abraço, o
pegar no colo e os afagos, por uma palavra gentil, um sorriso, em todo o seu trato com a
criança? Se você não tem uma babá e não pode deixar a criança, coloque-a fora da casa, no
quintal, uma boa parte do dia. Faça uma cerca em volta do quintal para ter certeza de que
nenhum mal vai lhe acontecer. Faça isso desde que ela nascer.., Se o seu coração é tão sensível
e você precisa olhar a criança, arranje uma vigia, de modo que você possa vê-la sem ser vista,
ou use um periscópio... Finalmente, aprenda a falar sem usar termos de carinho e afeto." 6

Muitos pais que estão horrorizados com tal método de abordagem para a criação dos filhos
têm causado danos irreparáveis a seus filhos, por alternarem entre excessiva permissibilidade e
punição, por excessivo criticismo, e milhares de outras maneiras. A maioria de nós, de fato,
tem sido prejudicada até certo ponto, muito ou pouco, por pais bem-intencionados que
acreditaram firmemente que nos amavam, mas que falharam em demonstrá-lo através dos
meios mais simples e fundamentais - pelo tato e caricias, pelo elogio e afirmação.

Tais pessoas não podem gostar de si mesmas ou amar-se porque não foram amadas de uma
maneira que pudessem aceitar prontamente. Freqüentemente os pais enviam uma mensagem
dupla: a mensagem verbal é: "Você sabe quanto nós o amamos querido; veja todas as coisas
que fazemos por você, e tudo o que temos dado a você, para não mencionar os sacrifícios que
temos feito par você", mas a mensagem que a criança recebe pode desenvolver estes
sentimentos:

Vocês não me amam porque nunca me seguram ou acariciam.

Vocês gritam comigo o tempo todo, e depois dizem que me amam.

Para cada palavra de aprovação, recebo uma centena de criticas, portanto, não sou bom. Eu
não sou amado.

As atitudes da mãe podem negar suas palavras; seu tom de voz pode estar em total desacordo
com aquilo que ela diz. O filho de pais assim, ao crescer, pode vir a ser avesso ao carinho, ter
medo de dar e receber amor, desconfiado dos motivos das pessoas, frio e indiferente; ou
então, dependendo de inúmeros fatores, ele pode tornar-se expansivo e arrebatado,
supercondescendente, enviando mensagens insinceras, enquanto está sentindo por dentro:
"Amem-me, aceitem-me, digam-me que estou certo; acariciem-me, afirmem-me, compensem
todo o amor e carinho que eu deixei de receber quando criança."

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Culturas e religiões de todas as variedades têm procurado um objetivo comum: o Nirvana dos
budistas, o Satori do Zen, o Samadhi dos hindus, a "paz que excede todo o entendimento" dos
cristãos. Será que esse anelo por uma paz e serenidade infinitas poderia ser não simplesmente
a reação às tensões da vida, mas um eco da paz uma vez experimentada antes do nascimento?
Ou seria, antes, a obsessiva memória da preconcepção, da identidade sentida em uma
experiência pré-natal, quando nós éramos um com o Pai? Ninguém pode dizer a palavra final.
A única coisa certa é que estamos aqui, fomos prejudicados até certo grau, somos todos
diferentes, e devemos aprender a viver juntos, a comunicar mais eficientemente, a amar mais
profundamente. Ou pereceremos juntos.

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