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CONSELHO EDITORIAL
Medellín Maringá
Pulso & Letra UEM-PGH-História
2017 2017
EQUIPE TÉCNICA
Apoio Técnico:
Rosane Gomes Carpanese
Revisão Textual e Gramatical:
Os Autores
Tradução:
Marcela Cristina Quinteros
Normalização Textual e Referências:
Rosane Gomes Carpanese
Projeto Gráfico, Diagramação e Capa:
Jeferson Gonçalves de Lima
EDITORA UEM/PGH/HISTÓRIA
Editora UEM/PGH/História
Universidade Estadual de Maringá
Av. Colombo, 5790 - Bloco H-12 - sala 16
CEP 87020-90 - Maringá - PR
Sumário
Apresentação ............................................ 9
9
O quarto capítulo foi sobre a Venezuela, do professor brasileiro
Gilberto Maringoni. Em Venezuela, turbulências de uma economia
petroleira, o autor enfatizou a história econômica contemporânea deste
país exportador de petróleo, para podermos entender dois momentos de
quase rupturas estruturais, 1989 e 2002, e suas marcas na atualidade com
o chavismo.
O quinto e o sexto estudos de caso, sobre a Nicarágua e a Bolívia,
retomaram as revoluções paradigmáticas consagradas pela historiografia.
Em Pela Pátria e pela Liberdade: a Nicarágua e o sandinismo no século XX, o
professor brasileiro Raphael Nunes Nicoletti Sebrián analisou o movimento
sandinista, desde seu início nos anos 1920-1930 até os acontecimentos de
1979, com a derrubada por guerrilheiros esquerdistas da longa ditadura de
Somoza.
Por fim o caso boliviano. O professor brasileiro Everaldo de Oliveira
Andrade, em A revolução boliviana abordou como a revolução de 1952
significou uma mudança histórica para o país. E embora tenha alcançado
desdobramentos nos limites do reformismo nacionalista, o processo
revolucionário teve perspectivas socialistas concretas.
O resultado final dessa produção coletiva, imediatamente levou a
uma proposta de continuidade nas análises feitas em um segundo volume.
Isto é, seria complementarmos os debates para os mesmos seis países,
com seus autores avançando os estudos até a década de 1990, com o corte
cronológico dado agora pelas mudanças políticas desse final de século, que
em toda América Latina trouxe à ação novos movimentos e atores sociais,
num marco de profundas transformações globais.
Dentro das especificidades de cada um dos países, estaríamos
abarcando uma etapa cronologicamente mais centrada na segunda metade
do século XX, período onde se desdobram tanto um ciclo revolucionário
como um contra-revolucionário, bem como os problemas e limites da
retomada da democracia. Assim surgiu “As revoluções na América Latina
Contemporânea. Entre o ciclo revolucionário e as democracias restringidas”.
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Novamente um coletivo com professores de diversos países
latino-americanos ficou a cargo do livro. Tanto quanto o primeiro volume,
este segundo leva a marca dessa Nossa América. Se no primeiro volume
houve uma maior presença de autores brasileiros, isto se inverteu agora
nesse segundo livro. Cabe destacar que desde o primeiro volume, houve a
determinação de não fazermos a tradução dos textos, forçando os leitores
a terem que ler em duas línguas – espanhol e português. A aposta que
fizemos numa publicação dessa natureza nos indicou ser apropriada, pois
sua boa aceitação redundou agora num projeto em coedição, brasileira
e colombiana. O apoio para que isso se efetivasse veio da Universidade
Estadual de Maringá (Brasil), da Universidad de Antióquia (Colômbia) e da
Editora Pulso & Letra (Medellín).
Houve do primeiro para o segundo volume uma única alteração nos
estudos de casos, sendo a Nicarágua substituída por El Salvador. Isto se
deu pela perspectiva de olharmos os acontecimentos na América Central
de forma mais ampla e dando ênfase a desdobramentos que ao final foram
denominadores comuns a vários países. Assim El Salvador entra nesse
segundo volume pelo que significou a retomada das lutas guerrilheiras de
esquerda na região, que ganham combustão com os acontecimentos de
1979.
O livro que vocês agora tem em mãos ficou então assim organizado.
No primeiro capítulo, o professor colombiano Rafael Rubiano Muñoz retoma
um período relativamente longo de análise, um século. No capítulo Colombia
en un siglo. Caudillos, violencias y procesos políticos inconclusos (1917-2017),
o autor busca compreender como as variadas formas de violência, desde
institucionais e de grupos, bem como problemas políticos recorrentes,
mostram o panorama de um país que ainda não alcançou a democracia, a
modernidade e uma integração nacional adequada aos desafios do século
XXI.
A temática da violência política novamente permeia o segundo
estudo, sobre o Paraguai. Suas autoras, agora as professoras argentinas
Lorena Soler e Marcela Cristina Quinteros, abordam em O stronismo: uma
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gestão autoritária bem sucedida como que, com o golpe de Estado de 1954,
a violência ganhou uma nova roupagem institucionalizando-se no cotidiano
da sociedade paraguaia, expressa no mais longo governo militar da história
da América, ultrapassando a própria queda do ditador Stroessner em 1989.
No terceiro trabalho, Política y violencia en la Argentina del último
tercio del siglo XX, o professor argentino Damián H. Antúnez analisa a relação
entre política e violência no marco do processo histórico argentino. Isto
desde as revoltas populares que inaugurou canonicamente o “Cordobazo”
em 1969, passando pela última ditadura militar, até as novas tensões sociais
com a retomada da democracia, canalizadas nas revoltas sociais de 2001
que levaram a renúncia do presidente De la Rua.
O quarto capítulo é sobre a Venezuela, de autoria do professor
brasileiro Anatólio Medeiros Arce. Em, Pacto e violência política na
Venezuela de Punto Fijo (1958-1998), o autor analisa os quarenta anos
do Pacto, quando instituições relativamente democráticas e eleições
relativamente competitivas conviveram com a persistência de um exercício
autoritário de poder. Todo um período marcado pela continuidade do uso
da violência como uma forma dos dois partidos dominantes enfrentarem
seus adversários.
O quinto estudo trata do caso de El Salvador. No capítulo El
Salvador 1960-1992: reformas, utopía revolucionaria y guerra civil, o
professor salvadorenho Carlos Gregorio López Bernal analisa o longo e
tortuoso caminho do reformismo à revolução. Um percurso que vai dos
sonhos reformistas frustrados de progresso e modernização conservadora
dos anos 50 e 60, até seu desenlace na opção revolucionária, com a guerra
civil da década de 1980.
O sexto trabalho, de autoria da professora argentina Magdalena
González Almada, e da professora e escritora boliviana Rosário Barahona
Michel, trata da Bolívia. Em, Palimpsestos y paradojas. Itinerarios histórico-
políticos en Bolivia (1952-1993), as autoras postulam um desenvolvimento
histórico para a Bolívia que não pode desconhecer as heterogêneas
estruturas sociais e políticas do país andino-amazônico. Ao fazerem
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uma análise do período que vai de 1952 até o início das reformas
neoliberais, tanto no plano de uma política estatal republicana quanto
do desenvolvimento histórico dos movimentos indígenas, observam seus
processos revolucionários intrínsecos: o da própria revolução de 1952 com
seu alcance nacional e as micro revoluções protagonizadas pelos sujeitos
indígenas.
Por fim para este segundo volume agregamos mais um capítulo, mas
longe de se tratar de analisar outro país. A proposta de sua inclusão veio
da perspectiva de se trazer aos leitores uma reflexão sobre os caminhos da
democracia na América Latina. Se os trabalhos aqui apresentados seguem
tendo como eixo a temática da “Revolução”, e cronologicamente se situam
em grande medida entre o último ciclo ditatorial do século XX e a retomada
das democracias, caberia não apenas se fazer um balanço do período, mas
também indagar sobre as relações entre sociedade e Estado
E a isso se dispuseram dois professores, a brasileria Vera Lúcia
Vieira e o colombiano Héctor Hernán Mondragón Báez. Em Que Estado é
esse? A perene criminalização das lutas populares e a violência estatal na
América Latina, os autores fazem uma reflexão sobre a natureza da nossa
democracia e a situação aparentemente paradoxal que se passou a viver
nessas últimas décadas do século XX, pois para os professores, ao mesmo
tempo em que esteve em curso um “processo(s) democratizador(es)”,
ampliou-se a criminalização das lutas sociais.
De alguma forma foi este debate que acabou definindo o próprio título
desse segundo volume: As revoluções na América Latina Contemporânea.
Entre o ciclo revolucionário e as democracias restringidas. Esperamos
como organizadores deste livro contribuir a um debate historiográfico,
enfatizando o compromisso social de todos seus pesquisadores. É essa
tomada de posição que possibilitará uma análise crítica para o terceiro
volume, que trabalhará o tempo presente. Não pouco coisa, tendo em vista
os acontecimentos que estamos vivendo, em que os “que sonharam com
um avanço progressivo no continente, desencantaram-se com um século
banhado pelo sangue e um final pleno do neoliberalismo”.
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Por fim um agradecimento à Universidad de Antióquia (Colômbia)
e à Editora Pulso & Letra (Medellín), por acreditarem neste projeto em
coedição. Agradecemos também o apoio da Universidade Estadual de
Maringá (Brasil), na figura dos professores Lúcio Tadeu Mota, Coordenador
do Programa de Pós-Graduação em História da UEM, e Angelo
Priori, Coordenador Editorial da UEM/PGH/História, por facilitarem a
concretização desta experiência acadêmica. A todos uma boa leitura.
14
2
Capítulo
O STRONISMO: UMA
GESTÃO AUTORITÁRIA BEM
INTRODUÇÃO
SUCEDIDA
Lorena Soler
Marcela Cristina Quinteros
1 Não é objetivo deste trabalho, mas é necessário prestar especial atenção aos mecanismos de
recriação de consensos com participação da sociedade civil. Ver: SOLER, 2017.
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mais intensa que a que seguiu o pós 1870, quando do término da Guerra
contra a Tríplice Aliança. A tão ansiada ordem política e a restituição do
monopólio da coação – nos termos de Weber – e da decisão – segundo
Schmitt –, inesperadas até para as próprias elites políticas locais, seriam
proporcionadas pela lenta mas efetiva construção do regime stronista.
Em rigor, Stroessner chegou ao governo após a queda de Federico
Chaves, o último dos presidentes eleitos “democraticamente”, e da
provisória presidência do arquiteto Tomás Romero Pereira, presidente do
Partido Colorado.2 Depois de um desempenho militar pouco destacado
na Guerra do Chaco e de uma filiação muito recente ao coloradismo
(1951), Stroessner foi promovido como candidato presidencial.3 Após o
golpe de 04/05/1954, o governo provisório convocou a eleições nas que
se apresentou como único candidato. Eleito presidente, completou um
primeiro período até 1958, tal como era estipulado na Constituição de 1940.
A vida política paraguaia esteve dominada pelos partidos políticos
e sua centralidade tem que ser explicada pela presença de um Estado,
certamente débil e debilitado, e pela fragilidade da instituição militar
após duas guerras internacionais, o que “consolidou a hegemonia civil e
fortaleceu os partidos que apoiavam lideranças civis” (ABENTE BRUN, 1996,
p. 45) e, em um contexto de crise de dominação, inabilitou a constituição
das Forças Armadas como um ator político autônomo.
A tardia profissionalização das Forças Armadas também contribuiu
a este processo. Se bem a primeira Escola Militar tinha sido criada em 1915,
2 Ao longo da primeira metade do século XX, o jogo eleitoral ficou praticamente circunscrito
à participação de apenas dois partidos: o Liberal e o Colorado. Porém, as inúmeras irregula-
ridades impediram a realização de eleições transparentes e, na maioria das vezes, um dos
dois partidos era excluído do cenário eleitoral nacional. Após a ditadura de Higinio Morínigo
(1940-1948), foram convocadas várias eleições para a presidência nas que somente o Partido
Colorado pôde apresentar candidatos (QUINTEROS; MOREIRA, 2016).
3 Em diversos textos destaca-se a carreira militar meteórica de Stroessner – desde seu batismo
de fogo na Guerra do Chaco com 19 anos de idade, até sua nomeação como general em 1949,
com 36 anos, e como comandante em chefe das Forças Armadas em 1951, com 39 anos. Mais
do que salientar o carácter “quase prodigioso” de Stroessner, os autores buscam mostrar a
“astúcia” do militar para permanecer no exército ininterruptamente, proeza rara numa época
em que os militares eram “presa fácil dos incessantes vaivéns políticos”. Essa mesma astúcia
do jovem militar explicaria, segundo alguns autores, a habilidade política para permanecer no
poder por tanto tempo (NERI FARINA; BOCCIA PAZ, s/d).
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4 Andrés Colmán Gutiérrez (2014) denomina esta diferenciação como a oposição “perseguida”
e a “tolerada”.
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6 Em 12/12/1958, a primeira coluna desta guerrilha, que seria totalmente aniquilada pelas tro-
pas do Governo, entrou no território paraguaio. Seus últimos membros sucumbiram em 1962.
A repressão adquiria rasgos de crueldade insuspeitados. O líder do 14 de Mayo, Juan José
Rotela, foi executado em 30/06/1960 na fazenda Tapyta, onde também foram assassinadas
Juana Peralta, Antonia Perruccino e Julia Solalinde, após sofrerem bárbaras torturas por or-
dem do general Patricio Colmán.
7 Após este fato, o sindicato ficou sob a liderança de Enrique Volta Gaona, líder de uma as-
sociação paralela – a Organização Republicana Operaria – criada em 1946 para combater a
influência do comunismo no movimento sindical. Para uma exaustiva história das origens do
movimento operário paraguaio, ver: GAONA (2007).
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dos cargos ao partido que tivesse obtido o maior número de votos válidos.
Dessa forma, era muito provável que as juntas eleitorais ficassem nas mãos
do Partido Colorado, responsável do escrutínio como da confecção das
atas que eram enviadas para a Câmara de Representantes.
A partir de 1963, os rituais eleitorais de partido único foram
substituídos pelas eleições semi-concorrentes ou por um sistema de
pluralismo restringido no qual alguns partidos ou fações destes foram
legalizados lentamente, qualidade necessária no horizonte da Assembleia
Constituinte de 1967.
Em efeito, o formato da democracia liberal foi a fórmula política
capaz de manter a setores sociais e organizações políticas sob a lógica
da dominação, uma forma de organização da dominação que permitia
assegurar a participação dos partidos políticos de oposição no próprio
regime político, ao mesmo tempo em que desarticulava os espaços para a
construção destes como sujeitos políticos com capacidade de impugnar a
ordem política em formação.
Três anos mais tarde da instauração da ditadura no Brasil, o
stronismo convocou uma Assembleia Constituinte na qual participaram
todos os partidos do espectro político paraguaio, previamente legalizados
para as eleições presidenciais de 1963, os que não se privariam de
apresentar seus respectivos projetos constitucionais:
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9 Nessa direção, o PLR confeccionou um manual com as instruções e diretrizes que seus votan-
tes, fiscais e presidentes de mesa deveriam considerar para controlar o escrutínio.
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essa construção subjetiva de todo o corpo social que não fosse normalmente
colorado.
Está claro que a aliança entre o Partido Colorado e os militares não
teve somente como consequência a “partidização” das Forças Armadas,
mas também – o que foi o fato menos mencionado e mais grave – a
militarização do partido a partir da nomeação de generais como presidentes
da Junta de Governo10.
Essa aliança tem sido uma prédica constante nos discursos de
Stroessner. Antes mesmo de assumir a presidência em 1954, em uma
convenção partidária em Paraguarí, explicava:
10 Após a Guerra Civil de 1947, diante da situação adversa do coloradismo nas Forças Armadas
cujos oficiais tinham se levantado contra Higinio Morínigo, o governo passou a exigir a filiação
ao partido dos integrantes das Forças Armadas. A situação se institucionalizou nos governos
de González e de Chaves, e, quando Stroessner chegou à presidência do Paraguai, esta práti-
ca foi mantida. Mas, durante o stronismo, o contrapeso à coloradização do Exército foi a mili-
tarização da ANR. Se antes eram as autoridades partidárias as que aprovavam a nomeação de
oficiais, agora era a cúpula militar a que dava sua aprovação para admissão de novos filiados
e/ou autoridades no partido (QUINTEROS; MOREIRA, 2016).
11 O Partido Colorado apoiou Higinio Morínigo, enquanto o Partido Liberal, ao setor revolu-
cionário. A purga militar de oficiais liberais e febreristas foi iniciada pelo então presidente
Juan Natalicio González, diante do fracasso da tentativa de golpe de Estado encabeça-
da por Stroessner que, como aconteceria mais tarde, em 1989, se exiliou em Brasil.
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12 Não concordamos com Lezcano (1989) nem com Lezcano E Martini (1994) que, seguindo a
conhecida argumentação de Augusto Vargas, afirmam que as Forças Armadas paraguaias
sofreram um processo de encapsulamento com valores que lhe eram próprios e que não re-
fletiam aqueles que predominavam em suas respetivas sociedades. Manter este argumento
significaria outorgar às Forças Armadas um grau de autonomia que entra em contradição com
a obrigatoriedade da filiação à ANR e com a relação que as duas instituições mantinham. De-
veria ser lembrada a participação dos militares mais profissionais na Guerra Civil de 1947, que
tinham atuado na Guerra do Chaco, o que produziu um deslocamento nas fileiras castrenses.
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13 Como parte do Plano Condor, vários opositores ao regime foram sequestrados no estran-
geiro, especialmente na Argentina (em particular, em Buenos Aires e no nordeste do país).
O caso paradigmático foi o de Esther Ballestrino, paraguaia sequestrada em Buenos Aires,
militante do grupo de familiares de desaparecidos da Argentina. Sobre a descoberta de parte
da documentação do Plano Condor em Assunção e de suas sequelas simbólicas, ver o esti-
mulante trabalho de González Vera (2002). Cabe lembrar que, a maior parte dos documentos
pertencem ao período stronista, mas também contêm registros vinculados aos governos an-
teriores. Milda Rivarola (1995) analisou os prontuários do arquivo policial sobre investigação
de pessoas (1917-1952), chegando à conclusão de que muitos indivíduos vinham sendo inves-
tigados pelos governos anteriores. A vigilância contínua dessas pessoas – em sua maioria,
trabalhadores –, ao longo de várias décadas, permitiu o acúmulo de informações valiosas que
eram perpassadas de um governo a outro.
14 Aliás, calcula-se que as vítimas indiretas – familiares ou pessoas próximas – atingiram o nú-
mero dos 107.987. Ao analisar o informe da Comissão Verdade e Justiça, observa-se rapida-
mente que as detenções maciças e o exílio coincidiram com os períodos de maior conflitivida-
de política (1960, 1976, 1980).
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15 Stroessner foi o primeiro presidente em realizar uma visita oficial ao Chile do ditador Augusto
Pinochet. As relações entre o Chile e o Paraguai continuam sendo um campo inexplorado
pelas ciências sociais em geral e das relações internacionais em particular.
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17 Pelo mencionado art. 173, estabelecia-se que: El Presidente de la República será elegido en
comicios generales directos que se realizarán por lo menos seis meses antes de expirar el
período constitucional que estuviere en curso, y podrá ser reelecto. In: Convenção Nacional
Constituinte. Documentos oficiales, Enmienda Nº 1 de 1976.
18 Já em 1973, o Partido Revolucionário Febrerista decidiu deixar de participar nos comícios,
decisão imitada pelo PLRA, em 1977.
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19 Entre os expoentes desta teoria, podemos mencionar Atilio García Mellid, José Maria Rosa,
Léon Pomer, Milcíades Peña e Júlio José Chiavenato, entre outros. Para uma revisão de alcan-
ce explicativo desta teoria, ver: Abente Brun (1989). Interpretações recentes sobre a Guerra
contra a Tríplice Aliança (DORATIOTO, 2004) questionaram profundamente essas interpre-
tações em clave imperialista, demonstrando, entre outros aspectos, o escasso aporte de ca-
pitais ingleses no conflito, bem como as tentativas diplomáticas inglesas para evitar a defla-
gração bélica. Desse modo, essas interpretações desestimam a “incompatibilidade” entre a
política liberal de estilo europeu e o capitalismo estatal paraguaio da época. Nos originais das
cartas roubadas durante a Guerra Grande, é possível ler a posição da Inglaterra, assim como
foi demonstrado por Francisco Doratioto. Uma cópia dos epistolários, reunidos sob o original
título de Papeles del Tirano del Paraguay por los aliados en el asalto del 27 de diciembre de
1868, propriedade de uma biblioteca pessoal, pode ser consultada no Centro de Documenta-
ção e Informação Regional da Faculdade de Humanidades e Ciências Sociais da Universidade
Nacional de Misiones (Argentina). Uma resenha crítica de velhas e renovadas interpretações,
pode ser lida em: Brezzo (2007).
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20 Recentemente o Livro de Ouro, onde constam as doações de joias, foi transferido da Casa de
Governo para o Arquivo Nacional num ato que requereu da presença policial como da impren-
sa. A solenidade do mesmo confirma a heroicização das mulheres do século XIX como não
teve parâmetro em nenhum outro país do continente. Ver: Libro de Oro pasará..., 2017.
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CAPÍTULO 2 | O Stronismo: uma gestão autoritária bem sucedida
21 Uma das práticas do stronismo mais difíceis para seu estudo tem a ver com as meninas po-
bres, convertidas em escravas sexuais, fato de público conhecimento em seu momento. Ma-
lena, filha do economista e historiador colorado Washington Ashwell e esposa de um oficial
da Armada paraguaia, denunciou a existência de um “harém” de crianças próximo de sua
residência. A influência de seu pai não evitou sua detenção e tortura – sob a acusação de
tentativa de assassinato de Stroessner –, mas garantiu sua sobrevivência e posterior exílio,
quando pôde dar seu testemunho. Ver: Desgarradora historia de..., 2008; e Malena Ashwell…,
2016. Neri Farina e Boccia Paz (s/d) confirmam a vulnerabilidade das mulheres humildes que
sofriam maiores ameaças e perseguições por parte do regime, como as vítimas das Ligas
Agrarias Camponesas.
22 Em 1955, após o golpe de Estado que provocou sua queda, Perón refugiou-se em um buque
canhoneiro paraguaio que, até a presidência de Lugo, encontrava-se na porta do Palácio dos
López (atual sede do poder executivo). Perón também foi homenageado com uma rua de
Assunção que leva seu nome. Em 02/11/1955, em virtude das pressões do governo militar
argentino, Perón foi levado até o Panamá em um avião das Forças Armadas. Stroessner tam-
bém concedeu asilo político a Anastasio Somoza quando este fugiu da Nicarágua em 1979.
Somoza foi assassinado no Paraguai, pouco tempo depois, por ação de um grupo comando.
Até meados da década de 1990, quando foram destruídos os símbolos da ditadura, Somoza
também era recordado com um monumento.
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25 A expressão pertence a Víctor Morínigo, guión rojo que desempenhou-se como ministro “exi-
lado” do stronismo e era um crítico dos “longos braços da nossa gestapo que podem nos
seguir aonde formos”. In: Carta de Víctor Morínigo a Juan Natalicio González de 30/12/1964.
In: Arquivo Nacional de Assunção, Natalicio Gonzalez Collection, MSE 192v2_2. A espionagem
nas embaixadas paraguaias respondia à política de Sapena Pastor, à frente do Ministério das
Relações Exteriores durante duas décadas.
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28 Sobre os diferentes programas de reforma agrária, tanto os impulsados pelo Estado quanto os
apresentados pelos partidos políticos para a Assembleia Constituinte de 1967, ver: PASTORE
(1972, p. 461-518). Quando Stroessner chegou ao poder, ainda estava em vigência o Estatuto
Agrário (aprovado em 28/03/1940), implementado pelo Instituto de Reforma Agrária. Depois
de 1962, estabeleceu-se outro estatuto que deu lugar à criação do Instituto de Bem-estar
Rural.
29 Os programas de colonização iniciaram-se a começos do século XX com a intencionalidade
de promover políticas de povoamento. Algumas iniciativas que serviram como antecedente
podemos mencionar os programas para colonos procedentes do Canadá (1926), da União
Soviética (1930) e do Japão (1945).
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CAPÍTULO 2 | O Stronismo: uma gestão autoritária bem sucedida
31 Entre 1954 e 2003, de um total de 12.229.594 hectares adjudicadas, 7.851.295 foram distri-
buídas irregularmente. Considerando o total da superfície do território paraguaio, as terras
entregues ilegalmente representavam um 19,3%.
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As revoluções na América Latina Contemporânea. Entre o ciclo revolucionário e as
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32 Carlos María Lezcano (1993) o caracterizou como “equilíbrio instável”. Ceres Moraes (2007)
também reconstruiu a bidirecionalidade das relações durante o stronismo, demonstrando o
papel predominante de Getúlio Vargas na recriação do que derivaria na “nova orientação”.
33 A Argentina só reconheceu a livre navegação do rio Paraná após o Paraguai obter esta outra
saída pelo porto de Paranaguá.
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CAPÍTULO 2 | O Stronismo: uma gestão autoritária bem sucedida
34 A assinatura do tratado foi demorada por um incidente diplomático pelos limites fronteiriços,
cuja disputa remonta-se à Guerra da Tríplice Aliança. Durante o altercado, Brasil não se privou
de enviar tropas para a área em questão, provocando protestos entre a população paraguaia
(COLMAN, 2016). Este obstáculo foi superado com a Ata das Cataratas, assinado por ambos
os países, entre o 21 e o 22/06/1966.
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35 Não é casual que uma das pautas urgentes na agenda de governo de Lugo tenha sido modi-
ficar o valor da energia elétrica que o Paraguai vende ao Brasil. Porém, as pequenas interven-
ções de Lugo estão longe de alterar substancialmente os termos de intercâmbio devido a que
não é possível uma renegociação das condições da tenência da terra, localizada em uma zona
majoritariamente ocupada por capitais brasileiros que a utilizam para a produção de soja.
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CAPÍTULO 2 | O Stronismo: uma gestão autoritária bem sucedida
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democracias restringidas
36 Assim, se passou de 202 a 400 organizações e de 19 a 75 mil sindicalizados. Isso foi possível
pela criação, nesse período, do Movimento Intersindical de Trabalhadores (MIT), central pa-
ralela à paraestatal Confederação Paraguaia de Trabalhadores. O conflito salarial do Hospital
das Clínicas (dependente da UNA) foi um caso paradigmático porque aglutinou os dirigentes
estudantis que havia optado por uma militância sindical, renovando assim à classe política na
condução do espaço opositor durante a transição para a democracia.
37 Segundo a CEPAL, nesse período, o crescimento para América Latina foi de 25-28$, sendo
que o México, a Argentina e o Brasil os países que conseguiram índices mais altos. Porém,
comparando o Paraguai com o Equador e a Bolívia, observamos índices similares ou, incluso,
positivos a favor do primeiro.
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CAPÍTULO 2 | O Stronismo: uma gestão autoritária bem sucedida
A DECOMPOSIÇÃO DA ORDEM
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As revoluções na América Latina Contemporânea. Entre o ciclo revolucionário e as
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CAPÍTULO 2 | O Stronismo: uma gestão autoritária bem sucedida
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REFERÊNCIAS
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SILVA, Tamy Amorim da. Memórias sobre uma dama valente: Carmen de
Lara Castro e a ditadura stronista (1967-1989). Dissertação de Mestrado.
Florianópolis: UFSC, 2016.
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REFERÊNCIAS DOCUMENTAIS
ARTIGO Libro de Oro pasará a formar parte del Archivo Nacional. In: 730
AM, ABC Cardinal, 06/06/2017. Disponível em: <http://www.abc.com.
py/730am/a-la-gran-730/libro-de-oro-de-la-mujer-paraguaya-pasara-a-
formar-parte-del-archivo-nacional-1600977.html>. Acesso em: 12 set. 2017.
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