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net/artigo/em-defesa-da-democracia-indignada-uma-r
%C3%A9plica-helena-matos
Partilho algumas das suas preocupações quanto à 'democracia genuína' e a sua valorização
da democracia representativa e constitucional. Ela diz basicamente que a democracia
legítima deriva das urnas e não da rua. Contudo, o seu argumento parece-me
demasiadamente formalista e unilateral.
Em primeiro lugar, há o problema da abstenção nos actos eleitorais. Pode-se afirmar que a
abstenção é um exercício consciente expressando uma opção livre de participar ou não e,
por isso, não põe uma entrave à legitimação das maiorias constituídas nos actos eleitorais.
Mas isso é um argumento meramente formal e inválido sociologicamente. Existem
dinâmicas de exclusão que produzem uma parte da abstenção e que fazem com que uma
parte substantiva dos abstencionistas na nossa sociedade não a é inteiramente por opção de
livre vontade. Existem dinâmicas de disenfranchisementque operam mesmo sem o
exercício de força.
Numa situação de crise como a actual, a democracia representativa e constitucional não tem
respostas adequadas para largas camadas da população e até cristaliza alianças políticas de
interesses que actuam com o intuito de resolver a crise em conformidade com as suas
preferências. Estamos numa situação única, de crise do sistema sócio-económico que está a
produzir um conflito profundo entre camadas da população.
Seria desejável que a crise pudesse ser resolvida pelo funcionamento normal das
instituições da democracia representativa e constitucional. O problema é que os mandatos
emergidos de um acto eleitoral podem não ter legitimidade efectiva e absoluta durante todo
o prazo da sua vigência e podem nem sequer ser explícitos no seu conteúdo. Isso é de facto
o caso de todos os últimos governos - que foram eleitos com base em programas eleitorais
que foram contraditos praticamente no dia a seguir a sua tomada de posse. A nossa
democracia representativa e constitucional simplesmente não é transparente. E na
situação actual qual é o mandato que o nosso Governo está a traduzir nas suas politicas
concretas: o mandato dos eleitores ou o entendimento com a troikaconstituída por entidades
alheias e não eleitas? E, enquanto o Governo procura impor as reivindicações da CIP/AIP e
os interesses privados esfomeados pelas migalhas do estado social - fazendo da concertação
um palco para a exibição da sua prepotência anti-laboral e anti-social, aonde poderemos
encontrar a legitimidade democrática?
Helena Matos reflecte com bastante razão sobre os riscos envolvidos em situações em que
existem reclamações antagónicas quanto à legitimidade do poder politico em nome da
democracia 'genuína'. As suas observações com base na história do PREC são relevantes -
mas não neste contexto politico. As clivagens sociais e lutas produzidas pela crise actual
não são bem equivalentes às clivagens ideológicas e políticas do PREC.
É evidente que as manifestações internacionais e no nosso pais foram organizadas por gente
'radical' - entre a qual muitos eventualmente negariam a legitimidade da democracia
representativa e constitucional em detrimento da mobilização da rua. Mas então? Isso é
inteiramente normal - massas de pessoas não convergem espontaneamente a uma hora e
num local sem o apelo de alguém. Todavia, o que caracteriza - pelo menos potencialmente -
as manifestações dos 'indignados' e de 'Occupy Wall St.' nos EUA é, que apesar do
'radicalismo' dos protagonista e das suas palavras de ordem, elas têm encontrado eco e
recepção positiva por grandes massas de pessoas - muitas das quais levadas à politica pela
primeira vez, ou seja, pessoas normalmente passivas e abstencionistas. É o efeito inevitável
desta crise histórica e do transparente desequilíbrio de poder real entre os detentores do
capital financeiro e os seus agentes e a enorme massa das populações.
Teremos que ver quem se manifesta no Sábado. Quem serão eles e elas? Serão apenas os
radicais? Duvido. Irei e não me acho assim tão radical! Mas já agora, acho que os
protagonistas radicais destas movimentações estão a fazer um grande serviço à democracia
- sejam quais forem os seus motivos ideológicos (e espero que não impunham as suas
perspectivas sobre os outros participantes). É que a democracia representativa e
constitucional tende a esvaziar-se em tempos de crise se for apenas um palco de
legitimação dos interesses do capital financeiro globalizado e precisa necessariamente da
inflexão da luta social.