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Anais do II Seminário de Pesquisa do NUPEPE Uberlândia/MG p. 704-716 21 e 22 de maio 2010

AS ESTÉTICAS CONTEMPORÂNEAS E O ENSINO DE ARTE NA


ESCOLA PÚBLICA: CONCEITOS SOBRE A BODY ART

Wenderson Silva Oliveira


Universidade Federal de Uberlândia

Introdução

A Educação Artística, ou a disciplina Arte, faz parte da área de conhecimento


Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, conforme a LDB n ° 9.394/96. As linguagens
são áreas de fundamental importância para o desenvolvimento de outras técnicas e
outros conhecimentos.
De acordo com o Conteúdo Básico Comum (CBC) dos anos de 2004/2005, da
Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais, embasado nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs) 2004/2005, a Arte na escola tem como papel
fundamental contribuir para o desenvolvimento dos estudantes, para que os mesmos
façam uso das técnicas artísticas, e também propor possibilidades de fazeres artísticos
frente às novas tecnologias contemporâneas, para que construam uma identidade
artístico-cultural e apreciação das estéticas da Arte.
Um dos debates centrais presentes no CBC (CBC, 2004), é o desenvolvimento
da idéia de pluralidade cultural, onde o aluno esteja próximo às manifestações artísticas
presentes em cada época, aguçando sua capacidade de compreender a Arte como fato
histórico que age em contexto com as mais variadas culturas, conhecendo-as e
respeitando-as, tornando a Arte como fator social, funcional e cultural.
Com o crescimento das mídias, com o desenvolvimento dos setores
tecnológicos, com a criação de novas metodologias científicas, a Arte foi de extrema
importância para o acesso às novas tendências que, mesmo presente nos cotidianos dos
discentes, era de desconhecimento dos mesmos. Prova a essa afirmação podemos
perceber que manifestações e modificações no corpo como a Body Art, por exemplo,
que está presente no cotidiano escolar, mas não é de conhecimento do aluno.
Como forma de dar visibilidade às experiências sensíveis e às mutações que a
sociedade industrial produz, a fusão entre arte e tecnologia coloca a experiência do
corpo numa dimensionalidade ampliada trabalhando o corpo, os sexos, extraindo o
máximo das potencialidades significantes dos novos meios (BARATA, 2007, p. 1298).
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As experiências que os artistas transmitem aos seus seguidores deixam marcas


que são notáveis à compreensão do processo prático da Body Art, pois, a presença das
tatuagens, dos piercings, dos alargadores e das outras modificações do corpo fazem
alusão à realidade do aluno, seu cotidiano e suas vivências nas variadas etapas de sua
vida.
Para conceituar esse processo e relacioná-lo com as vivências dos alunos, faz-se
necessário discorrer sobre o conceito de Body Art, as definições dos termos tatuagem,
piercings e Body Modification e suas relações diretas com a escola e com os alunos e
professores.

Body Art
Como vertente à Arte Contemporânea e com advento em meados da década de
60, a Body Art pode ser designada como meio de expressão artística com enfoque na
intervenção e conotação corporal, podendo ser desmembrada em Body Modification,
performances e happenings. Intervenções como travestimento, ferimentos na pele,
cirurgias, tatuagens, piercings, deformações, são multiplicidades aplicadas à Body Art.
Antes, apenas utilizado como forma de representação, o corpo passa a ser o
instrumento de trabalho, aplicação que dispensa a utilização dos suportes técnicos
tradicionais, como as telas, por exemplo.
Artistas exploram a nudez, se lambuzam de tintas e cores, outros ainda
extrapolam os limites da imaginação e se submetem a coisas, tidas para muitos, como
absurdas, como se auto-flagelarem, auto-mutilarem, fazer intervenções no corpo com
pedaços de animais e dentre outras. E por esses motivos, os artistas que tinham como
contexto a Body Art são questionados em relação ao que é Arte:

Quando Piero Manzoni, em 1959, enlatou sua merda e a


colocou à venda, em uma galeria de arte, por seu peso em ouro;
quando Chris Burden fez com que ele mesmo levasse um tiro
no braço e fosse crucificado ao teto de um Volkswagen (em
1971 e 1974, respectivamente); quando dois artistas de
performance americanos, em ocasiões diferentes, fizeram sexo
com cadáveres femininos . Como atividades desse tipo vieram
a ser chamadas de arte? (McEVILLEY, 1983 apud
SILVA, 2007, p. 02).

Esse questionamento sobre a autenticidade das manifestações artísticas, e quais


produções que os adeptos à Body Art devem seguir, suscita outros debates como
acreditar que a arte se encontra no artista e não em sua obra, é de uma imensa
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contribuição para surgimentos das práticas de arte no corpo. Notável modificação vê-se
nas obras de Gina Pane, que como principal intuito, provocava atos de desconforto em
seus espectadores, os elementos que pareciam, até então, normais, se tornavam
assustadores.
Gina Pane é uma artista italiana dada às modificações artísticas da Performance
Art e utiliza de auto-mutilação, masoquismo, sofrimentos para representar em seu corpo
suas criações artísticas. Na década de 80, a artista encerrou seus trabalhos com o corpo e
dedicou-se à produção de objetos escultóricos e desenhos de caráter minimalista
(corrente artística que se dedicava à produção de objetos em série onde transmita ao
espectador uma sensação fenomenológica).
Pane, no início dos anos 70, havia engolido carne moída estragada enquanto
assistia à TV, se cortado com lâminas de barbear, feito gargarejos com leite até que sua
garganta sangrasse, andado sobre o fogo, mastigado vidro, quebrado uma placa de vidro
com seu corpo e subido uma escada cravejada de pontas cortantes (SILVA, 2007, p. 5) .
Dessa forma, Pane faz com que sua arte seja uma reinvidicação às manifestações do
corpo. Mas, um dos grupos mais polêmicos que causaram bastante impacto na Body Art,
sem dúvida, foram os Acionistas Vienenses.
O Acionismo Vienense é um grupo que se desenvolveu em Viena entre 1965 e
1970, sendo seus principais fundadores os artistas austríacos Herman Nitsch, Otto
Mühl, Rudolf Schwarzkogler e Günter Brus e pelos escritores Gerhard Rühm e Oswald
Wiener. A principal característica do movimento era a violência e a agressividade com
qual era tratado o corpo no âmbito artístico.
Os acionistas consideravam suas ações como uma quebra de tabus corporais e
mentais como anti-arte, acreditavam que suas ações eram totalmente desprovidas de
qualquer tipo de caráter estético, imaginavam uma busca incessante pela liberdade de
sentimentos.
A intencionalidade da utilização do corpo é um fator de grande polêmica no
Acionismo Vienense, pois, os artistas colocaram como melhor método de expressar suas
contestações ao poder repressor do Estado italiano e o comportamento clínico da
sociedade da época, fazer uma desconstrução ao corpo, logo sobre qual a cultura pode
ser depositada com maior intensidade e também através dele formam-se
comportamentos e ideologias.
O corpo assume assim o estatuto de operador social, onde o social se torna
possível e onde, consequentemente, se revela a eficácia do social sobre o indivíduo. Esta
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visão estrutural pressupõe a incorporação como duplo movimento de interiorização da


exterioridade (isto é, das condições objetivas de existência do agente incorporado) e de
exteriorização da interioridade (sob a forma de percepções, representações, esquemas de
classificação da realidade e práticas por parte do agente incorporado) (FERREIRA,
2007, p. 292).

Tatuagens

Podendo ser referida como tattoo ou dermopigmentação, a tatuagem é uma das


formas de modificação do corpo mais conhecidas. A tatuagem é um desenho
permanente ou temporário feito na superfície cutânea obtida através da pigmentação por
agulhas na camada da derme. A tatuagem servia como método de distinguir um
indivíduo na mesma tribo (dentro de um grupo com os mesmos costumes,
características sociais, religiosidade). Também servia para marcar fatos e fases da vida
como nascimento, puberdade, morte.
Até a década de 60, a tatuagem era associada aos grupos marginalizados como
presidiários, marinheiros, prostitutas. Atualmente, a prática da tatuagem é comum a
todas as pessoas, a todas as classes sociais e também a todos os grupos étnicos.
Decoram o corpo indivíduos de idades variadas e demonstram a existência de um
processo de uma circularidade cultural, no qual o poder de um item estigmatizado se
torna emblema de status e domínio, invertendo o jogo social pela disputa de hegemonia
simbólica das classes (GINZBURG, 1986).
As tatuagens contemporâneas criam uma identidade social, onde o adepto utiliza
do meio de expressão para se enquadrar em determinados grupos, ou até mesmo guetos.
E dentro da realidade estudantil, as práticas se tornam comuns e a diversidade de
tatuagens encontradas é imensa. Podemos verificar que o estudante na escola pública
torna-se suscetível a essas práticas a fim de se enquadrar aos movimentos e também
tornarem-se “da moda”, tornarem-se “atuais”, ter um visual “transado”.
No contexto escolar, o desenho da tatuagem significa uma iniciação, uma
identificação. As tatuagens estão presentes nos corpos dos meninos, quanto nos corpos
das meninas. Podemos perceber que a busca pela identidade, a descoberta da
sexualidade, são questões presentes nas realidades escolares.
Para os meninos, a realização de tais práticas busca também demarcar a
masculinidade, pela demonstração de coragem e de resistência, pois sua escolha visa
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não só a aparência, mas também a expressão da dor e sua própria resistência a ela,
havendo até certa disputa para saber quem é o mais forte (DOMINGUES, 2008, p. 06).
Já as meninas, geralmente escolhem tatuagens que remetem à delicadeza e as figuras
tatuadas são mais graciosas, são mais frágeis.
Partindo para a idéia da representação sígnica, a semiose da tatuagem trata de
uma peculiaridade e diferenciação em relação ao modelo escolhido para ser tatuado. De
acordo com Sabino e Luz (2006), que ao pesquisarem os tipos de tatuagens realizadas
entre os freqüentadores das academias de musculação, identificam que as tatuagens se
dividem em femininas, masculinas e unissex, que fazem menção à divisão e conceito de
sexo e sexualidade. Segundo eles,

mulheres tendem a tatuar determinadas figuras como rosas e


flores em geral, estrelas, borboletas, lua sol, personagens
femininos de histórias em quadrinhos, beija-flores, gatos,
fadas. Ideogramas, desenhos tribais, palavras e frases em letra
gótica, símbolos da computação, códigos de barra, corações,
duendes, deuses mitológicos são símbolos inscritos tanto na
pele de homens quanto de mulheres. Águias, cruzes, panteras,
tigres, dragões, demônios, caveiras, armas, arame farpado,
sereias, mulheres nuas, tubarões, esqueletos com foice e capuz
e, principalmente, cães da raça pitbull, são tatuagens
masculinas (SABINO e LUZ, 2006, p 254-255).

Nas vivências escolares, é importante ao aluno adquirir novos métodos, novas


percepções, novos estilos. Pode-se verificar que, em um grupo de adolescentes, tanto
meninos quanto meninas, os costumes, o vocabulário, as roupas, as tatuagens e os
piercings são parecidíssimos ou em algumas vezes, iguais.
Na adolescência, a busca pela virilidade se torna questão que “assombra” os
anos de puberdade dos meninos. Como já dito, a descoberta da identidade, a exploração
da sexualidade, os preconceitos na família e na sociedade tem grande influência sobre
onde e qual tatuagem escolher. As identidades masculinas e femininas não são fixas e
transcendem a discussão dos papéis sexuais que os homens e as mulheres desempenham
em diferentes situações, sociedades e momentos históricos (DOMINGUES, 2008, p.
06).
Assim, percebe-se que variadas identidades sexuais podem definir variadas
tatuagens, onde o local tatuado é de fundamental importância para distinguir esses
gêneros, o que remete também à própria sexualidade do adolescente. A inserção de uma
tatuagem nos pés, nas mãos, em determinadas terminações nervosas, as costelas são
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considerados entre as pessoas que tatuam e os próprios tatuadores como locais


dolorosos. Partindo desse princípio,
[...] mulheres costumam tatuar a nuca, a região lombar [...], os
seios, as nádegas e virilhas, às vezes omoplatas, pés e
calcanhares. Já entre homens os desenhos situam-se
principalmente no bíceps [...], costas, deltóide, antebraço e
mais raramente abdômen, panturrilhas e peito (SABINO e
LUZ, 2006, p. 255).

Identifica-se que as tatuagens femininas, geralmente estão ligadas à


sensualidade, à submissão, uma idéia de beleza e sedução femininas atrativa à sua
própria sexualidade. Notamos aí a diferença entre identidades e as hierarquias do
gênero, produção que se dá através das práticas cotidianas e as realidades do individuo.

Piercings e Body piercings e a Body Modification

Com relação à questão do gênero, outra vertente relacionada com as


modificações corporais são os piercings e os body-piercings onde o processo consiste
em introduzir peças de metal esterilizado perfurando o corpo.
Em alguns países, o piercing é uma prática de modificação no corpo comum.
No Egito Antigo, as escravas mais bonitas ganhavam perfurações no umbigo, como se
fossem jóias e as mulheres nobres ganhavam piercings de jóias preciosas, ouro. Na
Roma Antiga, os gladiadores perfuraram seus mamilos a fim de demonstrar sua força e
sua soberania, mas os demais romanos nobres viam a modificação como um símbolo de
luxúria. O piercing também está relacionado aos ciganos, povos nômades que
percorriam o mundo difundindo sua cultura de trocas e ganhos.
O piercing no nariz tem origens no Oriente Médio e foi difundido na Índia onde
o tipo de jóia distinguia as castas e as condições sociais. No continente africano, com
foco na África do Sul, os nativos utilizavam esses adereços para distinguir os pobres dos
ricos. Os piercings labiais são também muito populares entre as tribos africanas, as
mulheres colocam pratos nos lábios para despertar atenção nos homens. Na América
Central, o piercing era comum entre os nativos das tribos, pois eles defendiam que o
piercing no mamilo era um símbolo de força e virilidade nos homens.
No início do século XX, o piercing entra em declínio em alguns lugares do
mundo. Mas, em meados de 1960 e 1970, após a passagem dos hippies pela Índia, onde
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essas práticas eram comumente utilizadas, os piercings foram adotados pelos


movimentos punks, entre 1980 e 1990.
O movimento punk foi uma manifestação cultural juvenil por volta de 1974 que
se caracterizava em um estilo musical, modismos e comportamentos. Essa cultura
revitalizava o rock and roll e o estilo rocker/greaser. As músicas eram curtas e
dançantes, com no máximo três acordes e que poderiam ser executadas por qualquer
pessoa, com ou sem formação musical.
O estilo/modismo punk reúne elementos como alfinetes, piercings, lenços, calças
jeans rasgadas e roupas de cor preta. Cortes de cabelo em estilo moicano, sombras nos
olhos, são também marcas que remetem a esse estilo visual adotado pelos punks.
Posteriormente aos punks, surge um movimento com novas tendências intitulado como
Body Modification.
Sendo reversível ou não, as modificações no corpo acompanham uma parcela
considerável na atualidade, principalmente nos jovens com variadas faixas etárias. O
termo body modification reporta-se ao uso de técnicas que possibilitam ao indivíduo
adquirir características não similares às inatas, aplicadas ao corpo por meio de
perfurações, cortes, queimaduras e cirurgias (PIRES, 2005, p.77).
Dentro dessas grandes definições podemos agrupar à body modification:

 Bifurcações de língua;
 Branding: queimadura na pele, onde a cicatriz forma o desenho de
preferência do adepto;
 Escarifação: Cortes efetuados por bisturis que formam um desenho a
partir da cicatriz;
 Implante: Consiste em inserir sobre a pele materiais, tais como silicone,
plástico, osso, metal e dentre outros;
 Pocket: No formato de piercing, se diferencia do mesmo quando as
peças são colocadas para fora do corpo e as pontas dentro da pele;
 Implante trasdermal: produzido com objetos de aço cirúrgico, que se
insere entre a gordura da pele e o músculo, onde metade fica para fora e
metade para dentro.
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A Body Modification juntamente a seus adeptos podem ser considerados tribos


urbanas, pois estariam realizando rituais nos quais consiste a construção de um novo
indivíduo e a desconstrução de uma imagem totalmente estereotipada pelas sociedades
em um todo. A preocupação com a estética faz com que o corpo seja um destaque nas
condições contemporâneas e seus respectivos debates acerca de moda e arte.

A Body Modification, minhas vivências e as relações com a escola pública

Após apresentados os conceitos do corpo em diferentes épocas, faço um recorte


cronológico e adentro às minhas concepções e vivências enquanto aluno de escola
pública, em foco à Escola Estadual Antônio de Souza Martins, o Polivalente.
Nos anos de 2007 e 2008, onde eu cursava o ensino médio, transferido da Escola
Estadual Professora Maria de Barros e posteriormente da Escola Estadual Coronel
Tonico Franco, ambas situadas na cidade de Ituiutaba, no estado de Minas Gerais. Notei
um grande impacto nessa passagem. A escola Maria de Barros, não faz parte do núcleo
de escolas-referência na cidade, ela é uma escola menor e também destinada ao ensino
profissionalizante.
No ano de 2006, fui estudar na escola Maria de Barros para acompanhar minha
turma de oitava série, pois havíamos sido colegas de classe desde o ano 1999. Fiz o
primeiro ano do ensino médio e decidi no final do ano que mudaria de escola, queria ir
para uma das escolas do núcleo referencial de Ituiutaba.
Mudei no ano seguinte, 2007, para a Escola Estadual Cel. Tonico Franco. Lá fiz
novas amizades, e como já dito, senti um grande impacto, pois a escola é maior e a
diversidade étnica e cultural é notável. Na presente escola, estudei apenas um bimestre
(dois meses no calendário escolar). Após este período, fui transferido para a escola
Antônio de Souza Martins e foi na mesma que os acontecimentos e as descobertas
foram maiores.
Nessas mudanças de escola fui percebendo que o público escolar também se
diferenciava. Na escola Maria de Barros, os alunos eram de escolas pequenas,
geralmente de bairros periféricos da cidade, enquanto nas outras os alunos vieram de
outras partes da cidade até porque elas estão situadas nas regiões centrais da cidade.
Alguns alunos eram considerados praticamente de “outro mundo”, esses alunos
possuíam tatuagens, piercings e falavam em gírias. Nessa época, para mim, a tatuagem
significava malandragem, eu olhava para o tatuado e tinha uma visão meio retrógrada, o
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sentimento era de repulsa. Eu preferia me enquadrar nos grupos “certinhos”, que eu


considerava melhores companhias. Pessoas da mesma faixa etária que eu, que não
freqüentavam boates, não bebiam, não fumavam e até mesmo não utilizavam drogas e
principalmente as que não possuíam piercings, que eram por mim enxergadas como
símbolos de dissidência. Esses estereótipos que eram por mim carregados desde a
infância não permitiam que eu me associasse a outros grupos de alunos.
Em minha adolescência, eu conceituava a tatuagem como um processo de
identificação de criminosos. Acreditava que tendo uma tatuagem, eu estaria
automaticamente entrando para o crime, pois as pessoas me imaginariam assim, mesmo
sendo eu de boa índole. A tatuagem, a meu ver, era um símbolo de perdição,
prostituição e de desleixo. As meninas que possuíam uma tatuagem, por mais ínfima
que seja, eram tidas como prostitutas por mim e pelos meus colegas. As que tinham
piercing geralmente estavam em mente uma segunda intenção, pois a minoria das
garotas possuíam um piercing no umbigo.
Assim que mudei de escola, meu perfil de relacionamentos foi modificado.
Comecei a ver que as mudanças no corpo acompanhavam tendências do cotidiano.
Partindo desse princípio, entrei no período de aceitação dessas mudanças no corpo e
compreendi que o adepto está em busca de uma nova identidade e enquadramento em
determinados grupos. Ao estudar na escola Antônio de Souza Martins, pude entender
que as tatuagens e os piercings fazem parte do cotidiano escolar assim como o próprio
uniforme. Quem não tem um visual “descolado” não é pertencente de certos grupos. E
também esses parâmetros de modificações corpóreas podem ser compreendidos como
forma de libertação a culturas estigmatizadas como não sociais e não pertencentes à
tradicionalidade.
Nota-se que os adolescentes estão se modificando e unificando sua cultura. A
utilização de calças com materiais como eslastano, ou até mesmo lycra. Os bonés, as
camisetas com estampas e palavras com letras grandes, os aparelhos ortodônticos, os
sapatos de marcas conhecidas e caras, as camisas sem mangas, os músculos, o salto alto,
as maquiagens fortes, as unhas coloridas com cores fortes, são adereços presentes nas
realidades e nos cotidianos dos jovens.
Em minhas transições escolares, fui desenvolvendo conceitos amplos sobre as
estéticas e parâmetros construídos ou desconstruídos sobre o que seria ideal de beleza e
a difusão desse ideal. A partir de minhas descobertas e minhas vivências construí uma
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relação com o meu cotidiano e com o meu passado, um debate que marca uma curta
cronologia.
Em três anos a visão do adolescente e suas concepções acerca de seus costumes
e suas estéticas se modificou e avançou tremendamente. As relações entre gênero,
sexualidade e Body Art criam um contexto individual que se exterioriza através das
modificações no corpo e na gênese de novos fazeres artísticos e novas ideologias da
sociedade juvenil contemporânea.

Considerações Finais

A difusão de novas estéticas contemporâneas aponta a importância e imponência


do corpo como objeto de estudo. O diálogo entre a subjetividade e os parâmetros
corporais designam um elo do que é ou não é considerado arte ou manifestação artística.
O uso e os significados do corpo na Body Art estendem a um extenso debate sobre os
paradigmas do corpo e de suas respectivas intervenções.
A intenção do trabalho não é discutir as razões pelas quais os adeptos aos
movimentos resolveram aderir a essas tendências, mas sim apontar as relações com as
vivências dos alunos, mostrando que eles estão próximos às manifestações e não sabem
seus significados nem seus desenvolvimentos através dos séculos.
Cada sociedade cria um estilo pessoal de corpo e método corporal. Os contextos
histórico-sociais são os que definem o “tipo” criado. Os corpos modificados traduzem
os desligamentos das estéticas tradicionais e as revoluções citadas em diferentes épocas
e diferentes realidades.
A Body Art deve ser mencionada como força total da expressão plástica com
foco nas manifestações do corpo. A permanência marca a Body Art e através dessa
permanência o corpo faz-se material essencial às desenvolturas do novo ser artístico. A
marca é um sentido de subjetividade, uma carga de emoções, uma transcendência das
experiências com o EU, com o fazer arte e o tornar arte.
Não respondo e não traduzo totalmente essas questões e esses movimentos de
forma plena, mas espero ter sanado parcialmente alguns debates que perduram por
vários anos. Meu objetivo principal com esses levantamentos históricos foi iniciar uma
abertura para refletir sobre as subjetividades/subjetivações contemporâneas.
Apenas ressaltando que deixo meus agradecimentos ao professor Doutor Marco
Antônio Pasqualini de Andrade que me ajudou desenvolvendo alguns debates e me
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norteando nos temas e abrangências para o desenvolvimento das pesquisas e ao


professor Doutor André Fabiano Voigt pelas indicações acerca da história/historiografia
clássica e pela disponibilidade em atender-me durante os intervalos de algumas aulas.
Ficam a eles meus sinceros reconhecimentos e minhas dedicações.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LIVROS

BLEICHMAR, Hugo. O narcisismo: estudo sobre a enunciação e a gramática


inconsciente. Porto Alegre: Artes Médicas, 1897.
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Sherrine Njaine Borges. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1995.
GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. Tradução de
Frederico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
JOLY, M. Introdução à análise da imagem. Tradução de Marina Applenzeller.
Campinas: Papirus, 1996.
LEVI-STRAUSS, Claude. As organizações dualistas existem? In: ______.
Antropologia estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975.

PIRES, Beatriz Ferreira. O corpo como suporte da arte – piercing, implante,


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SANTOS, Maria das Graças V. Proença dos. História da Arte. 16ª ed., São Paulo:
2005. Editora Ática, 2005.
SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO DE MINAS GERAIS. Conteúdo
Básico Comum. 2004. 76 p.
SCHIMITT, Jean-Claude. O corpo das imagens: ensaios sobre a cultura visual na
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ARTIGOS PUBLICADOS

BARATA, Danillo Silva. Algumas palavras sobre o corpo. Anais da Associação


Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas. Florianópolis, fev 2007. Trabalho
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apresentado 16° Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas


– Dinâmicas Epistemológicas em Artes Visuais, Florianópolis, 2007.

DOMINGUES, Josiane Vian Entre Piercings, tatuagens... O Body Modification como


pedagogia cultural generificante. VII Seminário de Pesquisa Qualitativa: fazendo
metodologia, Rio Grande do Sul, ago. 2008.
FERREIRA, Vítor Sérgio Ferreira. Política do corpo e política de vida: a tatuagem e o
body piercing como expressão corporal de uma ética da dissidência. Etnográfica,
Lisboa, Portugal, Vol XII, nov. 2007, p. 291-326.
McEVILLEY, Thomas. .Art in the Dark. (1983). In: WARR, Tracey e JONES,
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REFERÊNCIAS EM MEIOS ELETRÔNICOS

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piercing-o-piercing-no-nariz> Acesso em 26 maio 2010.
PIANOWSKI, Fabiana, Dra. O corpo como Arte; Günter Büss e o acionismo
vienense. Programa de doutorado em História, Teoria e Crítica da Arte na Universidad
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projeto intitulado: O corpo na arte contemporânea brasileira: panorama de 1997 e
Bienal de 1998, sob orientação da Profª. Drª. Maria de Fátima Morethy Couto
<Disponível em www.iar.unicamp.br/.../aperfartesvisuais/priscilla01.pdf > Acesso em
18 maio 2010.
STUDIO, Blue Animal. História da Body Piercing. Disponível em
http://www.blueanimal.com.br/historiapiercing.asp Acesso em 26 maio 2010.

http://www.tatoo.net.br/videos/tatuagens-femininas/ Acesso em 26 maio 2010.


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ANEXOS

Piercings colocados no pênis de um Piercings colocados na região externa da


vagina

Exemplo de Pocket

Exemplo de adepto à Body Modification no pênis

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