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(1) pedromflemos@ufrj.br
Resumo
Esse fenômeno tem sem dúvida origem nas fundações dessa relação, cuja
história é tão antiga quanto a evolução da espécie humana e das civilizações. Não há
vida sem produção de resíduos, ainda que sejam eles ligados estritamente ao corpo,
constituinte material mínimo da existência física de um ser, como, por exemplo, os
restos de alimentação e os fluídos corporais e excrementos.
Introdução
Não se pode, portanto, tratar a questão dos resíduos sem se debruçar sobre suas
raízes econômicas, políticas, sociológicas, etc; mas também é preciso lembrar das
psicológicas, afetivas e até mesmo mitológicas. Estas três últimas tem sido, grosso
modo, deixadas de lado pela literatura, academia e pelas instituições/autoridades
dedicadas a investigação do resíduo.
As reflexões deste trabalho dão início à busca de pontes de contato entre estes.
Há no psicológico, nos afetos e nos mitos questões fundantes dessa relação resíduo /
sociedade. Esse trabalho é o primeiro passo de uma pesquisa de mestrado que procura
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O Morro do Bumba foi formado em um vale que servia de lixão na década de 60. Durante
anos, camadas de lixo e de terra se alternaram na composição do terreno. O solo instável e com declive
acentuado não resistiu às chuvas em abril de 2010, levando a desmoronamento de parte do morro.
encontrar esse ponto de costura, fortalece-lo e explorá-lo dentro do campo de discussão
de resíduos sólidos.
Como explicar esse quadro onde constatamos a realidade, mas diante dela
permanecermos imóveis? Como romper a inércia e passar à ação transformadora,
construída pela reflexão crítica, seja individual ou coletivamente?
Somos cultura, no sentido de que somos aqui o que pensamos, que afetamos, que
nos afeta e que percebemos. Somos mente e corpo em uma unidade, dirigido por
estados mentais constituídos por fluxos de pensamentos, afetos e percepções (Ouriques,
2007). Nossa relação com o lixo é produto histórico-cultural, histórico tanto no sentido
de nossa história como indivíduo, mas também da história pregressa da relação da
sociedade na qual estamos inseridos com o resíduo. Assim a análise psicológica, se
encontra necessariamente conectada à análise econômica e, portanto, política a uma só
vez. Motivo pelo qual para entender essa constituição histórico-sociológico-cultural e
seus desdobramentos passamos a observar o tema com auxílio do prisma da
psicopolítica.
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Ou está parado e assim tende a permanecer. Contudo, não considero que possamos ser lidos
como corpos parados.
A psicopolítica da teoria social e da filosofia trabalha com a indissociabilidade
psíquico-político, tendo em vista a irracionalidade preponderante nas formas globais de
organização que expõem a humanidade em face da aposta utópica que é insistir na
mentalidade de que a felicidade seria ser aristocrata ou burguês.
No entanto sabemos que não há recursos naturais suficientes para produzir tais
padrões para todas as pessoas. Por isso fala-se em competir como se esta fosse uma
natureza humana essencial. Traumatiza-se o indivíduo e os grupos, e assim as
instituições que eles formam e sustentam em rede. Fica nele apenas com uma casca
liberal que não resiste às pressões de um desejo e um corpo que ele imagina ser
constituído por uma irracionalidade original, inimigos mesmo de sua razão, que ele
desqualifica diante da manipulação que fazem os interessados naqueles padrões
aristocrata e burguês.
O lixo é um objeto que antes tinha valor positivo e um dono e este explorar seu
valor, desapropria-o, dando a esse objeto, agora com o valor negativo do resto, o status
de lixo. Esse lixo é, portanto, o “passivo econômico” ou ambiental que é despejado no
ambiente (sociedade). Assim, a sociedade de indivíduos como um todo, através do
Estado, gera esse “passivo”, garantindo que o “ativo” fique apropriado por uma minoria.
(Alvarez, 2012)
O resíduo assume aqui então uma função violenta. Como o resto de uma
identidade que imposta ao outro, o denigre, dando-o lugar de lixo. O “asco” relativo ao
lixo, se estende àqueles que passam a lidar com ele. Daí a invisibilidade dos
profissionais envolvidos com limpeza urbana, gestão de resíduos e também dos
mendigos, catadores e outros. Estes ao lidar diretamente com o lixo ultrapassam a
fronteira de construção social do lixo e, por isso, ficam impregnados da mesma
denotação.
Desdobramentos Futuros
Esse fenômeno (da significação do resíduo como lixo) tem sem dúvida origem
nas fundações dessa relação, cuja história é tão antiga quanto a evolução da espécie
humana e das civilizações. Não há vida sem produção de resíduos, ainda que sejam eles
ligados estritamente ao corpo, constituinte material mínimo da existência física de um
ser, como, por exemplo, os restos de alimentação e os fluídos corporais e excrementos.
Essa complexa relação sociedade / resíduo, não nos deixa, por evidente, perspectivas
futuras das mais amigáveis.
Referências Bibliográficas
ÁLVAREZ, Raúl Néstor. La basura es lo más rico que hay: relaciones políticas
en el terreno de la basura: el caso de los quemeros y los emprendimientos sociales en el
Relleno Norte III del CEAMSE. Editorial Dunken, 2011.
MORIN, Edgar. A cabeça bem feita. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, p. 99,
2000.
SILVA, Marcelo Côrtes. Recicla CCS: novo olhar sobre a gestão de resíduos
em Universidades. Rio de Janeiro, 2015. Dissertação (Mestrado em História das
Ciências, das Técnicas e Epistemologia) – Centro de Ciências da Matemática da
Natureza, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015