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RESUMO
Através dos princípios constitucionais e da realidade fática social, desenvolveu-se a
idéia de que a constituição de famílias paralelas ao casamento, até então denominadas
de concubinato devem obter a tutela e proteção do Estado de Direito para produzir os
efeitos jurídicos equiparados à união estável. Para tanto foi preciso combater na
doutrina, posições contrárias amparadas em conceitos manifestamente preconceituosos
e arcaicos, para após ratificar as sugestões da doutrina que reconhece o pluralismo das
entidades familiares e o princípio da afetividade.
Introdução3
Quando pensamos em família nos vem à mente o modelo convencional, o qual
seria um homem e uma mulher unidos pelo matrimônio e cercados pelos filhos. Mas
essa realidade mudou. Nos últimos 50 anos a família brasileira vem passando por
diversas modificações4. Hoje encontramos diversas formas de arranjos familiares. Tais
modificações foram proporcionadas pelas constantes mudanças nas estruturas políticas,
econômicas e sociais, que refletiram nas relações jurídico-familiares, resultado do
mundo globalizado no qual vivemos.
A atual Constituição da República colocou em seu texto as modificações
relacionadas ao direito de família, transformando de forma significativa a vida das
pessoas, ou melhor, reconhecendo em grande parte a vida que as pessoas já levavam,
1
Artigo científico apresentado à disciplina de Direito de Família e Sucessões ministrada pela Prof.ª Msc.
Simone Vinhas, como meio de obtenção de nota.
2
Alunos do 6º período vespertino do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco –
UNDB.
3
Não iremos nesse tópico introdutório nos ater a explicar a origem da família antes de Cristo, nos
focaremos no modelo que nos foi apresentado pelo colonizador e as mudanças que esse modelo sofreu ao
longo dos anos em solo tupiniquim.
4
Dado retirado de PERES, Ana Paula Ariston Barion. A adoção por homossexuais: fronteiras da
família na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. cap. 1.
2
1. Entendendo os Princípios
Primeiramente há que se falar dos princípios de uma forma geral e depois sua
influência nos que regem o Direito de Família. A Constituição Federal é uma carta de
princípios que impõe eficácia a todas as suas normas definidoras de direitos e garantias
fundamentais.
Os princípios são ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de
normas, são (como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira) ‘núcleos de
5
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p.
41.
3
6
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 29 ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
p. 92.
7
DIAS, 2007, p. 56-57.
8
DIAS;2007, p. 58.
9
AMARAL apud DIAS, p. 57.
4
3. A polêmica da fidelidade
Alguém já se imaginou amando duas pessoas diferentes, ou mais de duas
pessoas, ao mesmo tempo? Sempre nos vem à mente aquilo que a filosofia cristã nos
ensinou: “– o homem só pertence a uma mulher e principalmente a mulher só pertence a
um homem, mesmo que ele venha a morrer, sumir pelo mundo, ser abduzido etc, a
mulher deve ser sempre fiel ao seu marido”. Contraditoriamente, a realidade social qual
nos deparamos, e que não é somente dos tempos atuais, é a questão da infidelidade.
Iremos analisar nesse ponto, a pertinência do princípio da monogamia.
Como nos dizeres de Pablo Stolze, a(o) amante saiu do limbo jurídico ao qual
estava confinada(o)11. Ao direito hoje são levadas diversas questões que antes não eram
10
DIAS, p. 58-69.
11
GLAGLIANO, Pablo Stolze. O direito da (o) amante – na teoria e na prática (dos Tribunais).
Disponível em:< http://www.flaviotartuce.adv.br/secoes/artigosc/Pablo_amante.pdf > . Acesso em: 20
5
consideradas importantes por estarem sob o manto da “ideologia da família patriarcal” 12.
Ideologia que fez com que o legislador elegesse um determinado modelo de família e o
consagrasse como a única forma aceitável de convívio, negando a existência de outros
fatos. No entanto, as situações reais13, vivenciadas todos os dias não irão desaparecer
somente pela tentativa da lei, através de comandos intimidatórios, coercitivos e
punitivos, “estabelecer paradigmas comportamentais por meio de normas cogentes e
imperativas, na esperança de gerar comportamentos alinhados com o padrão moral
majoritário”14, o que na realidade, para do direito de família, só possui como única
conseqüência a exclusão de direitos.
Não se pode negar a existência de inúmeras relações paralelas ao casamento ou a
união estável em nosso país. Desta feita, cabe agora nos perguntarmos: qual é o papel da
fidelidade para o direito de família?
A fidelidade é um valor juridicamente tutelado:
Art. 1.566: São deveres de ambos os cônjuges: I - fidelidade recíproca; II -
vida em comum, no domicílio conjugal; III - mútua assistência; IV -
sustento, guarda e educação dos filhos; V - respeito e considerações mútuos.
Art. 1.724: As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos
maio 2010.
12
Terminologia utilizada por Maria Berenice Dias.
13
“Os baianos são os campeões quando o assunto é traição. Já os paranaenses se dizem os mais fiéis.
Entre as mulheres, as fluminenses são as que mais assumem ter casos extraconjugais. Quando se trata de
freqüência de relações sexuais por semana, os homens de Mato Grosso do Sul e as mulheres de
Pernambuco lideram a lista. Os dados são resultado de uma pesquisa liderada pela psiquiatra Carmita
Abdo, coordenadora do Projeto Sexualidade (ProSex) do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Resultado de questionários respondidos anonimamente por 7.103 mulheres e homens moradores de 13
Estados das 5 regiões do País, a pesquisa e uma análise de seus resultados foram reunidos no livro
lançado em dezembro pela psiquiatra, chamado Descobrimento Sexual do Brasil (Summus Editorial, 144
páginas, R$ 31). (...)
Observa-se, por exemplo, que Goiás (47,8%), Pernambuco (47,2%), Bahia (42,7%) e Mato Grosso do Sul
(41,6%) são os Estados onde há um maior número de homens que usa preservativo. Coincidência ou não,
é também onde há um número significativo de relações extraconjugais. ‘É preciso esclarecer também que
as diferenças de uso de preservativo entre homens e mulheres se devem a relacionamentos homossexuais
e extraconjugais, entre outros’.” Simone Iwasso <http://sistemas.aids.gov.br/imprensa/Noticias .asp?
NOTCod=62009> .
14
DIAS, 2007, p. 71.
6
15
“Interessa notar que o art. 1.724, regulador dos deveres dos companheiros, utiliza o conceito mais
amplo de ‘lealdade’, o qual, inequivocamente, compreende o compromisso de fidelidade sexual ou afetiva
durante toda a união” ( STOLZE, p. 4). Sobre isso, “não se consegue detectar a origem do que vem
sendo alardeado, (...), que existe no casamento o “débito conjugal”, que um cônjuge deve ceder à vontade
do outro e atender ao seu desejo sexual. Tal obrigação não está na lei. A previsão da ‘vida em comum’
entre os deveres do casamento (Código Civil de 1916, art. 230, II, e novo Código Civil, art. 1.566, II) não
significa imposição de “vida sexual ativa” nem impõe a obrigação de manter ‘relacionamento sexual’.
Essa interpretação infringe até o princípio constitucional do respeito à dignidade da pessoa, além de violar
a liberdade e o direito à privacidade, afrontando a inviolabilidade do próprio corpo. Não existe sequer a
obrigação de se submeter a um beijo, afago ou carícia, quanto mais de se sujeitar a práticas sexuais pelo
simples fato de estar casado. Mas, talvez o mais absurdo seja sustentar que o descumprimento de tal
“dever” dá ensejo a pretensão indenizatória por dano moral, como se respeitar a própria vontade
afrontasse a imagem do outro ou comprometesse sua postura ética.” (DIAS, Maria Berenice. Amor
proibido. Disponível em: < http://www.mariaberenice.com.br/pt/amor-proibido.cont> . Acesso em 29
maio 2010).
16
DIAS, 2007, p. 75.
17
DIAS, 2007, p. 76.
18
DIAS, 2007, p. 58.
19
“O princípio da monogamia, embora funcione como um ponto-chave das conexões morais, não é uma
regra moral, nem moralista. É um princípio jurídico organizador das relações conjugais.” (PEREIRA,
Rodrigo da Cunha. Uma principiologia para o direito de família – Anais do V Congresso Brasileiro de
Direito de Família. Belo Horizonte: IBDFAM, 2006, págs- 848-849.) Na mesma linha, “em todos os
países em que domina a civilização cristã, a família tem base estritamente monogâmica, que, no dizer de
Clóvis, é o modo de união conjugal mais puro, mais conforme os fins culturais da sociedade e mais
apropriado à conservação individual, tanto para os cônjuges como para a prole. A monogamia constitui a
forma natural de aproximação sexual da raça humana (MONTEIRO, 2001, v.2, p.54).
7
20
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: direito de família. v.2 São Paulo:
Saraiva, 2001, p. 118.
21
DIAS, 2007, p. 58.
8
4. O concubinato
Como já dito, entende-se por concubinato famílias desprovidas dos efeitos
positivos da esfera jurídica. Deve-se lembrar nesse ponto uma distinção que outrora fora
muito importante para a forma como o direito tratava essas relações, a diferença entre
concubinato puro e concubinato impuro.
Entendia-se por concubinato puro “a união do homem e da mulher, fora do
matrimônio, de caráter estável, mais ou menos prolongada, para o fim da satisfação
sexual, assistência mútua e dos filhos comuns e que implica uma presumida fidelidade
recíproca entre a mulher e o homem”22. Percebe-se que o concubinato puro, com a
Constituição de 1988, virou união estável. Concubinato impuro seria o que hoje só
chamamos de concubinato, assim:
O concubinato não constitui uma entidade familiar, mas uma sociedade de
fato que gera efeitos jurídicos de cunho patrimonial, como é o caso dos
direitos patrimoniais reconhecidos pela antiga Súmula 380 do Supremo
Tribunal Federal, editada em 196423. Os concubinos também são
denominados amantes. Havendo concubinato paralelo ao casamento,
utilizava-se – e às vezes ainda se utiliza –, a expressão concubinato
adulterino24.
Os problemas que foram colocados sob análise ao nosso judiciário dizem
respeito aos efeitos patrimoniais resultantes da dissolução do concubinato, quer por
morte de um dos concubinos, quer pela separação do casal. Infelizmente há quem
afirme que o concubinato não importa ao direito. Consideramos o contrário, pois uma
vez configuradas duas entidades familiares com um ente em comum é preciso se ter
uma apreensão jurídica dessas duas realidades. Para tanto, consideramos que, ao
contrário do que expõe o conceito acima de concubinato, a este devem ser aplicadas as
mesmas regras da união estável, “por se tratar de uma entidade familiar pela realidade
fática e social que revela”25.
22
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: direito de família. v.6. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 259.
23
Súmula 380 do STF: “Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a
sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”. Historicamente a
súmula também era aplicada à união estável, pois como visto a união estável era vista como concubinato
puro.
24
TARTUCE, Flávio. Separados pelo casamento. Um ensaio sobre o concubinato, a separação de
fato e a união estável. Disponível em:<http://www.recivil.com.br/preciviladm/modulos/artigos/docum
entos/Artigo%20%20Separados%20pelo%20casamento.%20Um%20ensaio%20sobre%20o
%20concubinato,%20a%20separa%C3%A7%C3%A3o%20de%20fato%20e%20a%20uni%C3%A3o
%20est%C3%A1vel.pdf > . Acesso em: 30 maio 2010.
25
TARTUCE, 2010, p. 06.
9
DECISÃO
Relação afetiva paralela a casamento não constitui união estável
Ainda que tenha perdurado por longo período (30 anos) e tenha resultado em
filhos comuns, a relação afetiva paralela a casamento que jamais foi
dissolvido (mantido por mais de 50 anos) não constitui união estável,
mesmo que homologada a separação judicial do casal, considerado o fato de
que o marido jamais deixou a mulher. Esse foi o entendimento majoritário
da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que acompanhou o
voto-vista da ministra Nancy Andrighi. Ficou vencido o relator original da
matéria, ministro Massami Uyeda.
(http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?
tmp.area=398&tmp.texto=97098)
Dessa forma, tem prevalecido a tese de que o concubinato não é entidade
familiar, portanto não gera efeitos equiparados. Vem-se apenas garantindo, em alguns
casos, indenização por serviços domésticos prestados, para evitar o enriquecimento sem
causa. Mas na realidade, em muitos casos, como os citados acima, mesmo tendo uma
extensa prole e reconhecimento social, essas relações são simplesmente expulsas da
tutela judicial.
26
APELAÇÃO. UNIÃO DÚPLICE. UNIÃO ESTÁVEL. POSSIBILIDADE. A prova dos autos é robusta
e firme a demonstrar a existência de união entre a autora e o de cujus em período concomitante ao
casamento de ‘papel’. Reconhecimento de união dúplice. Precedentes jurisprudenciais. Os bens
adquiridos na constância da união dúplice são partilhados entre a esposa, a companheira e o de cujus.
Meação que se transmuda em ‘triação’, pela duplicidade de uniões. DERAM PROVIMENTO, POR
MAIORIA, VENCIDO O DES. RELATOR”. (TJ/RS, Apelação Cível Nº 70019387455, Oitava Câmara
Cível, Relator: Rui Portanova, Julgado em 24/05/2007)
27
“São relações de afeto e, apesar de serem consideradas uniões adulterinas, geram efeitos jurídicos.
Presentes os requisitos legais, é mister que a justiça reconheça que tais vínculos afetivos configuram
união estável, sob pena de dar uma resposta que afronta a ética, chancelando o enriquecimento
injustificado. Depois de anos de convívio, descabido que o varão deixe a relação sem qualquer
responsabilidade pelo fato de ele – e não ela – ter sido infiel.” ( DIAS, 2007, p. 48)
10
A essa amante somente se reconhecem direitos se ela alegar que não sabia da
infidelidade do parceiro. Para ser amparada pelo direito precisa valer-se de
uma inverdade, pois, se confessa desconfiar ou saber da traição, recebe um
solene: bem feito! É condenada por cumplicidade, ‘punida’ pelo adultério,
enquanto o responsável é ‘absolvido’28.
Como solução para essas situações, Maria Berenice Dias, sugere que se deva
saber se havia casamento ou união estável, ou se ambas as relações eram extraconjugais,
bem como, deve-se distinguir se houve rompimento de uma das uniões, ou se houve na
realidade o falecimento de um dos entes do tirângulo. Uma vez finda a relação, e
comprovada a concomitância com um casamento, “impositiva a divisão do patrimônio
acrescido durante o período de mantença do dúplice vínculo”29. Assim, deve-se
preservar a meação da esposa, a do varão será dividada com a companheira, sendo que
somente referente aos bens adquiridos no período do convívio.
O mesmo cáculo vale em se tratando de duas ou mais uniões estáveis
paralela, quando uma foi constituída muito antes do que a outra. Sendo duas
uniões estáveis, e não conseguindo definir a prevalência de uma relação
sobre a outra, cabe a divisão do acervo patrimonial amealhado durante o
período de convívio em três partes iguais, restando um terço para o varão e
um terço para cada uma das companheiras.
Na hipótese de falecimento do varão casado, a depender do regime de bens,
é necessário afestar a meação da viúva. Apurado o acervo hereditário,
excluída a ligítima dos herdeiros, a parte disponível será dividida com a
companheira, com referência aos bens adquiridos durante o perído de
convívio. Os mesmos cáculos são necessários quando ocorre falecimento da
companheira e vem seus herdeiros a juízo buscar o reconhecimento da união
estável. 30
Com isso busca-se evitar o enriquecimento sem causa, que não é efetivamente
combatido com a indenização por serviços domésticos prestados, além disso punir o
varão que foi desleal a mais de uma mulher.
Conclusão
28
DIAS, 2007, p. 48.
29
DIAS, 2007, p. 50.
30
DIAS, 2007, p. 50-51.
11
REFERÊNCIAS
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2007.
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: direito de família. v.6. São Paulo: Saraiva, 2004.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 29 ed. São Paulo:
Malheiros, 2007.
%20Separados%20pelo%20casamento.%20Um%20ensaio%20sobre%20o
%20concubinato,%20a%20separa%C3%A7%C3%A3o%20de%20fato%20e%20a
%20uni%C3%A3o%20est%C3%A1vel.pdf > . Acesso em: 30 maio 2010.