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PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ENTRE AS MODIFICAÇÕES DO


DIREITO DE FAMÍLIA: os direitos dos amantes.1

Laíza Braga Rabelo


Pekelman Halo 2

SUMÁRIO: Introdução; 1. Entendendo os princípios; 2.


Princípios constitucionais no direito das famílias; 3. A
polêmica da fidelidade; 4. O concubinato; Conclusão;
Referências.

RESUMO
Através dos princípios constitucionais e da realidade fática social, desenvolveu-se a
idéia de que a constituição de famílias paralelas ao casamento, até então denominadas
de concubinato devem obter a tutela e proteção do Estado de Direito para produzir os
efeitos jurídicos equiparados à união estável. Para tanto foi preciso combater na
doutrina, posições contrárias amparadas em conceitos manifestamente preconceituosos
e arcaicos, para após ratificar as sugestões da doutrina que reconhece o pluralismo das
entidades familiares e o princípio da afetividade.

PALAVRAS-CHAVES: Família. Princípios. Monogamia. Concubinato. Fidelidade.

Introdução3
Quando pensamos em família nos vem à mente o modelo convencional, o qual
seria um homem e uma mulher unidos pelo matrimônio e cercados pelos filhos. Mas
essa realidade mudou. Nos últimos 50 anos a família brasileira vem passando por
diversas modificações4. Hoje encontramos diversas formas de arranjos familiares. Tais
modificações foram proporcionadas pelas constantes mudanças nas estruturas políticas,
econômicas e sociais, que refletiram nas relações jurídico-familiares, resultado do
mundo globalizado no qual vivemos.
A atual Constituição da República colocou em seu texto as modificações
relacionadas ao direito de família, transformando de forma significativa a vida das
pessoas, ou melhor, reconhecendo em grande parte a vida que as pessoas já levavam,

1
Artigo científico apresentado à disciplina de Direito de Família e Sucessões ministrada pela Prof.ª Msc.
Simone Vinhas, como meio de obtenção de nota.
2
Alunos do 6º período vespertino do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco –
UNDB.
3
Não iremos nesse tópico introdutório nos ater a explicar a origem da família antes de Cristo, nos
focaremos no modelo que nos foi apresentado pelo colonizador e as mudanças que esse modelo sofreu ao
longo dos anos em solo tupiniquim.
4
Dado retirado de PERES, Ana Paula Ariston Barion. A adoção por homossexuais: fronteiras da
família na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. cap. 1.
2

proporcionando a significativa mudança no texto constitucional, influência também na


interpretação e aplicação do direito como um todo. O Estado Democrático de Direito
trouxe para o Direito de Família a supremacia do princípio da dignidade da pessoa
humana, lastreado pelos princípios da igualdade e liberdade, eliminando injustiças e
descriminações, e promovendo o resgate do ser humano como um sujeito de direito.
Observando os fatos da vida, a Constituição Federal de 1988 percebeu que não
cabia mais insistir em apenas reconhecer como entidade familiar só àquelas constituídas
pelo casamento. Foi protegida também a união estável (CF/88, art. 226, § 3º), bem
como a família monoparental, família formada por qualquer um dos pais. No entanto,
para o presente trabalho, entendemos que esses tipos citados são meramente
exemplificativos, e não taxativos. Foram citados não só por constarem do texto
constitucional, mas porque são os mais comuns, o que não exclui a existência de vários
outros tipos de entidades familiares.
Hoje, o que identifica a família é o vínculo afetivo entre as pessoas que a
comportam, deixando de lado a necessidade de celebração do casamento, bem como a
exigência dos pares serem do mesmo sexo, e, há muito, o mito da virgindade caiu por
terra. Nos dizeres de Maria Berenice Dias, os pilares da família encontram-se na
responsabilização, na afetividade, na pluralidade e no eudemonismo, pois a família
deixa de ser instituição e passa a ser instrumento, ou seja, ela existe e contribui de
forma significativa para o desenvolvimento dos envolvidos e para o crescimento e
formação da sociedade, justificativa mais do que suficiente para o manto de proteção
estatal no qual está envolta5.
Com base nisso, propomos-nos analisar a realidade vivida pelas famílias
conhecidas como “paralelas”, ou seja, famílias desprovidas dos efeitos positivos da
esfera jurídica, comumente chamadas de concubinato.

1. Entendendo os Princípios
Primeiramente há que se falar dos princípios de uma forma geral e depois sua
influência nos que regem o Direito de Família. A Constituição Federal é uma carta de
princípios que impõe eficácia a todas as suas normas definidoras de direitos e garantias
fundamentais.
Os princípios são ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de
normas, são (como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira) ‘núcleos de
5
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p.
41.
3

condensações’ nos quais confluem valores e bens constitucionais. Mas,


como disseram os mesmos autores, ‘os princípios, que começam por ser a
base de normas jurídicas, podem estar positivamente incorporados,
transformando-se em normas-princípio e constituindo preceitos básicos da
organização constitucional’.6
Os princípios constitucionais possuem força normativa, com eficácia imediata,
sendo que a força normativa da Constituição converteu-se em força ativa, impondo
tarefas. Dessa forma, a lei deve ser sempre interpretada em conformidade com a Lei
Maior. Assim, os princípios passaram a vigorar em todo ordenamento jurídico com
força normativa superior a todas as outras.
Os princípios constitucionais são as primeiras regras a serem invocadas no
processo hermenêutico, pois devem ser o ponto de partida para qualquer interpretação
que se dê às normas do direito. Não se pode confundir com os princípios gerais do
direito, pois ao fazer isso, estaríamos invertendo a hermenêutica, relegando-os ao
patamar da analogia e costumes, subalternos da lei, sendo somente invocáveis na
omissão do legislador, o que seria uma expressa ofensa a nossa constituição, pois seus
princípios pairam sobre todo o ordenamento jurídico7. “ Os princípios constitucionais
representam o fio condutor da hermenêutica jurídica, dirigindo o trabalho do intérprete
em consonância com os valores e interesses por eles abrigados”8.

2. Princípios constitucionais no direito das famílias


A ocorrência dos princípios constitucionais é extremamente sentida dentro do
direito de família, pois a constituição consagrou várias formas de entidades familiares,
não podendo os princípios que regem o direito de família distanciar-se desse fato. A
doutrina e a jurisprudência ainda não chegaram a uma quantificação exata dos
princípios, surgem muitos princípios constitucionais implícitos, que não possuem
hierarquia com os explícitos, o que dificulta o fornecimento de um número e uma
denominação.
Na doutrina cada autor traz uma quantidade distinta, Francisco Amaral, nos traz
onze princípios fundamentais sobre a organização e proteção da família, da criança, do
adolescente e do idoso9, enquanto Maria Berenice Dias nos oferece nove princípios,
divisão que iremos utilizar para o presente trabalho.

6
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 29 ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
p. 92.
7
DIAS, 2007, p. 56-57.
8
DIAS;2007, p. 58.
9
AMARAL apud DIAS, p. 57.
4

Dentro do seio familiar regerá, dentre outros, o princípios da dignidade da


pessoa humana, que é o mais universal de todos. Através dele, vem a garantia do direito
à igualdade, sendo, principalmente, a igualdade de tratamento entre filhos, não tendo
diferença entre filho adotado, bastardo e natural, pois todos são “filhos”, sem adjetivos.
Do princípio da liberdade, advém relacionado à liberdade de escolha dos pares, ou seja,
com quem você quer constituir uma família, independentemente de sexo, religião, etc.
Mais propriamente é o princípio da solidariedade familiar, que assegura a
coexistência no seio familiar, pois que o ser humano só existe quando coexiste, sendo a
família a base para isso. Esse princípio gera o dever dos pais de prestarem alimentos e
assistência aos filhos, e vice-versa.
O princípio do pluralismo das entidades familiares, que vem assegurar no
âmbito da juridicidade as entidades familiares formadas por vínculos de afetividade que
geram direitos e deveres mútuos entre seus membros. Isso torna possível a adoção por
homossexuais, atualmente com um precedente aberto sobre a possibilidade de adotarem,
como casal, e não mais somente um dos pares incluídos em um sistema de família
monoparental.
O princípio da proteção integral à criança, adolescentes e idosos – o nome já é
auto-explicativo, dispensando comentários.
E por último, o mais importante de todos, o princípio da afetividade, onde as
relações familiares são baseadas no afeto, no amor, na solidariedade, derivados da
convivência familiar, e não somente dos laços consangüíneos10.

3. A polêmica da fidelidade
Alguém já se imaginou amando duas pessoas diferentes, ou mais de duas
pessoas, ao mesmo tempo? Sempre nos vem à mente aquilo que a filosofia cristã nos
ensinou: “– o homem só pertence a uma mulher e principalmente a mulher só pertence a
um homem, mesmo que ele venha a morrer, sumir pelo mundo, ser abduzido etc, a
mulher deve ser sempre fiel ao seu marido”. Contraditoriamente, a realidade social qual
nos deparamos, e que não é somente dos tempos atuais, é a questão da infidelidade.
Iremos analisar nesse ponto, a pertinência do princípio da monogamia.
Como nos dizeres de Pablo Stolze, a(o) amante saiu do limbo jurídico ao qual
estava confinada(o)11. Ao direito hoje são levadas diversas questões que antes não eram
10
DIAS, p. 58-69.
11
GLAGLIANO, Pablo Stolze. O direito da (o) amante – na teoria e na prática (dos Tribunais).
Disponível em:< http://www.flaviotartuce.adv.br/secoes/artigosc/Pablo_amante.pdf > . Acesso em: 20
5

consideradas importantes por estarem sob o manto da “ideologia da família patriarcal” 12.
Ideologia que fez com que o legislador elegesse um determinado modelo de família e o
consagrasse como a única forma aceitável de convívio, negando a existência de outros
fatos. No entanto, as situações reais13, vivenciadas todos os dias não irão desaparecer
somente pela tentativa da lei, através de comandos intimidatórios, coercitivos e
punitivos, “estabelecer paradigmas comportamentais por meio de normas cogentes e
imperativas, na esperança de gerar comportamentos alinhados com o padrão moral
majoritário”14, o que na realidade, para do direito de família, só possui como única
conseqüência a exclusão de direitos.
Não se pode negar a existência de inúmeras relações paralelas ao casamento ou a
união estável em nosso país. Desta feita, cabe agora nos perguntarmos: qual é o papel da
fidelidade para o direito de família?
A fidelidade é um valor juridicamente tutelado:
Art. 1.566: São deveres de ambos os cônjuges: I - fidelidade recíproca; II -
vida em comum, no domicílio conjugal; III - mútua assistência; IV -
sustento, guarda e educação dos filhos; V - respeito e considerações mútuos.
Art. 1.724: As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos

maio 2010.
12
Terminologia utilizada por Maria Berenice Dias.
13
“Os baianos são os campeões quando o assunto é traição. Já os paranaenses se dizem os mais fiéis.
Entre as mulheres, as fluminenses são as que mais assumem ter casos extraconjugais. Quando se trata de
freqüência de relações sexuais por semana, os homens de Mato Grosso do Sul e as mulheres de
Pernambuco lideram a lista. Os dados são resultado de uma pesquisa liderada pela psiquiatra Carmita
Abdo, coordenadora do Projeto Sexualidade (ProSex) do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Resultado de questionários respondidos anonimamente por 7.103 mulheres e homens moradores de 13
Estados das 5 regiões do País, a pesquisa e uma análise de seus resultados foram reunidos no livro
lançado em dezembro pela psiquiatra, chamado Descobrimento Sexual do Brasil (Summus Editorial, 144
páginas, R$ 31). (...)
Observa-se, por exemplo, que Goiás (47,8%), Pernambuco (47,2%), Bahia (42,7%) e Mato Grosso do Sul
(41,6%) são os Estados onde há um maior número de homens que usa preservativo. Coincidência ou não,
é também onde há um número significativo de relações extraconjugais. ‘É preciso esclarecer também que
as diferenças de uso de preservativo entre homens e mulheres se devem a relacionamentos homossexuais
e extraconjugais, entre outros’.” Simone Iwasso <http://sistemas.aids.gov.br/imprensa/Noticias .asp?
NOTCod=62009> .
14
DIAS, 2007, p. 71.
6

deveres de lealdade15, respeito e assistência, e de guarda, sustento e


educação dos filhos.
A fidelidade está intimamente ligada ao princípio da boa-fé objetiva, que no
direito de família vem com o caráter de estabelecer um critério de controle de
legitimidade do exercício da autonomia privada16. A infidelidade viola a construção de
uma vida em comum, por torná-la insuportável para os pares ou a um deles. Vida em
comum que deveria ser “fundada na convivência monogâmica pautada na exclusividade
da relação conjugal. Assim a infidelidade afronta o princípio da boa-fé objetiva.” 17. No
entanto, não se deve entender a fidelidade como um padrão valorativo absoluto, ainda
que a monogamia seja uma nota característica no nosso sistema, assunto esse que trás
divergências.
Temos os que consideram que a monogamia não é um princípio, “mas sim uma
regra restrita à proibição de múltiplas relações matrimonializadas, constituídas sobre a
chancela do Estado”18. Outros elevam a monogamia a princípio, baseados na crença de
considerar a monogamia como dogma imposto pelo ordenamento jurídico, o que não
faculta aos indivíduos obedecê-lo, e por considerar que não se trata somente de uma
regra moral, e sim norma jurídica da caráter impositivo, sendo sua não obediência
configuradora de ilícito19. Além disso, ainda encontramos aqueles que fazem
diferenciações entre os efeitos da infidelidade cometida pela mulher e pelo homem.

15
“Interessa notar que o art. 1.724, regulador dos deveres dos companheiros, utiliza o conceito mais
amplo de ‘lealdade’, o qual, inequivocamente, compreende o compromisso de fidelidade sexual ou afetiva
durante toda a união” ( STOLZE, p. 4). Sobre isso, “não se consegue detectar a origem do que vem
sendo alardeado, (...), que existe no casamento o “débito conjugal”, que um cônjuge deve ceder à vontade
do outro e atender ao seu desejo sexual. Tal obrigação não está na lei. A previsão da ‘vida em comum’
entre os deveres do casamento (Código Civil de 1916, art. 230, II, e novo Código Civil, art. 1.566, II) não
significa imposição de “vida sexual ativa” nem impõe a obrigação de manter ‘relacionamento sexual’.
Essa interpretação infringe até o princípio constitucional do respeito à dignidade da pessoa, além de violar
a liberdade e o direito à privacidade, afrontando a inviolabilidade do próprio corpo. Não existe sequer a
obrigação de se submeter a um beijo, afago ou carícia, quanto mais de se sujeitar a práticas sexuais pelo
simples fato de estar casado. Mas, talvez o mais absurdo seja sustentar que o descumprimento de tal
“dever” dá ensejo a pretensão indenizatória por dano moral, como se respeitar a própria vontade
afrontasse a imagem do outro ou comprometesse sua postura ética.” (DIAS, Maria Berenice. Amor
proibido. Disponível em: < http://www.mariaberenice.com.br/pt/amor-proibido.cont> . Acesso em 29
maio 2010).
16
DIAS, 2007, p. 75.
17
DIAS, 2007, p. 76.
18
DIAS, 2007, p. 58.
19
“O princípio da monogamia, embora funcione como um ponto-chave das conexões morais, não é uma
regra moral, nem moralista. É um princípio jurídico organizador das relações conjugais.” (PEREIRA,
Rodrigo da Cunha. Uma principiologia para o direito de família – Anais do V Congresso Brasileiro de
Direito de Família. Belo Horizonte: IBDFAM, 2006, págs- 848-849.) Na mesma linha, “em todos os
países em que domina a civilização cristã, a família tem base estritamente monogâmica, que, no dizer de
Clóvis, é o modo de união conjugal mais puro, mais conforme os fins culturais da sociedade e mais
apropriado à conservação individual, tanto para os cônjuges como para a prole. A monogamia constitui a
forma natural de aproximação sexual da raça humana (MONTEIRO, 2001, v.2, p.54).
7

Entretanto, do ponto de vista puramente psicológico, torna-se sem dúvida


mais grave o adultério da mulher. Quase sempre, a infidelidade do homem é
fruto de capricho passageiro ou de um desejo momentâneo. Seu deslize não
afeta de modo algum o amor pela mulher. O adultério desta, ao revés, vem
demonstrar que se acham definitivamente rotos os laços afetivos que
prendiam ao marido e irremediavelmente comprometida a estabilidade do
lar. Para o homem, escreve SOMREST MAUGHAM, uma ligação
sentimental ao passo que para uma mulher tem.
Além disso, os filhos adulterinos que a mulher venha a ter ficarão
necessariamente a cargo do marido, o que agrava a imoralidade, enquanto os
do marido com a amante jamais estarão sob os cuidados da esposa. Por
outras palavras, o adultério da mulher transfere para o marido o encargo de
alimentar prole alheia, ao passo que não terá essa conseqüência o adultério
do marido. Por isso, a própria sociedade encara de modo mais severo o
adultério da primeira.
Observa-se, porém, que do ponto de vista moral e jurídico, entre as
duas infrações inexiste qualquer diferenciação; ambas atentam contra a
lei, a moral e a religião, dissolvem o casamento e provocam a desagregação
da família. Merecem, pois, idêntica reprovação20.
Definitivamente tal explanação não foi “puramente psicológica”, e quando se
gasta dois parágrafos diferenciando a gravidade do efeito do adultério feminino, do
masculino e no final afirmar que ambos não possuem distinções, não passa de pura
hipocrisia.
Espantos a parte, consideramos que a monogamia não é um princípio
constitucional. Expliquemos: mesmo que a lei em diversas partes e de diversas formas
possa punir quem descumpre o dever de fidelidade, considerar a monogamia como
princípio constitucional nos parece ir de encontro com a própria Constituição, pois fica
claro que ela tolera a traição ao não permitir que os filhos havidos fora do casamento de
forma adúltera ou incestuosa fiquem desamparados ou sejam tratados de forma diferente
(princípio da igualdade).
O Estado tem interesse na mantença da estrutura familiar, a ponto de
proclamar que a família é a base da sociedade. Por isso, a monogamia é
considerada função ordenadora da família. A monogamia – que só é
monogamia para a mulher – não foi instituída em favor do amor, mas como
mera convenção decorrente do triunfo da propriedade privada sobre o estado
condominial primitivo. Mas a uniconjugalidade não passa de um sistema de
regras morais, de interesses antropológicos, psicológico e jurídicos, embora
disponha de valor jurídico21.
Portanto, observado o exposto e tendo em consideração o princípio da
intervenção mínima do Estado no Direito de Família e a todos os princípios
constitucionais que regem o Direito de Família, principalmente a afetividade e a
liberdade, não se pode e nem se poderia impor, coercitivamente, a todos os casais, a
observância da fidelidade recíproca.

20
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: direito de família. v.2 São Paulo:
Saraiva, 2001, p. 118.
21
DIAS, 2007, p. 58.
8

4. O concubinato
Como já dito, entende-se por concubinato famílias desprovidas dos efeitos
positivos da esfera jurídica. Deve-se lembrar nesse ponto uma distinção que outrora fora
muito importante para a forma como o direito tratava essas relações, a diferença entre
concubinato puro e concubinato impuro.
Entendia-se por concubinato puro “a união do homem e da mulher, fora do
matrimônio, de caráter estável, mais ou menos prolongada, para o fim da satisfação
sexual, assistência mútua e dos filhos comuns e que implica uma presumida fidelidade
recíproca entre a mulher e o homem”22. Percebe-se que o concubinato puro, com a
Constituição de 1988, virou união estável. Concubinato impuro seria o que hoje só
chamamos de concubinato, assim:
O concubinato não constitui uma entidade familiar, mas uma sociedade de
fato que gera efeitos jurídicos de cunho patrimonial, como é o caso dos
direitos patrimoniais reconhecidos pela antiga Súmula 380 do Supremo
Tribunal Federal, editada em 196423. Os concubinos também são
denominados amantes. Havendo concubinato paralelo ao casamento,
utilizava-se – e às vezes ainda se utiliza –, a expressão concubinato
adulterino24.
Os problemas que foram colocados sob análise ao nosso judiciário dizem
respeito aos efeitos patrimoniais resultantes da dissolução do concubinato, quer por
morte de um dos concubinos, quer pela separação do casal. Infelizmente há quem
afirme que o concubinato não importa ao direito. Consideramos o contrário, pois uma
vez configuradas duas entidades familiares com um ente em comum é preciso se ter
uma apreensão jurídica dessas duas realidades. Para tanto, consideramos que, ao
contrário do que expõe o conceito acima de concubinato, a este devem ser aplicadas as
mesmas regras da união estável, “por se tratar de uma entidade familiar pela realidade
fática e social que revela”25.

22
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: direito de família. v.6. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 259.
23
Súmula 380 do STF: “Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a
sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”. Historicamente a
súmula também era aplicada à união estável, pois como visto a união estável era vista como concubinato
puro.
24
TARTUCE, Flávio. Separados pelo casamento. Um ensaio sobre o concubinato, a separação de
fato e a união estável. Disponível em:<http://www.recivil.com.br/preciviladm/modulos/artigos/docum
entos/Artigo%20%20Separados%20pelo%20casamento.%20Um%20ensaio%20sobre%20o
%20concubinato,%20a%20separa%C3%A7%C3%A3o%20de%20fato%20e%20a%20uni%C3%A3o
%20est%C3%A1vel.pdf > . Acesso em: 30 maio 2010.
25
TARTUCE, 2010, p. 06.
9

Não somos os únicos a defender tal posicionamento, alguns julgados do


Tribunal Gaúcho se destacam26, bem como o posicionamento da renomada doutrinadora
Maria Berenice Dias27.

No entanto, há comprovada e visível barreira a ser superada sobre o assunto no


Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça. Ambos decidiram
recentemente que o concubinato não figura união estável:

COMPANHEIRA E CONCUBINA - DISTINÇÃO. Sendo o Direito uma


verdadeira ciência, impossível é confundir institutos, expressões e
vocábulos, sob pena de prevalecer a babel. UNIÃO ESTÁVEL -
PROTEÇÃO DO ESTADO. A proteção do Estado à união estável alcança
apenas as situações legítimas e nestas não está incluído o concubinato.
PENSÃO - SERVIDOR PÚBLICO - MULHER - CONCUBINA -
DIREITO. A titularidade da pensão decorrente do falecimento de servidor
público pressupõe vínculo agasalhado pelo ordenamento jurídico,
mostrando-se impróprio o implemento de divisão a beneficiar, em
detrimento da família, a concubina. (STF. RE 590779 /ES – Espírito Santo,
Rel. Marco Aurélio. Julgado em 10/02/2009, publicado em 27/03/2009)

DECISÃO
Relação afetiva paralela a casamento não constitui união estável
Ainda que tenha perdurado por longo período (30 anos) e tenha resultado em
filhos comuns, a relação afetiva paralela a casamento que jamais foi
dissolvido (mantido por mais de 50 anos) não constitui união estável,
mesmo que homologada a separação judicial do casal, considerado o fato de
que o marido jamais deixou a mulher. Esse foi o entendimento majoritário
da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que acompanhou o
voto-vista da ministra Nancy Andrighi. Ficou vencido o relator original da
matéria, ministro Massami Uyeda.
(http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?
tmp.area=398&tmp.texto=97098)
Dessa forma, tem prevalecido a tese de que o concubinato não é entidade
familiar, portanto não gera efeitos equiparados. Vem-se apenas garantindo, em alguns
casos, indenização por serviços domésticos prestados, para evitar o enriquecimento sem
causa. Mas na realidade, em muitos casos, como os citados acima, mesmo tendo uma
extensa prole e reconhecimento social, essas relações são simplesmente expulsas da
tutela judicial.

26
APELAÇÃO. UNIÃO DÚPLICE. UNIÃO ESTÁVEL. POSSIBILIDADE. A prova dos autos é robusta
e firme a demonstrar a existência de união entre a autora e o de cujus em período concomitante ao
casamento de ‘papel’. Reconhecimento de união dúplice. Precedentes jurisprudenciais. Os bens
adquiridos na constância da união dúplice são partilhados entre a esposa, a companheira e o de cujus.
Meação que se transmuda em ‘triação’, pela duplicidade de uniões. DERAM PROVIMENTO, POR
MAIORIA, VENCIDO O DES. RELATOR”. (TJ/RS, Apelação Cível Nº 70019387455, Oitava Câmara
Cível, Relator: Rui Portanova, Julgado em 24/05/2007)
27
“São relações de afeto e, apesar de serem consideradas uniões adulterinas, geram efeitos jurídicos.
Presentes os requisitos legais, é mister que a justiça reconheça que tais vínculos afetivos configuram
união estável, sob pena de dar uma resposta que afronta a ética, chancelando o enriquecimento
injustificado. Depois de anos de convívio, descabido que o varão deixe a relação sem qualquer
responsabilidade pelo fato de ele – e não ela – ter sido infiel.” ( DIAS, 2007, p. 48)
10

A essa amante somente se reconhecem direitos se ela alegar que não sabia da
infidelidade do parceiro. Para ser amparada pelo direito precisa valer-se de
uma inverdade, pois, se confessa desconfiar ou saber da traição, recebe um
solene: bem feito! É condenada por cumplicidade, ‘punida’ pelo adultério,
enquanto o responsável é ‘absolvido’28.
Como solução para essas situações, Maria Berenice Dias, sugere que se deva
saber se havia casamento ou união estável, ou se ambas as relações eram extraconjugais,
bem como, deve-se distinguir se houve rompimento de uma das uniões, ou se houve na
realidade o falecimento de um dos entes do tirângulo. Uma vez finda a relação, e
comprovada a concomitância com um casamento, “impositiva a divisão do patrimônio
acrescido durante o período de mantença do dúplice vínculo”29. Assim, deve-se
preservar a meação da esposa, a do varão será dividada com a companheira, sendo que
somente referente aos bens adquiridos no período do convívio.
O mesmo cáculo vale em se tratando de duas ou mais uniões estáveis
paralela, quando uma foi constituída muito antes do que a outra. Sendo duas
uniões estáveis, e não conseguindo definir a prevalência de uma relação
sobre a outra, cabe a divisão do acervo patrimonial amealhado durante o
período de convívio em três partes iguais, restando um terço para o varão e
um terço para cada uma das companheiras.
Na hipótese de falecimento do varão casado, a depender do regime de bens,
é necessário afestar a meação da viúva. Apurado o acervo hereditário,
excluída a ligítima dos herdeiros, a parte disponível será dividida com a
companheira, com referência aos bens adquiridos durante o perído de
convívio. Os mesmos cáculos são necessários quando ocorre falecimento da
companheira e vem seus herdeiros a juízo buscar o reconhecimento da união
estável. 30
Com isso busca-se evitar o enriquecimento sem causa, que não é efetivamente
combatido com a indenização por serviços domésticos prestados, além disso punir o
varão que foi desleal a mais de uma mulher.

Conclusão

Desta feita, conclui-se que ao deixar de reconhecer a família paralela como


entidade familiar promove-se uma exlcusão de todos os direitos no âmbito de direito de
famílias e sucessórios. Bem como representa uma agressão aos princípios
constitucionais, em especial ao da dignidade da pessoa humana, liberdade, e afetividade.
Este último, representante e norteador fiel do Direito de Família.

28
DIAS, 2007, p. 48.
29
DIAS, 2007, p. 50.
30
DIAS, 2007, p. 50-51.
11

Através dos princípios constitucionais e da realidade fática social, chega-se


facilmente à conclusào de que a constituição de famílias paralelas ao casamento, até
então denominadas de concubinato devem obter a tutela e proteção do Estado de Direito
para produzir os efeitos jurídicos equiparados à união estável.

Para isso, é preciso, além de combater as ideologias machistas e patriarcais


dominantes, de fundo religioso e moral, combater também na doutrina, posições
contrárias amparadas em conceitos manifestamente preconceituosos e arcaicos, para
após ratificar as sugestões da doutrina que reconhece o pluralismo das entidades
familiares e o princípio da afetividade.
12

REFERÊNCIAS

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2007.

DIAS, Maria Berenice. Amor proibido. Disponível em: <


http://www.mariaberenice.com.br/pt/amor-proibido.cont> . Acesso em 29 maio 2010.

GLAGLIANO, Pablo Stolze. O direito da (o) amante – na teoria e na prática (dos


Tribunais). Disponível em:<
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