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ARTIGOS ORIGINAIS

A CIBERNÉTICA: UMA FORMULAÇÃO MATEMATICA


DA FENOMENOLOGIA
MONIQUE AUGRAS

et quand on Iui dit d'une chose qu'elIe est


comme elle est, il pense qu'elIe pourrait aussi bien
être autre '" Le possible comprend Ies desseins
encore en sommeil de Dieu."

ROBERT MUSIL, "L'homme sans qualités"

Em março do corrente ano, faleceu NORBERT WIENER, o pai da cibernética.


As aplicações práticas da cibernética, em particular no terreno da eletrônica,
são bastante conhecidas do público, tendo obtido ampla divulgação. Por gôsto
sensacionalista, fixaram·se expressões antropomórficas tais como "cérebro ele-
trônico", por exemplo. A cibernética, porém, não é apenas a ciência que per-
mite construir máquinas de jogar xadrez ou brinquedos que se regulem por si
próprios, nem mesmo a teoria que propõe modelos mecanicistas aplicáveis à
fisiologia (p. ex. "feed-back"). É sobretudo uma teoria geral, definida pelo
próprio WIENER como "ciência do contrôle e da comunicação, no animal e na
máquina", tão revolucionária que o primeiro livro foi publicado, em 1948, não
nos EE.VV. pela universidade em que WIENER era professor (Massachusetts),
mas em Paris, por um editor francês.

Como ciência, a cibernética situa-se acima, ou a parte dos outros ramos


científicos, pois o seu objetivo é, exclusivamente, o estudo do comportamento
de uma máquina (a "máquina" pode ser eletrônica, mecânica, neurônica, so-
ciológica, econômica, etc ... ) e das relações das máquinas entre si. Comporta-
mento e inter-relações são também objetos do estudo da psicologia. Queremos
aqui descrever os pontos essenciais da teoria cibernética, mostrando quanto ela
pode enriquecer o ponto de vista elo psicólogo, não somente como matemática
de contrôle, para elar forma aos resultados ele uma pesquisa mas, sobretudo,
como matemática ele moelêlo, permitindo-nos integrar muito mais elementos
6 ARQUIVOS BRASILEIROS DE PSICOT~CNICA

e com maior plasticidade, isto é, respeitando mais o "vivo" do que os métodos


simplesmente estatísticos. t.sse artigo apresenta-se, no entanto, como humilde
homenagem à memória do mestre que abriu tamanhas perspectivas a tôdas as
ciências da vida.

WIENER procurava estabelecer uma teoria que, ao mesmo tempo, permi-


tisse descrever a ação reguladora do pH no sangue, do tropismo numa planta,
a transmissão de mensagens por uma máquina, ou qualquer mecanismo ho-
meostático. Emprestou dos Gregos o conceito de cibernética. Os "Kubernetes",
isto é, os "pilotos", eram na Grécia os homens que, recebendo tôdas as infor-
mações sôbre o estado do país, tomavam as decisões e governavam, exercendo
portanto uma ação reguladora, para manter o equilíbrio político e econômico.
Tal conceito de "kubernetes" era então intuitivo. Coube a WIENER dar-lhe
formulação matemática. (I)

"As propriedades que costumamos atribuir a algum objeto são, em última


análise, nomes para o seu comportamento", diz HERRICK. Veremos mais adiante
que, muitas vêzes, são apenas nomes para o nosso comportamento em relação
a êsse objeto. Por enquanto, retemos êsse conceito básico: a cibernética trata
de todos os comportamentos possíveis de tôdas as máquinas possíveis, inclusive
as que ainda não foram fabricadas, seja pelo homem seja pela natureza. Nesse
ângulo, a cibernética parece mais uma logística: o fundamento material é irre-
levante. Isto não quer dizer que a teoria seja mera fantasia. Em física encon-
tramos muita teoria coerente, com grandes implicações práticas, sem represen-
tação material (p. ex., o "Massless Spring"). Ao que visa a cibernética é o
estudo das relações entre A e B. Nem A nem B interessam no caso. Isso já
ABELARDO dizia: "Se um cavalo carrega uma pedra, podemos tirar a pedra e o
cavalo, mas subsistirá a ação de carregar." Nesse sentido, a cibernética pode
ajudar muito ao psicólogo. Ajudá-lo tanto na psicologia clínica como na psi-
wlogia social, que se organizam em tôrno do estudo das inter-relações. E ela
não exclui, mas justifica a própria atitude fenomenológica.

Procuremos agora explicar os conceitos fundamentais da cibernética, sobre-


tudo no aspecto cujas aplicações podem interessar ao psicólogo, em particular
a chamada "teoria da Informação". Nessa exposição seguiremos o livro de
W. Ross ASHBY, An introduction to cybernetics, escrito especialmente para
biólogos, sociólogos e psicólogos.

(1) A primeira intuição do papel do "pilôto', encontramo-la num artigo de MAXWELL,


em 1868, sôbre os "governors".
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1- PRELIMINARES: AS MÁQUINAS:

A cibernética não trabalha em têrmos aritméticos. A base é a transforma-


ção. Tomando uma máquina qualquer M (nunca devemos esquecer que essa
máquina tanto pode ser um organismo como um objeto fabricado), o seu com-
portamento se descreverá em têrmos de transformação. Sejam, por exemplo, A,
B, e C os componentes do seu comportamento. Na primeira etapa teremos:

Etapa I: ABC

Na segunda etapa, a máquina começa a funcionar: A se transforma em B,


C em A, e B em C. Teremos então:

1) 1A B C
2) .l. B C A
Na terceira etapa, conforme o mesmo esquema de transformação, teremos:

1) ,1 A B C
2) B C A
3) .l. C A B, etc.

Cada etapa da transformação chama-se estado do sistema. A seqüência dos


estados sucessivos descreve a linha de comportamento da máquina M, ou seja
a sua trajetória. O intervalo de tempo necessário para chegar, a partir de um
estado do sistema, ao estado seguinte, define a potência da transformação.
Para falar em têrmos menos abstratos, podemos comparar essa descrição
do comportamento de M a uma operação de código. Tenho uma mensagem
A,B,C. Quero cifrá-la, modificando-a pela aplicação de máscara, que transfor-
ma A em B, B em C e C em A. Posso aplicar mais uma vez a máscara, obtendo
como no quadro, a mensagem C,A,B. É a mesma mensagem que ABC, mas
sofreu uma transformação em 2 etapas. Podemos portanto resumir, pelo mes-
mo gráfico:

B C
C A
A B
Vemos que a transformação diz respeito à mudança em si, e não aos motivos,
pod~ndo ser aplicada a têrmos não numéricos. Isso é interessante se quisermo~
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descrever o comportamento de um rato num labirinto, como veremos mais tar-


de. A máquina M aqui considerada é muito simples: a cada valor A, B, e C
corresponde um valor só, tôdas as transformações são diferentes uma das ou-
tras, (transformação "one-one") e as transformações obtidas não contêm ele-
mentos que não estejam também presentes entre os comportamentos da etapa
inicial ("operands"). Tal tipo de máquina corresponde ao de máquina de-
terminada.
A transformação pode ser apresentada sob forma algébrica, quando cada
estado se componha de várias subtransformações. O estudo é então um vetor
com vários determinantes que podem ser definidos. Podemos também utili-
zar uma representação geométrica da transformação (p. ex., a curva de um
gráfico). A representação situar-se-á num espaço bidimensional quando o vetor
tiver dois componentes, e um espaço tridimensional quando tiver três. Pode-
mos imaginar espaços com mais de três dimensões, quando se tratar de pro-
priedades topológicas gerais, e não mais analíticas.
Cada objeto contém uma infinidade de vetores, e de sistemas possíveis. De-
finir um sistema é levantar as variáveis que devem ser consideradas. O expe-
rimentador, por exemplo, entre tôdas as propriedades de um objeto, escolhe I
ou 2, e determina as variáveis que devem ser consideradas para identificar a
qualidade examinada. Isto é, formula a hipótese e constrói o esquema experi-
mental. Um sistema, dêsse ponto de vista, apresenta-se apenas como uma lista
de variáveis.
Até agora falamos da transformação interna da máquina M. Vamos exa-
minar o que os anglo-saxões chamam de "input", quer dizer, o que se introduz
como parâmetro. A transformação interna de M é o dinamismo do compor-
tamento, enquanto o parâmetro modifica o tiPo de comportamento. Voltemos
ao experimentador: desejo, por exemplo, estudar os reflexos condicionados no
rato. O rato tem a sua vida pessoal, suas ocupações próprias. Para estudar-lhe
o comportamento, vou pegar o animal, colocá-lo dentro de uma gaiola e sub-
metê-lo a choques elétricos. Em outro:; têrmos, para estudar o reflexo condi-
cionado no rato, eu vou perturbar-lhe o comportamento normal, isto é, intro-
duzir um parâmetro, ou uma série de parâmetros que vão modificar o seu tipo
de comportamento. Como? Coloc?ndo-o dentro da gaiola eletrificada, quer
dizer, juntando à máquina rato a máquina gaiola. Obtenho então um sistema
grupado ("coupling"). Além disso fui eu quem botou o rato na gaiola e quem
está observando a experiência, portanto, eu também estou participando do sis-
tema grupado. Temos aqui 3 máquinas "coupled": Rato + Gaiola + Expe-
rimentador, o que forma um conjunto de comportamento também determinado
e original.
UMA FORMULAÇAO MATEMATICA DA FENOMENOLOGIA 9

Juntando duas máquinas, obtém-se uma terceira de comportamento dife-


rente. É o caso do binômio Rato + Gaiola. Podemos exprimir isso em têrmos
algébricos. O leitor reportar-se-á ao livro de ASHBY para ter exemplos numéri-
cos. Basta dizer que a definição dos elementos que compõem a máquina não
determina o modo de agrupamento. Conforme as relações recíprocas teremos:

Sendo 2 sistemas agrupados P e R: Se o


sistema P influencia R, sem reciprocidade, di-
zemos que P domina R. (É o caso do rato, R,
na gaiola, P.)

Se há reciprocidade, é o que se chama de


feedback, isto é, regulação recíproca.

r-;14 r;-i Evidentemente, as máquinas têm relações


L.:..J-----~.~L.:.J muito mais complexas. Diferentes máquinas gru-
padas dentro de um só sistema podem ser independentes, ou ter efeitos ime-
diatos, ou efeitos ulteriores.

m 'canal de
comunicação
·0
Efeitos imodtatos

Efeitos ulteriores
CUfeedback" total}

As máquinas que encontramos têm todos êsses aspectos: certas partes são
independentes; outras têm uma influência imediata; outras, ainda, são regu-
ladas em feedback. Um organismo vivo implica uma enorme complexidade,
porém podemos aplicar-lhe êsse esquema fundamental de máquina com "input",
composta de inúmeras máquinas, também complexas.

Vamos examinar agora uma propriedade importante da máquina progra-


mada (ou determinada): a tendência a alcançar um estado de equilíbrio. Dis-
semos que para estudar o comportamento da máquina, é preciso perturbá-lo.
Como voltará a máquina ao seu equilíbrio, após a perturbação? Isto é a base
do importante princípio de homeostase. A estabilidade de um sistema pode ser
boa (p. ex., procura do objetivo, "goal-seeking") ou pode ser indesejável (p. ex.,
a causalgia). O patológico tende muitas vêzes a repetir um comportamento
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inadequado que, por fixação, chegou, em têrmos cibernéticos, a um estado de


equilíbrio. A busca do equilíbrio encontra também a sua formulação mate-
mática. (1)

A Caixa Escura:

Até agora falamos de uma máquina M, bem simples, cujo comportamento


interno conhecemos, e cujo "input" determinamos. Mas na realidade não co-
nhecemos coisa alguma, ou pouca coisa, do comportamento interno das má-
quinas. O mundo exterior, todos os objetos do mundo exterior são, para nós,
caixas escuras ("black-boxes"), isto é, não sabemos realmente o que são. O
tipo de caixa escura mais fácil de imaginar é uma bomba, que seja preciso de-
sarmar. Não sabemos nada do seu mecanismo interno. Vamos então subme-
tê-la a uma série de testes para identificar o tipo de bomba de que se trata,
para levá-la ao comportamento desejado, isto é, conseguirmos tirar o detona-
dor. Se a bomba explodir, é também comportamento, mas é indesejável para
nós. O sistema tornou-se inalcançável. Outro exemplo é conseguir identificar
a localização de uma lesão cerebral, num paciente, através da aplicação de tes-
tes clínicos. É evidente que não devemos nem abrir a bomba, senão explodi-
ria, nem abrir a caixa craniana do paciente. Vamos então agir sôbre a bomba,
selecionando os "inputs" possíveis (podemos pesá-la mas não jogá-la no chão,
podemos fotografar, mas não esquentar, etc ... ) de maneira a obter os "outputs",
ou resultados, desejados. Podemos, no caso do paciente, submetê-lo a uma
série de estimulações e anotá-las num protocolo. As informações que podemos
obter da caixa escura são de tal natureza que poderão ser fornecidas pela reco-
dificação do protocolo, isto é, a sua elaboração estatística, ou a sua interpretação.

É o caso em psicologia clínica. Vou aplicar o teste de Rorschach numa


pessoa que nunca vi, cuja história, na pior das hipóteses, desconheço; apresen-
to as pranchas, obtendo um protocolo. Depois vou recodificar o protocolo,
quer dizer, onde a pessoa disse "morcêgo voando" (pr V) vou escrever: G FM
A V, e depois calcular as percentagens, enfim interpretar. Supondo-se que eu
seja um bom técnico de Rorschach, o meu diagnóstico será, por assim dizer, a
transposição, em linguagem de psicologia clínica, das palavras que disse o Pro-
pósito, sendo portanto uma codificação do protocolo. :tsse diagnóstico vai ser-
vir para escolher novas pro\'as, por exemplo; ou aconselhar o EEG se o proto-
colo acusou sinais de disritmia cerebral, e, portanto, propor novas investigações,

(1) ASHBY, op. cit., capo 5.


UMA FORMULAÇAO MATEMATICA DA FENOMENOLOGIA 11

mais específicas, que possibilitem melhor identificação da personalidade do


paciente. Ficarei entretanto bem longe de ter descrito tôda a complexidade
de tal personalidade, por bom psicólogo que eu seja. Por isso, falamos em psi-
cologia clínica de aproximação. O tratamento da caixa escura não é nada mais
do que uma série de aproximações, visando a identificar o seu comportamento
da melhor maneira possível.
SHANNON mostrou que, num sistema verdadeiro, O diagrama das conexões
internas é muito rico, podendo haver rêdes complexas com o mesmo input e o
mesmo output. Por exemplo:

A pJ lt , Jq

B pl x---C=:=:J Jq

C~:]J
c p) .. I q

o comportamento da caixa escura não especifica se as conexões pertencem


a um só sistema. A, B, e C são máquinas isomórficas. Isto nos leva à noção de
maquete: se uma máquina é complicada demais para atuarmos sôbre ela, pode-
mos repetir a experimentação sôbre maquete ou mapa que é, diz ASHBY, "a
convenient isomorphic representation rather than the inconvenient reality".

O conceito de isomorfismo recebeu uma definição objetiva de BOURBAKI,


logo, sai do terreno da intuição para ser utilizado de maneira operacional. O
conceito de isomorfismo é muito importante, pois justifica a utilização de mo-
delos matemáticos para representar a realidade (a teoria torna-se então uma
espécie de maquete da realidade). !
Perante um sistema complexo, podemos portanto construir uma maquete I
mais simples, ou reformular a nossa aproximação do sistema. Podemos, atra- I
vés desta reformulação, reduzir um sistema complicado a um sistema homo- tl.;,I••

mórfico do primeiro. A representação de um mecanismo por um esquema grá- :


fico é o tipo mais simples de modêlo. Em biologia, a relação entre o sistema
real e o modêlo é que um homomorfismo de um é isomórfico de um homomor-
fismo do outro. Representa portanto um aspecto da realidade, mas apenas um!,I
aspecto. O nosso conhecimento da realidade é sempre aproximativo. Por isso ,
falamos em fenomenologia. Como vemos, a cibernética fala apenas em relações ~
e em aproximações, não importando o substrato material. Aquilo que sabemos t
das propriedades de um objeto, que em definitivo é sempre, sob algum aspecto, li
uma caixa escura, é apenas o que sabemos do nosso próprio comportamento
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em relação a êsse objeto, pois a experimentação consiste em juntar o experi-


mentador ao objeto, para observar as reações do conjunto. Quando a caixa
escura é um organismo vivo, ou uma personalidade, o nosso diagnóstico baseia-
-se na análise das inter-relações entre o paciente e o biólogo, ou o psicólogo,
Vemos como as redefinições da psiquiatria, como "patologia da relação", vão
ao encontro da teoria cibernética. Ela transforma, porém, aquilo que era ape-
nas intuição em formulação matemática.

Quando, durante a observação de um objeto, surge uma nova propriedade


que não existia no primeiro estado do sistema (propriedade emergente), isto
não quer dizer que a propriedade não existia no objeto, mas que não a tínha-
mos identificado. Pensamos, por exemplo, em têrmos de investigação crimi-
nal. Houve um crime de morte. Todos os elementos que compõem o quadro
do crime, o autor, a vítima, as motivações, as implicações, estão presentes
no próprio crime, mas o investigador, para descobrir quem é o assassino, tem
de buscar a maior quantidade possível de informações. Faltando-lhe a visão
completa do presente, êle vai ter de investigar o passado da vítima, dos suspei-
tos, dos vizinhos, etc... até conseguir identificar o quadro todo, e, portanto,
o culpado. A descoberta de um indício terá a feição de propriedade emergente,
embora existisse desde o comêço. A procura de informações sôbre o comporta-
mento anterior do sistema é necessária quando nos falte informações sôbre o
estado atual do sistema. Fazemos o mesmo, em psicologia clínica, quando aos
testes (estado atual) juntamos a anamnese. "Se um sistema determinado fôr
observável apenas em parte, tornando-se portanto imprevisível para o obser-
vador, êste deve ser capaz de restaurar a previsibilidade, levando em conta
a história passada do sistema, (1) isto é, concluindo-se que, dentro do sistema,
exista alguma forma de memória." (2)

Logo, a posse de memória não é uma propriedade objetiva do sistema, é


uma relação entre o sistema e o obsen'ador. "É um conceito que invoca o obser-
vador para preencher a lacuna resultante da impossibilidade de observar uma
parte do sistema ( ... ). Logo, a "memória" do cérebro é objetiva em parte
apenas. Não é surpreendente que as suas propriedades possam parecer às vêzes
insólitas ou até paradoxais." (3) Proposição revolucionária, de grandes con-
seqüências em psicologia, sôbre a qual voltaremos mais adiante.

(1) Um excelente exemplo de experimentação sôbre caixa escura é dado pelo romance
policial de Michael Innes, Lament for a Maker.
(2) ASHBY, op. cit., p. 115.
(3) ASHBY, op. cit., p. 117.
UMA FORMtJLAÇAO MATEMATICA DA FENOMENOLOGIA 13

De fato, no caso da biologia, da psicologia, da sociologia, apenas aspectos


do conjunto do sistema são estudados. É preciso então lançar mão de uma
teoria matemática (cf. BOURBAKI, (Théorie des ensembles) para pretender
à generalidade.

Reconhecendo que o nosso conhecimento da realidade é apenas, quando


muito, uma aproximação, a teoria cibernética vai então raciocinar sôbre os
processos de aproximação. Dêste ponto de vista, a relação entre 2 objetos, 2
máquinas, aparece como uma transmissão de informação, de uma máquina
para a outra, e reciprocamente. A relação intersubjetiva, portanto, pode tor-
nar-se objeto de uma formulação científica, suscetível de ser manipulada mate-
màticamente. Basta codificar as variáveis de comportamento em têrmos de
informação.

II - A INFORMAÇÃO:

Uma informação isolada implica a existência de um conjunto ("set") de


possibilidades, e só tem significado em relação ao conjunto de possibilidades.
A quantidade de informação que traz um elemento do conjunto mede-se pela
sua possibilidade de aparecer em relação com tôdas as combinações possíveis.
Por exemplo, comecei êsse capítulo pelo artigo a. Quem ler apenas esta letra
não terá a mínima idéia do assunto de que vou tratar, pois, a sendo artigo
aparece com freqüência em português; além disso, pode ser confundido com o
pronome pessoal, demonstrativo, ou com uma preposição com vários sentidos
possíveis. Portanto traz pouca informação no sentido da significação da mensa-
gem ulterior; ao mesmo tempo traz muita, porque eu poderia não ter escrito
coisa alguma, e a fôlha ficaria branca. A palavra seguinte, "informação", de-
limita mais o assunto; traz menos quantidade de incerteza. Depois vêm 2 pon-
tos: trata-se portanto de um título, etc. .. Cada elemento traz uma quantidade
de informação, que ao mesmo tempo explica melhor o assunto, reduzindo as
possibilidades de êrro; isto é, reduz a variedade, a probabilidade de aparição
dos têrmos na seqüência. Essa última propriedade chama-se coação ("cons-
traint"). Tem também o nome de redundância, porque, quanto maior é a
precisão do texto, menor a probabilidade de emergir uma informação nova.
Por exemplo, se eu falar agora da cultura dos pepinos, isso teria menos redun-
dância do que se fôsse falar de tartaruga eletrônica, pois corresponde a um grau
bem menor de expectação do leitor. Mas como citamos a relação da cibernética
com a biologia, quem sabe se não poderíamos aplicar um esquema teórico ao
crescimento dos pepinos? .. Já falamos em tropismos. O aparecimento da pala-
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vra pepino não se torna portanto tão fortuito como parece, e a surprêsa do
leitor será menor.

Pensamos ter evidenciado nesses exemplos que a quantidade de informação


trazida por um elemento é a quantidade de surprêsa, sendo portanto formula-
da em têrmos de probabilidade, aparição de um elemento ou de um aconteci-
mento. Na teoria cibernética, foi escolhida como unidade de informação o
BIT. (I)

Num esquema experimental, é interessante reduzir a variedade (ou infor-


mação) a fim de isolar os fatÔres. Se não houvesse coação, o mundo seria o
caos. Por exemplo, 1 cadeira tem 4 pés. Os 4 pés, soltos, teriam um total de
24 graus de liberdade, e ninguém poderia sentar-se. Mas, unidos na constru-
ção da cadeira, só têm 6 graus de liberdade. Tôda transformação implica uma
restrição dos estados possíveis do sistema, logo, uma baixa na informação. (É
o caso no exemplo: escrever "a" implica muitas possibilidades. Escrever "a
informação" já reduz a incerteza.) Em outros têrmos, no caso do experimen-
tador, a incerteza só pode diminuir. Isto é a chamada "lei da experiência",
assim formulada: "A informação fornecida pelo fato de modificar um parâme-
tro tende a destruir e substituir a informação sôbre o estado inicial do sis-
tema." (2)

Examinemos agora como se transmite a informação. A teoria da informa-


ção interessa-se pela transmissão, e não pelo significado da mensagem. O grá-
fico: A ---~ B, focaliza o canal, sem saber quem é A ou B, nem aquilo que
o canal transmite, mas como transmite.

Voltemos ao problema de codificação e descodificação. Nessa parte, o lei-


tor deverá consultar a obra de ASHBY, pois implica demonstrações matemáticas
difíceis de serem resumidas. ASHBY mostra que, na transmissão entre 2 siste-
mas, por exemplo TeU, tais que T ---~ U, os estados de U não podem,
em cada etapa, ganhar variedade maior que a variedade contida nos estados
de T. Em outros têrmos, o canal não pode aumentar a informação. "Um trans-
missor que não pode ter mais de r estados não pode transmitir informação com
mais de log2r BITs por etapa." Isto é, em cada etapa, o canal só pode trans-
mitir uma quantidade de informação proporcional à sua capacidade. Porém,
se a capacidade fôr reduzida, é possível utilizar o fator que não é fixo, quer dizer

(1) Se houver n elementos, 1 BIT = log,n.


(2) ASHBY, op. cit., capo 7.
UMA FORMULAÇAO MATEMATICA DA FENOMENOLOàIA 15

o tempo. "Qualquer transmissor pode transmitir uma quantidade qualquer de


informação, se o tempo fôr bastante longo." (1)
Essa propriedade tem implicações muito importantes. Primeiro, permite
integrar o tempo como determinante do processo de comunicação. Segundo, é
possível, pela combinação de apenas 2 elementos (p. ex., O e 1, ou + e -),
transmitir qualquer mensagem complexa. Essa possibilidade tem grandes apli-
cações práticas. Um defeito na capacidade do canal transmissor pode ser com-
pensado aumentando·se o comprimento da seqüência. Por isso, as máquinas
que tratam a informação ("cérebros eletrônicos"), utilizam apenas um teclado
binário.
A integração do tempo dentro do sistema permite também transmitir 2
mensagens através do mesmo canal. Podem ser até simultâneas.
Por exemplo, a mensagem: nkesztyrwn
e a mensagem: I I O I OO O I OO
podem ser transmitidas ao mesmo tempo, pela codagem representando 1 pela
maiúscula, O pela minúscula: N KeSzt yR w n
Portanto, "2 mensagens podem ser transmitidas através do mesmo canal sem
destruir·se", pois cada uma é componente de um vetor com referências dife-
rentes. Por exemplo, no córtex cerebral, passam vários influxos que transmi-
tem informações oriundas de receptores diferentes, porém não há interferên-
cia na decifração das mensagens. Por assim dizer, essa propriedade correspon-
de à "gestalt" da mensagem em relação ao sistema.

III - "EL JARDIN DE LOS SENDEROS QUE SE BIFURCAN":

Até agora falamos apenas de máquinas determinadas, simples. O que in·


teressa à cibernética, porém, são as máquinas não dete1"minadas, quer dizer, as
máquinas que não têm uma trajetória só, entre tôdas as trajetórias possíveis;
mas, aquelas têm tôdas as trajetórias possíveis. (Foi Shannon, na sua "Mathe-
matical theory of communication", que teorizou o estudo de tais máquinas.)
Os organismos vivos podem ser considerados como dessa espécie, pois nêles
existem apenas probabilidades, e não certeza. A probabilidade não é outra
coisa seilão a freqüência. "Um acontecimento provável, diz FISHER, é um acon-

(1) ASHBY, op. cit., capo 8.


16 ARQUIVOS nRASILEIROS DE PSICOTtCNICA

tecimento freqüente." Um teste de probabilidade constante torna-se teste de


freqüência constante. O experimentador deve prolongar a observação até ter
certeza, isto é, chegar a uma longa seqüência. Os processos estocásticos definem
as trajetórias possíveis. As chamadas "Cadeias de Markov" são formadas por
uma seqüência de estados nos quais a probabilidade de cada transmissão per-
manece a mesma. É portanto uma trajetória, descreve um comportamento. O
que determinará a trajetória, nesse caso, será o tempo. Por isso demos a êste
parágrafo o título de "o jardim dos caminhos que se bifurcam", em homena-
gem à intuição do grande escritor argentino JORGE Luís BORGES, que imaginou,
num conto com êsse título, a construção de um labirinto dentro do tempo. (1)

Outro ótimo exemplo de máquina markoviana é o filme de ALAIN RESNAIS


"L'année derniere à Marienbad", que demonstra a permanência dentro do in-
consciente, de possibilidades antagonisticas. (2)

Vamos dar um exemplo de ASHBY. Queremos estudar uma população de


insetos que podem viver na água, na beira do rio ou no capim. Podemos estu-
dar a probabilidade do comportamento de um inseto isolado, que tem igual
probabilidade de viver dentro da água ou nas beiras, mas não fica no capim.
Então, estudando a população dêsses insetos, teremos um grupo na água, um
na beira, outro no capim, em proporções constantes, embora o indivíduo possa
estar movimentando-se. A população tende a encontrar um estado de equi-
líbrio. Na transformação do comportamento individual dos insetos, há apenas
3 estados possíveis. No sistema de população, se há n insetos, o número de es-
1
tados é = - - (n + 2) (n + 1).
2
A cadeia de MARKOV tem a seguinte propriedade: "As probabilidades de
transição não dependem de estados anteriores ao estado considerado." Por
exemplo, se os insetos têm um comportamento markoviano, quando estão na
beira, êles caem na água em 75% dos casos, quer tenham estado antes na água,
quer na beira ou no capim. (3)
O processo markoviano permite predizer o que vai acontecer num sistema,
sem que nada se saiba de seu passado. "O método mostra que as 2 maneiras
de "conhecer" um sistema - pelo estado presente ou pela história passada -

(1) "In Ficciones", Emecê, Buenos Aires.


(2) Os representantes da chamada escola do "Nouveau Roman", na França, utilizam
freqüentemente os modelos markovianos: Robbe-Grillet (roteirista de "Marienbad"),
e Butor ("L'emploi du Temps"), por exemplo.
(3) ASHBY, op. cit., capo 8.
UMA FORMULAÇAO MATEMÁTICA DA FENOMENOLOGIA 17

têm uma relação exata." Reencontramos aqui a fenomenologia existencialista:


podemos conhecer alguém pelo seu passado, mas no momento presente êle tem
tôdas as implicações do passado, inseridas na situação presente. (Cf. SARTRE: "Je
suis sur Ie mode de l'avoir été", in L'être et le néant). O conhecimento des-
sas implicações seria portanto mais rico e mais completo do que o conhecimen-
to pela atitude que êste alguém costuma tomar.
Quando um sistema não seja completamente observável, faz-se apêlo à sua
"história", à "memória" do sistema. "A existência de "memória" dentro de
um sistema real não é uma propriedade intrínseca do sistema; supomos a sua
existência quando os nossos podêres de observação sejam limitados." (1) Em
biologia, a cadeia genética não tem "memória", mas dentro de si, contém tôdas
as informações dos antepassados, das espécies, e tôdas as implicações futuras
que, depois coagidas, formem um indivíduo único.
Se a cadeia de MARKov não tem coação, pode transmitir uma quantidade
máxima de informação. SHANNON deu a essa quantidade o nome de entropia. (2)
Essa quantidade de informação, ou entropia, é transmitida pelo canal.
Shannon define apenas o canal como "um certo tipo de relações de compor-
tamento entre 2 pontos". í.le introduz também o conceito de ruído ("noise").
O ruído é tudo aquilo que impede receber corretamente a informação. Mas
pode ser também informação. Por exemplo, se a comunicação com um doente
mental é perturbada, é a análise dessa perturbação relacional que nos fornece
o diagnóstico. Vemos, portanto, que a apreciação do ruído depende do ponto
de vista do observador.
Quanto aos erros de transmissão, "basta manter a mensagem durante maior
tempo, ou aumentar a capacidade do canal, com tempo menor", para reduzi-
·los. (3) í.sse teorema é muito importante, porque nos permite entender como
o córtex cerebral, por exemplo, pode conduzir tantas mensagens sucessivas sem
errar. O aumento da capacidade do canal é obtida pela participação de fibras
nervosas mais numerosas, ou pela aprendizagem. A teoria cibernética pode
portanto ajudar a elucidar problemas que estavam equacionados em têrmos ina-
dequados (p. ex., localização, aprendizagem, etc.).

(1) Ibid., capo 9, p. 172.


(2) Fórmula de SHANNON: entropia = H

Fórmula de WIENER: H = Pjlogp


(I!: que WIENER calcula a entropia em têrmos de ganho, e SHANNON em têrmos
de distância,)
(3) ASHBY, op. cit., capo 9.
18 ARQUIVOS BRASILEIROS DE PSICO'N:CNICA

IV - A REGULAÇÃO:

Já dissemos que o tema central da cibernética é a regulação e o contrôle.


Nos sistemas biológicos, a regulação é feita em têrmos de ajustamento, para
permlt1r ao organismo sobreviver. DARUINGTON escrevia: "The foundation of
all physiology must be the physiology of permanence."

Seja o esquema seguinte: D-~F -~E, no qual D simboliza perturba-


ções; F, o regulador hipotético, e E, o organismo. O organismo, para sobrevi-
ver, tem de manter certas variáveis essenciais dentro de limites determinados
(p. ex., conservar os órgãos mais indispensáveis). "Tôdas as outras coisas iguais,
o melhor F é como regulador, a maior chance de sobrevivência do organismo."
Quer dizer, mantém a probabilidade de permanência dessas variáveis essenciais.
A perturbação D pode ser considerada como uma informação indesejável. Um
bom regulador é portanto aquêle que bloqueia o fluxo de informações pro-
vindo das perturbações, a fim de preservar as variáveis essenciais. (1) O blo-
queio, nos sistemas biológicos, pode ser passivo, correspondendo a um tipo pri-
pritivo de ajustamento ao meio (p. ex., a concha da ostra, que se fecha quando
há perturbações), pode ser ativo, com maior participação ao meio ambiente
(p. ex., 2 combatentes em duelo: o comportamento de cada um depende das
informàções que, em cada momento, receba sôbre o comportamento do outro).
Há no mundo uma infinidade de reguladores, de todos os tipos.

Vejamos um tipo ideal de regulador.

ASHBY toma, na teoria dos jogos, o exemplo para explicar as estratégias que
devem orientar a ação de um regulador. Sejam 2 jogadores, D e R, dispondo
cada um de 3 possibilidades de ação. As regras do jôgo estão resumidas na
matriz seguinte:

R D joga primeiro, escolhendo um número (entre 1, 2, 3).


I II a
J, /3 y
R deve então indicar uma coluna (entre a, /3, y), de tal
maneira que ganha cada vez que o resultado é a. Nesse
1 b a c exemplo R sempre ganha, porque se D joga 1, basta R
D 2
3
II a
c
c
b
b
a
escolher /3, o resultado será a, se D joga 2, R escolherá a,
e se jogar 3, R escolherá y. Em outros têrmos, basta R
aplicar a transformação:
I
1 2 3
I fi a
~ Y
(1) Ibid., capo 10.
t1MA FORMULAÇAO MATEMÁTICA DA FENOMENOLOGIA 1'9

R atua, portanto, como um regulador, seja como fôr o comportamento de D


(a perturbação), R manterá o mesmo resultado a, que aqui representa as variá-
veis essenciais do organismo. É claro que êste exemplo é muito elementar. O
leitor deve procurar no livro de ASHBY as demonstrações que estendem a defi-
nição. O que é importante é que não interessa saber como os resultados de
uma coluna estejam relacionados com os resultados de outra (se não encontra-
mos 2 vêzes o mesmo escore nas colunas). Essas relações não são específicas.
Encontramos de nôvo uma proposição básica da cibernética: os fundamentos
materiais são irrelevantes (I) .
Se o Regulador mantém o mesmo comportamento (R constante) , enquan-
to age a perturbação (D em movimento), a informação do resultado (isto é,
a probabilidade do mesmo acontecer) será tão grande como a variedade tra-
zida por D (ou informação de D). É apenas a variedade de R, portanto, que
pode diminuir a variedade do resultado. Em outros têrmos, informação, e so-
mente informação, tem o poder de destruir informação. Isto fundamenta a lei
de informação necessária, que serve de base a todos os cálculos sôbre
regulação: "A informação dos resultados, quando mínima, só pode ser dimi-
nuída pelo aumento da informação do Regulador." (2)
Essa lei é muito importante, porque estabelece que certos acontecimentos
são impossíveis. "Quando dizemos: "Nenhuma máquina pode", isso é sem-
pre verdadeiro, e não depende de descobertas ulteriores em física (por exem-
plo de um nôvo elemento)" (3). Isto é, a existência de tais máquinas é logica-
mente provável, ou improvável.
A quantidade de informação permite medir a regulação. Vamos completar
o nosso esquema anterior:
D-~F-~E N êle, D representa as perturbações, F, a "barreira",
e E, o organismo. Entre todos os valôres possíveis de E,
apenas alguns (1l), são compatíveis com a sobrevivência do organismo (variá-
veis essenciais). Nosso exemplo sôbre o jôgo mostra que o ato de regulação exi-
ge a atuação de um regulador R e ele uma matriz de probabilidades (no exem-

(1) ASHBY demonstra que, se tôdas as colunas contiverem escores diferentes, a varie-
dade (= a informação) do conjunto de resultados selecionados não pode ser in-
ferior à variedade de D dividida pela Variedade de R. No exemplo, VD/V R = 1,
pois a certeza de ganhar é constante. (Ver ASHBY, op. cit., capo 11.)
(2) Em têrmos de entropia, escreve-se: H(E) ~ H<D) - K - (H(R). K é o número
de vêzes que um elemento é repetido em cada coluna.)
(3) ASHBY, op. cit., capo 11, p. 209.
20 ARQUIVOS BRASILEIliOs OE PSICOTi:C~ICA

pio, a regra do jôgo) , que chamaremos T. Vemos portanto que a matriz T,


mais o regulador R atuam como a "barreira" F. Podemos então desenhar o
diagrama:

Vemos que R atua como um transmissor entre D e T. Podemos então


escrever:

A lei da informação necessária diz que a capacidade de R como regulador não


pode ser superior à sua capacidade como canal de comunicação. Por outro
lado sabemos que um "ruído" só pode ser suprimido pelo canal de conexão se
a quantidade de informação transmitida pelo canal fôr igual ao ruído. Aqui
R é o canal de conexão, e o ruído é D, a perturbação.
Em biologia, para que uma espécie permaneça, o bloqueio das perturba-
ções (mudança de temperatura, de grau de umidade, agressões por outra es-
pécies, etc ... ) é uma necessidade fundamental. A lei de informação necessá-
ria mostra que a quantidade de perturbação que afeta os esquemas genéticos
só pode ser diminuída pela quantidade de informação assim transmitida. Em
outros têrmos, quanto mais o organismo tiver conhecimento do meio ambiente
(expondo-se aos perigos), terá também maior capacidade de defender-se contra
os perigos e ajustar-se. "~sse ponto de vista permite entender aquilo que parece-
ria um paradoxo: que os organismos mais complexos têm peles sensíveis, siste-
mas nervosos excitáveis, e, muitas vêzes, um instinto que os impulsiona, pelo
UMA FORMULAÇAO MATEMATICA DA FENOMENOLOGIA 21

jôgo ou pela curiosidade, a trazer para o sistema uma quantidade de informa-


ção maior do que a imediatamente necessária" (1) .
Essa proposição é da mais alta importância tanto para o psicólogo C0mo
para o biólogo. O instinto aparece aqui como motor de adaptação ao mundo
exterior, sendo portanto integrado nos mecanismos de ajustamento. O interes-
sante é que a cibernética não só propõe essa matéria à nossa meditação, como
também nos fornece instrumentos matemáticos para construir esquemas expe-
rimentais e para controlá-los.
Um conceito que contém o de regulação é a noção de contrôle. Supondo
que a decisão sôbre a atuação de R venha de um contrôle C. Teremos então
o esquema seguinte:

O conjunto volta a ser um sistema com 2 "inputs" independentes, C e D. Se


R é um regulador perfeito, quer dizer, se 'tl é o valor desejado, E, sob a atuação
de R, tomará o valor 'tl' seja qual fôr a ação de D. Portanto, "uma regulação
perfeita do objetivo por R toma possível um completo contrôle do objetivo
por C"; isto é, R e T formam um canal que transmite a informação de C em E,
sem intervenção de D. O contrôle torna sem efeito a perturbação.
Cada elemento do organograma pode ser um vetor (D pode ser composto
de várias perturbações, E ter vários estados 'tl' etc ... ), contudo, as relações
entre C, R, D, T e E serão as mesmas, pois o esquema é funcional, nada dispon-
do sôbre a natureza ou a extensão dos componentes.
Nos sistemas biológicos, a regulação não é apenas efetuada pelas in-
formações recebida de D ou de C; as modificações de E podem também infor-
mar a ação de R (p. ex., homeostase). Em vez de ser ligado diretamente a D.
R recebe as informações através das oscilações de E.

(1) ASHBY, op. cit., p. 212.


22 ARQUIVOS BRASILEIROS DE PSICOTE:CNICA

Isso se chama um "egulador pelos erros. A regulação pelos erros não é


perfeita, mas tende à maior aproximação do objetivo. "Pequenos erros são
permitidos porque, informando R, êles tornam possível a regulação contra
grandes erros." (1) Êsse princípio fundamenta a construção de servo-meca-
nismos.

Até agora falamos de máquina determinada, programada. Mas sabemos que


os sistemas biológicos são isomórficos de máquinas markovianas. Nesse caso,
R deve atuar, não para estabelecer um statu quo) mas a fim de manter as
mesmas probalidades para o conjunto do sistema. Um sistema determinado
absoluto é um caso particular de máquina markoviana. É a forma limite de
uma máquina markoviana, na qual tôdas as probalidades se transformaram
em O ou 1.
A máquina markoviana com input pode ser um conjunto de máquinas
markovianas, especificado por um conjunto de matrizes, com um parâmetro,
que indique a matriz que deve ser utilizada em cada etapa. É o caso no exem-
plo dos insetos: a repartição de população na água, na beira ou no capim tende
a ser constante, malgrado as variações individuais de cada organismo. A má-
quina markoviana tem várias formas de estabilidade: pode ser uma "região
estável", conjunto de estados tais que, uma vez que o ponto representativo
entre num dos estados do conjunto, nunca mais sairá dêle (por exemplo um
rato colocado dentro de um labirinto andará sempre pelos lugares onde encon-
trará a comida); pode ser um "estado de equilíbrio", região mantida num só
estado, chamado também de "estado absorvente" (p. ex., uma môsca prêsa num
papel pega-môscas). Num sistema markoviano, a duração da trajetória só pode
ser predita pela média das etapas necessárias. A procura do objetivo ("goal-seek-
ing") , ou do equilíbrio corresponde à busca de um conjunto de probabilidades,
pelo método de ensaios e erros.

A regulação markoviana não é também diferente, em princípio, da regu.


lação da máquina programada: o regulador ("vetoer") nesse caso tem de manter

(1) ASHBY, op. cit., p. 224.


UMA FORMULAÇAO MATEMATICA DA FENOMENOLOGIA 23

em T os estados que permitam manter E dentro de 'fl. Um bom exemplo de


regulação markoviana é dado pela brincadeira chamada "chicote quei-
mado": a criança deve encontrar o objeto escondido regulando-se pelas indi-
cações (em têrmos probabilistas) de "está quente" ou "está frio". Um exemplo
de oscilação incessante no ponto de equilíbrio, num sistema biológico, nos é
dado pela regulação do pH nos tecidos. Temos o organograma:

[:P~E~RT~UR~BA~ç@Õ~Es=]J---"'l=~PH~dO~Ó~A~NG~lI~E=I----)~I I,H 005 TECIDOS

CONCENTRAÇÃO fJE
(02 NO SANGUE

1AXA DEEXCREÇÃO.
DO C02

o pH do sangue intervém com T, bloqueando as informações para manter


constante o pH dos tecidos. A teoria dos jogos segue um esquema análogo. Nesse
caso, o sistema T é a regra do jôgo. "Da mesma maneira que muitos jogadores
acharam que "P 4D" é um bom caminho para abrir um partida de xadrez,
também muitas espécies acharam que "ter dentes" é um bom caminho para
abrir a Batalha da Vida." (I) No caso do jôgo há apenas competição entre os
reguladores. O estudo das estratégias pode utilizar-se dos modelos cibernéticos
e vice-versa.
Quando o sistema observado seja muito grande, o regulador R bem redu-
zido, como se tomará possível a regulação? Isso é importante por exemplo no
caso do experimentador que quer estudar um sistema biológico. A primeira
atuação possível é reformular os níveis de aceitabilidade das variáveis 'fl; a se-
gunda é aumentar o poder de R; a terceira é restringir a informação que pro-
vém de R, selecionando os componentes de D. (Cf. lei da variedade necessária.)
Se a capacidade de R é fixa, é a única solução.
Queremos por exemplo estudar um fenômeno qualquer, mas existem tantas
implicações, tantas relações com o meio ambiente (D), que não sabemos por
onde começar. Vamos tentar então reduzir as perturbações D. Como? Apenas

(1) AsmY, op. cit., p. 241.


24 ARQUIVOS BRASILEIROS DE PSICOTtCNICA

observando o sistema. Se a perturbação é repetitIva, isso já será uma forma


de coação, quer dizer de diminuição da informação. Se levantarmos a trajetória
das perturbações exercidas durante um ano sôbre o fenômeno estudado (1),
obteremos então um esquema isomórfico de uma máquina com input (2). É
lícito, portanto, representar êsse mecanismo de regulação por um esquema de
máquina simples, com input. Supondo que a regulação dependa da respon-
sabilidade de uma entidade n, n pode ser êle próprio, o regulador, ou construir
uma máquina para regular o sistema.

A cibernética assim justifica lógica e matemàtic3mente a construção, pelo


homem, de instrumentos para facilitar o ajustamento ao ambiente. Na escala
das espécies, a superioridade do homem seria evidente pela sua capacidade de
construir reguladores ("homo faber"), enquanto as espécies inferiores teriam
de ser, elas próprias, os reguladores.

v- A DECISÃO:
Quando n decide construir uma máquina M, isso implica uma seleção entre
tôdas as máquinas possíveis. Em outros têrmos, dentro de um conjunto de
acontecimentos possíveis, n escolhe um acontecimento, levando em conta as
probabilidades de aparecimento. Isto pode então ser reduzido a um esquema
de informação, e os princípios da teoria da comunicação podem ser aplicados.
"O ato de 'projetar', ou 'fazer' uma máquina é essencialmente um ato de co-
municação do Realizador ao Realizado." (3) Esta proposição, como vemos,

(1) P. ex., querendo controlar, homeostàticamente, a temperatura da água do banho,


durante um ano, podemos levantar tôdas as perturbações (to abaixa) e tôdas as
respostas (tO mantida)
(2) nesse exemplo, o input seria a baixa da temperatura ambiente, o output a elevação
conseqüente da temperatura da água.
(3) ASHBY explica o isomorfismo pelo simples exemplo: n deve escolher entre 3 má-
quinas possíveis. Selecionar 1 máquina entre 3 é equivalente a selecionar 1 valor
entre 3 por um parâmetro. Sejam as máquinas 1, 2 e 3. Têm o seguinte compor-
tamento:
1 I a h 2 I a b 3 I a b
V b a V a a V b b
n decide escolher 2. Essa seleção é idêntica a 1 máquina com input de 3 valôres,
assim definida:
I I
VI a b
-l-\-b--a-
2 I a a
3 I b b
n decide então que o input deve ficar em 2. "O ato do ,?rojetista. ao seleciona.r um
modêlo entre muitos é equivalente a um fator determmante, fIXando um mput
num valor permanente" (cap. 13).
UMA FORMULAÇAO MATEMATICA DA FENOMENOLOGIA 25
,
não parece isenta de implicações metafísicas. O pensamento mágico, por exem-
plo, confunde a realização com a comunicação (p. ex., no "Gênese", o "Fiat
Lux"). tsse ponto de vista pode também enriquecer singularmente o estudo I,
das inter-relações humanas, no sentido de considerar o simbolismo como veículo
de expressão e de realização.
Aplicando a teoria da comunicação, pode-se calcular uma "quantidade de
decisão", exprimida também em BITs. (1)
Quando os fatôres são múltiplos, podemos levantá-los e deixar a decisão
I
i
ao acaso. Os generais romanos, após preparar a guerra, iam ver se os frangos
sagrados comiam ou não, para decidir a orientação da batalha. tsse tipo de !
!
seleção "cara e coroa" é perfeitamente admissível. É lícito escolher um sistema,
relacionando-o com outro, que não tenha correlação alguma com o sistema
estudado (é o princípio do acaso ("random") de FISHER). Para levantar tôdas as
informações, às vêzes seria preciso séculos. Por exemplo, querendo encontrar
II
1 átomo específico no universo, teríamos de procurar 1 elemento entre 1073 •
Vamos utilizar então o método dicotômico: dividimos o universo em 2 partes,
isolando logo a parte na qual esteja contido o átomo; depois dividimo-la em 2
partes, etc., selecionando assim aos poucos. A máquina construída para êsse fim
leva apenas 4 minutos para encontrar o átomo procurado. É sempre possível
reduzir um conjunto de sistemas. O nosso mundo é reduzível, pois nêle há
coação, senão a vida não permaneceria. Para resumir o exemplo, nós, (o),
construímos um regulador o, escolhendo a máquina, pratica também um ato de
regulação.
Além da decisão consciente de uma entidade o, existe o que chamamos
intuitivamente de seleção natural, que não é senão a permanência de uma
função adaptativa (ou reguladora) da espécie. "Um regulador pode ser rela-
cionado dentro de um conjunto geral de mecanismos, (com várias regulações
possíveis), sendo apenas o remanescente de algum processo de seleção natural,
ou construído (outro processo de seleção) por outro regulador. (2)
Nesses têrmos, a cibernética estabelece entre a regulação biológica e a re-
gulação física, ou mecânica, uma analogia que constitui a sua mais original

(1) P. ex., quanta decisão é necessária para escolher entre 2 máquinas A e B, tais que:
A 1 a b c d B 'I a b c d
babc cbca
Resposta: 1 BIT apenas, por que temos 2 máquinas. Os itens do funcionamento
interno das mesmas são aqui irrelevantes.
(2) ASHBY, op. cit., p. 263.
26 ARQUIVOS BRASILEIROS DE PSICOT!l:CNICA

contribuição. Entendemos agora aquilo que WIENER chama "kubernetes": é o


regulador, aquêle que seleciona, levando em conta tôdas as implicações do
conjunto. Mas essa noção não é apenas intuitiva, é matemàticamente demons·
trada e, portanto, utilizável. Os esquemas fundamentais da cibernética podem
aplicar-se, pela sua plasticidade, a tôdas as ciências do ser vivo; por isso nos pa-
rece da maior importância para o psicólogo, o biólogo, o sociólogo.

Nesta exposição, procuramos ao mesmo tempo simplificar a matéria ao


máximo, e mostrar quais são as possibilidades de aplicação dentro do nosso
.ramo. Vamos agora dar exemplos da aplicação da teoria da informação à pes-
quisa científica.

A TEORIA DA INFORMAÇÃO COMO MODtLO

Como seria natural, a teoria da comunicação tem sido sobretudo aplicada


ao estudo da linguagem. Desde a classificação intuitiva de F. DE SAUSSURE até
a moderna semântica geral, os fatôres determinantes da transmissão da mensa-
gem vêm sendo estudados. Não interessa o sentido da mensagem, mas sim o
fato de que cada componente esteja escolhido dentro de um conjunto de pos-
sibilidades. Podemos medir a quantidade de informação trazida pela mensa-
gem, calculada em têrmos de entropia. tsse ponto de vista pode enriquecer
técnicas como por exemplo a análise de conteúdo. Além disso, situar cada ele-
mento da mensagem dentro do conjunto de mensagens possíveis, tem um gran-
de valor funcional. A semântica geral, que poderíamos definir como ciência
que estuda o sentido exato das mensagens, utiliza fartamente essa nova di-
mensão. (1)
Mas a semântica, sob êsse ângulo, pode servir também de modêlo para a
psicologia. Já se falou de uma "gramática do comportamento". Com efeito,
podemos considerar cada segmento de comportamento como elemento dentro de
um conjunto de comportamentos possíveis. ASHBY já mostrou que o comporta-
mento do rato num esquema experimental pode ser analisado em relação às
probabilidades de ação de que dispõe o rato, nesse caso.
Mas isso pode ser estendido além do quadro experimental. Permite inclu-
sive resolver problemas que até agora estavam mal equacionados, como o de

(1) Cf. Science and Sanity de KORZYBSKI, 1941.


UMA FORMULAÇAO MATEMATICA DA FENOMENOLOGIA 27

"normal" em psicologia clínica. O simples conceito estatístico da normalidade


(é anormal tudo aquilo que se desvia significativamente da norma), não é sa-
tisfatório, pois despreza o aspecto qualitativo, falando apenas em têrmos de
dispersão, ou afastamento da média. (1)

Se considerarmos um segmento de comportamento, podemos avaliá-lo, uti-


lizando os esquemas cibernéticos. Dêsse ponto de vista um comportamento pode
ser estimado pelo grau de "surprêsa" (= informação) que traz. Por exemplo,
se digo: "Bom dia" a um indivíduo, o mais provável é que responda da mesma
maneira. Se êle me agride, ou não responde, ou responde a uma pergunta que
fiz na véspera, o comportamento é anormal. Mas qual será a apreciação quan-
titativa? O que chamamos de "síndrome", é, por assim dizer, um vetor feito de
comportamentos anormais. Podemos imaginar portanto um contrôle matemá-
tico dêsse vetor, no sentido de verificar em que medida a sua atuação chega a
prejudicar a manutenção das variáveis essenciais à permanência do organismo,
e que tipo de ação reguladora pode ser assim exercido. Poderíamos dêsse modo
representar de maneira sintética as diferentes variedades do comportamento
"anormal", tanto psicológicas como fisiológicas.

Dessa feita, o diagnóstico apresentar-se-ia sob forma não apenas norma-


tiva, mas também dinâmica, e implicaria, já presente dentro do esquema, a
indicação das regulações necessárias à reintegração das variáveis essenciais, isto
é, à readaptação do paciente.
!
Dentro do esquema de regulação que, como vimos atrás, não é nada mais
que a adaptação de um organismo ao meio de maneira a assegurar a sua per-
I
manência, fazer um diagnóstico reduzir-se-ia a descrever qual é alteração dos
canais de comunicação, e como deverá processar-se a readaptação. Assim, um
I
comportamento fora do comum seria avaliado não em têrmos elementares de f
comportamento situado numa extremidade da curva de GAUSS, mas em têrmos
qualitativos, descritivos, e no entanto, objetivos. Pois, nesse sentido, o conceito f
de "ajustamento" ganha precisão científica e valor funcional. Por exemplo,
o velho problema da "semelhança entre o gênio e a loucura" não existe mais,
pois é evidente que êle está mal formulado. O "gênio" ou o "louco" afastam-se
I
da norma, mas êsse afastamento, no "gênio", não prejudica as variáveis essen-
ciais à permanência do indivíduo, e tende a aparfeiçoar o ajustamento da es- II
I
l
pécie (em particular pela qualidade prospectiva da visão do homem de gênio) ;

I (1) Cf, La notion de normal en psychologie clinique, de DUYCKAERTS.


It
1
I
i I
28 ARQUIVOS BRASILEIROS DE PSICOT1:CNICA

no doente mental, pelo contrário, o afastamento da norma tende a trazer o seu


comportamento dentro de uma faixa de variáveis indesejáveis. í.sse exemplo,
embora trivial, leva-nos a admitir como os esquemas cibernéticos serão úteis
em psicologia clínica.

Essa perspectiva pode parecer utópica ao leitor, e um tanto afastada da


realidade. É que, infelizmente, para muitos psicólogos, a construção de uma
curva de GAUSS representa, ainda hoje, o tipo mais elaborado de verificação
experimental. Seria mais fecundo enriquecer as categorias já estabelecidas, com
as matemáticas de hoje, ou, quem sabe, de amanhã. Nessa perspectiva seria
desejável a colaboração, em tôdas as ciências da vida, de parte de técnicos,
matemáticos e físicos.
Vamos prová-lo, dando um exemplo recente da utilização da teoria da
informação em biologia. Num número de Life Internacional, de dezembro
de 1963, encontramos dois artigos sôbre o papel dos ácidos ribo-nucléicos na
herança genética. Nesses artigos, redigidos em têrmos científicos, e não jorna-
lísticos, encontramos a descrição das últimas descobertas em biologia molecular,
em particular dos Dr. NIRENBERG, Dr. KORNBERG, da Universidade de Standford,
e Dr. SEVERO UCHÔA, de Nova Iorque (prêmios Nobel de bioquímica). (1)

O ácido desoxirribonucléico (ADN) está formado por 4 substâncias quí-


micas fundamentais. As moléculas destas substâncias podem combinar-se de
maneira que essas combinações representam um "código genético". Cada ar-
ranjo dentro de ADN é uma "mensagem" que determina a estrutura da célula,
e, em conseqüência, a estrutura total do organismo. Cada indivíduo é, por-
tanto, o resultado dessa mensagem.

Vejamos como se exprime o autor: "A molécula de ADN é uma helicóide,


de voltas muito apertadas... estas espirais encerram fantásticas quantidades
de informação ... tôda essa informação conserva-se e é transmitida em cóâigo.
Em vez de utilizar símbolos abstratos, como nos códigos feitos pelo homem, o
organismo vale-se de quantidades exatas de 4 substâncias: adenina, timina, gua-
nina e citosina, que constituem um alfabeto biológico de 4 letras" (o grifo é
nosso). A utilização do modêlo fornecido pela teoria da comunicação é mais
que evidente.
A mensagem é transmitida pelos ácidos ribonucléicos (ARN) que tesempe-
nham o papel de canal. O ARN tem um "código de 3 letras" que lhe permite,

(1) "Una singular explicación deI secreto de la herencia genética" e "Control de la


Vejez y de la Herencia" por A. HILLS e A. ROSENFELD, Lite Internacional voI. 22,
n.O lI, 1963, pp. 38-51.
UMA FORMULAÇAO MA'i'EMATICA DA FENOMENOLOGIA 29

a partir das instruções do ADN, fabricar proteínas. Desta maneira, tôda a


herança genética do organismo está determinando a estrutura, e a mensagem
genética encontra-se ao mesmo tempo em tôdas as células (como num processo
markoviano). Se por acaso há "ruído" na transmissão, o organismo pode ser
prejudicado. Essa teoria fornece uma explicação para a formação do vírus. "O
núcleo elo vírus é também ácido nucléico. Quando as defesas da célula enfra-
quecem, o vírus "agarra-se" ao ácido nucléico celular, o qual, desacatando im-
truções do próprio ADN, transmite então a informação genética do vírus. A
célula, seguindo essas novas instruções, começa a fabricar matérias virais."
Para que haja transmissão é preciso realizar uma coação, como sabemos,
da variedade. Nessa perspectiva, haveria câncer quando, por um motivo ainda
ignorado, não há redução da variedade: a célula começa então a multiplicar-se,
dando lugar a tumores. O envelhecimento também seria produzido pela acumu-
lação de "ruído" nas transmissões do código. (Como sabemos, "ruído" é tôda
perturbação.) Aos poucos, a eficácia funcional do organismo iria diminuindo.
Vemos nesse exemplo quão fecunda pode ser a utilização do modêlo for-
necido pela teoria da informação, não somente no sentido da explicação, mas
também da aplicação, pois NlRENBERG (que descobriu em 1961 o significado do
código, por um método de seriação tipicamente inspirado da teoria) chega a
escrever: "Temos de aprender a decifrar o código genético. Será então possível
compormos mensagens genéticas próprias", frase essa, de tremendas implicações.
Poderíamos também dar como exemplo da utilização do modêlo ciberné-
tico, em fisiologia, os trabalhos de ASHBY sôbre estrutura do córtex cerebral, no
livro Design for a Brain.
Dentro do terreno da psicologia social, a teoria da informação apresenta
grandes possibilidades como modêlo e método de contrôle. Já KURT LEWIN, em
1930, tentou utilizar, no estudo da dinâmica de grupo, esquemas emprestados
à física, na sua psicologia topológica. Mas teve de ficar na descrição, e a uti-
lização dos esquemas permaneceu intuitiva.

Na França, um jovem pesquisador em psicologia social, JACQUES VAN BOCK-


STAELE, está tentando aplicar ao estudo dos pequenos grupos ("training group"
ou grupo de diagnóstico) o modêlo fornecido pela "caixa escura". VAN BOCK-
STAELE considera que para os observadores, o pequeno grupo se apresenta como
uma caixa escura, cujo dinamismo interno é desconhecido. Da mesma maneira,
o grupo dos observadores representa para os componentes do grupo uma caixa
escura. Trata-se, portanto, de estabelecer relações entre os 2 grupos, e,
pela análise dessas relações, chegar a compreender os mecanismos internos do
30 ÀRQUIVOS BRASILEIROS DE PSICOTtCNICA

grupo de diagnóstico (o grupo dos observadores seria, por assim dizer, a ma-
quete representando, sob forma catártica, as tensões e o dinamismo do grupo
de diagnóstico). Essa hipótese, interessante na teoria, mostrou-se, na aplicação
prática, pouco diferente dos métodos usuais do "grupo de diagnóstico", talvez
porque o autor não a tenha desenvolvido além da aplicação intuitiva. Por en-
quanto, deve ser considerado mais como uma tentativa de pioneiro, que uma
técnica funcionalmente aplicável (1).
A teoria da informação, entretanto, presta-se particularmente ao estudo do
comportamento de grupo. Imaginemos um grupo de 10 membros, cujo fun-
cionamento interno queremos levantar. Aplicamos a técnica sociométrica de
MORENO, por exemplo. Obtemos um sociograma representando, digamos, as
atrações recíprocas. O sociograma apresentar-se-ia assim:

Em têrmos sociométricos, diríamos que no grupo está evidenciada a exis-


tência de 2 subgrupos (1, 2, 3, 4, 7) e (7, 8, 9, 10) e 2 indivíduos isolados (5,

(1) Pelo menos era assim a situação quando participamos, em 1959, desta experiência.
UMA FORMULAÇAo MATEMÁTICA DA FENOMENOLOGIA 31

II e 6) que porém escolheram (7). Seria portanto o (7) o líder, pois se encontra
em todos os subgrupos. Ora, essa representação é isomórfica da representação
em bacias ("basins") do dinamismo interno na máquina. Podemos considerar
t as setas de "atração" como canais de comunicação. O líder, (7), torna-se então
t o nó de uma rêde. Se quisermos que uma informação seja percebida pelo con-
junto do grupo, o método mais seguro e mais econômico é transmiti-la a (7)
1 que, situado numa "encruzilhada", poderá divulgar a mensagem. Êsse ponto é
de grande importância prática, no caso de uma ação de propaganda por exem-

I plo: após levantar os grupos de população é mais econômica transmitir a infor-


mação ao líder. (Em propaganda política, a chamada "infiltração" ou "into-
xicação" baseia·se no mesmo princípio.)

I
1-
Êsse conceito do líder como ponto de articulação dos subgrupos para di-
vulgar a informação não é apenas hipotético. Daremos um exemplo preciso.
O chinês é uma língua muito concreta, tão concreta que na China tradicional,
cada grupo social (corporações, seitas, aldeias, etc.) tinha a sua linguagem pró-
pria e, muitas vêzes, desconhecia a linguagem dos outros grupos. O mandarim
1 era o "letrado", aquêle que possuia o vocabulário, isto é, que tinha maior ca-
i pacidade para receber e distribuir a informação proveniente dos grupos heterogê-

II neos. A administração chinesa tinha portanto de apoiar-se no mandarinato (I).


Mas o modêlo permite maior contrôle do dinamismo do grupo. É possível
1I
\
calcular os efeitos que uma modificação do comportamento de um dos mem·
bros poderá induzir no comportamento, e até na estrutura do grupo. Por exem-
plo: o que vai acontecer no caso da disparição de (I)? .. A ação sôbre (I)
(tirar (I) ) transforma o sistema numa máquina com input. O output será o
nôvo comportamento do grupo. Podemos portanto calcular, levando em conta
as atrações e também as repulsões (aqui não representadas) as conseqüências
de uma atuação sôbre cada membro do grupo, e depois selecionar a mais ren-
dosa, conforme o resultado desejado (dissolver o grupo, reforçar a coesão,
etc ... ), o que também é um processo de informação.
Embora o próprio WIENER, no fim do seu livro, faça uma enérgica adver-
tência aos sociólogos e estudiosos de filosofia política, para que não considerem
a cibernética como panacéia, é entretanto permitido aplicar, em segmentos de-
terminados do grupo social, os modelos da teoria da comunicação. O estudo
dos grandes grupos humanos, pela riqueza de suas implicações, e porque im-

(1) Uma. das preocupações do govêrno chinês atual é justamente criar uma língua bá-
sica, que possa permitir a unidade de informação e compreensão. O primeiro passo
foi dado em 1956, com a unificação e simplificação da ortografia.
32 ARQUIVOS BRASILEIRoS DE PSICOTli:CNICA

plica pessoalmente o pesquisador, presta-se mal ao contrôle matemático rigoroso.


O estudo dos pequenos grupos, pelo contrário, só pode ser enriquecido, a nosso
ver, pela introdução dêsse tipo de contrôle, pois o objetivo do grupo de diagnós-
tico é antes de tudo pesquisar o funcionamento e o dinamismo de um grupo,
no jôgo das inter-relações. Nesse sentido, o estudo dos canais e dos processos
de comunicação seria fecundo para a teoria e para a aplicação.
Numa época em que a especialização exagerada tende a transformar as
ciências, e cada técnica dentro de cada ramo, em compartimentos estan-
ques, a cibernética propõe uma tentativa de estabelecer um vocabulário comum,
que possa ajudar, reunindo conceitos de cada especialidade, a criar uma lin-
guagem comum.
WIENER escreve: "We have dreamed for years of an instituition of inde-
pendents scientists, working together in one of these backwoods of science, not
as subordinates of some great executive officer, but pained by the desire, indeed
by the spiritual necessity, to understand the region as a whole, and to lend
one another the strenght of that understanding."
A cibernética aparece como fruto dêste sonho. Pensamos que o psicólogo
só pode ganhar aprendendo esta língua comum a tôdas as ciências, não apenas
pelo prazer da elaboração teórica, como também pelas amplas perspectivas que
nos abre à aplicação. Neste ponto, podemos sonhar também com o dia em
que possamos dispor de equipes, compostas de matemáticos, físicos, biólogos e
psicólogos, para poder controlar numa pesquisa conjunta, as principais facêtas
da relação entre o homem e o mundo. Oxalá não permaneça apenas um sonho.

BIBLIOGRAFIA

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1957.
ASHBY, "An introduction to cybernetics". London, Chapman and HalI, 1961.
GUILBAUD, "La cybernétique", Paris. PUF, 1954.
LEWIN, "PrincipIes of topoIogicaI psychoIogy", New York, McGraw and Hillbook Co.•
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SHANNON, WEAVER. "The matematicaI theory of comunication". University of Illinois
Press, Urbana, 1949.
WIENER, "Cybernetics", New York, John Wiley and Sons, 1948.

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