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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

INSTITUTO DE ARTES
DEPARTAMENTO DE MÚSICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA –
MESTRADO E DOUTORADO

Memorial de composição

JARDIM DOS CAMINHOS QUE SE BIFURCAM:


PROCESSOS COMPOSICIONAIS

por
James Corrêa Soares

Porto Alegre
2003
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE ARTES
DEPARTAMENTO DE MÚSICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA –
MESTRADO E DOUTORADO

Memorial de composição

JARDIM DOS CAMINHOS QUE SE BIFURCAM:


PROCESSOS COMPOSICIONAIS

por
James Corrêa Soares

Memorial submetido como


requisito parcial para obtenção do
grau de Mestre em Música; área de
concentração: Composição.

Orientador
Prof.Dr. Antônio Carlos Borges Cunha
Porto Alegre
2003
AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, Prof.Dr. Antônio Carlos Borges Cunha.

À Profª.Drª. Jusamara Souza, pelos valiosos ensinamentos e pelo prazer

envolvente com que ensina.

Aos amigos Fernando Mattos e Maria Helena Bernardes, pelas longas

conversas sobre arte e as seções “terapêuticas” nos momentos mais difíceis.

À Ana Maria Pinheiro, pelas valiosas revisões e sugestões.

Aos músicos que interpretaram com dedicação e seriedade minhas obras no

recital: Luciane Cuervo, Catarina Domenici, Antônio Carlos Borges Cunha, Diego

Grandene, Samir Hatem, Rodrigo Bustamante e Angela Melo.

Ao Prof.Dr. Eloi Fritsch, coordenador do Centro de Música Eletrônica do

Instituto de Artes da UFRGS, pela cedência das caixas de som JBL para a realização

do concerto.

À minha família, Catarina Domenici e Mikael Domenici Correa, pela

paciência, apoio incondicional e amor, pessoas imprescindíveis, às quais esse trabalho

é dedicado.

À CAPES, pela concessão da bolsa de estudos que possibilitou a realização

deste trabalho.
Resumo

Este trabalho apresenta a descrição do processo composicional das

composições O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam, para violão e sons eletrônicos;

Spells, para flauta-doce soprano, contralto, baixo (um executante) e computador;

Danças & Intermezzi, para piano e sons eletrônicos; Figurações Percusmáticas, para

sons eletrônicos com difusão em estéreo; e Ets Chayim, para clarinete, percussão,

piano, violino e violoncelo. As peças são descritas de acordo com o modelo de

processo composicional sistematizado pelo autor, tendo como referencial os modelos

propostos por Mikhail Malt e Robert Morris. São feitas considerações sobre a

formação do pensamento estético que permeia o corpo de composições deste projeto:

a utilização do computador como ferramenta de auxílio à composição, síntese sonora

e instrumento de performance; o uso de elementos de diferentes culturas musicais

como fonte conceitual e/ou criativa para a composição; a influência estética dos

compositores György Ligeti e Kaija Saariaho.

Palavras-chave: processo composicional, sons eletrônicos, computação musical,

composição assistida por computador.


Abstract

The purpose of this memorial is to describe the compositional process of the

pieces O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam ( The Garden of the Forked Paths),

for guitar and electronics; Spells for soprano, alto and bass recorders (one player) and

live electronics; Dances & Intermezzi, for piano and electronics; Figurações

Percusmáticas for electronics (in stereo sound diffusion) and Ets Chayim (The Tree-

of-Life), for Bb clarinet, percussion, piano, violin and cello. The description of the

pieces follows the model of the compositional process systematized by the author

based on the models proposed by Mikhail Malt and Robert Morris. This memorial

also presents some considerations on the aesthetic thoughts that influenced the

composition of the pieces, such as: the computer as a tool for composition, sound

design and performance; the use of elements from other music cultures as source

material to new works; and the influence of the composers György Ligeti and Kaija

Saariaho.

Keywords:compositional model, electronic sounds, computer music, computer

assisted composition.
“Nevertheless I used to be very much against

certain aspects of ‘paper music’ or ‘music

intellectual’, and I have always said that my music

is made for the ear and not to be read.”

Kaija Saariaho
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................................................................. 1

1- CONSIDERAÇÕES ESTÉTICAS E MODELO DE PROCESSO COMPOSICIONAL……….…………………………4

1.1 – CONSIDERAÇÕES ESTÉTICAS .....................................................................................................................4


1.2 – PROCESSO COMPOSICIONAL .....................................................................................................................8
1.3 - MODELO DE PROCESSO COMPOSICIONAL ................................................................................................11
2 - O JARDIM DOS CAMINHOS QUE SE BIFURCAM........................................................................................................................... 14

2.1- IMPULSO GERADOR ...................................................................................................................................14


2.2 - ESTRUTURAÇÃO FORMAL ........................................................................................................................16
2.3 – DELIMITAÇÃO DO ESPAÇO COMPOSICIONAL..........................................................................................16
2.4 - MODELAGEM DO ESPAÇO COMPOSICIONAL.............................................................................................18
3 - SPELLS ....................................................................................................................................................................................................... 29

3.1- IMPULSO GERADOR ...................................................................................................................................29


3.2 - ESTRUTURAÇÃO FORMAL .......................................................................................................................30
3.3 – DELIMITAÇÃO DO ESPAÇO COMPOSICIONAL..........................................................................................32
3.4 - MODELAGEM DO ESPAÇO COMPOSICIONAL.............................................................................................35
4 - DANÇAS & INTERMEZZI....................................................................................................................................................................... 47

4.1- IMPULSO GERADOR ...................................................................................................................................47


4.2 – META-FUNK..............................................................................................................................................49
4.3 – INTERMEZZO I: ESPELHO DE AREIA..........................................................................................................52
4.4 – DANÇA DE INVERNO .................................................................................................................................55
4.5 – INTERMEZZO II: ESPELHO DE GRANITO ...................................................................................................57
4.6 – CÍRCULOS DE FOGO .................................................................................................................................61
5 - FIGURAÇÕES PERCUSMÁTICAS ........................................................................................................................................................ 67

5.1- IMPULSO GERADOR ...................................................................................................................................67


5.2 - ESTRUTURAÇÃO FORMAL ........................................................................................................................68
5.3 – DELIMITAÇÃO E MODELAGEM DO ESPAÇO COMPOSICIONAL ................................................................68
6- ETS CHAYIM .............................................................................................................................................................................................. 71

6.1- IMPULSO GERADOR ...................................................................................................................................71


6.2 - ORGANIZAÇÃO GLOBAL DA OBRA ...........................................................................................................73
6.3 – ESTRUTURAÇÃO FORMAL, DELIMITAÇÃO E MODELAGEM DO ESPAÇO COMPOSICIONAL DE CADA
MOVIMENTO ......................................................................................................................................................74

CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................................................................................................... 100

BIBLIOGRAFIA........................................................................................................................................................................................... 103

DISCOGRAFIA ............................................................................................................................................................................................ 107

ANEXO........................................................................................................................................................................................................... 109
INTRODUÇÃO

Este memorial apresenta a descrição do processo composicional das obras O

Jardim dos Caminhos que se Bifurcam, Spells, Danças & Intermezzi, Figurações

Percusmáticas e Ets Chaiym. As composições foram realizadas no período de fevereiro

de 2001 a agosto de 2002, durante o Curso de Mestrado em Composição do Programa de

Pós-Graduação do Departamento de Música da Universidade Federal do Rio Grande do

Sul.

O memorial está organizado em seis capítulos, sendo acompanhado de um

segundo volume contendo as partituras das composições O Jardim dos Caminhos que se

Bifurcam, Spells, Danças & Intermezzi e Ets Chaiym, e de um disco compacto com o

registro fonográfico de todas as peças.

O primeiro capítulo refere-se às considerações estéticas que guiaram a concepção

das obras, às referências teóricas que apoiaram o desenvolvimento do modelo de processo

composicional e à apresentação do mesmo. Primeiramente relato os elementos que

nortearam a formação da minha concepção estética e a influência do pensamento

composicional dos compositores György Ligeti e Kaija Saariaho. Na seção seguinte,

exponho os modelos de processo composicional desenvolvidos por Mikhail Malt e

Robert Morris, os quais, ao lado da observação de minha forma cotidiana de compor,

contribuíram para a sistematização das quatro etapas do meu modelo de processo


composicional: impulso gerador, organização da estrutura formal, delimitação do espaço

composicional e modelagem do espaço composicional. Os capítulos subseqüentes

seguem a estrutura do modelo de processo composicional para a descrição das peças,

seguindo a ordem cronológica de composição. Apesar de a descrição de todas as peças

utilizar a mesma estrutura, o seccionamento dos capítulos ocorre de modo diferenciado,

obedecendo às necessidades de cada uma delas.

Nos capítulos dois e três, referentes às peças O Jardim dos Caminhos que se

Bifurcam e Spells, a descrição de cada fase do processo composicional é feita em seções

separadas. No quarto capítulo, que descreve o processo composicional de Danças &

Intermezzi, a primeira seção trata do Impulso Gerador da peça como um todo; as outras

descrevem as três fases restantes separadamente para cada movimento: 4.2 – Meta-funk;

4.3 – Intermezzi I: Espelho de Areia; 4.4 – Dança de Inverno; 4.5 – Intermezzi II:

Espelho de Granito; 4.6 – Círculos de Fogo. No quinto capítulo, que trata da peça

Figurações Percusmáticas, as fases Impulso Gerador e Organização da Estrutura Formal

foram descritas em seções separadas, e as duas últimas fases, aglutinadas em uma única.

O último capítulo, que descreve a composição de Ets Chayim, está organizado em três

seções. As duas primeiras tratam do Impulso Gerador e da organização da estrutura de

toda a peça, enquanto a última seção descreve a organização formal, a delimitação e a

modelagem do espaço composicional de cada um dos dez movimentos em separado.

2
Para finalizar esta introdução, duas considerações fazem-se necessárias. No

decorrer desse trabalho são citados alguns algoritmos desenvolvidos pelo autor e

utilizados na composição das peças deste projeto. Esses algoritmos foram programados

em linguagem LISP, sendo parte da biblioteca de funções de auxílio a composição OM-

Modeling a qual desenvolvo desde 1998. OM-Modeling está sendo implementada como

uma biblioteca de extensão nos Ambientes de Composição Assistida por Computador

OpenMusic e Common Music. Como o foco desse memorial é a descrição do processo

composicional das peças realizadas durante o Curso de Mestrado em Composição, não

será discutido o desenvolvimento e a implementação dos referidos algoritmos. Durante a

descrição dos processos composicionais, foi utilizado para descrever a organização das

alturas o sistema de notação da Teoria de Conjuntos Classes de Notas (Pitch Class Set

Theory) desenvolvida por Allen Forte. Por não fazer parte do objetivo desse trabalho,

essa teoria não será apresentada. O leitor não familiarizado com a Teoria de Conjuntos

Classes de Notas poderá consultar os autores Forte, The structure of atonal music, e

Morris, Composition with pitch classes: A theory of compositional design.

3
1 - CONSIDERAÇÕES ESTÉTICAS E MODELO DE PROCESSO

COMPOSICIONAL

1.1 – Considerações estéticas

Meu direcionamento estético está ligado à necessidade pessoal de buscar

constantemente novos procedimentos, idéias, novas músicas e sons, no contexto do meu

trabalho, não necessariamente inéditos no cenário musical. Esse interesse por diferentes

estímulos me leva a integrar diferentes meios, linguagens e elementos de diversas

culturas musicais no meu cotidiano composicional. Nas composições deste portfólio, essa

integração ocorre principalmente de dois modos: na utilização do computador como

ferramenta de auxílio à composição, na síntese sonora e como instrumento de

performance; e no uso de elementos de diferentes músicas como fonte conceitual e/ou

criativa para a criação de uma composição.

O uso do computador como ferramenta de auxílio à composição é uma constante

no meu trabalho composicional desde 1997. Não enfatizo procedimentos de composição

automática, meu interesse é pelo uso do computador como ferramenta para gerar e/ou

manipular materiais musicais que são integrados ao trabalho manual de composição. O

computador é utilizado como auxiliar no processo composicional de todas as peças

descritas neste trabalho, em especial nas obras O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam,

4
Spells, os dois Intermezzi de Danças & Intermezzi e no sexto movimento de Ets Chayim,

Geburah. Como ferramenta de síntese sonora, o computador pessoal, hoje, torna possível

para o compositor o desenvolvimento, ou “renderização”, de composições inteiras com

sons eletrônicos com qualidade profissional, até poucos anos encontrada apenas em

grandes centros de música eletroacústica. O acesso a essas ferramentas é também

fundamental para meu direcionamento estético atual. O uso de sons eletrônicos ao lado de

instrumentos acústicos, que é o principal uso dessa tecnologia nas composições desse

projeto, permite explorar novas sonoridades, ampliando a paleta de timbres e texturas

musicais. Além disso, a integração desses meios instigou a concepção de idéias novas no

contexto da minha trajetória composicional. Um exemplo disso é a peça Spells para

flautas-doces e computador. Nessa composição a concepção da parte eletrônica como

discurso meta-lingüístico em tempo real, sobre o que é interpretado pela flautista, foi

possível pela utilização do computador para transformar e expandir as possibilidades

sonoras da flauta-doce. Penso que o uso em música de conceitos e teorias vindos de

outras disciplinas possibilita a expansão do pensamento musical, tanto no que diz respeito

à geração de materiais ou técnicas composicionais, quanto como impulso para a

formulação de idéias geradoras de novas composições. Dessa forma, acredito, a

computação musical possibilitou a busca de novas soluções composicionais que

influenciaram de forma direta minha estética.

5
Ao longo de minha trajetória musical experienciei, como intérprete, compositor e

consumidor, diferentes “músicas”, tais como, a música popular brasileira, o jazz e o rock.

Nas composições deste projeto procuro integrar elementos dessas culturas musicais ao

meu trabalho como compositor, não como citações ou imitações estilísticas, mas com a

intenção de criar uma forma de expressão musical pessoal. Essa integração ocorre de

várias maneiras em todas as composições, desde o uso do tapping, em O Jardim dos

Caminhos que se Bifurcam, uma técnica de execução característica do rock, até o mais

conceitual, como na composição Danças & Intemezzi, em que foram usadas como fontes

geradoras de cada uma das Danças, três diferentes músicas.

Além desses elementos, as posturas estéticas e as reflexões sobre a posição do

compositor na sociedade atual de György Ligeti e Kaija Saariaho são referências para

mim. Duas declarações de Ligeti definem a influência do compositor na formação do

pensamento musical: “ Eu sou inclinado a não ter uma opinião muito alta sobre artistas

que desenvolvem um único procedimento e depois produzem o mesmo tipo de coisa o

resto de suas vidas. No meu próprio trabalho eu prefiro estar constantemente retestando

procedimentos, modificando-os, e eventualmente colocando-os de lado e os substituindo

com outros procedimentos.” “ Eu não tenho uma idéia fixada para onde tudo isso está

levando. Eu não tenho uma visão definitiva do futuro, nem um plano geral; de um

trabalho para o próximo, eu vou tateando em várias direções, como um cego em um

labirinto. Assim que um passo à frente tenha acontecido, ele já está no passado, e depois,

6
há um sem número de concebíveis ramificações para o próximo passo” (TOOP, apud

LIGETI, 1999, pg. 141 e 179). A posição de estar sempre buscando novas maneiras de se

expressar, evitando repetir-se, é principal referência de Ligeti para mim.

Vou sintetizar a influência da compositora finlandesa Kaija Saariaho no meu

modo de pensar a música, pela citação de um excerto de uma entrevista recente: “ Um

artista não pode rejeitar a sociedade completamente, até porque ele vive nela…Com a

tecnologia de hoje, qualquer um, mesmo nas mais remotas partes da Lapônia, pode, por

exemplo, assistir ao mesmo seriado norte-americano. Essa globalização está nos

transformando de uma nova maneira. Nos impondo suas imagens e sons, as mídias

influenciam nossa maneira de ser e pensar…” (SAARIAHO, 1999).

Acredito que o compositor deve estar em constante intercâmbio com a sociedade

que o cerca, a cada dia mais global, buscando transpor as fronteiras entre meios,

linguagens e tradições, no intuito de expressar em música, de forma plena, suas idéias e

sentimentos. Para mim, esse intercâmbio passa pelo interesse em outras áreas de

conhecimento, como a física, a informática, as artes visuais e a literatura, bem como, pela

colaboração com diferentes artistas. Duas composições desse projeto são resultantes da

colaboração com diferentes intérpretes: Spells, com a flautista Luciane Cuervo e Danças

& Intermezzi, com a pianista Catarina Domenici. O processo de composição dessas peças

foi de constante intercâmbio entre compositor e intérprete, tornando o resultado final um

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amálgama entre a concepção estética do autor e as características expressivas de cada

intérprete.

1.2 – Processo Composicional

Defino processo composicional como o trajeto entre o impulso que gera a

necessidade de compor uma obra e o seu registro em partitura, significando aqui todo e

qualquer registro representativo realizado com a intenção de possibilitar a reprodução

sonora de uma composição. Para o desenvolvimento de um modelo de processo

composicional, parti da observação e análise empírica do desenvolvimento do meu ato de

compor e de dois modelos teóricos de processo composicional. O primeiro é proposto por

Mikhail Malt, em seu artigo Reflexiones sobre el acto de componer (MALT, 1999); e o

segundo, proposto por Robert Morris, em artigo intitulado Compositional spaces and

other territories (MORRIS,1995).

Mikhail Malt divide o processo composicional em duas fases principais: fase

conceitual e fase de escritura. Para Malt, “a fase conceitual é o momento quando se

elabora em linhas gerais a composição, se põem em jogo os conceitos, as idéias de

fundo e também se elabora uma espécie de teoria que conduzirá a obra. (…) A segunda

fase é descritiva, é o momento em que os conceitos tomam forma para compor a obra.

8
Esta fase será de materialização das idéias, de escrita e realização” (MALT, 1999). Para

estabelecer uma transição entre a fase conceitual e a de realização, Malt propõe uma

terceira, chamada de fase de formalização ou modelagem. “Esta é a fase em que o

compositor estabelece os modelos que lhe permitem adaptar e materializar musicalmente

seus conceitos abstratos, musicais ou extra-musicais. A fase de modelagem pode dividir-

se em duas subfases principais. A primeira é o momento de formalização de um modelo;

a segunda, a extrapolação ou desvio desse mesmo modelo”. De acordo com o modelo

proposto por Malt, “o ato de compor é um processo dialético permanente entre o mundo

abstrato dos conceitos e o mundo da realidade sonora, onde a composição finalizada é o

ponto de convergência, a síntese entre estes dois mundos”.

Robert Morris propõe um modelo de processo composicional dividido em seis

etapas definidas por ele como:

- Idéias/conhecimento/teoria: segundo Morris, esta etapa revela pouco sobre o

resultado final da peça, contudo, é a que inicia a seqüência de estágios do

processo;

- Espaço Composicional: “…é um conjunto de objetos musicais relacionados e ou

conectados de alguma forma, mas não interpretados temporalmente”(MORRIS,

1995);

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- Design Composicional/ improvisação livre: a primeira etapa de organização

temporal de espaços composicionais; segundo Morris, “…eles definem classes de

seqüências temporais e polifônicas, bem como alinhamentos de pitch class sets”;

- Esboços (drafts): Versões preliminares da partitura final;

- Partitura: O registro final da composição;

- Performance: A interpretação da composição. Morris inclui a execução como

parte de seu modelo, não apenas por considerar este o objetivo do compositor,

mas, segundo ele, “porque possui um grande impacto em futuras mudanças nos

outros estágios”.

Ao refletir sobre como se desenvolvia minha forma de compor, percebi que, de

modo intuitivo, dividia o processo em fases. Primeiramente, defini o meu processo

composicional em três etapas: formulação da idéia geradora, definição do material

musical e organização da estrutura formal. Após o estudo dos artigos de Malt e Morris,

cheguei à formatação de um modelo, apresentado a seguir, que define o processo

composicional das peças deste projeto.

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1.3 - Modelo de processo composicional

Neste modelo sistematizei quatro etapas: Impulso Gerador, Organização da

Estrutura Formal, Delimitação do Espaço Composicional e Modelagem do Espaço

Composicional.

Impulso Gerador

Engloba as idéias, as imagens ou os conceitos que instigam a elaboração de uma

nova composição. A escolha do seu título é feita nesta fase. Durante o processo de

composição das obras deste memorial, observei que a ausência de um título resulta de

uma falta de clareza na definição do impulso gerador, o que impede o desenvolvimento

do processo composicional como um todo. Dessa forma, a escolha do título representa o

primeiro estágio na materialização de uma composição.

Estruturação Formal

É a etapa em que são definidos os diferentes níveis de organização formal, tais

como duração e número de seções e/ou movimentos, podendo também englobar a

definição de outros parâmetros, como instrumentação e caráter de cada seção.

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Delimitação do Espaço Composicional

Partindo do conceito de Espaço Composicional dado por Morris, “…espaço

composicional é o conjunto de objetos musicais relacionados e/ou conectados de algum

modo e que possui como principal característica não ser organizado temporalmente”

(MORRIS, 1995), defino a Delimitação do Espaço Composicional como a etapa de

seleção dos materiais musicais a serem utilizados na composição de uma peça. Esses

materiais, ou objetos musicais, como são denominados por Morris, definem a linguagem

musical da peça a ser composta. Em algumas composições deste projeto, os elementos do

espaço composicinal, apesar de não estarem definidos em uma escala temporal, aparecem

freqüentemente ordenados de forma seqüencial ou mesmo hierarquizada.

Modelagem do Espaço Composicional

A modelagem do espaço composicional é a etapa de escrita da partitura, a

organização temporal do espaço composicional dentro da moldura e dos pilares

estabelecidos na estruturação formal. Nesta etapa, são utilizados diversos procedimentos,

algorítmicos ou não, para a manipulação e transformação dos materiais. A escolha dos

procedimentos, as decisões, são tomadas de acordo com as necessidades expressivas e

pela intuição musical. Por vezes, essas decisões desencadeiam desvios no que já foi

planejado, tanto na estrutura formal como no espaço composicional, tornando o modelo

interativo e flexível, figura 1.1. Desse modo, o processo composicional integra de forma

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orgânica o trabalho detalhado, pré-estruturado das etapas de estruturação formal e de

delimitação do espaço composicional com os desvios que surgem no desenvolvimento

das idéias musicais.

A estruturação desse modelo permitiu maior controle sobre o desenvolvimento do

processo composicional das peças sem, contudo, restringir o trabalho intuitivo e empírico

característicos do processo criativo. A decisão de delimitar etapas para o processo de

composição, e não definir estratégias composicionais, possibilitou a combinação de

diversos estilos e técnicas composicionais em uma mesma obra.

Fig.1.1: Modelo de Espaço Composicional

No âmbito desse trabalho, o modelo apresentado foi utilizado como moldura para

a descrição do processo composicional das obras nos capítulos subseqüentes.

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