Nosso trabalho pretende analisar a crítica de Marx aos economistas ingleses na definição de dinheiro. Partindo de uma definição de dinheiro originada na clássica análise de Aristóteles em sua obra Ética a Nicômaco, os economistas tendem a ver no dinheiro a medida do próprio valor das mercadorias cambiadas. Marx, partindo de uma análise onto-lógico-genética e dialética do dinheiro, criticará esta definiçãomostrando que o dinheiro é a mera medida ôntica3, é a mera medida externa, visível e empírica do valor imanente e racional das mercadorias – valor que pode ser medido em tempo de trabalho.
Nosso trabalho pretende analisar a crítica de Marx aos economistas ingleses na definição de dinheiro. Partindo de uma definição de dinheiro originada na clássica análise de Aristóteles em sua obra Ética a Nicômaco, os economistas tendem a ver no dinheiro a medida do próprio valor das mercadorias cambiadas. Marx, partindo de uma análise onto-lógico-genética e dialética do dinheiro, criticará esta definiçãomostrando que o dinheiro é a mera medida ôntica3, é a mera medida externa, visível e empírica do valor imanente e racional das mercadorias – valor que pode ser medido em tempo de trabalho.
Nosso trabalho pretende analisar a crítica de Marx aos economistas ingleses na definição de dinheiro. Partindo de uma definição de dinheiro originada na clássica análise de Aristóteles em sua obra Ética a Nicômaco, os economistas tendem a ver no dinheiro a medida do próprio valor das mercadorias cambiadas. Marx, partindo de uma análise onto-lógico-genética e dialética do dinheiro, criticará esta definiçãomostrando que o dinheiro é a mera medida ôntica3, é a mera medida externa, visível e empírica do valor imanente e racional das mercadorias – valor que pode ser medido em tempo de trabalho.
mostrando que o dinheiro é a mera medida ôntica3, é a
A crítica de Marx mera medida externa, visível e empírica do valor
aos economistas imanente e racional das mercadorias – valor que pode ser medido em tempo de trabalho. ingleses na definição de dinheiro1 A questão do dinheiro em Aristóteles
Jadir Antunes2 Em sua Ética a Nicômaco (Livro V.5)4,
Portinari – Retirantes 1944. Aristóteles procurava responder a importante questão de como seria possível haver justiça nas trocas. A justiça nas trocas só seria possível tendo como fundamentos a Nosso trabalho pretende analisar a crítica igualdade, a proporcionalidade, a reciprocidade, a de Marx aos economistas ingleses na definição de 3 dinheiro. Partindo de uma definição de dinheiro Em Filosofia, ôntico e ontológico são determinações distintas e opostas de determinada coisa. As determinações ônticas são originada na clássica análise de Aristóteles em sua obra aquelas que surgem do caráter empírico, externo, quantitativo, fenomênico e aparente de uma coisa. Ôntico refere-se à coisa Ética a Nicômaco, os economistas tendem a ver no enquanto coisa sensível, enquanto coisa vista e dada imediatamente aos sentidos humanos. As determinações dinheiro a medida do próprio valor das mercadorias ontológicas, por sua vez, são aquelas que surgem a partir de uma cambiadas. Marx, partindo de uma análise onto-lógico- análise racional e conceitual da coisa. Ontológico refere-se à coisa enquanto tal, à coisa enquanto coisa pensada e determinada pelo genética e dialética do dinheiro, criticará esta definição pensamento. Ontológico é o nível essencial e fundamental da coisa, que a determina enquanto tal, independentemente de suas determinações ônticas, empíricas, fenomênicas e quantitativas. O 1 estudo da gênese ontológica da coisa corresponde, assim, ao Capítulo de livro a ser publicado pelos organizadores do Colóquio estudo do processo total de geração e desenvolvimento da coisa Marx/Engels de 2012 - Cemarx/Unicamp. Postado em 07.08.2016. enquanto tal, do surgir e evoluir da coisa em todas as suas Disponível em: https://jadirantunes.wordpress.com/. determinações e momentos essenciais. 4 Aristotle. Nicomachean Ethics. Harris Rackham. Edição bilíngue 2 Doutor em Filosofia pela Unicamp e Professor do PPGF da grego-inglês. Grã Bretanha: Loeb Classical Library, 1998. Unioeste – PR. comensurabilidade e a equidade. Segundo Aristóteles, a (nomisma) seria a medida convencional e humana da igualdade pode ser concebida de um duplo ponto de necessidade (chreia). O dinheiro seria, assim, uma vista: a real e a recíproca. A igualdade nas trocas só proporção convencional encontrada através da pode ser a igualdade recíproca. A igualdade real é pechincha e do regateio entre duas porções distintas de aquela que existe entre dois produtos ou fabricantes mercadorias. idênticos, como seria o caso da troca entre dois A palavra grega nomisma (dinheiro ou médicos. Uma troca como essa careceria de sentido, medida) tem um importante significado filosófico. Nomos pois a troca pressupõe a necessidade e a carência de é tudo aquilo posto pela vontade humana e se opõe a coisas diferentes. tudo o que é posto pela ação espontânea da natureza - A igualdade recíproca, ou proporcional, a physis. Por esse motivo, dizia Aristóteles, “o dinheiro é seria aquela que existiria entre produtos e produtores chamado nomisma, porque não existe por natureza, naturalmente desiguais, como a que existe entre o mas por nomos e pode ser alterado e inutilizado à médico e o camponês. A desigualdade entre ambos vontade” (EN – Livro V.5-30). seria equalizada pelo intercâmbio proporcional de A medida expressa pelo dinheiro poderia, mercadorias. A troca entre produtores naturalmente assim, sofrer alterações e variar indefinidamente a partir desiguais seria justa na medida em que seus produtos das mudanças na vontade humana – especialmente na pudessem ser equalizados e mensurados por uma necessidade e na procura por mercadorias. O dinheiro, medida comum. Tal medida, segundo Aristóteles, seria dessa forma, não mediria o valor imanente das possível com a adoção do dinheiro nas relações de mercadorias, mas apenas as mudanças no troca. O dinheiro, para Aristóteles, constituiria o termo comportamento da procura e da necessidade humana. médio entre duas mercadorias diferentes (M-D-M). O dinheiro seria útil, então, porque daria Dessa forma, ele seria capaz de medir a necessidade ou comensurabilidade às coisas trocadas. Sem ele, as procura das diferentes mercadorias. O dinheiro trocas seriam impossíveis, sem ele, seriam possíveis apenas trocas diretas de produto por produto (M-M) – o dinheiro de um ponto de vista meramente ôntico, de uma troca severamente limitada no tempo e no espaço. um ponto de vista proporcional e quantitativo – como em Aristóteles. A partir de Aristóteles, e sem superá-lo, os economistas passaram a conceber o dinheiro, então Como observa Marx em O Capital (nota de como: medida prática do valor das mercadorias; medida rodapé 17 do Livro Primeiro), os poucos economistas da utilidade e da procura das mercadorias; produto da que se ocuparam com a análise da forma de valor não convenção humana; elemento externo às trocas; poderiam ter chegado a nenhum resultado positivo simples meio de facilitação das trocas; simples superior ao de Aristóteles na análise do dinheiro por dois intermediário das trocas; instrumento de troca motivos. Em primeiro lugar, “porque confundem a forma (currency). E o valor de uma mercadoria passou a ser de valor com o valor”, e em segundo lugar, “porque eles, entendido, então, como mera proporção quantitativa sob a influência crua do burguês prático, de início entre as mercadorias. consideram exclusivamente a determinação quantitativa”5. O valor-de-troca aparece ao economista, A questão do dinheiro em Marx preso às concepções práticas do capitalista, como o próprio valor da mercadoria. Este modo de raciocinar, ao O erro dos economistas ao analisarem a confundir o valor-de-troca com o próprio valor, ao tomar forma-valor, segundo Marx, teria sido, além de as relações mais imediatas na esfera das trocas como continuarem presos ao paradigma aristotélico do relações reais, esconde por completo a oposição entre dinheiro, o de confundirem as propriedades naturais e valor-de-uso e valor e o valor-de-troca como mero modo sensíveis da forma dinheiro com as propriedades sociais de expressão do valor. Por isso, tomado em sua do valor. Esse erro teria origem no mau hábito dos determinação meramente quantitativa, o casaco aparece economistas ingleses de tomarem como verdadeiras as 5 aparências do mercado de mercadorias e de analisarem Karl Marx: O Capital. Volume I – p. 55. Marx Engels Werke Band 23 – p. 64. Nota 17 da Quarta Edição de 1890. frente aos olhos do economista como o próprio valor do entendimento dos economistas, o dinheiro, como uma linho. terceira coisa externa, como medida e meio de troca Tomados por essa determinação entre duas mercadorias, teria origem após a origem das meramente ôntica e quantitativa do dinheiro, os próprias trocas, teria origem num suposto contrato economistas ingleses acreditaram que o valor não estabelecido entre os agentes da troca que escolheriam possuía nenhuma determinação ontológica e qualitativa os metais preciosos, devido ao caráter extraordinário de prévia, que o valor não possuía sua própria sua essencialidade material, para servirem como essencialidade, sendo ele, por isso, idêntico à dinheiro. essencialidade do valor-de-troca. Dominados pela Este defeito pode ser encontrado em Adam aparência de identidade entre valor e valor-de-troca e Smith, em sua obra Riqueza das Nações – Capítulo V: A entre conteúdo e forma, os economistas ingleses origem e uso do dinheiro6, por exemplo, onde após acreditaram que o valor do dinheiro era meramente admitir que no princípio o valor-de-troca das simbólico – um contrassenso evidente porque o dinheiro mercadorias era medido diretamente em trabalho, passa como forma equivalente não possui a determinação de em seguida, devido às inconveniências práticas desta ser valor, mas apenas a de ser expressão de valor – e, medida, a substituir o trabalho por dinheiro, por uma por isso, determinado pela convenção humana. Como coisa mais conveniente e adequada às complexas e para Aristóteles, os economistas acreditavam que o selo desenvolvidas relações modernas de troca. Depois das do valor estampado nas moedas tinha sua origem na lei, mercadorias, ao lado delas, justaposto a elas, como em nomos, na vontade da autoridade monetária e, por coisa externa e independente delas, segundo Smith e os esse motivo, não possuía nenhuma raiz nas economistas, viria então o dinheiro, com suas propriedades imanentes das mercadorias cambiáveis. qualidades extraordinárias, posto pela convenção e O defeito dos economistas em sua análise do dinheiro, segundo Marx, poderia ser explicado pelo 6 Adam Smith. A Riqueza das Nações. São Paulo: Nova Cultural, 1985. An Inquiry into the nature and causes of the Wealthof Nations. defeito de sua própria filosofia empirista. No V. I. Indianapolis: Liberty Classics, 1981. vontade humanas, para regular simetricamente as esclarecidas analisando-se a forma mais simples de relações quantitativas entre as mercadorias cambiadas. troca: a troca direta entre dois valores de uso Como podemos ver, segundo o determinados (20 varas de linho = 1 casaco = M-M). entendimento de Marx, o dinheiro surge, necessária e Nesta forma direta de troca, o linho aparece como a naturalmente, junto com a mercadoria, porque ele forma relativa de valor e o casaco como a forma próprio é uma mercadoria, é a mercadoria universal simples. junto às mercadorias individuais. Como diz Marx nos A forma simples de valor é uma forma de Grundrisse, “o dinheiro não nasce de uma convenção equivalência restrita e individual, pois na relação de [Konvention]... Nasce da troca e naturalmente na troca é troca 20 varas de linho = 1 casaco, o casaco serve como seu próprio produto”7. forma equivalente apenas para o linho, não servindo para mais nenhuma outra mercadoria, pois a troca é O desenvolvimento das formas do valor uma permuta direta e determinada (M-M). Ambas as Para provar que o dinheiro não passa de mercadorias, linho e casaco, saem dessa relação de uma medida externa e aparente do valor, Marx analisa troca e entram diretamente na esfera do consumo, pois meticulosamente a gênese lógica do valor a partir das o mesmo casaco não permanece circulando no mercado formas mais simples de troca até a troca capitalista de para servir como valor-de-troca para outra mercadoria. mercadorias no mercado mundial. Nessa análise, a A limitação da forma simples de valor, forma-valor é constantemente duplicada em forma- entretanto, é superada, segundo a análise lógica de relativa, forma-equivalente, forma simples, forma Marx, quando o linho encontra à sua frente outros desdobrada, forma geral e forma dinheiro. Segundo valores de uso igualmente capacitados e dispostos a Marx, todas as contradições e aparências que dominam servirem-lhe de equivalente. Desse modo, podemos a consciência dos agentes da troca podem ser encontrar no mercado diferentes relações simples de 7 troca, tais como 20 varas de linho = 10 libras de chá, 20 Karl Marx: Grundrisse. Volume I – p. 93. MEW 42 – p. 98. varas de linho = 40 libras de café e assim por diante. desdobrada possui a boa qualidade de ser universal, Surgem assim, diz Marx, “diferentes expressões simples porém, é uma forma instável e infinitamente variável, de valor de uma mesma mercadoria”8. O casaco como pois se modifica a cada relação de troca. Se o defeito da forma equivalente do linho, dessa forma, é forma simples era o de ser finita e limitada em sua forma constantemente substituído por outras mercadorias na de representação, o defeito da forma equivalente é o de função de forma equivalente do valor. A forma simples ser infinita e ilimitada. Ambas têm em comum, assim, o de valor se transforma, dessa maneira, em forma fato de serem maus universais. desdobrada de valor. A forma desdobrada de valor se transforma Na forma simples de valor, o linho em forma geral de valor logo que todas as mercadorias expressava seu valor numa mercadoria única e do mercado encontram no linho sua forma universal e determinada: o casaco. Agora na forma desdobrada, ele determinada de representação. Com a forma geral de expressa seu valor em todas as mercadorias existentes valor, toda a multiplicidade das formas relativas pode no mercado. Na forma desdobrada não há nenhuma espelhar seu valor numa mesma e única mercadoria. forma determinada que limite a expressão de valor do Dessa maneira, a forma geral de valor resolve linho e ele está livre para expressar esse valor no corpo dialeticamente a contradição das formas anteriores de qualquer outra mercadoria. elevando a um patamar superior de existência a forma equivalente de valor. Essa infinita variedade da forma equivalente que permitiu à mercadoria superar a A forma geral de valor prepara em seguida limitação da forma simples, se converte, porém, numa sua própria superação ao ser substituída ao longo do limitação para a expressão da forma valor, pois a série tempo pela forma dinheiro. Logo que a divisão social do de representações não acaba nunca e não ganha uma trabalho se desenvolve, que a produção de mercadorias determinação estável e universal. A forma equivalente se generaliza na sociedade e que as trocas se 8 convertem em trocas entre diferentes comunidades Karl Marx: O Capital. Volume I – p. 64. MEW 23 – p. 76. estrangeiras, surge o ouro como a mercadoria perfeita e e desdobrada da antítese entre valor-de-uso e valor como a forma dinheiro do valor. O dinheiro surge, desse contida no interior da mercadoria. Nesse modo, como demonstra Marx, como a mercadoria das desdobramento, a mercadoria funciona como valor-de- mercadorias, como a mercadoria sagrada que encarna uso e o dinheiro como a figura autonomizada e reificada em sua existência corporal todo o trabalho geral e do valor. abstrato da sociedade.
O fundamental na análise da forma
A forma-dinheiro dinheiro, segundo Marx, não consiste no estudo dos diferentes hábitos sociais que atribuíram a certos O mistério do ouro como forma-dinheiro valores de uso o papel de funcionarem como forma surge da circunstância de que enquanto todas as outras equivalente geral. O estudo destes hábitos é um estudo mercadorias são sempre formas particulares e naturais secundário, empírico e superficial para Marx. O da riqueza ele, ao contrário, já sai das entranhas da importante para ele é a exposição da gênese lógica da terra como forma diretamente geral e social da riqueza. forma equivalente geral, é a exposição do nascimento Enquanto todas as outras mercadorias precisam ser do dinheiro a partir do nascimento da própria trocadas por ouro para se converterem em formas mercadoria. Nessa exposição, as formas simples, socialmente úteis da riqueza, o ouro já se apresenta à desdobrada e geral de valor funcionam apenas como sociedade como riqueza social em sua forma formas embrionárias do dinheiro. diretamente natural e sensível. O ouro, porém, como demonstra a exposição dialética de Marx, é apenas a Nessa análise onto-lógico-genética, o forma autonomizada e reificada da riqueza geral da dinheiro surge como resultado necessário do sociedade, sendo sempre possível reduzi-lo a certa desenvolvimento da forma mercadoria. O dinheiro quantidade de trabalho geral despendido pela sociedade mesmo não passa de uma forma desenvolvida da na produção da riqueza. mercadoria. A figura dinheiro é apenas a forma sensível As formas simples, desdobrada e geral do ou do excesso de manuseio e de sua freqüente valor – as formas equivalentes como casaco, linho e necessidade de ser recunhado, permitem, assim, que gado – são formas imperfeitas e defeituosas para ele seja substituído por meros bilhetes de papel ou expressar verdadeiramente o valor das mercadorias, símbolos estatais. Os bilhetes de papel e de cunho porque ainda se apresentam como o resultado de certo forçado emitidos pelo Estado, por não surgirem de trabalho útil da sociedade, e porque ainda se nenhum trabalho produtivo da sociedade e por não apresentam como certos produtos úteis para o uso possuírem nenhuma utilidade para o consumo humano, humano, sendo, desse modo, freqüentemente retiradas superam o ouro em seu papel de dinheiro e meio de para fora da esfera da circulação e conduzidas para a circulação. esfera do consumo humano, onde desaparecem. Por não apresentar nenhuma relação com O ouro substitui e supera essas formas os trabalhos úteis da sociedade, por não apresentar como forma equivalente geral, porque não se apresenta nenhuma utilidade natural para o uso humano e por não como trabalho diretamente útil e como coisa diretamente perder sua função com o desgaste provocado pelo destinada ao consumo humano. Apesar de o ouro, manuseio, o papel moeda consagra, desse modo, o assim como as formas inferiores do valor, possuir o fetiche da mercadoria como fetiche do dinheiro. defeito de poder ser freqüentemente retirado da esfera Os bilhetes estatais, porém, possuem o da circulação e deslocado para a esfera do consumo, defeito de serem aceitos como dinheiro somente nos ele não é destruído pelo consumo humano podendo, por estreitos limites nacionais. Nas trocas mundiais eles não isso, retornar a qualquer instante à esfera das trocas circulam nem são aceitos como dinheiro. Ao avançar a como dinheiro. exposição para além dos limites nacionais, para a esfera O ouro, porém, ao contrário das outras da totalidade e do mercado mundial, o ouro é formas, possui o defeito de poder ser falsificado. As novamente posto como dinheiro, substituindo assim o falsificações do ouro como dinheiro, através do desgaste papel moeda como dinheiro. Como diz Marx: continua funcionando sob esta dupla determinação, mas, agora, a essa determinação se sobrepõe uma Ao sair da esfera interna de circulação, o terceira, a de servir como objeto da sede insaciável por dinheiro desprende-se das formas locais riqueza. Desse modo, como ouro, o dinheiro pode ser do padrão de preços, moeda divisionária e guardado e empilhado como tesouro, adequando-se signo de valor, e reassume a forma perfeitamente à cobiça insaciável do avarento originária de barra dos metais preciosos.9 capitalista. Assim, o conceito de dinheiro ajusta-se Como dinheiro mundial, o dinheiro volta, plenamente à sua existência. Como diz Marx: “seu modo assim, a existir como ouro e reassume sua forma de existir ajusta-se ao seu conceito”11. sensível. Como ouro, o dinheiro volta a funcionar A tensão permanente entre mercadoria e verdadeiramente como dinheiro, como mercadoria dinheiro não é abolida com o dinheiro em sua figura sagrada e acima de todas as outras mercadorias. mundial, pois persiste a oposição entre a forma natural e Como diz Marx: a forma social da riqueza e a luta da mercadoria para adequar-se a essa última forma. Ainda que o dinheiro É só no mercado mundial que o dinheiro tenha encontrado no ouro sua forma perfeita e funciona plenamente como mercadoria, adequada de existência, persiste o drama da mercadoria cuja forma natural é, ao mesmo tempo, para converter-se em dinheiro e existir sob a forma forma diretamente social de realização do sagrada e perfeita de riqueza. Por isso, o mercado trabalho humano em abstrato.10 mundial não abole as contradições da troca, mas Em sua determinação como moeda, o apenas conduz essas contradições ao seu ponto mais dinheiro funcionava tanto como medida dos preços elevado e definitivo. quanto como meio de circulação. Como dinheiro ele 9 Karl Marx: O Capital. Volume I – p. 118. MEW 23 – p.156. 10 11 Karl Marx: O Capital. Volume I – p. 118. MEW 23 – p.156. Karl Marx: O Capital. Volume I – p. 118. MEW 23 – p.156. O dinheiro mundial suas próprias fronteiras sociais. Como mercadoria ou como dinheiro a riqueza em que domina o modo de O dinheiro mundial representa a última produção capitalista continua aparecendo como coisa, e etapa do processo contraditório da mercadoria. Com o como tal, essa riqueza impulsiona a produção para dinheiro mundial, as contradições da mercadoria fronteiras sempre além de si mesmas. parecem ter chegado ao fim. Com o dinheiro mundial, porém, todas as contradições menores da mercadoria Apesar de a mercadoria aparecer no estão não apenas negadas, mas, ainda, conservadas processo capitalista de produção como o começo numa forma e numa escala superior. O dinheiro agora é absoluto da riqueza, apesar de o dinheiro aparecer a meta absoluta da produção e sem ele nenhuma como sua meta absoluta, apesar de os agentes da troca produção será possível. A tensão entre mercadoria e e da produção aparecerem como meros mediadores do dinheiro por isso subsiste agora em escala ampliada e processo, para além da mercadoria e do dinheiro e de mundial. seus movimentos autonomizados se encontram a natureza e o trabalho humano como princípio e Com o dinheiro mundial, o eterno cair da fundamento primeiro de todos os movimentos reais da mercadoria no dinheiro e do dinheiro na mercadoria é sociedade. elevado à sua escala universal. Nesse perpétuo transpassar de um no outro a mercadoria e o dinheiro Ainda que a mercadoria e o dinheiro são impulsionados a transpassar a si próprios numa apareçam como os entes absolutos do processo nova e superior forma de intercâmbio social. Como capitalista de produção, ainda que nossos agentes das nenhuma contradição pode verdadeiramente subsistir, o trocas apareçam como meros agentes destes entes, por dinheiro mundial impulsiona a mercadoria a buscar sua baixo e por trás desse constante transpassar da solução em formas sociais que ultrapassam seus mercadoria em dinheiro e do dinheiro em mercadoria, se próprios limites imanentes. A mercadoria, desse modo, é encontram a Natureza e o trabalho humano em sua impulsionada a avançar constantemente para além de eterna comunhão para produzir a verdadeira riqueza da sociedade: os valores de uso destinados a satisfazer os economistas, a forma equivalente é tomada em sua nossas necessidades. forma dinheiro – a forma mais desenvolvida e concreta da forma equivalente de valor. Dessa forma, os Ainda que o avançar da exposição de Marx economistas acreditaram encontrar nas propriedades pareça ter girado em círculos – a mercadoria gerando o ônticas do dinheiro as propriedades ontológicas do dinheiro, o dinheiro gerando novas mercadorias e estas valor. O erro dos economistas foi o de não realizarem gerando o dinheiro mundial –, o avançar dialético da uma análise qualitativa do dinheiro que remetesse ao exposição de Marx nos conduz ao princípio e estudo de sua gênese, realizando assim uma análise fundamento primeiro de todas as formas de riqueza da quantitativa, empírica e superficial. Essa análise sociedade: o eterno metabolismo criador entre homem e empírica fica geralmente encoberta pela difundida teoria Natureza. Nesse eterno metabolismo, o dinheiro e a contratualista e convencionalista do dinheiro comumente mercadoria aparecem apenas como meras formas aceita pelos economistas ingleses. sociais e transitórias da riqueza. As formas equivalentes do valor são realidades criadas, negadas e superadas O método de análise de Marx é pelo incansável desenvolvimento imanente do trabalho radicalmente oposto ao método empírico dos geral da sociedade. Enquanto o trabalho é o sujeito economistas. Como temos visto, Marx submete a forma absoluto de todo o processo, a mercadoria e o dinheiro dinheiro a uma análise lógico-genética, ou seja, a uma são apenas suas figuras reificadas, autonomizadas e análise retroativa e minuciosa da gênese lógica e passageiras. conceitual do dinheiro, encontrando na forma simples sua expressão mais elementar e indivisível.
A análise da gênese conceitual do dinheiro
O problema do método de análise mostrou a Marx sua verdadeira paternidade: o trabalho Na análise das formas do valor estiveram humano enquanto tal e sem forma definida. Por isso, em jogo dois métodos diferentes e contraditórios. Para uma vez compreendida essa forma simples e originária do dinheiro, bastou a Marx desenvolver as contradições computar, e computar é o mesmo que adicionar ou e potencialidades da forma valor para chegar até a subtrair predicados a uma determinada coisa sensível e forma equivalente dinheiro e compreendê-la como mera aparente. expressão reificada das potencialidades abstratas e Influenciados por essa tradição, os genéricas do trabalho humano. O dinheiro, assim, existe economistas concebem erroneamente que as duplamente, como a mercadoria de todas as propriedades sociais ocultas do valor se identificam com mercadorias e como a mercadoria negada e abstraída. suas propriedades naturais e visíveis aos sentidos O dinheiro, independentemente de suas formas, é a humanos presentes na forma dinheiro. Os economistas, figura encarnada do trabalho social da sociedade. por isso, nunca se perguntaram pela origem ou gênese das propriedades sociais do valor, já que essas Como mostrou Marx em O Capital, a propriedades lhes apareciam como naturais e próprias confusão sobre o dinheiro na mente dos economistas do produto que atuava como forma equivalente da troca. tem uma dupla origem. Em primeiro lugar, ela surge do A forma equivalente e o valor-de-troca apareciam, próprio caráter fantasioso da forma dinheiro, que leva os assim, como meras determinações ônticas e economistas a confundirem as aparentes propriedades quantitativas da troca sem nenhuma determinação naturais e sensíveis do ouro com suas propriedades ontológica e qualitativa prévia. sociais. Em segundo lugar, ela surge da insuficiência Para se obter uma análise científica e teórica dos economistas, que aceitam estas aparências dialética das trocas, deve-se tomar a análise das sem analisá-las e criticá-las adequadamente. relações de valor de um modo totalmente oposto ao Esta insuficiência tem origem na longa modo tomado pelo empirismo dos economistas e pelas tradição intelectual nominalista e empirista inglesa, para teorias que tomam o valor-de-troca como certa quem a substância ou as qualidades ocultas de uma expressão meramente quantitativa do valor-de-uso. Para coisa são apenas nomes sem qualquer conteúdo real. uma análise científica do valor e do dinheiro, os Para essa tradição nominalista, pensar é o mesmo que economistas ingleses deveriam ter rompido com sua longa tradição intelectual aristotélica, fenomênica, Karl Marx & Friedrich Engels: Werke. Band 23. antidialética e antiespeculativa e observado o mercado Berlin: Dietz Verlag/DDR, 1962. para além de suas aparências e determinações ônticas e quantitativas.
Referências
Adam Smith. A Riqueza das Nações. São Paulo: Nova
Cultural, 1985. An Inquiry into the nature and causes of the Wealth of Nations. Indianapolis: Liberty Classics, 1981.
Aristotle. Nicomachean Ethics. Harris Rackham. Edição
Karl Marx. Grundrisse: Elementos Fundamentales para
la crítica de la Economia Política (borrador 1857- 58). Volume I. 15ª edição. México: 1987. Karl Marx & Friedrich Engels. Werke. Band 42. Berlim: Dietz Verlag/DDR, 1983.
_____. O Capital: crítica da economia política. Livro I.
Volume I. Tradução de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. 3ª edição. São Paulo: Nova Cultural, 1988.