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Relatório de atividades realizadas por Kristina Balykova (Mestranda de Linguística/UFRJ e ex-

bolsista de IC - CNPq) durante e após a vigência da bolsa de Iniciação Científica

Fui bolsista de iniciação científica no subprojeto Guató do Projeto “Línguas Indígenas


Ameaçadas: Pesquisa e Teorias Linguísticas para a Revitalização” de fevereiro de 2016 a
fevereiro de 2017. Nos primeiros meses da minha participação, li trabalhos etnográficos sobre
o povo Guató, entre os quais Tres semanas entre los indios Guatós (Koslowski, 1895), Les
Indiens Guatós de Matto-Grosso (Monoyer, 1905) e Indianerstudien in Zentralbrasilien
(Schmidt, 1905), e dois trabalhos acadêmicos sobre a língua Guató: a tese Guató: a língua dos
índios canoeiros do rio Paraguai (Palácio, 1984) e a dissertação Fonologia da língua Guató
(Postigo, 2009).

Um dos capítulos de Schmidt (1905) contém a primeira tentativa de descrever a fonética


e a morfologia da língua Guató, além de incluir um vocabulário Guató-Alemão bastante vasto
e algumas frases em Guató. Esse trabalho, na sua íntegra, já havia sido traduzido para o
português em 1942. No entanto, tivemos a ideia de realizar uma nova tradução do capítulo
dedicado à língua, completando-o com resultados de pesquisas posteriores. Dessa maneira, eu
traduzi o texto do alemão para o português, enquanto Gustavo Godoy e Walter Alves
acrescentaram a uma grande parte de palavras do vocabulário suas transcrições fonéticas ou
suas variantes registradas mais recentemente. Além disso, eles introduziram glosas com análise
morfológica de algumas frases. Esse trabalho se baseou nos dados de Palácio (1984), Postigo
(2009) e nos obtidos durante viagens do campo pelo Projeto. Gustavo Godoy também
contribuiu com uma introdução para o capítulo, em que resumiu a história dos Guató e as
informações básicas sobre a língua. Esse nosso trabalho está em via de publicação em Cadernos
de Etnolinguística (Série Monografias), etnolinguistica.org.

No ano de 2016, eu estava me formando e pensando em ingressar para o mestrado. Após


ter lido o trabalho de Palácio (1984), resolvi incluir o Guató no meu projeto de mestrado. Tive
interesse de estudar as palavras que expressam propriedades no Guató, definidas por Palácio
(1984) como verbos descritivos, um subgrupo da classe verbal, e compará-los com as palavras
que expressam propriedades em outras línguas indígenas.

Comecei o curso de mestrado em 2017 e, portanto, deixei de ser bolsista de IC. No


entanto, realizei duas viagens de campo para os Guató pelo Projeto. No início de julho de 2017,
eu, Gustavo Godoy e Walter Alves realizamos a segunda oficina de revitalização da língua
Guató no Mato Grosso (TI Baía dos Guató). Depois dela, fomos à cidade de Corumbá, onde
trabalhamos com Eufrásia Ferreira, uma dos dois últimos falantes da língua. Elicitamos junto
a Eufrásia frases e pequenos textos em Guató. Meu principal interesse eram, obviamente,
palavras que expressam propriedades e seu comportamento morfossintático em frases.
Considero que o principal resultado desse trabalho, para mim, foi conseguir que Eufrásia se
lembrasse das palavras para cores e também das construções que se referem a cores
aproximadas ou não prototípicas. Essas construções não haviam sido registradas antes. Há um
relatório mais detalhado em que descrevi essa viagem de campo.

Em janeiro de 2018, eu e Gustavo Godoy voltamos a Corumbá. Dessa vez, além de ter
elicitado a língua Guató com Eufrásia, conseguimos ir à aldeia Uberaba (TI Guató). Eufrásia
quis ir junto conosco, pois ela já havia morado naquele lugar no final dos anos 70. Nós três
passamos uma semana na aldeia. Eufrásia reviu vários primos, mas não reconheceu nada do
lugar. Eu e Gustavo realizamos algumas entrevistas em vídeo com moradores mais idosos da
aldeia, que testemunharam e/ou sofreram o processo da perda da língua Guató. Procuramos
começar a construir um arquivo etnográfico em que esse processo da perda linguística fosse
manifestado através de histórias pessoais.

Durante a nossa estadia na aldeia, visitamos Vicente, o outro último falante do Guató.
Vicente mora isolado em um lugar de difícil acesso, e essa visita foi mais importante ainda,
porque levamos Eufrásia. Dessa maneira, organizamos um encontro entre os dois últimos
falantes do Guató. Nossa visita durou dois dias, conseguimos gravar vários itens lexicais novos,
além de frases e pequenos diálogos entre os dois.

Quando voltamos a Corumbá, gravamos entrevistas biográficas em vídeo com Eufrásia


e com sua prima, Jaci. Além disso, elicitamos dados durante mais alguns dias com Eufrásia.
Pela primeira vez, ela contou uma narrativa inteira em Guató. Conseguimos elicitar várias e
novas construções morfossintáticas. Entre estas, a construção que mais chamou a nossa atenção
foi a de predicação nominal. Descobrimos que os nomes, na função de predicado, recebem as
mesmas marcas de concordância pessoal que os verbos intransitivos. Além disso, coletei
bastante material linguístico relativo a palavras que expressam propriedades, que usarei na
minha dissertação. De modo geral, essa viagem foi muito produtiva. Seu prosseguimento e
resultados são tratados por mim em mais detalhes em relatório específico.

Referências

Kislowski, Julio. 1895. Tres semanas entre los indios Guatós. Revista del Museo de La Plata
VI, La Plata, pp.221-250.

Monoyer, E. 1905. Les Indiens Guató du Matto-Grosso. Journal de la société des américanistes
Ns. 2: pp. 155-158.

Palácio, Adair. 1984. Guató: a língua dos índios canoeiros do rio Paraguai. Tese de doutorado.
Campinhas: Unicamp

Postigo, Adriana. 2009. Fonologia da língua Guató. Dissertação de mestrado. Três Lagoas:
UFMS

Schmidt, Max. 1905.Indianerstudien in Zentralbrasilien: Erlebnisse und ethnologische


Ergebnisse einer Reise in den Jahren 1900 bis 1901. Berlin: Dietrich Reimer (Ernst Vohsen)

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