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MOBILIDADE URBANA E MEIO AMBIENTE

André Luis Ferreira


Renato Boareto
Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA)
Email: boareto@energiaeambiente.org.br

São Paulo, junho de 2013

CONTEXTO
O Brasil tem passado, nos últimos anos, por um processo de crescimento econômico
acompanhado de distribuição de renda que, somado ao aumento de crédito e promoção
de benefícios tributários para aquisição de veículos, tem resultado num aumento
significativo da taxa de motorização da população. Combinados com as facilidades
proporcionadas pelas administrações municipais para a circulação desta frota, o país tem
observado um aumento da intensidade de uso do transporte individual.

Além de promover o agravamento dos congestionamentos, aumento das vítimas do


trânsito, perda de produtividade, aumento no tempo de deslocamentos e exclusão social,
o atual padrão de mobilidade urbana, baseado no transporte individual, contribui para o
aumento das emissões de poluentes locais e gases de efeito estufa. Estes problemas
tomam grande dimensão principalmente nas maiores cidades e nas regiões
metropolitanas, onde se observa na opinião pública uma clara identificação do sistema
de mobilidade urbana como grande contribuinte para a degradação ambiental.

Esta identificação do setor com os problemas ambientais tem levado ao


desenvolvimento de respostas, por parte dos mais variados atores envolvidos na
mobilidade urbana. As propostas para a redução de emissões de poluentes nas grandes
cidades normalmente têm revelado uma abordagem reducionista, que busca soluções
exclusivamente em melhorias nos veículos e na gestão do trânsito, dando pouca atenção
às medidas que priorizem o transporte público e o transporte não motorizado. No caso
dos veículos, o Brasil já conta, desde 1986, com o Programa de Controle de Poluição do
Ar por Veículos Automotores (PROCONVE), que estabelece limites de emissões de
poluentes para veículos novos.

Além disso, desde a década de 70, com a criação do Programa Nacional do Álcool
(PROÁLCOOL), o país tem ofertado etanol – anidro e hidratado para o uso em
automóveis; tendo, inclusive iniciado a comercialização de automóveis flex em 2003,
que hoje responde por mais de 90% das vendas de veículos novos. Mais recentemente,
em 2012, o Governo Federal estabeleceu o Programa de Incentivo à Inovação
Tecnológica e Adensamento da Cadeia Produtiva de Veículos Automotores (INOVAR
AUTO) que é um regime fiscal diferenciado para montadoras que cumprirem um
conjunto de requisitos, entre os quais o atingimento de metas de eficiência energética
para veículos leves até 2017. Vale destacar que também tem sido propostos incentivos
para automóveis híbridos e elétricos.

Estas várias iniciativas contribuem inegavelmente para a redução das emissões de


poluentes locais e de gases de efeito estufa lançados pelos veículos. No entanto, ao
contrário do que ocorre para o transporte individual, ainda não se verifica um esforço
estruturado no sentido de promover a inovação tecnológica e a oferta de combustíveis
não fósseis para o transporte público sobre pneus.

Por estar organizado em uma rede de serviços com garagens fixas e frota dedicada de
ônibus, o transporte coletivo oferece oportunidade de serem endereçadas diferentes
iniciativas de substituição de fonte energética ou renovação de frota. Assim, algumas
leis municipais de mitigação da mudança climática têm estabelecido metas de
penetração de combustíveis mais limpos no transporte público. Infelizmente estas
metas estão dissociadas de uma análise de barreiras tecnológicas ou econômicas,
principalmente no que se refere aos efeitos na tarifa de transporte público. A
implementação destas soluções exigirão investimentos e a utilização de instrumentos de
política pública específicos, como as reduções/isenções fiscais, subsídios, etc. Do
contrário, é bastante provável que, pelo menos ao longo da próxima década, este modo
de transporte continue fortemente dependente do uso de combustíveis fósseis, em
especial o óleo diesel.

Caso a atual abordagem de priorizar o desenvolvimento de um transporte individual


mais limpo persista, o país poderá, num futuro próximo, estar diante de uma situação
impensável na qual (i) as cidades enfrentarão o eco-congestionamento ou
congestionamento verde, resultante do uso de tecnologias e combustíveis mais limpos
no transporte individual, que reduziria suas emissões sem resolver os problemas de
acessibilidade e mobilidade, (ii) uma eventual transferência de passageiros do modo
individual (automóveis e motos) movidos por biocombustíveis ou eletricidade para o
coletivo (ônibus), seria acompanhada de aumento das emissões de poluentes
atmosféricos e gases de efeito estufa, (iii) a mudança da matriz energética e renovação
da frota operacional de ônibus, dissociadas da discussão sobre os impactos na tarifa do
transporte coletivo promoverão o desestímulo ao seu uso, devido a um eventual
aumento de custo e perda de atratividade econômica, quando comparado com o
transporte individual.

Sob esta perspectiva os instrumentos econômicos ou regulatórios existentes para a


implantação de política pública que eventualmente sejam utilizados para promover a
redução do consumo de energia e emissões, devem ser direcionados prioritariamente
para a promoção das novas fontes de energia para o transporte coletivo e eliminação de
eventuais barreiras para sua utilização, especilamente aquelas que afetam sua
viabilidade econômica. O transporte público deve ser entendido como parte da solução e
não das causas dos problemas ambientais.

A NECESSIDADE DE INTEGRAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS


No incio de 2012 foi a promulgada a Lei 12.587, que institui a Política Nacional de
Mobilidade Urbana (PNMU). Dotada de um conjunto de diretrizes para a ação dos
governos municipais, estaduais e federal e um conjunto de instrumentos para a gestão
da mobilidade urbana, a lei estabeleceu também a obrigatoriedade de elaboração de
Planos Municipais de Mobilidade Urbana (PMMU) para as cidades com mais de 20 mil
habitantes, até abril de 2015.

O Plano de Mobilidade Urbana, por sua vez, será a materialização das diretrizes
estabelecedas pela PNMU, por meio da identificação dos projetos e ações que as
administrações vão implantar nos próximos anos. O processo de elaboração do PMMU
se apresenta como uma oportunidade única para que a sociedade discuta o modelo de
cidade que está sendo implementado atualmente, que tem como suporte o atual padrão
de mobilidade baseado no transporte individual, bem como seus efeitos negativos,
principalmente aqueles que impactam o meio ambiente.

O desafio que a PNMU traz é a elaboração de planos que sejam transformadores da


realidade. Para que esta abordagem seja efetiva, é necessário que eles tenham como
objetivo promover o acesso amplo e democrático às oportunidades que a cidade oferece,
por meio do aumento da participação do transporte público e do transporte não
motorizado no conjunto de deslocamentos da população, contribuindo para a redução do
consumo de energia, da emissão de poluentes atmosféricos e gases de efeito estufa do
sistema de mobilidade urbana.

Como organização da sociedade civil dedicada à melhoria da mobilidade urbana,


qualidade do ar e a redução de emissões poluentes e de gases de efeito estufa dos setores
de transporte e energia, o IEMA tem atuado no apoio à elaboração e implementação de
políticas públicas. Nesse sentido, o IEMA tem apresentado a necessidade do
estabelecimento de requisitos mínimos que orientem os municípios na sua elaboração.
Dentre eles, merecem destaque três que estão associados diretamente aos ganhos
ambientais:
 Estabelecimento de metas de ampliação da participação do transporte público e
não motorizado no conjunto de deslocamentos da população, focando a divisão
modal verificada na cidade. A adoção desta premissa resulta em um conjunto de
projetos de infraestrutura que prioriza a ampliação e integração da rede de
transporte coletivo, a melhoria das condições de caminhabilidade e do tráfego de
bicicletas, possibilitando o aumento destes modos na divisão modal da cidade no
horizonte temporal do plano;
 Estabelecimento de metas ambientais, possibilitando a redução no consumo de
energia, emissão de poluentes locais (melhoria da qualidade do ar) e gases de
efeito estufa, por meio promoção da mudança modal articulando, dessa forma, as
políticas de mobilidade urbana, mudança climática e qualidade do ar. Possíveis
alternativas energéticas para substitutir o óleo diesel nos sistemas de transporte
coletivo por ônibus devem ser analisadas, considerando, principalmente, seu
impacto tarifário e a capacidade limitada das administrações municipais
interferirem neste tema; e
 Definição de ações de curto prazo para retirar os ônibus do congestionamento,
focando a adoção de medidas como corredores e faixas exclusivas de ônibus.
Devido ao seu reduzido custo de implantação, podem ser implantadas no curto
prazo, independentemente de aportes de recursos dos governos estaduais ou
federal. Estas medidas aumentam a velocidade dos ônibus, reduzem as emissões
e reduzem os custos operacionais, resultando em redução do tempo de viagem e
menores tarifas para o usuário. Outro resultado importante é o aumento da
atratividade do transporte coletivo frente ao transporte individual, considerando
os atributos de tempo e custo.

CONCLUSÃO
Observa-se que as atuais soluções ambientais propostas procuram reduzir as emissões
do sistema de mobilidade urbana sem, contudo, considerar a mudança do atual padrão
de mobilidade baseado no transporte individual. É preciso compreender que este padrão
é resultado de política pública, sendo necessária a identificação e utilização de
instrumentos regulatórios e econômicos adequados para sua alteração, a eliminação de
contradições e a integração necessária entre as várias iniciativas governamentais. A
consideração do PMMU como instrumento de promoção da melhoria da qualidade do ar
e da redução de emissão de gases de efeito estufa, associada à um política energética
para o transporte público, que reflita sua condição de serviço essencial e o considere
como parte da solução dos problemas ambientais pode, efetivamente, contribuir para a
melhoria da qualidade de vida nas cidades.

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