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Resumo: O atual contexto educacional apresenta-se como um verdadeiro mosaico. Enquanto alguns
professores utilizam estratégias tradicionais de ensino, altamente repetitivas; outros profissionais
fazem uso de práticas pedagógicas, consideradas inovadoras, as quais tem sido nomeadas como
metodologias ativas de ensino e de aprendizagem. Acreditando nesta segunda abordagem, este
estudo busca problematizar as implicações do uso de estratégias norteadas por metodologias ativas na
iniciação à pesquisa dos alunos, especificamente discutindo a construção de projetos de pesquisa para
Feiras de Ciências. Foi realizado seguindo abordagem qualitativa, sendo uma pesquisa-ação,
desenvolvida em uma escola do interior do Estado do Rio Grande do Sul/Brasil, tendo como sujeitos
de investigação dois professores de Ciências e duas turmas de alunos do Ensino Fundamental, sétimo
e oitavo anos, dos quais, seis alunos Bolsistas de Iniciação Científica Júnior (BICJr). Professores e BICJr
elaboraram portfólios reflexivos, os quais compõem os instrumentos de análise deste estudo. Este teve
início em novembro de 2014 e término em outubro de 2015. Os portfólios produzidos foram
analisados segundo análise descritiva. Foi possível constatar que os alunos mostraram-se mais
empolgados com as estratégias pedagógicas inovadoras, tornando-se mais participativos e
interessados, em comparação às aulas “normais”. As duas turmas elaboraram e desenvolveram
projetos de pesquisa para a Feira de Ciências, assumindo uma nova postura, principalmente no que se
refere à capacidade de comunicação, expressando-se com mais facilidade, clareza e segurança. Para os
professores, as estratégias pedagógicas norteadas por metodologias ativas foram as principais
responsáveis pelas mudanças no perfil dos alunos, pois passaram a exercitar capacidade de reflexão,
autonomia e senso crítico. Pode-se observar a importância da pesquisa e o incentivo desta como
instrumento pedagógico, de modo que os alunos deem o primeiro passo para a iniciação científica,
sendo isto grandemente facilitado pelo uso de estratégias pedagógicas norteadas por metodologias
ativas de ensino e de aprendizagem.
Revista Ensino & Pesquisa, v.14 n.01 p.225-246 jan/jun 2016 ISSN 2359-4381
Gewehr, D. et al. 226
buscando a iniciação à pesquisa”, o projeto foi anteriores (ULHÔA, 2008). Estamos diante
proposto a partir de discussões de um contexto nunca antes visto na
das séries finais do Ensino Fundamental possível acessar as informações fazem com
sociedade, a qual passa por frequentes mais ser vista como transmissora de
mudanças. “O cidadão deste século não conteúdos, e sim, deve formar alunos
pode ter o mesmo perfil de habilidades do capazes de pensar, refletir e propor
século passado. Não pode mais ignorar o soluções diante de questões atuais.
que se passa no mundo, necessita se Trabalho em equipe e cooperação devem
inserir de maneira adequada no meio ser o foco dos educadores modernos,
social. Esse cidadão precisa, antes de tudo, favorecendo a formação de indivíduos
ser crítico, ativo, pensar e agir” (ULHÔA, críticos e participativos diante das novas
2008, p. 2). demandas exigidas.
Neste contexto, Freiberger e Berbel Por isso é preciso repensar a sala de
(2010) citam que é papel da escola aula clássica. “Não é educativo reforçar a
desenvolver em seus estudantes imagem autoritária do professor; indicada
competências e habilidades para uma pelo púlpito de onde leciona, pelo
sociedade cada vez mais complexa. Para auditório cativo obrigado a escutá-lo, pelo
isso, o estudante deve ser orientado a poder discricionário que pode reprovar a
assumir uma postura mais participativa quem queira, pela diferença ostensiva
em sala de aula para, consequentemente, entre alguém que só ensina e outros que só
também agir assim na vida em sociedade aprendem” (DEMO, 2011, p. 20).
(KOMATZU; ZANOLLI; LIMA; 1998). Ainda que seja muito discutida a
importância de uma prática docente
O estudante precisa assumir um reflexiva, que promova o pensamento
papel cada vez mais ativo,
descondicionando-se da atitude crítico, parece que as metodologias
de mero receptor de conteúdos,
utilizadas pelos professores não
buscando efetivamente
conhecimentos relevantes aos conseguem, efetivamente, se articular
problemas e aos objetivos da
aprendizagem. Iniciativa criadora, neste sentido, pois, segundo Freiberger e
curiosidade científica, espírito
Berbel (2010, p. 211), a ênfase em
crítico reflexivo, capacidade para
auto-avaliação, cooperação para o “conteúdos que ‘precisam ser vencidos’ no
trabalho em equipe, senso de
responsabilidade, ética e decorrer dos bimestres letivos, a busca
sensibilidade na assistência são
prioritária pelos resultados e, em alguns
características fundamentais a
serem desenvolvidas em seu casos pelas notas, faz com que o professor
perfil (KOMATZU; ZANOLLI;
LIMA, 1998, p. 234). acabe sendo um transmissor desses
conteúdos” e assim adote metodologias
Ulhôa (2008) concorda ao afirmar mais mecânicas, como a cópia e a
que a escola contemporânea não pode
resolução de questionários mais diretos, Isto muitas vezes não é possível, pois
onde não há muito estímulo à discussão. depende principalmente das estratégias
Diante disto, Freiberger e Berbel pedagógicas propostas pelos professores
(2010, p. 224) sugerem que a educação pela (PIZARRO; LOPES Jr., 2015).
pesquisa pode ser um meio de promover Segundo referenciado por Freiberger
aprendizagens que favoreçam a e Berbel (2010), a pesquisa conduzida
autonomia e o desenvolvimento desta forma socializa o conhecimento,
intelectual dos sujeitos, onde o professor favorece o desenvolvimento cognitivo e
não é mais visto como transmissor, mas intelectual do aluno, tornando-o mais
sim “encontra seu papel insubstituível na independente em um processo de
reconstrução do conhecimento, o que se dá construção que deve ser permanente, não
por meio da pesquisa”. se desenvolvendo de modo isolado, e sim
no contexto das relações. Como nos relata
Miranda (2011)
Este autor cita ainda que o professor novidade, ou mesmo algo desconhecido
(2008), é fundamental que o professor seja projetos, bem como, através da solução de
terem iniciativa própria na busca pelas Estes autores utilizam, para melhor
prontas. Assim, o aluno sai de uma ativos, um provérbio chinês dito pelo
ambiente ativo o professor deve atuar ativas trazem novos elementos às aulas,
conteúdo antes de iniciar a atividade. Os por serem muitas atividades” (aluno BICJr
grupos devem então ser organizados em C).
dois círculos, um interno (GV) e um A turma do professor A não realizou
externo (GO). O GV inicia seus debates, e a estratégia GV/GO, pois os alunos
o GO apenas observa. Após, o GO vai para estavam muito eufóricos para iniciar o
o centro do círculo e faz suas processo de escrita dos projetos de
contribuições, enquanto que o GV assume pesquisa para a Feira de Ciências. O
o papel de ouvinte. O fechamento da professor julgou que estes já estavam
atividade é conduzido pelo professor, que aptos, visto que demonstravam uma
faz suas considerações diante das maior compreensão das propostas após o
discussões apresentadas pela turma uso das estratégias de ensino consideradas
(ANASTASIOU; ALVES, 2012, p. 95). inovadoras para a turma, conduzindo as
Sant'anna e Menegolla (2002, p. 81) tarefas com mais seriedade, segurança e
lembram que as observações do professor responsabilidade.
devem ser apenas complementares, visto Os BICJr orientados pelo professor A
que, neste momento, a classe como um juntamente com os demais colegas,
todo terá a oportunidade de estar elaboraram quatro projetos de pesquisa
opinando sobre estas considerações ou preliminares e destes selecionaram dois
outros aspectos não abordados e/ou projetos para participar da V Feira de
esclarecidos insuficientemente. Ciências Univates. O processo de escolha
O professor B gostou da atividade: ocorreu na turma, envolvendo todo o
“muito interessante, pois envolve todos os grupo, que analisou os projetos iniciais
alunos e mostra quem leu e quem não leu julgando as etapas do método científico,
sobre o assunto”. Apenas observou como anteriormente estudado, exercitando a
negativo a repetição entre os estudantes reflexão e a criticidade. Os projetos
daquilo que já havia sido falado selecionados e efetivamente
anteriormente por outro colega, na ocasião desenvolvidos foram: “Depressão: uma
de sua verbalização, ocorrendo poucas tristeza que não acaba mais” e
variações de respostas. Os alunos BICJr “Levantamento dos casos de separação de
também relataram gostar da atividade: “a casais das famílias dos alunos do 5° ao 9°
turma gostou da primeira parte da aula, ano da escola São Caetano/Arroio do
por ser algo diferente que ninguém Meio/RS”.
conhecia, já nas atividades do livro Já a turma de alunos dos BICJr
novamente foi uma coisa muito cansativa orientados pelo professor B optou por
uma estratégia diferente: cada BICJr foi passar do tempo e o uso de metodologias
responsabilizado por coordenar e elaborar, ativas contribui muito para que isso
juntamente com sua equipe, um projeto de ocorresse” (professor B). “Posso concluir
pesquisa. Assim, nesta turma foram que as metodologias ativas são
desenvolvidas três pesquisas: “Batata-doce extremamente positivas e fazem a maioria
com gosto de abóbora”, “Conhecimentos dos alunos aprenderem melhor e se
dos alunos do 7º ao 9º ano da escola São interessarem mais. A própria discussão
Caetano/Arroio do Meio/RS sobre com eles sobre as formas como cada um
transmissão da AIDS” e “Consumo de aprende [...] fazem eles mais
água das famílias de alunos da Escola participativos” (professor A).
Municipal de Ensino Fundamental São Os alunos também reconheceram
Caetano/Arroio do Meio/RS”. seu crescimento:
Os projetos de pesquisa foram
apresentados na V Feira de Ciências “Me admirei do meu crescimento,
percebi muita diferença sei que
Univates, sendo que o projeto de pesquisa agora estou preparado para o
“Depressão: uma tristeza que não acaba futuro, não totalmente, mas se
vier algo parecido me garanto
mais” foi premiado com o 2º lugar na mais, não irei ficar tão nervoso,
com tanta ansiedade, etc. Pude
categoria Ensino Fundamental, e o projeto identificar mais qualidades
de pesquisa “Consumo de água das minhas em função desse projeto,
mais melhorias, ver como eu
famílias de alunos da Escola Municipal de estava em aula, meu
comportamento com colegas,
Ensino Fundamental São Caetano/Arroio professores etc. [...] Jeitos
do Meio/RS” conquistou o 3º lugar, na melhores em pesquisar, estudar,
como fazer um trabalho melhor,
mesma categoria, entre 127 trabalhos com mais qualidade e
aprendizado. Aprendi que nem
inscritos, ambos recebendo “Menção todo trabalho é como se pensa,
Honrosa” e convidados a participar da fazer por fazer sem querer
aprender, só para ter nota, mas
Mostra Internacional de Ciências e sim fazer para ter um
conhecimento novo” (aluno BICJr
Tecnologia (MOSTRATEC), na cidade de
D).
Novo Hamburgo/RS, em 2016.
Conforme relatos dos professores Igualmente observa-se esta ideia na
pesquisadores é visível o crescimento dos seguinte fala: “Essa atividade (pesquisa)
alunos no decorrer do processo: “no mudou o pensamento de alguns alunos,
começo foi difícil convencê-los da pois achavam que ciência era só natureza
importância da escrita própria, sem cópia, ou corpo humano” (aluno BICJr E).
mas isso foi sendo construído com o “Comecei a olhar as aulas de uma maneira
diferente, passei a gostar mais da matéria ensinar e aprender, pois, para o professor,
e acho que também adquiri mais ocorreu uma mudança no seu papel, não
conhecimento e experiência, e se surgirem tendo mais o comando da aula a todo
mais projetos de pesquisa estarei mais instante, e sim, intermediando a
preparado” (aluno BICJr F). Estas construção feita pelo próprio aluno. Para o
observações validam a proposta ora aqui salunos, estas aulas, chamadas por eles
apresentada. como diferentes, onde estes se viam
também responsáveis por sua
aprendizagem, oportunizaram uma maior
possível perceber através dos registros nos assistindo as apresentações no XIV Salão
tornavam as aulas mais envolventes, em unânimes em afirmar que sim, pois agora
ser conhecedores, mesmo que de forma mas da forma como foi conduzida, em
incipiente, do método científico. Para os horário de aula, não foi legal [...] pois
professores, as metodologias ativas foram exige muita atenção individual e enquanto
as responsáveis pelas mudanças no perfil isso os demais alunos ficam dispersos”.
dos alunos, pois passaram a exercitar sua Diante das falas dos professores,
capacidade de reflexão e senso crítico, pode-se constatar que o trabalho
principalmente nas atividades de pedagógico de projetos de pesquisas tende
elaboração dos projetos para a Feira de a ser mais viável em turno oposto ao das
Ciência, que envolveu a todos, os quais aulas, onde o atendimento possa ser mais
foram muito bem avaliados. focado, em pequenos grupos, de modo
Porém, os professores pesquisadores que haja tempo de realizar pesquisas mais
registram que, da forma como a pesquisa aprimoradas, com mais qualidade. Os
foi conduzida, em sua grande parte dentro professores reforçaram a importância da
do horário de aula, houve certo pesquisa e a incentivam como instrumento
comprometimento do andamento normal pedagógico, de modo que os alunos deem
do conteúdo previsto para o ano letivo. o primeiro passo para a iniciação
Isto, pois, mesmo os alunos BICJr e científica, ingressando mais preparados no
professores pesquisadores encontrando-se Ensino Superior, e não meros repetidores
semanalmente no contraturno escolar, era de conteúdos decorados apenas para o
na sala de aula que, de fato, a pesquisa vestibular.
acontecia, pois os outros momentos Quanto às metodologias ativas,
ficavam mais focados nas discussões, através dos relatos dos envolvidos pode-se
preparação das tarefas e registros das perceber que o uso é muito válido, mas
atividades nos portfólios reflexivos. É que somente uma ou outra estratégia
preciso, assim, que seja destinada horas satura o estudante, devendo estas serem
adicionais para que estas atividades de mescladas também com as aulas
pesquisa possam ser efetivamente chamadas tradicionais, quando forem
desenvolvidas. Segundo o professor B, mais convenientes, conforme o conteúdo e
“essa atividade exige muito tempo e ajuda as características da turma. Assim, a
do professor, [...] foram necessários muitos diversidade das estratégias atinge um
períodos para os projetos, e os alunos maior número de estudantes em suas
tiveram muitas dificuldades, pois nunca peculiaridades.
tinham feito um projeto científico”. O No presente estudo, observou-se que
professor A concorda: “foi superpositivo, o uso de metodologias ativas de ensino e
THIOLLENT, M. Metodologia da
pesquisa-ação. São Paulo: Cortez, 1986.
ULHÔA, E.; ARAÚJO, M. M.; ARAÚJO,
V. N.; MOURA, D. G. A formação do
aluno pesquisador. 2008. In: I
SEMINÁRIO NACIONAL DE
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E
TECNOLÓGICA, Minas Gerais. Anais...
Minas Gerais, CEFET. Disponível em:
<http://www.senept.cefetmg.br/galerias
/Arquivos_senept/anais/terca_tema1/Te
rxaTema1Artigo12.pdf> Acesso em: 28
out. 2015.