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Teoria da festa
Roger Caillois*
À vida regular, ocupada pelos trabalhos cotidianos, tran- * Fonte: CAILLOIS, Roger. “Le
quila, encerrada em um sistema de interditos, repleta de pre- sacré de transgression: Théorie
de la fête”, 4º capítulo de:
cauções, em que a máxima quieta no movere mantém a ordem
______. L’homme et le sacré. Paris:
do mundo, opõe-se a efervescência da festa.1 Caso considera- Gallimard, 1989 [publicado
dos apenas seus aspectos exteriores, esta apresenta traços idên- originalmente em 1939], p. 127-
ticos em qualquer nível de civilização. Ela implica uma grande 168; e o “Appendice III - Guerre
concorrência de pessoas agitadas e ruidosas. Tais ajuntamentos et sacré”, p. 219-242. Tradução de
massivos favorecem eminentemente o nascimento e o contágio Carlos Eduardo Schmidt Capela.
de uma exaltação dispendida em gritos e gestos, e que incita 1. É inútil sublinhar que esta
a se abandonar, sem controle, às impulsões mais irreletidas. teoria da festa está longe de
Mesmo hoje, em que festas empobrecidas pouco ressaltam do esgotar os diferentes aspectos
fundo cinzento constitutivo da monotonia da vida corrente, aí de seu motivo. Ela deveria,
em particular, ser articulada a
aparecendo dispersas, esmigalhadas, quase exangues, podemos
uma teoria do sacrifício, que,
ainda nelas distinguir, contudo, alguns miseráveis vestígios do com efeito, constitui uma sorte
desencadeamento coletivo característico das antigas festanças. de conteúdo privilegiado da
Os mascaramentos e as audácias permitidas no carnaval, ao lado festa, fornecendo como que
das libações e dos bailes populares do 14 de julho, testemunham o movimento interior que a
uma mesma necessidade social, e lhe dão continuidade. Não há resume ou que lhe dá sentido.
Ambos aparecem juntos numa
festa, mesmo triste por deinição, que não contenha ao menos
relação similar àquela entre
um princípio de excesso e frenesi: é suiciente evocar as fartas alma e corpo. Sem poder
refeições funerárias entre os camponeses. Desde outrora até hoje insistir nessa íntima conexão
a festa sempre se deiniu pela dança, pelo canto, pela ingestão (era preciso escolher), esforcei-
de alimentos, pela bebedeira. É preciso entregar-se a ela no grau me em valorizar a atmosfera
máximo possível, até o esgotamento, até o adoecimento. É a lei sacriicial que é própria da
festa, na esperança de que seja
própria da festa.
assim perceptível ao leitor que
a dialética da festa duplica e
reproduz a do sacrifício.
A chegada do sagrado
Criação do cosmos
Mito e incesto
Exageros fecundos
Regulação e infração
Despesa e paroxismo
I. Guerra e festa
Alegria da destruição
Sacrilégio e desperdício
A guerra total