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 ENSINO ESCOLAR INDÍGENA

- Retrospecto
Quando os portugueses chegaram no território que viria a ser o Brasil, encontraram uma
diversidade sociolinguística impressionante, com mais de 1.000 línguas indígenas e mais de 1.000.000
de indivíduos (BASSINI, 2015, p. 96).

Para efetivar o domínio do território, os invasores precisariam dominar esse grande contingente
de nativos, por meio da desarticulação de suas culturais e, consequentemente, de suas línguas:
“[...] desde o primeiro momento da chegada dos europeus, no início do século XVI, parece irrefutável que não
seria possível combater e substituir os valores culturais dos habitantes originários desse território, estratégias necessárias
para a dominação colonial plena, sem se considerar com absoluta cautela o papel que as línguas em contato, e desde
então em conflito, poderiam desempenhar” (NASCIMENTO, 2012, p. 58).

Além da violência material e simbólica a que os nativos eram submetidos, a subalternização das
culturas e línguas indígenas foi empreendida de maneira mais sistemática por meio das escolas
indígenas.

Segundo Ferreira (2001), a história da educação escolar indígenas no Brasil pode ser dividida em
quatro fases:
1- A primeira fase remete ao início do processo de colonização do Brasil. A
escolarização indígena ficava a cargo de missionários católicos, com o objetivo de incorporar
mão de obra nativa à sociedade nacional, por meio do apagamento da diversidade
sociocultural de maneira ampla.
2- A segunda fase tem início em 1910 com a criação do Serviço de Proteção ao Índio
(SPI), com o objetivo de proteger os povos indígenas e, contraditoriamente, ocupar o
território do Brasil. A criação do órgão federal levou a uma centralização política nas decisões
indigenistas do país, que perderam a relativa sujeição à igreja católica. Apesar disso, o índio
era reconhecido como um “sujeito transitório”, que deveria ser “civilizado” e integrado à
sociedade dominante. Para oferecer às populações nativas as condições de “evolução” e
integração, foram demarcadas suas terras indígenas com o intuito de protegê-las de
fazendeiros e invasores. Além disso, foram criados serviços de saúde e a educação escolar
formal, com base no trabalho agrícola e doméstico. A criação da Funai, em 1967, gerou
mudanças ainda maiores, como a adoção do ensino bilíngue nas escolas indígenas para
respeitar a diversidade de suas línguas e culturas, e a capacitação de monitores indígenas para
atuar em suas comunidades. No entanto, essas medidas ainda eram elaboradas no interior de
políticas de integração e assimilação cultural dos povos indígenas à “comunidade nacional”.
Para implementar a educação bilíngue, a Funai se associou ao Summer Institute of Linguistics
(SIL), instituição cuja atuação e reputação controversa se espalharam por diversos países, em
virtude de suas práticas de proselitismo religioso. A parceria levou à implantação de um
modelo de ensino bilíngue de transição, que utilizava as línguas nativas para assimilar a língua
portuguesa e ser substituídas por ela, o que caracteriza a subalternização das línguas indígenas
e consequentemente de seus falantes. O convênio entre Funai e SIL foi estabelecido em 1969
e rompido definitivamente apenas 30 anos depois, em 1999.
3- A terceira fase tem início na década de 1970, e é caracterizada por projetos
alternativos para defesa dos territórios indígenas e promoção de serviços de saúde e
educação. Essas iniciativas partiam de organizações não governamentais pró-índio e
contaram com o apoio de instituições universitárias para a elaboração de novas propostas
educativas e curriculares, além de formação de professores indígenas. Organizados por
diferentes grupos, os Encontros Nacionais de Educação Indígena levaram à elaboração de
pautas e documentos que reivindicavam a criação de organismos próprios e novas políticas
linguísticas adequadas às demandas da educação escolar indígena.
4- A quarta fase remonta ao fim da década de 70, e é caracterizada pela consolidação
do movimento indígena no país, por meio da articulação de diferenças lideranças indígenas
e da busca por soluções coletivas para seus principais problemas. No campo da educação,
uma das principais reivindicações envolvia o direito à autodeterminação, que significava que
as diretrizes e práticas educativas fossem desenvolvidas pelos próprios indígenas. Com a
promulgação da Constituição de 1988, houve enormes avanços nas políticas indigenistas
brasileiras, com o reconhecimento e valorização de suas tradições, territórios e diversidade
linguística, além da garantia de utilização das línguas maternas e processos próprios de
aprendizagem nas escolas indígenas.

O direito ao uso das línguas maternas indígenas e de processos próprios na educação escolar
representou uma grande conquista na luta pela transformação das políticas indigenistas.
Foi reconhecida a necessidade de criar um novo modelo de ensino específico e diferenciado.
O antigo Paradigma Assimilacionista, vigente nos períodos colonial, imperial e republicano, foi
então substituído pelo Paradigma da educação bilíngue e intercultural, que tem como principal objetivo a
preservação das culturas e línguas indígenas e a promoção do ensino da língua portuguesa como
instrumento para interação com a sociedade não indígena.

O Paradigma da educação bilíngue intercultural permite:


“[...] adquirir e apropriar-se dos conhecimentos tecnológicos e científicos para ajudar a resolver os velhos e novos
problemas da vida nas aldeias, sem necessidade de abdicar-se de suas tradições, valores e conhecimentos tradicionais,
antes perseguidos, negados e proibidos pela própria escola” (LUCIANO, 2007, p. 6).
A partir dessa perspectiva, a educação escolar indígena passa a se orientar pelas características
sociolinguísticas e socioculturais dos povos a que se destinam, de acordo com seus traços identitários,
suas demandas particulares e seu protagonismo nos processos de definição curricular e
implementação pedagógica.

A exigência dessas novas demandas criou um imperativo – de que os próprios indígenas se


transformassem nos agentes responsáveis por todo o processo educativo em suas respectivas
comunidades.
Para isso, os professores precisam contar com cursos de formação superior indígena.
O surgimento de cursos de formação superior indígena é uma característica dos países da América
Latina de maneira geral, em decorrência das lutas e conquistas indigenistas e, consequentemente, das
mudanças sociais e políticas que têm ocorrido nas últimas décadas.
Essa convergência sociocultural em âmbito continental consolida a legitimação das demandas
educacionais diferenciadas no Brasil, o que aumenta a pressão sobre os agentes e as políticas
governamentais e (esperamos!) favorece o surgimento de condições mais propícias para a educação
escolar indígena.

- Importância
Embora tenha sido um dos principais instrumentos para as políticas de aculturação e integração
do índio à “sociedade nacional”, a escola pode ser ressignificada como um espaço de resistência e
luta em favor da diversidade e do legado das culturas indígenas.

“[...] embora não possa ser possível desinvestir completamente a educação [...] de sua cumplicidade com os sistemas
de exploração e de opressão, devemos sempre lugar como se essa libertação fosse possível” (NASCIMENTO, 2012,
p. 188).

Hoje, a escola constitui um dos mais importantes recursos na luta pela afirmação das identidades
étnicas, recuperação da memória histórica, valorização das línguas e saberes nativos e garantia de
autodeterminação dos povos indígenas.
Isso vale para as práticas de ensino em todos os níveis, desde os estágios iniciais de alfabetização
até as etapas de formação superior.
Na articulação entre as demandas socioculturais e as práticas educacionais indígenas, as
universidades assumem uma função especial, sobretudo com a oferta de cursos de licenciatura
intercultural, que contribuem para a habilitação de professores indígenas.
Conquanto a universidade ainda seja identificada como um espaço que preponderantemente
reproduz o saber e o poder dominantes, característicos de uma cultura eurocêntrica e alheia às
particularidades dos povos indígenas, eles reconhecem que ela fornece instrumentos necessários para
sua libertação.

- Características
Em função da história de opressão e silenciamento que marcou a relação das culturas
eurocêntricas com os povos indígenas, o ensino voltado para as demandas indígenas deve buscar uma
ruptura em relação aos modelos de ensino tradicionais.

De acordo com o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (BRASIL, 1998, p. 24-25),
as Escola Indígenas apresentam quatro características fundamentais:

* Comunitária
“Porque conduzida pela comunidade indígena, de acordo com seus projetos, suas concepções e seus princípios. Isto
se refere tanto ao currículo quanto aos modos de administrá-la”.
* Intercultural
“Porque deve reconhecer e manter a diversidade cultural e linguística; promover uma situação de comunicação
entre experiências socioculturais, linguísticas e históricas diferentes, não considerando uma cultura superior à outra
[...]”.

* Bilíngue/Multilíngue
“Porque as tradições culturais [...] são, na maioria dos casos, manifestados através do uso de mais de uma língua.
Mesmo os povos indígenas que são hoje monolíngues em língua portuguesa continuam a usar a língua de seus ancestrais
como um símbolo poderoso para onde confluem muitos de seus traços identitários, constituindo, assim, um quadro de
bilinguismo simbólico importante”.

* Específica e diferenciada
“Porque concebida e planejada como reflexo das aspirações particulares do povo indígena e com autonomia em
relação a determinados aspectos que regem o funcionamento e orientação da escola não-indígena”.

Na atualidade, os projetos de educação escolar indígena na América Latina se baseiam


predominantemente em propostas de educação bilíngue intercultural. Essa concepção apresenta três
aspectos principais:
“1. O mecanismo da negociação entre a cultura particular e a educação para assegurar a sobrevivência
de grupos culturais em um contexto no qual a sociedade envolvente promove a assimilação cultural; 2. O mecanismo
da resistência cultural e a assunção do conflito social para a redefinição contínua do poder étnico social dos
diferentes povos, em uma trama de interesses sociais diferenciados, na qual a concretização dos seus direitos civis e
culturais corresponde à utilização de distintas estratégias que põem em prova as possibilidades de poder; 3. O mecanismo
que, partindo da resistência e do conflito, afirma a identidade diversa na perspectiva de construir um poder
alternativo distinto ao gerado pelos setores dominantes da sociedade específica na qual esta identidade se processa”
(SALINAS & NÚÑEZ, 2001, p. 242, apud NASCIMENTO, 2012, p. 131).

Segundo López e Sinchra:


“Enquanto estratégia pedagógica, a educação intercultural bilíngue é um recurso para a construção de uma
pedagogia diferente e significativa em sociedades pluriculturais e multilinguais, a respeito de seu enfoque metodológico, a
educação intercultural bilíngue enfatiza a necessidade de se repensar a relação entre conhecimento, língua e cultura, na
sala de aula e na comunidade, para considerar os valores, saberes, conhecimentos, língua e outras expressões culturais
como recursos ‘que não só respeitem a diversidade, mas que assegurem uma igualdade de oportunidades para esses
mundos postergados, ignorados e espoliados em nome da liberdade de mercado’” (LOPES & SINCHRA, 2006, p.
138).
O primeiro desafio na reflexão sobre os processos educacionais voltados para as demandas
indígenas reside na própria definição da postura pedagógica a se adotar, em virtude de ser um campo
recente e portanto dotado de escasso material teórico de referência.

Como base para reflexões, utilizamos como modelo referencial o curso de Licenciatura Intercultural
de Formação Superior de Professores e Professoras Indígenas da Universidade Federal de Goiás.
Para a elaboração do Projeto Político-Pedagógico do curso, Pimentel da Silva afirma que:
“Levaram-se em conta tanto os contextos culturais, linguísticos, políticos e econômicos, quanto os relacionamentos
cotidianos dessas sociedades com a não-indígena; foram considerados também os projetos políticos-pedagógicos das escolas
indígenas, as políticas linguísticas adotadas nas aldeias e os programas alternativos de desenvolvimento econômico em
andamento nas comunidades e, ainda os projetos de futuro desses povos” (PIMENTEL DA SILVA, 2009a, p.
77, apud NASCIMENTO, 2012, p. 111).
Filiado a uma orientação dialógica, no que se refere tanto à diversidade sociolinguística dos
povos em contato quanto aos diferentes campos do saber abordados, o curso de Licenciatura
Intercultural da UFG se baseia em dois princípios pedagógico fundamentais: Transdisciplinaridade e
Interculturalidade.

- - Interculturalidade
Interculturalidade é um conceito que admite a diversidade cultural de maneira dialógica e
complexa, caracterizada pelas tensões, assimetrias e antagonismos (históricos, políticos, sociais) que
essas culturas estabelecem entre si, com o intuito de instaurar diálogos construtivos a partir dessas
divergências e buscar a superação de desigualdades e desequilíbrios nas correlações de forças.

A interculturalidade não propõe a tolerância entre os diferentes ou sua hibridização, mas sim a
percepção dessas diferenças, a instauração de um intercâmbio e a construção progressiva de
possibilidades de equidade.

Em função de suas características, a interculturalidade depende de circunstâncias


sociolinguísticas particulares, como os aspectos culturais, históricos, sociais, políticos e econômicos
dos povos em interação.
“[...] a educação bilíngue intercultural tem que partir da experiência dos alunos e das alunas e da realidade
sociocultural em que vivem, incluindo-se nela os conflitos internos, inter e intragrupais, assim como os desequilíbrios
sociais e culturais que eles e elas enfrentam” (NASCIMENTO, 2012, p. 144).

A interculturalidade busca, de acordo com Walsh:


“[...] uma interação entre pessoas, conhecimentos e práticas culturalmente diferentes; uma interação que reconhece
e que parte de assimetrias sociais, econômicas, políticas e de poder e das condições institucionais que limitam a
possibilidade de que o “outro” possa ser considerado sujeito com identidade, diferença e agência – a capacidade de agir.
Não se trata simplesmente de reconhecer, descobrir ou tolerar o outro, ou a diferença em si [...]. Trata-se, sim, de
impulsionar ativamente processos de intercâmbio que, por meio de mediações sociais, políticas e comunicativas, permitam
construir espaços de encontro, diálogo e associação entre seres e saberes, sentidos e práticas distintas” (WALSH, 2001,
p. 6, apud NASCIMENTO, 2012, p. 117).
E complementa:
“A interculturalidade não pode ser reduzida a uma simples mescla, fusão ou combinação híbrida de elementos,
tradições, características ou práticas culturalmente distintas. A interculturalidade representa processos (não produtos ou
fins) dinâmicos e de dupla ou múltipla direção, repletos de criação e de tensão e sempre em construção; processos
enraizados nas brechas culturais reais e atuais, brechas caracterizadas por assuntos de poder e pelas grandes
desigualdades sociais, políticas e econômicas que não nos permitem nos relacionar equitativamente, e processos que
pretendem desenvolver solidariedades e responsabilidades compartilhadas. E este e o maior desafio da interculturalidade:
não ocultar as desigualdades, contradições e os conflitos da sociedade ou dos saberes e conhecimentos (algo que o manejo
político muitas vezes trata de fazer), mas trabalhar com eles e neles intervir” (WALSH, 2001, p. 8-9, apud
NASCIMENTO, 2012, p. 118).

De acordo com Pimentel da Silva:


“No campo da educação, a Interculturalidade é um processo contínuo nas relações entre teoria e prática, entre
conceitos e suas múltiplas significações, oriundas do diálogo entre diferentes padrões culturais de que são portadores os
sujeitos que vivenciam o processo educativo” (PIMENTEL DA SILVA & MENDES ROCHA, 2006, p.
103, apud NASCIMENTO, 2012, p. 112).

A interculturalidade representa um avanço diante do conceito de biculturalidade. De acordo


com Aikman:
“[biculturalidade]” parece implicar que alguém pode atuar em duas culturas distintas simultaneamente e num
mesmo nível, o que é particularmente inapropriado no caso dos povos indígenas, para quem as duas culturas não são
apenas fundamentalmente diferentes, como também antagônicas” (AIKMAN, 1999, p. 19, apud
NASCIMENTO, 2012, p. 121).

Além de promover a diversidade sociolinguística, a postura intercultural favorece a preservação


das culturas e identidades dos sujeitos:

“[...] a concepção intercultural [...] constitui um grande avanço para a legitimação da pluralidade étnica, uma
vez que permite, pela primeira vez, que modos próprios de ensino e aprendizagem, como como conhecimentos, línguas e
cultura indígenas sejam legitimamos e afirmados e que fazem parte central do currículo da escola indígena que, por sua
vez, tem a chance de ser gerida autonomamente e protagonizada pelos próprios indígenas” (NASCIMENTO, 2012,
p. 140).

E para além das salas de aula, o posicionamento intercultural aponta em última instância para a
transformação da sociedade como um todo, em função do fortalecimento identitário dos povos
minoritários, da sua instrumentalização nas arenas de luta política e no estabelecimento de novas
formas de intercâmbio com a sociedade não indígena.

- - Transdisciplinaridade
O conceito da transdisciplinaridade surgiu no século XX como forma de:
“[...] compensar a hiperespecialização disciplinar, propondo diferentes níveis de cooperação entre as disciplinas,
com o objetivo de buscar soluções para os problemas causados pelo desenvolvimento tecnológico e pela falta de diálogo
entre os saberes decorrentes dessa superespecialização” (NASCIMENTO, 2012, p. 163).

A concepção transdisciplinar emerge como uma alternativa à fragmentação do conhecimento, à


compartimentalização do saber em categorias e disciplinas estanques e independentes.
“[...] Transdisciplinaridade [...] diz respeito ao que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das
diferentes disciplinas e além de toda disciplina e sua finalidade é compreender o mundo atual, as relações dos povos, das
pessoas nesse mundo, o que significa enfrentar uma experiência intercultural” (PIMENTEL DA SILVA &
MENDES ROCHA, 2006, p. 103, apud NASCIMENTO, 2012, p. 112).

A partir da perspectiva transdisciplinar, a educação passa a ser encarada como um processo


holístico e contextualizado em que as diferentes disciplinas do saber são interdependentes e
constituem simples recursos didáticos que, ainda como esquemas abstratos, possuem fronteiras
móveis e interpenetráveis.

“A abordagem transdisciplinar se apreende então como uma nova organização do conhecimento, como uma nova
hermenêutica das colocações em relação, como um processo epistemológico e metodológico de resolução de dados complexos
e contraditórios situando as ligações no interior de um sistema total, global e hierarquizado sem fronteiras estáveis entre
as disciplinas, incluindo a ordem e a desordem, o sabido e o não sabido, a racionalidade e a imaginação, o consciente e
o inconsciente, o formal e o informal” (PAUL, 2005, apud NASCIMENTO, 2012, p. 165).

A Carta da Transdisciplinaridade, documento que traça os conceitos definidores da concepção


transdisciplinar, assim a define:
“Artigo 2: O reconhecimento da existência de diferentes níveis de realidade, regidos por logicas e leis diferentes, é
inerente à atitude transdisciplinar. [...] Artigo 3: [...] A transdisciplinaridade não procura o domínio sobre as várias
outras disciplinas, mas a abertura de todas elas àquilo que as atravessa e as ultrapassa. [...] Artigo 5: A visão
transdisciplinar está resolutamente aberta na medida em que ela ultrapassa o domínio das ciências exatas por seu
diálogo e sua reconciliação não somente com as ciências humanas mas também com a arte, a literatura, a poesia e a
experiência espiritual. [...] Artigo 10: Não existe um lugar cultural privilegiado de onde se possam julgar as outras
culturas. O movimento transdisciplinar em si é transcultural” (CARTA DA TRANSDISCIPLINARIDADE,
1994, apud NASCIMENTO, 2012, p. 166)

Além de se ajustar melhor às demandas da interculturalidade, a abordagem transdisciplinar é


propícia à mundivisão tradicional das culturas indígenas, que compreendem o mundo a partir de
conhecimentos vivos, que se articulam em relações de interdependência e se aplicam à realidade de
maneira holística.
“A essência do conhecimento indígena é que ele está vivo na cultura dos povos indígenas. Diferentemente do
conhecimento ocidental, ele não está em arquivos, nem em laboratórios. Ele não está separado da vida prática. Assim,
os povos indígenas são os atores de seu conhecimento e não repositórios passivos de um conhecimento separado da vida
cotidiana das pessoas” (MAURIAL, 1999, P. 62, apud NASCIMENTO, 2012, p. 169).

- - Bilinguismo
No contexto pedagógico brasileiro, pode-se diferenciar dois principais modelos de educação
bilíngue:
* Educação bilíngue de transição: Busca que o aluno mude da língua materna para a dominante, com
o objetivo de assimilação sociocultural, o que promove um bilinguismo subtrativo, em que a língua
materna do aluno (assim como sua cultura) é substituída pela da sociedade dominante.
* Educação bilíngue de manutenção: Promove o uso da língua materna e a identidade cultural do
aluno, configurando uma modalidade de bilinguismo aditivo.

A educação bilíngue de transição, ostensivamente assimilacionista, foi a proposta vigente no


Brasil durante o período colonial, imperial e republicano.

A filiação pedagógica dessa proposta, alinhada ao ensino intercultural, determina o emprego do


bilinguismo aditivo.

Nascimento propõe a noção de bilinguismo identitário:


“[...] de modo que [...] compreenda, para além do uso das práticas comunicativas a partir de diferentes repertórios
linguísticos, os sentimentos de pertencimento, de autoidentificação, por aqueles e aquelas. Em outras palavras, esta noção
se refere muito menos ao uso efetivo de duas línguas [...] e muito mais à dimensão de referência cultural e étnica que
seus/suas falantes atribuem-na” (NASCIMENTO, 2012, p. 242).

Em função das dinâmicas sociolinguísticas das culturas em interação, os diferentes graus de


prestígio e influência das línguas podem fazer com que uma seja enfraquecida diante da outra nas
práticas educacionais.
“Educação bilíngue é ‘um rótulo simples para um fenômeno complexo’. Já de início é necessária uma distinção
entre a educação que usa e promove as duas línguas e a educação para crianças de grupos linguísticos minoritários. Esta
é uma diferença entre uma sala de aula em que a instrução formal é favorecer o bilinguismo e uma sala de aula em que
crianças bilíngues estão presentes, mas o bilinguismo não é promovido no currículo. O termo guarda-chuva, educação
bilíngue, tem sido usado para se referir a ambas as situações tornando-o ambíguo e impreciso” (BAKER, 1996, p.
192, apud NASCIMENTO, 2012, p. 88)

A noção de bilinguismo pode indicar uma virtual neutralidade sociolinguística entre as duas
línguas e mascarar os conflitos e as diferenças nas correlações de forças entre elas, o que iria contra
os pressupostos da interculturalidade.
Para evitar esse problema, é conveniente trabalhar com o conceito de diglossia.

Concebido com um caráter político, a noção de diglossia pressupõe:


“[...] a existência do conflito entre os grupos linguísticos envolvidos e não simplesmente do contato entre línguas
[...] a dimensão conflitiva da diglossia busca enfatizar o caráter de luta e contradição nas relações sociais, políticas,
étnicas, econômicas e culturais, das quais fazem parte as relações linguísticas [...]” (NASCIMENTO, 2012, p.
265).
Entendido dessa forma, o conceito de diglossia enfatiza as relações assimétricas entre as línguas
e realça as tensões políticas, sociais, étnicas e culturais decorrentes dessas interações contextualizadas.

O conceito é utilizado também para:


“[...] compreender e medir a discriminação através da língua, enfatizando as representações sociais e os juízos de
valor que recaem sobre línguas subalternizadas, e inevitavelmente seus falantes, em contextos diglóssicos” (ALBÓ,
1988, p. 129, apud NASCIMENTO, 2012, p. 266).

O reconhecimento da situação diglóssica, ou conflituosa, que caracteriza as línguas indígenas –


nas relações entre si e com a língua portuguesa – é um ponto essencial para a compreensão da
realidade cultural brasileira.
Por isso, sua consideração é significativa para a elaboração de propostas pedagógicas
interculturais, sobretudo em contextos multilíngues.

- - - Multilinguismo
Segundo o último censo do IBGE, atualmente são faladas 274 línguas indígenas em território
brasileiro, o que faz do Brasil um dos países com maior diversidade linguística no mundo.
Entretanto, Rodrigues (2000) afirma que, antes da invasão europeia, essa exuberância
sociolinguística ultrapassava a marca de 1.000 línguas indígenas.

A região em que o multilinguismo se manifesta com maior exuberância no Brasil é na bacia


amazônica:
“A bacia amazônica é a região linguística menos conhecida e linguisticamente compreendida no mundo. Mapas
das famílias linguísticas da América do Sul (com uma cor para cada grupo genético) transmitem uma impressão de
anarquia – há pontilhados de amarelo e azul e vermelho e laranja e marrom misturados como uma pintura de Jackson
Pollock” (FERNANDES, 2017, p. 95).

Situada nessa região, a cidade de São Gabriel da Cachoeira possui a maior população indígena
do Brasil, que corresponde a 85% da população total.
São Gabriel é também conhecida por ser a primeira cidade brasileira com mais de uma língua
oficial. Além do português, a cidade possui três línguas oficiais: tukano, nheengatu e baniwa.

A cidade se localiza no Noroeste Amazônico, em um espaço conhecida como “cabeça do


cachorro”, onde se localizam 31 etnias diferentes.

Os povos da região compõem um complexo sistema sociolinguístico, marcado por relações de


hierarquia e intenso multilinguismo.
Segundo Aikhenvald (2002), o fenômeno do multilinguismo na região pode ser explicado pela
prática da exogamia linguística.
Cada grupo étnico da região possui uma língua própria, e as regras sociais naquele espaço
impedem a ocorrência de casamentos no interior de um mesmo grupo étnico.
“[...]o denominador comum de um grupo étnico é que os indivíduos desse grupo não casam entre si, ou seja, cada
grupo étnico é uma unidade exogâmica. Isso enquadra-se em uma visão mítica nativa em que os diferentes clãs do grupo
possuem um ancestral em comum, fato que os coloca como ‘irmãos’” (CHACON & CAYÓN, 2013, p. 9).
A interdição do incesto (casamento entre irmãos) exige a ocorrência de casamentos apenas entre
membros de grupos étnicos distintos, o que faz com que os casais sejam bilíngues.
Além da exogamia linguística, os povos da região se caracterizam pela filiação patrilinear (os
filhos se ligam identitariamente à etnia do pai) e residência virilocal (as famílias vivem no local de
origem do marido ou de residência do pai).

“Uma vez que essas famílias vivem em comunidades ou malocas com várias outras famílias, e que as esposas
podem vir de diferentes grupos étnicos, a comunidade tende a ser multilíngue, contendo a língua dos homens locais, além
das várias línguas que as esposas desses homens falam. Indivíduos crescendo, nesse ambiente social, aprendem mais do
que duas línguas, pois além das línguas do pai e da mãe, aprendem línguas de suas tias e primos [...]” (CHACON
& CAYÓN, 2013, p. 10).

De acordo com Aikhenvald, seria a exogamia linguística, cujo elemento central é a língua, o fator
preponderante para a ocorrência do multilinguismo.
Entretanto, essa visão é contestada por Chacon & Cayón (2013). Para os autores, a noção de
“irmão” não está vinculada à língua.

“[...] as línguas não são de fato o elemento definidor de um grupo exogâmico. Isso porque os padrões de casamentos
não são definidos tendo como base apenas o grupo étnico, mas, sim, a fratria, unidade social não nomeada que engloba
diferentes grupos étnicos, que não pode estar associada em relações de casamento entre si” (CHACON & CAYÓN,
2013, p. 13).

Outro aspecto responsável pela ocorrência do multilinguismo é a noção de aliança.


As alianças locais reforçam as trocas horizontais entre grupos não aparentados como irmãos,
favorecendo a interação entre línguas distintas.

“As línguas possuem um duplo papel na Região. Por um lado, ela é um marcador da filiação patrilinear. Nesse
sentido, a língua reforça os elos socioculturais dentro de um grupo étnico, e evidencia a separação com relação a outros
grupos. Isso é, sobretudo, um valor simbólico. No entanto, língua não é o único marcador étnico associado à filiação
patrilinear, uma vez que um grupo étnico é definido, além da língua, por um conjunto de aspectos culturais, como um
ancestral mítico, um conjunto de flautas de ritos ancestrais, um local de nascimento mítico, que constituem fronteiras
que estão em relação com outros grupos étnicos com as mesmas características” (CHACON & CAYÓN, 2013, p.
17).

“A exogamia linguística é um corolário prototípico da filiação patrilinear. Já com relação às alianças locais, ela
é um epifenômeno, pois depende de certos fatores como multilinguismo a nível local, redes de alianças diversificadas e um
certo equilíbrio político entre as relações interétnicas. Na falta de um desses elementos, a exogamia linguística em seu
modelo canônico tende a se enfraquecer ou desaparecer. Nesse sentido, ela não chega a ser um princípio regulador, como
nos faz crer Aikhenvald (2002), mas, antes, é resultado de um equilíbrio tênue da ecologia linguística na Região”
CHACON & CAYÓN, 2013, p. 18).
- - Protagonismo indígena
Nas decisões a se tomar a respeito do programa, do currículo, da metodologia e assim por diante,
considerar as vozes dos principais sujeitos nesse processo: os alunos e professores indígenas.

No cenário do ensino bilíngue intercultural, os professores indígenas se tornam um elemento


central para as transformações sociopolíticas que ainda se fazem necessárias, tanto pela sua
importância na apropriação e tradução dos saberes técnicos eurocêntricos, como pelo seu papel na
interlocução entre as comunidades indígenas e a sociedade dominante.
De acordo com o RCNEI:
“A proposta de uma escola indígena de qualidade – específica, diferenciada, bilíngue, intercultural – só será viável
se os próprios índios, por meio de suas respectivas comunidades, estiverem à frente do processo como professores e gestores
na prática escolar” (MEC, 1998, p. 10).

O papel dos professores indígenas vai além da transmissão de conhecimento:


“[...] pode-se dizer que os professores indígenas são os mediadores, por excelência, das relações sociais que se
estabelecem dentro e fora da aldeia, por meio também da escola. Assim, eles ou elas têm uma função social distinta dos
professores não-índios, pois assumem, muitas vezes, o papel de intérpretes entre culturas e sociedades distintas [...]. Em
sua condição de atores principais da educação intercultural, muitas vezes experimentam uma fidelidade conflituosa entre
os conhecimentos, valores, modos de vida, orientações filosóficas, políticas e religiosas próprias à cultura de seu povo e os
provenientes da sociedade majoritária, de quem, em determinadas situações, acaba sendo o porta-voz em sua comunidade
e em sua escola. Têm assim a complexa tarefa de protagonizar os processos de reflexão crítica sobre os diversos tipos de
conhecimentos a serem estudados, interpretados e reconstruídos na escola: os normalmente denominados conhecimentos
‘universais’, transmitidos pela instituição escolar, e os denominados conhecimentos ‘próprios’, ‘étnicos’ ou ‘tradicionais’,
a serem pesquisados, registrados, sistematizados e reinterpretados no processo intercultural” (BRASIL, 2002, p. 20).

Reconstruídos é uma palavra-chave, porque demonstra o caráter dialógico da educação – e do fazer


cultural. A língua é uma dimensão da história e da identidade de um povo que se encontra viva, em
constante processo de reinvenção e atualização, a partir da sua manifestação nas situações concretas
e simbólicas de uso. Suas relações com outras línguas, as práticas políticas que regem a organização
da coletividade, o imaginário do falante a respeito dela, a autoestima relacionada à sua utilização...
A língua depende dos falantes, e os falantes dependem da sociedade. Três níveis que se
interinfluenciam nessa roda em perene movimento.

A entrada em cena desse novo agente sociopolítico amplia as possibilidades de resistência dos
povos autóctones, instrumentaliza suas lutas contra o etnocídio e o apagamento histórico de que
foram vítimas e fortalece seus movimentos de afirmação identitária.
 CURRÍCULO
- Conteúdo
Na América Latina, as práticas pedagógicas tendem a apresentar conteúdos comuns, como:
“[...] os componentes básicos do sistema intercultural bilíngue são: a territorialidade (direito ao território/terra),
a cultura e a interculturalidade, as línguas maternas e segundas línguas. Os componentes operativos, por sua vez, são
constituídos por: a comunidade e seu contexto, o currículo, a cultura indígena (e os conhecimentos sobre a natureza e
seus componentes, sobre matemáticas, sobre ciências sociais, a tecnologia, a mitologia, as artes e artesanatos, a linguística
do idioma nativo, a pedagogia bilíngue e a psicologia), as culturas hispânica [i.e. não-indígena hegemônica] e universal
[...]” (SALINAS & NÚÑEZ, 2001, p. 242, apud NASCIMENTO, 2012, p. 131).

No entanto, mais importante do que partir de diretrizes curriculares pré-estabelecidas ou


propostas generalizantes é a contextualização do processo de elaboração curricular e a abertura para
novas soluções:
“[...] o que merece destaque nas propostas de educação bilíngue intercultural são, assim, as possibilidades que se
abrem para a desconstrução de modelos prontos de educação e à base de novas perspectivas educacionais que favoreçam
a emergência de conhecimentos, vozes e significados seguidamente reprimidos e excluídos, perspectivas essas que vão além
do ensino das línguas em si e por si mesmas, mas que delas façam uso para a criação, a elaboração e o desvelamento de
novos/outros sistemas de conhecimento” (PIMENTEL DA SILVA, 2009b, p. 99; 103, apud
NASCIMENTO, 2012, p. 140).

Nesse sentido, a abordagem mais adequada é conceber o currículo a partir do diálogo com os
alunos e professores em questão.

“[...] para esta concepção como prática de liberdade, a sua dialogicidade comece não quando o educador-educando
se encontra com os educandos-educadores em uma situação pedagógica, mas antes, quando aquele se pergunta em torno
do que vai dialogar com estes. Esta inquietação em torno do conteúdo do diálogo é a inquietação em torno do conteúdo
programático da educação. [...] para o educador-educando, dialógico, problematizador, o conteúdo programático da
educação não é uma doação ou uma imposição, - um conjunto de informes a ser depositado nos educandos –, mas a
devolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo daqueles elementos que este lhe entregou de forma
desestruturada” (FREITE, 2005, p. 96-97, apud NASCIMENTO, 2012, p. 197).

Ainda assim, alguns pressupostos básicos são essenciais para os diálogos a se estabelecer.

- Pressupostos básicos
Segundo os pressupostos da interculturalidade, a construção do currículo do curso deve ser
realizada a partir das demandas indígenas específicas e por meio do seu protagonismo:
“[...] as vozes dos professores e professoras indígenas não são tratadas como ‘dados’ [...], mas como instâncias de
interlocução para a elaboração e a implementação de um plano de trabalho coerente com suas expectativas”
(NASCIMENTO, 2012, p. 198).
A coerência com a transdisciplinaridade impõe que as práticas educacionais não sejam
organizadas a partir de disciplinas de conhecimento, típicas das pedagogias convencionais, e sim de
áreas temáticas:
“[...] numa atividade de orientação transdisciplinar, o ponto de partida será um tema (uma questão, uma
preocupação, um problema etc.) e, a partir dele, os recursos metodológicos e analíticos serão acionados”
(NASCIMENTO, 2012, p. 170).

Os conhecimentos são organizados em grandes áreas e abordados a partir de Temas Contextuais.

“Os temas são galerias por onde os conhecimentos progridem ao encontro uns dos outros” (SANTOS, 1988, p.
65, apud NASCIMENTO, 2012, p. 171).

A definição das áreas temáticas deve explorar conteúdos pertinentes à vida das comunidades e
possibilitar a intersecção de conhecimentos construídos por paradigmas e perspectivas diversas.

A pluralidade das perspectivas deve ser buscada com o objetivo de não promover uma
homogeneização cultural artificial e subalternizadora:
“É importante destacar que não há um único corpo coerente de conhecimento indígena. Os povos indígenas não
apresentam uma única alternativa epistemológica e ontológica homogênea ao paradigma educacional ocidental encontrado
nas escolas. Pelo contrário, apresentam um panorama diverso de filosofias e visões de mundo” (AIKMAN, 1996, p.
158, apud NASCIMENTO, 2012, p. 146).

O reconhecimento da diversidade cultural e sociolinguística dos povos envolvidos é um dos


elementos centrais para os diálogos definidores das bases curriculares, a fim de que:
“[...] esta diversidade e as diferenças culturais e linguísticas dela constitutivas, quando reunidas numa mesma
sala de aula, não [...] sejam solapadas por práticas pedagógicas e atitudes homogeneizantes, mesmo que involuntárias,
mas que, ao contrário, se [...] façam patentes e valorizadas, como um recurso a ser explorado” (NASCIMENTO,
2012, p. 202).

Assim, a elaboração curricular deve se basear fundamentalmente nos saberes indígenas, de forma
que veiculem os conhecimentos ancestrais dos respectivos povos, valorizem suas matrizes históricas,
transmitam sua cosmovisão e reforcem suas identidades culturais:
“[...] a partir da concepção intercultural, ao espaço linguístico aditivo da educação bilíngue soma-se o fortalecimento
da identidade própria e da cultura de referência imediata da população indígena, que passa a ser a base das propostas
de educação bilíngue intercultural” (NASCIMENTO, 2012, p. 130).

Deve-se considerar também que muitos dos conhecimentos incluídos nos currículos são
intraculturais:
“Muitos temas desses sequer têm como serem traduzidos: muitos são sagrados, outros são segredos. Outros são
corrompidos, quando traduzidos. Neste contexto, a religação dos saberes é de ordem intracultural, acompanha uma
leitura particular de mundo” (PIMENTEL DA SILVA, 2001, apud NASCIMENTO, 2012, p. 148).
Além dos saberes indígenas, as técnicas e tecnologias ocidentais devem ser incluídas no currículo
– sempre de acordo com sua pertinência às circunstâncias locais e conforme as decisões dos
alunos/professores.
Além de propiciar a aquisição de competências úteis aos alunos e estimular os intercâmbios
culturais entre as diferentes culturas, a apropriação dos saberes não indígenas configura um
instrumento relevante nos espaços de luta sociopolítica, sobretudo naqueles mediados pelas instâncias
governamentais.

Os conhecimentos discutidos em sala de aula devem ser complementados por atividades


extraescolares.
“As atividades extraescolares, além de envolver jovens, sábios, lideranças, vão contribuir, com certeza, para
ampliar o diálogo entre a universidade e as comunidades, entre conhecimentos produzidos pelos povos indígenas e os
produzidos pela academia, buscando, assim, fortalecer a ideia da transdisciplinaridade, ou seja, de lidar com o
conhecimento em função da humanidade e de reconhecimento da diversidade, de direitos, de bilinguismo/bidialetismo, e
das realidades culturais e linguísticas distintas” (PIMENTEL DA SILVA, 2010b, p. 1, apud
NASCIMENTO, 2012, 175).

No que diz respeito às atividades comunicativas em diferentes línguas, os currículos devem


contemplar as línguas indígenas e a língua portuguesa.

De acordo com o RCNEI, a área de línguas das escolas indígenas deve tornar o aluno capaz de:
“Compreender que o uso da linguagem verbal é um meio de comunicação e de manifestação dos pensamentos e
sentimentos das pessoas e dos povos. Reconhece e valorizar a diversidade linguística existente no país, Usar a(s) língua(s)
do seu repertório linguística para expressar-se oralmente, de forma eficiente e adequada às diferentes situações e contextos
comunicativos. Ser leitor e escritor competente na(s) língua(s) onde essas competências for(em) julgada(s) necessária(s) e
relevante(s)” (MEC, 1998, p. 130).

Importante destacar que o ensino das línguas não é determinado pelo nível de proficiência ou
pela escolaridade dos alunos:
“[...] os usos das línguas no ensino bilíngue escolar não são determinados pela série ou ciclo, ou pelo tipo de
bilinguismo da comunidade, mas pelo tema contextual em debate” (PIMENTEL DA SILVA, 2001, apud
NASCIMENTO, 2012, p. 148).

- Línguas Indígenas
Em primeiro lugar, deve-se considerar que o uso das línguas indígenas em contextos
educacionais multilíngues pode criar uma relação desigual de forças e uma dinâmica sociolinguística
conflituosa:
“Ao longo do desenvolvimento dos cursos e no cotidiano das relações sociais e comunicativas interétnicas, pode-se
reforçar a tendência já conhecida de enfraquecimento das línguas indígenas e de concomitante fortalecimento da língua
portuguesa, tendo como palco os processos escolares de formação” (BRASIL, 202, p. 49)
Para enfrentar esse quadro, os Referenciais para a Formação de Professores Indígenas (RFPI) defendem
que as línguas indígenas devem ser incluídas nos currículos em articulação com as demais áreas de
conhecimento, seu uso oral e escrito deve ser estimulado e seu estudo metalinguístico como objeto
de pesquisa deve ser promovido.

De acordo com o Referencial Curricular Nacional para o Ensino Indígena, a inclusão das línguas
indígenas no currículo escolar tem o objetivo de:
“[...] possibilitar que os alunos indígenas usufruam dos direitos linguísticos que lhes são assegurados, como
cidadãos brasileiros, pela Constituição; atribuir prestígio às línguas indígenas, o que contribui para que seus falantes
desenvolvam atitudes positivas em relação a elas, diminuindo, assim, os riscos de perdas linguísticas e garantindo a
manutenção da rica diversidade linguística do país; favorecer o desenvolvimento das línguas indígenas no nível oral e
escrito” (BRASIL, 1998, p. 120-121).

Segundo o Projeto Político-Pedagógico do curso de Licenciatura Intercultural da UFG:


“Analisar e estudar as línguas indígenas em seus diversos aspectos vai ajudar os professores a concebê-las como
línguas de cultura, de ciências etc. os estudos complementares, portanto, contribuem para a construção de currículos
escolares, que deverão propor o ensino de línguas numa perspectiva sociológica” (NASCIMENTO, 2012, p. 177).

- Português
De acordo com o Referencial Curricular Nacional para o Ensino Indígena:
“[...] a língua portuguesa pode ser, para os povos indígenas, um instrumento de defesa de seus direitos legais,
econômicos e políticos; um meio para ampliar o seu conhecimento e o da humanidade; um recurso para serem conhecidos
e respeitados, nacional e internacionalmente, em suas diversidades, e um canal importante para se relacionarem entre si
e para firmarem posições políticas comuns” (BRASIL, 1998, p. 123).

Importante destacar que, para o RCNEI, o português no contexto educacional é concebido


como uma língua franca, o que reforça sua importância como língua de relações interculturais.

Segundo o Projeto Político-Pedagógico do curso de Licenciatura Intercultural da UFG:


“A língua portuguesa é, não só, uma das principais áreas do currículo da escola indígena, mas também uma das
línguas de ensino, o meio através do qual o conhecimento é discutido, estudado e produzido” (NASCIMENTO,
2012, p. 177).

Em escolas caracterizadas por alunos que dominam apenas a língua materna, deve ser incluído
nos currículos o ensino de português como segunda língua:
“[...] a aprendizagem de uma segunda língua em contexto escolar se torna mais efetiva quando as primeiras
línguas dos alunos e alunas são valorizadas e afirmadas como língua de comunicação e como língua de conhecimento”
(NASCIMENTO, 2012, p. 239).
Nos espaços caracterizados por alunos que dominam o português, ele deve ser a língua de
instrução e disciplina curricular.
A respeito do ensino da língua portuguesa nas escolas indígenas, o RCNEI recomenda que o
contexto sociolinguístico dos professores em formação seja considerado, e que se abordem diferentes
gêneros de textos e discursos presentes nas práticas cotidianas dos estudantes.

- Exemplo de currículo
Apresentar estrutura curricular do curso de Licenciatura Intercultural da UFG
 POLÍTICAS LINGUÍSTICAS
- Definição
O campo das políticas linguísticas diz respeito às relações entre as línguas e a sociedade, no que
compreende a interação entre diferentes línguas ou entre as diferentes variedades de uma mesma
língua no interior de um espaço social complexo, as dinâmicas de poder decorrentes dessas relações
heterogêneas, as práticas de intervenção e controle governamental sobre as manifestações linguísticas,
e as implicações socioculturais derivadas desses fenômenos.
As políticas linguísticas abrangem práticas, ideologias e ações que influenciam:
“[...] modos complexos de interação, negociação e produção humanos, mediados por relações de poder [...],
potencializados em situações de contatos sócio-culturais, política e economicamente assimétricos, como é o caso das relações
[...] entre indígenas e não-indígenas no Brasil. Nestas situações, o grupo de maior poder econômico e político é que pode
traçar políticas linguísticas para a sua e as demais sociedades em interação” (NASCIMENTO, 2012. p. 64).

- Brasil
O cenário das políticas linguísticas no Brasil remonta ao período da colonização indígena pela
coroa portuguesa, no século XVI.
A fim de colonizar o espaço e os sujeitos, os invasores europeus precisaram instaurar um
processo de colonização das línguas nativas (MARIANI, 2004, p. 25), com o objetivo de esfacelar as
identidades étnicas dos povos autóctones para impor os interesses e demandas da metrópole.
Para subjugar um povo, é necessário romper suas articulações e quebrar sua resistência. Para
isso, deve-se desconstruir sua identidade, materializada nas suas matrizes culturais e linguísticas.
A colonização linguística supõe:
“[...] a imposição de ideias linguísticas vigentes na metrópole e um imaginário colonizador enlaçando língua e
nação em um projeto único [...]. Trata-se de um processo histórico de confronto entre línguas com memórias, histórias e
políticas de sentidos dessemelhantes, em condições assimétricas de poder tais que a língua colonizadora tem condições
políticas e jurídicas para se impor e se legitimar relativamente à(s) outra(s), colonizada(s)” (NASCIMENTO, 2012.
p. 19).
Para cumprir a empresa colonizadora, a imposição da língua portuguesa se estabeleceu como
uma demanda desde os períodos iniciais do contato. Para auxiliar nesse mister, a coroa contava com
o apoio da Igreja, sobretudo dos missionários jesuítas.
Nesse contexto, a colonização linguística no Brasil se concretizou com o intuito de promover
uma dominação plena, desde os corpos até as almas dos nativos: os primeiros, cobiçados pela coroa
portuguesa; os segundos, pela Igreja Católica. Segundo Mariani:
“Para a metrópole portuguesa, o exercício de uma política unitária de imposição da língua portuguesa representava
a possibilidade de domesticação e absorção das diferenças de povos e culturas indígenas [...]. Para a igreja, [...] o
caminho mais direto para a expansão da evangelização realizava-se através da adoção do vernáculo local [...]. Tanto
no caso da coroa portuguesa como no caso da Igreja, uma única língua [...] era convocada para diluir a diversidade.
Seja como for, em ambos os casos o objetivo era o mesmo: inscrever o índio como um sujeito colonizado cristão e vassalo
de El Rei a partir do aprendizado e utilização de uma só língua” (MARIANI, 2004, p. 95-96).
Os missionários jesuítas utilizavam as línguas indígenas como um instrumento para a aquisição
da língua portuguesa, a qual deveria substituí-las assim que possível.
Assim, as línguas nativas eram utilizadas com um caráter transitório, em práticas de ensino
voltadas para a doutrinação e aculturação, com o fim último da evangelização e colonização.
A pressão econômica e o avanço do colonialismo nas terras brasileiras, por um lado,
contribuíram para o sufocamento das culturas e línguas indígenas e, por outro, promoveram a
consolidação da língua portuguesa na vida cotidiana.
O uso exclusivo da língua portuguesa só foi determinado oficialmente em 1757, por meio do
Diretório dos Índios elaborada pelo Marquês de Pombal.
O Diretório pombalino tornava obrigatório o uso da língua portuguesa e proibia a utilização das
línguas indígenas e da língua geral, a nudez, as habitações coletivas, e previa a punição com morte a
quem desrespeitasse as determinações.
Além disso, exigia a expulsão dos jesuítas do território brasileiro, transformava as aldeias
missionárias em vilas e povoações coloniais portuguesas e favorecia a “mestiçagem” (casamentos
interétnicos).
Com isso, a política pombalina buscava combater o monopólio das ações dos jesuítas junto às
populações indígenas, estimular o povoamento da colônia e a assegurar defesa do seu território.
Embora o Diretório Pombalino tenha sido revogado em 1798, a falta de novas políticas
indigenistas fez com que a realidade sociolinguística na colônia mantivesse as mesmas características.
Segundo Nascimento:
“O advento da República no Brasil [...] não representou mudanças significativas quanto à forma de conceber a
diversidade sociocultural e a forma de nela atuar. Também neste contexto político, o ideário estatal subjacente às políticas
indigenistas (e linguísticas) se pautou na assimilação e na integração dos povos indígenas à sociedade nacional, contexto
no qual a imposição da língua portuguesa se apresentou, mais uma vez, como medida fundamental”
(NASCIMENTO, 2012. p. 81).

Em 1910, foi criado o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), que buscava preponderantemente colocar
os índios sob tutela do Estado, considerando-os como “sujeitos em transição” que deveriam ser
assimilados e integrados à “sociedade nacional”.
No campo da educação, o SPI buscou implantar nas escolas indígenas os currículos e programas
pedagógicos convencionais, com práticas de ensino monocultural e monolinguística, características
do período colonial.
O uso das línguas indígenas em contexto escolar foi institucionalizado apenas em 1966, após a
promulgação de um Decreto Presidencial. Ainda assim, o decreto previa a transição progressiva das
línguas maternas para a língua portuguesa.
Em 1970, foi criada a Funai, que representou um grande avanço para o estabelecimento de
agendas e políticas voltadas às demandas indígenas.
A Funai adotou um modelo de ensino bilíngue destinado às escolas indígenas, buscando
resguardar e valorizar as culturas e línguas tradicionais.
No entanto, alinhada à concepção do bilinguismo de transição, que visava à integração dos indígenas
à sociedade nacional, estabeleceu parceria com o SIL, o que gerou controvérsias e tensões com
organizações pró-índio e lideranças indígenas.
De acordo com Pimentel da Silva:
“[...] podemos dizer que o indígena brasileiro recebeu educação escolar a partir de 1549, com a primeira escola
‘de ler e escrever’ em português. Desde essa época até 1972, a educação escolar indígena foi sempre ministrada em língua
portuguesa, portanto, monolíngue” (PIMENTEL DA SILVA, 2001, P. 23)
Em 1973, foi promulgado o Estatuto do Índio, que tornou obrigatório o ensino bilíngue nas
escolas indígenas em âmbito nacional.
O fortalecimento do Movimento Indígena em toda a América Latina desencadeou o surgimento
de diversos projetos educacionais indígenas paralelos aos programas governamentais.
No Brasil, as iniciativas levaram à criação de propostas alternativas que se pautavam pelas
características e demandas culturais indígenas.
Na esteira desses projetos, a busca por modelos específico e diferenciados levou à consideração
de uma Educação Intercultural e Bilíngue (EIB), seguindo os ideais já difundidos no continente.
Essas transformações abriram o caminho para novas conquistas políticas no campo da educação
e dos direitos indígenas.
Nesse novo cenário, a Constituição brasileira de 1988 representou o reconhecimento institucional
e a ampliação de importantes direitos aos povos indígenas, promovendo e valorizando suas tradições,
culturas e línguas, além de defender sua legitimidade sobre os territórios de que são originários.
A partir da Constituição de 1988, diversos dispositivos legais surgiram no campo das políticas
indigenistas, trazendo progressivos avanços.

- Direitos Linguísticos no mundo


Em âmbito internacional, um evento fundamental no campo das políticas linguísticas foi a
Conferência Mundial dos Direitos Linguísticos, em 1996, em que se publicou a Declaração Universal dos Direitos
Linguísticos.
“Tomando como ponto de partida as comunidades linguísticas e não os Estados propriamente, seu objetivo é
favorecer a organização política da diversidade linguística baseada no respeito, convivência harmoniosa e no benefício
mútuo” (BASSINI, 2015, p. 82).

O documento aborda questões a respeito da administração pública, comunicações, novas


tecnologias, cultura, situação socioeconômica e educação

Entre outras coisas, afirma que:


* Todas as comunidades linguísticas têm direitos iguais
* Todas as línguas são a manifestação de uma identidade coletiva e possuem formas próprias de
perceber o mundo
* Todas as línguas devem dispor das condições necessárias para seu desenvolvimento em todos
os aspectos
Direitos individuais:
* Direito a ser reconhecido como membro de uma comunidade linguística
* Direito a usar a sua própria língua em situação pública ou privada
* Direito a usar o seu próprio nome
* Direito a relacionar-se ou associar-se com outros membros da sua comunidade linguística de
origem
* Direito a manter e desenvolver a sua própria cultura

Direitos coletivos:
* Direito ao ensino da própria língua e da própria cultura
* Direito ao acesso a serviços culturais
* Direito a presença igualitária de sua própria língua e cultura nos meios de comunicação
* Direito a receber atendimento, assistência de organismos oficiais e de estabelecer relações
socioeconômicas em sua própria língua

A Declaração dedica uma seção inteira ao campo da educação, com 8 artigos.

Artigo 27: “Todas as comunidades linguísticas têm direito a um ensino que permita aos seus membros o
conhecimento das línguas ligadas à sua própria tradição cultural, tais como as línguas literárias ou sagradas, usadas
antigamente como línguas habituais da sua comunidade”

Artigo 28. “Todas as comunidades têm direito a uma educação que permitirá a seus membros adquirir
conhecimento completo de sua herança cultural (história, geografia, literatura, e outras manifestações culturais), bem
como de conhecimento mais extenso possível de qualquer outra cultura que desejem conhecer”

Outro evento importante é a Convenção nº 169 sobre povos indígenas e tribais em países independentes da
Organização Internacional do Trabalho, que dispõe sobre:
* Necessidade de garantir educação em todos os níveis aos povos indígenas
* Existência de programas e serviços de educação especiais
* Garantia da formação docente adequada
* Participação na formulação e execução de programas educacionais
* Ensino em língua materna
* Medidas para o domínio da língua nacional
* Condições para preservar e promover as línguas e culturas indígenas
- Direitos Linguísticos no Brasil
No contexto brasileiro especificamente, foi somente após uma longa trajetória de etnocídio e
apagamento identitário, que configurou as relações da cultura europeia com as indígenas, que os
primeiros avanços no campo dos direitos linguísticos começaram a surgir.
Aos poucos, as pequenas mudanças foram se somando e conduzindo à criação de instrumentos
jurídicos destinados a assegurar direitos básicos aos habitantes originais.

Um desses instrumentos legais é o Decreto Presidencial nº 58.824, de 1966. Entre outras coisas, ele
prevê:
* Educação em condições de paridade a toda a comunidade nacional
* Adaptação dos programas pedagógicas às populações interessadas
* Exigência de estudos etnológicos como base para tais adaptações
* Utilização de línguas indígenas em contexto escolar
* Preservação das línguas maternas
* Transição progressiva das línguas maternas para a língua nacional

Assim, apesar de assegurar direitos educacionais às populações indígenas, o decreto impõe a


necessidade de transição das línguas maternas para a língua portuguesa, revelando sua concepção
assimilacionista e integracionista.
Outros dispositivos legais definem as bases, diretrizes e metas relacionadas à educação indígena,
como:
Estatuto do Índio, de 1973. Entre outras coisas, contempla:
* Respeito ao patrimônio cultural, valores artísticos e meios de expressão indígenas
* Garantia de oferta e adaptações ao sistema de ensino em vigor no país
* Alfabetização em língua materna e em português
* Educação voltada para a comunhão na sociedade nacional

Lei de Diretrizes e Bases (LDB), de 1996. Entre outras coisas, prevê:


* Criação de programas integrados de ensino e pesquisa para a oferta da educação bilíngue e
intercultural indígena
* Apoio técnico e financeiro aos sistemas de ensino para o provimento da educação intercultural
às comunidades indígenas
Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Escolar Indígena, de 1999.
Cria a categoria escola indígena e define as bases para:
* Oferta de uma educação específica voltada às comunidades indígenas
* Prioridade da atuação de professores indígenas
* Critérios da formação docente
* Criação do currículo escolar

Plano Nacional de Educação (PNE), de 2001. Discorre sobre:


* Elaboração de currículos e programas específicos
* Utilização do sistema ortográfico de línguas maternas
* Incorporação de saberes tradicionais aos materiais didáticos
* Categoria de professor indígena como carreira especifica do magistério
* Programas contínuos de formação do professorado indígena
** Parceria com universidades e instituições de ensino superior

Além desses, outros dispositivos legais significativos no Brasil foram:


* Constituição de 1988, que marca uma ruptura no curso das políticas indigenistas no Brasil,
promovendo reconhecendo o caráter multilíngue do Brasil e promovendo sua diversidade
sociocultural.
* Decreto Presidencial de 1991, que retira da Funai a responsabilidade pela educação escolar
indígena, a qual passa a ser coordenada pelo MEC.
* Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI), de 1998, que instaura uma
mudança na concepção do ensino bilíngue, promovendo o bilinguismo aditivo em detrimento do
bilinguismo subtrativo alinhado às políticas integracionistas do passado. Assim, as novas diretrizes
pedagógicas se filiam a uma perspectiva de educação intercultural.
* Referenciais para a Formação de Professores Indígenas, de 2002.

- Situação atual do Brasil


Na atualidade, os direitos e as demandas indígenas no Brasil carecem de atenção governamental.
Muito pouco se tem feito na esfera política para cumprir os dispositivos legais e garantir a
preservação das culturas tradicionais, o reconhecimento e oficialização de suas línguas, a proteção a
seus territórios ancestrais, o acesso a serviços básicos de saúde e a melhoria de suas condições de
vida.
No campo da educação, as transformações necessárias são prejudicadas pelas práticas
descontínuas de governo e pela falta de articulação entre os planos de gestão na esfera federal,
estadual e municipal.
Apesar da existência de dispositivos legais e a conscientização das lideranças indígenas a respeito
das demandas educacionais, a ineficiência política não garante a oferta suficiente de professores
indígenas com formação superior, existência de materiais e equipamentos adequados, práticas
pedagógicas com calendários próprios e currículos interculturais, e assim por diante.
Em síntese, embora a necessidade da autodeterminação seja reconhecida e amparada em
diversos dispositivos legais, a prática das dinâmicas governamentais impede que ela seja
satisfatoriamente alcançada.
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