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Management doentio

por Thomaz Wood Jr. — publicado 30/10/2013 06h42


Sociólogo francês argumenta: os modernos modelos de gestão constituem uma
patologia social, capaz de atrair e seduzir suas vítimas

O Capital, último filme do diretor Costa-Gavras, baseado em romance


homônimo do francês Stéphane Osmont, retrata as peripécias de um alto executivo de
um grande banco europeu, às voltas com golpes e negociatas. Não é a primeira vez que
o diretor de filmes icônicos sobre sistemas políticos, como Z (1969) e Estado de Sítio
(1972), se debruça sobre o mundo corporativo. Em O Corte (1995), o diretor grego
retratou a vida de um exe-cutivo desempregado que, em busca de nova colocação,
decide matar seus concorrentes. Sua longa filmografia é marcada pela capacidade de
identificar e chamar a atenção para questões políticas e sociais sensíveis, produzindo
thrillers de narrativa bem ritmada.

Veio também da França, igualmente a denunciar doenças da sociedade


contemporânea, o sociólogo Vincent de Gaulejac. O professor de sociologia da
Universidade Paris 7, que esteve recentemente no Brasil, tem pesquisado como as
mudanças na organização do trabalho submetem os indivíduos a contradições e dilemas
morais. Os novos modelos de gestão, disseminados em todo o mundo pelas empresas
de consultoria, trouxeram o antigo conflito entre capital e trabalho para o nível
psicológico do indivíduo. Os menos capazes em lidar com o contexto são estigmatizados
e afastados. Os sintomas são conhecidos: desgaste psíquico, estresse, depressão e até
suicídio.

Seu argumento central, desenvolvido no livro Gestão como Doença Social


(Editora Ideias e Letras), é que a disseminação das práticas do management constitui
fator de instrumentalização e alienação dos profissionais, ao colocá-los diante de
paradoxos insolúveis. Os paradoxos estão no centro do modelo: espera-se autonomia,
porém dentro de limites restritos; fomenta-se a criatividade, mas a partir de um sistema
super-racional; espera-se total comprometimento com a organização, ainda que a
possibili-dade de demissão esteja sempre presente.

Os novos modelos de gestão fazem crer que somos capazes de atingir


desempenhos superiores, conquistar metas e nos realizarmos. Somos capturados pela
ilusão narcisista de grandes conquistas. O sistema faz com que percamos o verdadeiro
sentido do trabalho e nos orientemos cegamente para o atendimento de metas fixadas
pela organização. Reagimos adoecendo e procurando ajuda de médicos, psicólogos e
coaches. Acreditamos que o problema nos diz respeito individualmente, não
coletivamente.

Gaulejac vê o management como uma ideologia e uma tecnologia de poder,


que instrumentaliza e mercantiliza o ser humano. E é difícil de combater, por se mostrar
relativamente discreto, neutro e pragmático. Na superfície, o management é constituído
por conhecimentos, modelos e técnicas de gestão, a contabilidade, o marketing, a
gestão de recursos humanos e as demais disciplinas da administração. Abaixo da linha
d’água, entretanto, o management serve para manipular as subjetividades humanas,
adequar o indivíduo a um novo padrão de comportamento. Sob a ideologia do
management, cada profissional deve se tornar um agente da cultura corporativa, capaz
de encarnar a alma da empresa, de agir segundo os interesses do dono: com iniciativa,
autonomia, criatividade e responsabilidade.

O management oferece a possibilidade, ou a ilusão, de conquista de poder


e de transformar empresas e sociedade. Promete a satisfação dos desejos individuais. A
felicidade vem, supostamente, do sucesso e da capacidade de empreender. O indivíduo
deve alcançar sempre mais, na busca incessante da miragem da excelência. Cada
profissional deve superar seus pares e a si mesmo, continuamente. Busca-se a utopia da
qualidade, que, segundo Gaulejac, remete a um mundo perfeito, livre de contradições
e conflitos. Em troca, o moderno Sísifo é supostamente recompensado por um efêmero
sentimento de autorrealização, até a pedra rolar morro abaixo e ele ter de retomar a
tarefa. O novo padrão busca o controle do corpo, da mente e da alma. Avançou por
todas as latitudes nas últimas décadas. E segue a passos firmes. Em breve, estará em
mais uma empresa, organização estatal ou ONG perto de você!

Disponível em https://www.cartacapital.com.br/revista/772/management-doentio-
6717.html

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