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Sem Deus, tudo é permitido gazetadopovo.com.br (http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/sem- deus-tudo-e-permitido-gpgvurxikulttm4rqmx25desc) artigo * Luiz Felipe Pondé * [04/10/2015] * [22hoo] COMENTE! [o] (http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/sem-deus-tudo-e- permitido-3pgvurxikulttm4r4mx25desc#social2_comentario_form) + TOPO Sim, o titulo é uma afirmagdo. Acho que sim, se Deus nao existe, tudo é permitido. Sim, minha afirmagdo é niilista. Vai encarar? O leitor com repertério sabe que estou falando do personagem Ivan Karamazov, do romance Os irmdaos Karamazov, do grande Fiédor Dostoiévski (1821-1881). Woody Allen, autor do recente Homem Irracional, é obcecado por esse tema. Como nfo ser, se vocé é alguém que pensa a moral para além do credo raso da classe média? Aclasse média é aquela que acredita que, se disser para os filhos que a honestidade garante a felicidade, isso garantira alguma forma de seguranca moral e existencial na vida. Nao, nao garante. Isso nao quer dizer que vocé nao deva buscar ser honesto, mas isso quer dizer que nao ha nenhum “narrador” da vida que garanta absolutamente nada. Nosso “senhor” é 0 acaso. Se eu nfo me sentir culpado e ninguém descobrir o que fiz, haveria algum problema em matar alguém que é “mau”? Dito isso, voltemos ao problema. Woody Allen recoloca esse problema em seu ultimo filme por meio do professor de Filosofia que o estrela. De niilista deprimido, ele passa a niilista ativo, como diria um nietzschiano. Mas 0 cineasta termina por escolher Kant (que era ateu, mas nao sabia ou tinha medo de saber): se Deus nfo existe, resta-nos a universalidade da norma categérica, que jamais pode ser quebrada. Nao podemos matar porque, se quebramos essa regra, a humanidade mergulha no caos. Sera? O pensamento é perigoso. Melhor concordar com Kant e ir jantar depois do filme. Mas nem por isso podemos fugir do russo Dostoiévski (como diz 0 filésofo do filme, “o cara que sacou tudo”): e se eu nado me sentir culpado e ninguém descobrir o que fiz, haveria algum problema em matar alguém que é “mau” (para facilitar o argumento)? Woody Allen nao acredita no binémio “culpa-perdao” como forma superior de vida moral. Dostoiévski, Victor Hugo, Tolstéi e Nelson Rodrigues, entre outros, acreditavam. Para ele, resta Kant e sua mentalidade de classe média, como reconhece a aluna kantiana do longa. Adora dar para o professor, mas nao tolera assassinatos, mesmo por uma boa causa. Apesar de nao simpatizar com Kant (prefiro Dostoiévski, Nelson Rodrigues e Nietzsche), 0 risco de degeneragao para a violéncia é um fato quando a humanidade (que é gado, em termos morais) sai dos limites das normas. Basta pensar em algo banal como o transito. Mas, ainda assim, a questao permanece: e se eu me sentir bem com o que fiz, ninguém descobrir, e o morto “merecer”, por que nao? Claro, posso pér em diivida a ideia de que a vitima “merece”, e muita gente canalha j4 matou milhares em nome do “bem”. No ultimo século, todos os socialistas mataram milhares de pessoas em nome do “bem” — Os mesmos que posam de santos no Brasil, porque somos gente ignorante em histéria. A questao de Dostoiévski nao tem nada a ver com a ideia, errada, de que quem é ateu é mau. Pensar isso é para iniciantes. A questao dele tem a ver com a nega¢ao de qualquer validade absoluta da moral. Isso implica a hipdtese niilista. Por outro lado, isso tampouco quer dizer que, ao concordar com o russo, eu esteja caindo em qualquer “desespero existencial”, como assumem os bem resolvidos, que julgam tudo compreender porque leem livros chiques no idioma original. S6 espiritos confusos e imaturos julgam a vida e as pessoas pelo que leram. Pelo contrario: o niilismo torna vocé imbativel em termos morais, porque lhe faz impermedvel a qualquer apelo em nome de qualquer “valor”. A resposta moral do niilista é “estética” (como no filme): fago o que gosto e o que me faz bem e, ao fim, pouco me importa se a pessoa “merece” morrer ou nao. A tinica resposta consistente ao niilismo é ainda a de Dostoiévski: o niilista é um desgragado que nao é capaz de confiar no mundo (mas isso éuma outra histéria, que nao da para contar aqui). Dizer para um niilista que ele deve levar em conta as “necessidades” da humanidade é querer brincar com um leao porque vocé acha ele fofo. Nao é a toa que, aos olhos niilistas, a humanidade seja uma grande classe média ridicula, incapaz de gozar de fato a liberdade que sé a solidao nos da. Luiz Felipe Pondé, escritor, filésofo e ensaista, é doutor em Filosofia pela USP e professor do Departamento de Teologia da PUC-SP e da Faculdade de Comunicagiio da Faap. PUBLICIDADE Nome do Amigo E-mail do Amigo Seu Nome Seu E-mail Sua mensagem Maximo de 500 caracteres (0) Seu Nome Seu E-mail Sua mensagem Maximo de 500 caracteres (0) Aceito que meu nome seja creditado em possiveis erratas. Aceito receber e-mails da Gazeta do Povo e seus parceiros. Assunto: Sua mensagem: MAximo de 500 caracteres (0) Sua mensagem foi enviada com sucesso! A Gazeta do Povo agradece o contato. o que vocé achou? gazetadopovo.com.br (http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/sem- deus-tudo-e-permitido-3pgvurxikulttm4rgmx25dcsc)

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