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Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, v. 28, n. 4, p.

541-553, (2006)
www.sbfisica.org.br

Os princı́pios fundamentais ao longo da História da Fı́sica


(The fundamental principles of physics and the History of Physics)

José Plı́nio Baptista1


Departamento de Fı́sica, Universidade Federal do Espı́rito Santo, Vitória, ES, Brasil
Recebido em 23/2/2006; Aceito em 29/5/2006

Ressaltamos a natureza empı́rica dos princı́pios da Fı́sica, emfatizando sua independência quanto à sua apli-
cabilidade, caracterı́stica que os acompanham ao longo da história da própria Fı́sica. Fazemos também uma
revisão das diferentes roupagens destes princı́pios no desenvolvimento de algumas teorias fı́sicas.
Palavras-chave: história da ciência, história da fı́sica, mecânica clássica.

We point out the empirical nature of the fundamental principles of physics and emphasize the independence
of this principles from theories and its formalization. We give also different expressions for these principles
associated to different formulations of some physical theories.
Keywords: history of science, history of physics, classical mecanics.

1. Introdução mentários ou justificativas sobre a sua presença nos dis-


cursos. Entretanto são princı́pios, de igual natureza que
As ciências naturais, a Fı́sica principalmente, têm suas as mais sofisticadas afirmativas do mesmo gênero.
estruturas construı́das sobre bases sólidas recobertas Um princı́pio em Fı́sica, decorre na maior parte dos
por uma malha teórica que liga todos os elementos ao casos, da observação direta do que ocorre na natu-
complexo total. É uma ciência empı́rica que, natural- reza, ditado pelo encadeamento dos fenômenos e não
mente se apóia nos dados da observação e constrói sua é conseqüência de nenhuma dedução lógica, o que si-
estrutura teórica por meio do método indutivo. gnifica que um princı́pio não se explica, não se inter-
Estas bases sólidas são constituı́das pelos Princı́- preta. O filósofo positivista Ernst Mach, em seu estudo
pios. Estes princı́pios revelam o que há de mais objetivo da mecânica deixa claro o status do conceito quando
em toda construção cientı́fica, e a posse do seu conhe- afirma [1]:
cimento traz ao seu possuidor a noção clara e segura
dos fundamentos da ciência. A Fı́sica é o exemplo mais Quando em todos os fatos observados nós
claro desta afirmativa. encontramos sempre, e de uma maneira
Todo discurso cientı́fico sobre fatos ou fenômenos perfeitamente clara e certa, um princı́pio
descritos ou interpretados teoricamente se faz acom- que não é demonstrado mas tal que po-
panhar, praticamente em todas as etapas do discurso demos constatar a existência, nós pene-
ou dedução teórica, da inevitável presença de algum tramos muito mais profundamente na con-
princı́pio. Por exemplo: cepção lógica da natureza reconhecendo a
existência deste princı́pio do que nos dei-
Dois corpos distintos não podem ocupar o
xando levar por um arremedo de demons-
mesmo lugar no espaço e ao mesmo tempo.
tração.
É o princı́pio da impenetrabilidade da matéria. Ou,
do mesmo gênero, se diz que: Um exemplo ilustrativo desta sentença nos é forne-
cido por Einstein no ato da fundação da teoria da re-
Um corpo não pode ocupar ao mesmo latividade, que, após meditar nos resultados de certas
tempo dois lugares distintos no espaço. experiências, afirmou que:

Estas são afirmativas elementares que estão impre- A velocidade da luz é uma constante uni-
gnadas na nossa mente e que dispensam quaisquer co- versal.
1 E-mail: pliniobaptista@terra.com.br.
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A aceitação desta afirmativa como um princı́pio Na cosmogonia religiosa ocidental, existem duas
da Fı́sica, possibilitou Einstein compreender todos os grandes correntes conflitantes e tais que, uma confirma
fenômenos decorrentes da comparação entre medidas o aforisma, enquanto que a outra o rejeita.
feitas por observadores distintos e situados em referen- A cosmogonia que rejeita esta proposição é a cos-
ciais em movimentos relativos e a conseqüente genera- mogonia originária do pensamento judaico-cristão. Sob
lização da mecânica newtoniana, criando uma mecânica esta perspectiva, o universo foi criado do nada. E as-
relativı́stica. sim, do nada se tirou tudo! Do nada fez-se a luz, as
Dependendo do aprimoramento do edifı́cio cientı́fico águas, as terras, as estrelas e todos os astros do uni-
de uma teoria onde um determinado princı́pio se aplica, verso. O próprio tempo, segundo Santo Agostinho, foi
é possı́vel expressar matematicamente este princı́pio, criado nessa ocasião.
ou seja, encontrar uma maneira de apresentá-lo sob A outra corrente é formada por todas as seitas que
forma compacta e elegante. Muitas vezes a roupagem derivam, direta ou indiretamente, do neo-platonismo.
dada ao princı́pio é tão bem apresentada que um lei- Nestas, coerentemente com a filosofia de Platão, Deus,
tor desavisado pode facilmente ser levado à idéia de partindo da matéria primordial, já existente, deu-lhe
que tal princı́pio decorre logicamente da teoria, o que forma e função, e construiu o universo. O próprio
é incorreto. Por outro lado, encontramos exemplos de tempo já existia segundo esta filosofia, porém Deus
princı́pios que perdem seus status por serem obtidos criou os astros para que seus movimentos em torno
como conseqüência direta de uma teoria mais geral. do centro do mundo pudessem servir para preservar o
É o caso do princı́pio de Arquimedes, cuja expressão número do tempo.(Timeu de Platão, [2]).
pode ser deduzida por aplicação da teoria newtoniana Nesta filosofia de Platão o universo é eterno, in-
dos meios contı́nuos. É um teorema, que explica e in- corruptı́vel, e todo seu conteúdo material corresponde
terpreta este antigo princı́pio. Além do mais e como exatamente à medida da quantidade total da matéria
veremos em inúmeras ocasiões, as teorias elaboradas e primordial usada na sua formação. A idéia central é a
fundamentadas em princı́pios são construı́das em per- transformação, onde se exclui a criação e a destruição
feita conformidade com os princı́pios que as precedem. de matéria
Porém, como o dissemos mais acima, um princı́pio não Uma teoria, não religiosa e com estas caracterı́sticas,
pode ser nem explicado nem interpretado. Se o for, apareceu na formulação da cosmogonia de Anaximan-
deixa de ser um princı́pio. dro de Mileto (séc.VI a.C.), [3]. A substância primor-
Vamos examinar, nos capı́tulos seguintes, os diferen- dial de sua teoria, o Ápeiron, sofrendo a ação de algum
tes princı́pios, seus conteúdos e suas expressões formais. processo, gera, a partir dele próprio, toda a matéria
do universo bem como sua organização. Com o passar
2. Os princı́pios ao longo da história da do tempo este universo se corrompe, e recompõe a
Fı́sica matéria primordial, reintegrando o Ápeiron. Em ou-
tras palavras “tudo provém do Ápeiron e tudo retorna
Apesar da carência de instrumentos e meios observacio- ao Ápeiron”. Nada é destruı́do, mas transformado.
nais, os antigos filósofos se valiam de princı́pios que os Esta restrição, imposta às transformações que ocor-
guiavam na elaboração de suas teorias sobre o mundo, rem envolvendo a matéria do universo, gerou um dis-
principalmente o mundo fı́sico. positivo teórico de valor essencial para a ciência mo-
Do ponto de vista prático estes princı́pios funcio- derna, em especial para a Fı́sica. Trata-se das Leis ou
nam como um critério que permite identificar o modo Princı́pios de Conservação, como veremos mais adiante.
como a natureza funciona, como um critério de separa- Podemos constatar que todos os filósofos que ela-
bilidade visando isolar, entre os processos imagináveis boraram teorias cosmogônicas propondo a descrição
que possam ocorrer na natureza, aqueles considerados da formação do universo respeitaram rigorosamente ao
como cientificamente viáveis. São, poderı́amos dizer, princı́pio de que do nada, nada se tira. Encontra-
condições restritivas. mos explicitamente nas teorias de Tales, Anaxı́menes,
A construção do saber ao longo da História propor- Demócrito, Empédocles, Anaxágoras, para mencionar
cionou várias ocasiões onde o homem tomou contacto só os chamados pré-socráticos [3].
com condições restritivas que disciplinam seu esboço da Destes, Anaxágoras teve um papel especial por que
estrutura teórica da natureza. Estas condições restriti- queria adotar como matéria primordial um corpo in-
vas têm origem em épocas bastante remotas da história finito formado pelas sementes que continham todas
do pensamento cientı́fico, como exprime o aforisma for- as propriedades da matéria que hoje encontramos no
mulado na aurora daqueles tempos, mundo. E para isso ele teria que comprovar a ine-
xistência do vácuo, este grande vazio que existe entre
Do nada, nada se tira.
as coisas, entre o Sol, a Lua e a Terra etc., que se acre-
e a sua validade perdura no espı́rito humano, mesmo ditava ser ar, na concepção então vigente. Anaxágoras
nos tempos atuais em que a ciência atinge um alto grau tomou uma vasilha, um vaso e mergulhou na água com
de sofisticação. a boca para baixo e notou que a água não preenchia
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todo o espaço do interior da vasilha. Fez um orifı́cio no restringem à natureza das interações que eles estão en-
fundo do vaso e quando o mesmo foi emborcado na água volvidos. Os princı́pios explicitamente indicados acima
retirou a tampa do orifı́cio e a água tomou todo o inte- têm a caracterı́stica fundamental de se revelarem de
rior do vaso. E com isto ele provou que o ar é corpóreo aplicação universal, independente da natureza das in-
e que a água antes não penetrava porque corpos dife- terações.
rentes não podem ocupar o mesmo lugar no espaço ao
mesmo tempo. 3.1. A conservação da massa na Quı́mica2
Ou seja, a aplicação de um singelo princı́pio da
Fı́sica permitiu ao filósofo descobrir o importantı́ssimo O primeiro princı́pio envolvendo a matéria e suas trans-
fato revelando a natureza do ar. formações foi descoberto pelo quı́mico francês A.L. La-
voisier (1743-1794)3 . Lavoisier é considerado o pai
da Quı́mica moderna e as suas pesquisas contribuı́ram
3. Princı́pios de conservação fundamentalmente para emancipar a Quı́mica dos
resquı́cios ainda medievais que tolhiam o seu desabro-
Entre os princı́pios da Fı́sica já descobertos e for- char como ciência moderna. Além de uma volumosa
mulados em termos teóricos se destacam os chama- produção cientı́fica, Lavoisier confirmou experimental-
dos Princı́pios de Conservação que estabelecem a pre- mente alguns resultados anteriores, como por exemplo,
servação de grandezas independentes do ponto de vista dos trabalhos de J. Priestley (1733-1804) e H. Caven-
do observador ou da maneira de representar estas gran- dish (1731-1810)4 . Lavoisier repetiu suas experiências
dezas. Estes princı́pios são fundamentais para a cons- sobre a composição da água e, confirmando seus resul-
trução da teoria da ciência. tados, deu nomes modernos a seus componentes - para
Por outro lado, o enunciado de um princı́pio mesmo o ar inflamável: hidrogênio, gerador de água - e para o
sendo ele de natureza totalmente empı́rica pressupõe ar deflogisticado: oxigênio, gerador de ácidos.
o uso mı́nimo de teoria na expressão formal das gran- Porém a mais famosa conquista de Lavoisier foi a
dezas envolvidas no texto do princı́pio. É o caso clássico descoberta experimental de que:
da velocidade ou da quantidade de movimento de uma
partı́cula. Entretanto, isto não significa que o princı́pio a massa total dos componentes em uma
seja uma conseqüência de alguma teoria. reação quı́mica é invariável, sempre se con-
Os enunciados modernos, expressando os princı́pios serva, qualquer que seja a reação quı́mica
de conservação, ganharam seus aspectos formais a par- realizada5 .
tir do renascimento, surgindo sobretudo nas ciências de
É a famosa lei da conservação da matéria.
fundamentos empı́ricos, como a Fı́sica, Quı́mica, ou a
Verificou-se mais tarde que esta descoberta não é
Biologia. No que concerne à Fı́sica o domı́nio de apli-
apenas uma lei restrita à Quı́mica, mas que ela está
cabilidade dos seus princı́pios se estende à mecânica
contida num dos princı́pios mais importantes de toda
celeste, à astrofı́sica e até à cosmologia.
a Fı́sica, pois, como será mostrado, ela é o fundamento
Vários princı́pios de conservação foram descobertos
de um princı́pio de conservação formulado um século e
e expressos formalmente ao curso da evolução histórica
meio mais tarde, no contexto da teoria da relatividade,
das ciências, e, na Fı́sica, estes princı́pios ganharam
por Albert Einstein (1879-1955).
roupagem e linguagem matemática cuja forma evidente-
mente depende do estágio da evolução da teoria Fı́sica.
De um modo geral na mecânica estes princı́pios se apre- 3.2. Conservação do momento linear
sentam formalmente como: René Descartes (1596-1642), considerado o pai da filoso-
1. Princı́pio da conservação da massa. fia moderna, produziu inúmeras contribuições à ciência,
2. Princı́pio da conservação do momento total. além de exibir ao mundo seu sistema filosófico baseado
3. Princı́pio da conservação da energia. na famosa dúvida cartesiana.
Como veremos mais adiante, estes princı́pios à luz A sua maior descoberta na Fı́sica foi o Princı́pio de
das teorias modernas, se relacionam em seus fundamen- Inércia e na mesma oportunidade em que enuncia este
tos de forma a comporem um princı́pio teórico geral princı́pio ele introduz, simultaneamente, o Princı́pio da
de conservação. As ciências de bases empı́ricas en- Conservação do momento linear ou da quantidade de
contraram, ao curso de sua evolução, os mais variados movimento. Vamos transcrever os enunciados cartesia-
princı́pios de conservação, cujas validades, porém, se nos [4]:
2 Apesar de estarmos concentrados no estudo dos princı́pios em Fı́sica, inserimos este exemplo em Quı́mica por que este princı́pio de

conservação posteriormente estará contido na expressão mais geral da conservação da energia em Fı́sica.
3 Lavoisier, por ter sido coletor de impostos durante a monarquia, foi condenado à morte pelo tribunal da revolução francesa. Foram

feitas muitas petições em seu favor, alegando seu prestı́gio cientı́fico e os serviços prestados à ciência. O juiz, alegando que “a república
não necessita de sábios” mandou que se cumprisse a lei.
4 Descobrem o ar fixo e o ar inflamável, bióxido de carbono e o hidrogênio respectivamente.
5 Nos manuais escolares é sempre expressa na frase: ‘na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma’.
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1. Deus, quando criou o universo de extensão infinita referencial que se desloque com velocidade retilı́nea e
lhe conferiu também um movimento. A quanti- uniforme em relação ao primeiro. Este é um aspecto
dade de movimento total criada é imutável, não importante e reflete explicitamente a contribuição das
podendo aumentar nem diminuir; porém, local- idéias cientı́ficas de Galileu Galilei sobre a relatividade
mente, o movimento de um corpo pode ser al- do movimento.
terado pela troca com outro e enquanto um deles Veremos mais adiante que a aplicação formal
perde movimento o outro ganha a mesma quanti- deste princı́pio permite conhecer o estado de um sis-
dade. tema resultante das interações ocorridas entre algu-
2. Cada corpo permanece em seu estado de movi- mas partı́culas pertencentes ao sistema, sendo conhe-
mento retilı́neo – que é a forma geométrica mais cido seus estados iniciais. O Princı́pio de Conservação
simples criada por Deus ao dar partida ao movi- se revela, deste modo, um instrumento seguro para a
mento geral – permanecendo neste estado até que pesquisa teórica.
o corpo seja afetado por uma força externa.
Esta última sentença é cientificamente conhecida
3.3. Conservação do momento angular
como Princı́pio de Inércia e pode ser representada ex-
plicitamente pela primeira lei do movimento enunciada
A lei de conservação associada ao movimento de um sis-
por Newton na sua obra Princı́pios Matemáticos de Fi-
tema isolado de partı́culas assume uma expressão par-
losofia Natural.
ticular se o movimento for de rotação instantânea em
Exercendo um abuso de liberdade didática po-
torno de um centro. Neste caso ela exprime que a quan-
derı́amos dizer que a sentença número 2 traduz também
tidade total de momento angular do sistema isolado é
uma lei de conservação que poderia ser enunciada como:
constante, ou seja, se L for a magnitude do momento
Princı́pio da Conservação do estado de movimento de
angular total do sistema, então este valor será constante
uma partı́cula isolada.
no tempo.
Já a primeira sentença declara que nas condições
pré-estabelecidas, isto é, num sistema isolado, a quan- O momento angular, ou quantidade de movimento
tidade de movimento total é uma constante, ou seja, se rotacional de uma partı́cula em relação a um ponto fixo
esta quantidade tiver a magnitude P num dado instante qualquer é, por definição, l = r × p onde r é o ve-
o seu valor será P em qualquer instante posterior6 . tor de posição instantânea da partı́cula em relação ao
O momento linear, ou quantidade de movimento, ponto. Então se p1 , p2 . . . pn e r1 , r2 , . . . rn forem os
de um corpo de massa m e velocidade v, é definido por momentos lineares das partı́culas com suas posições ins-
Descartes como p = mv. Consideremos então um con- tantâneas em um sistema isolado, o momento angular
junto isolado de n partı́culas de massas e velocidades total será escrito como L = l1 + l2 . . . ln que será
iguais a m1 , m2 , ..., e v1 , v2 , ..., então o momento li- constante no referencial considerado ou em qualquer
near total deste sistema isolado de partı́culas será dado referencial animado de um movimento retilı́neo e uni-
por [6] forme em relação ao primeiro.
Vemos claramente que estas expressões da lei de
conservação envolvendo o momento linear ou o mo-
P = m1 v1 + m2 v2 + ... + mn vn = C. mento angular podem ser obtidas a partir da segunda
Por outro lado, se, durante a evolução do sistema, lei do movimento da mecânica newtoniana, supondo
as partı́culas tiverem suas velocidades alteradas, como que a soma das forças que atuam na partı́cula, ou nas
por exemplo, v1 → v1 , v2 → v2 , etc., a soma dos partı́culas, é nula. Porém deve ser bastante esclare-
momentos lineares será ainda constante, ou seja, cido que isto não significa que a lei da inércia e da
conservação do momento são conseqüências das leis de
Newton, mas sim que as leis de Newton são compatı́veis
m1 v1 + m2 v2 + m3 v3 + ... + mn vn = P = C. com os princı́pios cartesianos, os quais, como já foi dito,
Estas mudanças de velocidades das partı́culas po- foram descobertos independentemente das leis newto-
dem ser causadas por colisões entre elas próprias, ou nianas do movimento. A lei da inércia é um Princı́pio
pelo fato de que o observador saiu do referencial onde da mecânica, isto é, é uma proposição que exprime um
este sistema era observado e passou para um outro refe- comportamento básico e fundamental de um conjunto
rencial animado de um movimento retilı́neo e uniforme de partı́culas isoladas, independentemente das leis de
em relação ao primeiro. movimento que as mesmas estão sujeitas.
Esta última observação destaca o fato de que o mo- René Descartes descobriu este princı́pio antes que
mento linear total de um sistema de partı́culas isola- Newton formulasse a sua teoria da mecânica. É um dos
das é constante e será também constante em qualquer princı́pios básicos da Fı́sica.
6 Descartes não tinha uma noção clara do conceito de massa de um corpo, o que lhe acarretou dificuldades de interpretação nos

exemplos que ele próprio propõe para ilustrar a conservação do momento linear (M. Tonnelat, [5]).
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3.4. Conservação das forças vivas onde U , que é a soma da energia cinética total com a
energia potencial total, é a energia interna do sistema
As primeiras relações formais envolvendo o que hoje se de partı́culas. Em outras palavras se o sistema formado
conhece como Energia foram descobertas por C. Huy- por n partı́culas for isolado sua energia interna é cons-
ghens (1629-1695). Depois de meditar muito sobre a tante, isto é
descoberta de Galileu de que todo corpo de peso p dei-
xado cair de uma altura H e ao longo de um plano U = UO = Const.,
inclinado atinge a mesma altura H no seu retorno, Huy-
ghens descobriu que o trabalho realizado pelo peso so- onde
bre o corpo em queda é igual à metade da força viva

adquirida pelo mesmo ao longo da queda. U = U1 + U2 + U3 + ... Un = Ui .
n
1
pH = m v2 . Do ponto de vista formal esta relação deverá so-
2
frer uma modificação se o sistema for formado por
Esta importante expressão7 da relação trabalho- um número muito grande de partı́culas. Nestas cir-
energia foi também descoberta independentemente por cunstâncias teremos que tratar de valores médios e,
outros pesquisadores, em particular por G.W. Leib- neste caso, a representação da ação do meio exterior
niz8 (1646-1716) que, na ocasião, deu o nome de Força sobre o sistema deverá ser composta por uma parte
Viva, à expressão mv 2 . Mais tarde, Lord Kelvin, W. dada pela expressão tradicional do trabalho de uma
Thomson (1824-1907), mudou-lhe o nome para Ener- força e por outra parte por uma grandeza chamada de
gia. Neste caso esta energia recebe o nome de energia Calor. Veremos este caso especificamente no parágrafo
cinética, energia do movimento. seguinte.
A expressão escrita mais acima ficou conhecida
como o Teorema das Forças Vivas. A generalização 3.5. Primeira lei da termodinâmica
desta expressão, estendida às forças variáveis, foi dedu-
zida por Daniel Bernoulli (1700-1782). Em 1824, um jovem engenheiro francês, N.L. Sadi Car-
O emprego de forças variáveis resulta na expressão not (1796-1831)9 publicou os resultados parciais de suas
que relaciona o trabalho desenvolvido pela força apli- pesquisas sob o tı́tulo Reflexões sobre a Potência Motriz
cada a uma partı́cula com a variação total da sua ener- do Fogo, onde, estudando o desempenho das máquinas
gia cinética ao longo da duração da ação da força. térmicas, ele concluiu pela existência de uma equi-
No caso de um conjunto de n partı́culas o trabalho valência constante entre o calor absorvido ou cedido
de todas as forças atuantes nas partı́culas produz a va- pela máquina e o trabalho gerado ou absorvido no pro-
riação da energia cinética total do sistema dada por cesso. Pouco tempo depois foi a vez de J.P. Joule (1818-
1889) comunicar os resultados de suas experiências afir-
mando que quando uma quantidade de força viva é
Ef − Ei = W,
aparentemente destruı́da, é produzida uma quantidade
onde Ei e Ef são as energias cinéticas totais, antes e equivalente de calor, e, além do mais, a relação per-
depois da realização do trabalho. No caso em que o manece válida para o processo inverso. É a conhe-
trabalho seja nulo temos que cida Equivalência Térmica do Trabalho ou Equivalência
mecânica do Calor10 .
Ei = Ef = Const. Com a força viva recém batizada com o nome de
energia, a lei de equivalência confirma a interpretação
Em outras palavras a energia cinética total de um dada mais acima de que o calor como sendo uma forma
sistema isolado de n partı́culas é constante. Se, por de energia, a energia térmica, considerada como uma
outro lado, as partı́culas do sistema se interagirem de energia em trânsito.
maneira que a energia total do conjunto seja a soma Num sistema de muitas partı́culas e nos processos
da energia cinética total com a energia potencial total, de trocas de calor e trabalho com o meio exterior , con-
então segue que forme já foi visto, um elemento envolvido no processo
e que deve ser levado em conta é a sua energia interna
U − UO = W, U que agora é expressa em valores médios. Pode-se
7 Huyghens também não dispunha de uma boa definição de massa de um corpo de maneira que no segundo membro da expressão

figurou a relação entre o peso do corpo e a aceleração da gravidade, em lugar da massa [1].
8 7Leibniz publicou um trabalho tentando mostrar que, ao contrário do que foi dito por Descartes, não é o momento linear que se

conserva no movimento livre de um corpo, mas a sua “força viva” mv 2 (ver E. Mach, [1], p. 270).
9 Carnot tinha a idade de 28 anos quando publicou suas reflexões que serviram de base para esta importante disciplina da Fı́sica que

é a termodinâmica. Faleceu com a idade de 35 anos, colhido por um surto de cólera que assolou a França.
10 Em um artigo publicado nos Cadernos de Hist. e Filos. da Ciência sobre a contribuição de J.R. Mayer à construção do Princı́pio

de Conservação da Energia, R.A. Martins apresenta uma clara situação do empenho e desencontros de Mayer e de vários cientistas na
busca desta lei fundamental da natureza [7].
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constatar experimentalmente a existência desta ener- nos processos são conhecidas em valores médios e não
gia interna, martelando-se uma peça metálica. O metal são valores instantâneos e por essa razão a constante,
produz uma quantidade de calor que é correspondente diferentemente das expressões da página anterior, tem
à variação da energia interna do corpo provocada pela o valor zero. A expressão acima é apenas uma maneira
ação do martelo. de apresentar a lei da conservação da energia formal-
O balanço energético destes processos é represen- mente semelhante às expressões dos outros princı́pios
tado pela equação abaixo. Se o sistema for observado já estudados. Porém para uso prático desta lei de con-
entre dois instantes, fazendo Ui a energia interna to- servação, a primeira expressão é mais adequada.
tal inicial do corpo e Uf a energia interna final, e W o Devemos observar que este balanço energético surge
trabalho produzido e Q o calor gerado11 , então, diretamente da experiência, ou seja, não é deduzido de
nenhuma teoria12 . É o que se pode denominar essen-
Uf − Ui = W + Q. cialmente de uma Lei Empı́rica. É fácil também veri-
ficar que a sua validade é universal e engloba todas as
Se chamarmos de ∆U a variação da energia interna, transformações dos sistemas fı́sicos, envolvendo ou não
escrevemos [8] produção de calor. É o que foi chamado por Helmholtz
de Princı́pio Universal da Natureza.
∆U = W + Q. Podemos agora notar que na época em que Helm-
Esta expressão é a representação formal do Princı́pio holtz escreveu seu artigo sobre a universalidade do
da Conservação da Energia, escrita na forma usual, e princı́pio a energia ainda era chamada de Força
é chamada de Primeira Lei da Termodinâmica. No- ( quando a energia estiver associada ao movimento era
vamente estamos em face de um Princı́pio da Fı́sica, chamada de Força Viva).
um dos princı́pios mais importantes, representado pela Finalmente devemos lembrar que existe uma coleção
expressão acima que é apenas o o registro simples do imensa de transformações que satisfazem a Primeira
balanço existente entre as quantidades envolvidas no Lei da Termodinâmica escrita mais acima. Vamos ilus-
processo. É uma expressão geral, independente de toda trar esta situação com dois exemplos simples que nos
teoria usada para descrever o processo e tem validade permitirão tomar uma decisão a respeito destas trans-
universal e que descreve a relação entre todas as formas formações.
de energia envolvidas no processo. Consideremos um sistema rı́gido, isolado das vi-
Em uma segunda leitura a expressão acima poderia zinhanças, isto é ST = S, formado por dois blocos de
ser escrita do modo semelhante ao que já foi feito para mesmo material e em contacto. O bloco (1) está à tem-
os princı́pios de conservação vistos anteriormente. As peratura T1 e tem energia interna U (T1 ). O bloco (2)
trocas energéticas e interações dos sistemas descritos apresenta temperatura e energia interna: T2 e U (T2 ) e
pela primeira lei da termodinâmica, envolve o sistema tais que U (T1 )  U (T2 ) com T1 > T2 . Vamos imaginar
e sua vizinhança, que é fornecedor ou receptor de tra- duas transformações decorrentes do contacto dos dois
balho ou de calor envolvidos no processo. Se definirmos blocos e que satisfazem, cada uma delas, à equação da
o sistema total ST formado pelo sistema acima definido primeira lei da termodinâmica.
e também pela vizinhança
1a Transformação:
ST = Sistema S + Vizinhança,
Imaginemos a transferência de calor Q do bloco (2) de
podemos considerar o sistema ST um sistema isolado. temperatura mais baixa para o bloco (1) de tempera-
Então será possı́vel escrever tura mais elevada. A primeira lei da termodinâmica diz
que
A soma total das energias envolvidas num
processo qualquer em um sistema isolado é Q = ∆U,
constante e igual a zero,
respeitados os sinais. Então, teremos para o bloco (1),
ou seja
U (T1 ) = U (T1 ) + ∆U,
 e para o para o bloco(2),
Ei = E1 + E2 + E3 = ∆U + W + Q = Cte. = 0,
U (T2 ) = U (T2 ) − ∆U.
onde os sinais convencionados anteriormente estão em-
butidos nos termos da expressão. É preciso sublinhar, Adicionando as duas equações vemos que o resul-
repetimos, que as quantidades de energias envolvidas tado final mostra que
11 O trabalho e o calor envolvidos nesta equação obedecem a uma convenção de sinais: o calor é negativo se o sistema perde calor; o

trabalho é negativo se o meio exterior realiza trabalho sobre o sistema.


12 É exatamente a circunstância descrita por Mach, mencionada mais atrás.
Os princı́pios fundamentais ao longo da História da Fı́sica 547

de lei seletiva que pudesse distinguir a transformação


U (T1 ) + U (T2 ) = U (T1 ) + U (T2 ), que é fisicamente realizável da que não é. Este critério
chama-se Segunda Lei da Termodinâmica e foi formu-
ou seja, a energia interna total é constante. É um re-
lado de diversas formas pelos estudiosos do assunto.
sultado que condiz com a situação fı́sica: num sistema
A proposta feita por J.R.E. Clausius (1822-1888) é
isolado, rı́gido, a sua energia interna é constante.
baseada justamente no fato observado de que

2a Transformação: Nenhum corpo pode, naturalmente, aquecer


Nos mesmos blocos e temperaturas consideremos a outro corpo de temperatura mais elevada.
transferência de energia térmica no outro sentido, de
forma que o bloco (1) perde energia interna e o outro Em outras palavras, tomada esta afirmativa como
ganha energia interna. critério para separar os processos fisicamente possı́veis,
Considerando que a transformação é ainda de uma podemos analisar qualquer processo que envolve troca
transferência de energia térmica teremos, pela primeira de calor, trabalho e energia interna e concluir que o
lei, mesmo será fisicamente inviável se o resultado final do
processo implicar na transferência natural de calor de
U (T1 ) = U (T1 ) − ∆U, um corpo mais frio para outro mais quente.

e para o outro bloco,


4. Princı́pios de conservação relativı́sti-
U (T2 ) = U (T2 ) + ∆U. cos
Novamente adicionando membro a membro, temos Os princı́pios de conservação têm a propriedade de re-
velar o que é permanente e imutável na realidade cam-
U (T1 ) + U (T2 ) = U (T1 ) + U (T2 ). biante da natureza. É neste aspecto que reside a quali-
Vemos que, novamente, a energia interna é cons- dade essencial desta importante descoberta cientı́fica.
tante. Ainda neste caso, identificamos uma tempe- O advento da teoria da relatividade em 1905 intro-
ratura onde as energias internas dos dois blocos se duziu modificações conceituais na Fı́sica e exibiu uma
igualam. Temos nova visão dos princı́pios de conservação revelando sua
significação mais profunda e destacando seu papel fun-
U (T ) = U (T1 ) − ∆U, damental na descrição dos fenômenos da natureza.

4.1. Conservação do momento relativı́stico


U (T ) = U (T2 ) + ∆U,
Nesta nova visão, os conceitos básicos, como tempo,
ou seja,
espaço, massa e energia, adquiriram novas roupagens e
significação que, obrigatoriamente, provocaram impor-
2 U (T ) = U (T1 ) + U (T2 ).
tantes modificações nos princı́pios de conservação e nas
O resultado final mostra que, neste último caso, a suas representações formais.
energia interna total ainda se mantém constante e igual A nova visão relativı́stica do mundo dos fenômenos
a duas vezes a energia interna à temperatura média T . fı́sicos trouxe uma mudança radical de modo que o con-
Conclusão: temos duas transformações que satisfa- texto geométrico tridimensional antigo foi substituı́do
zem cada uma em separado à primeira lei da termo- pelo espaço quadridimensional: o espaço-tempo. Eins-
dinâmica, porém são fundamentalmente diferentes. tein mostrou que é o evento fı́sico - um ponto no
Nunca foi experimentalmente observado que um espaço-tempo - que tem uma existência objetiva, sendo
corpo frio aquecesse naturalmente um corpo mais portanto convenientemente descrito no tempo e no
quente. Pelo contrário, o que se observa na natureza espaço dentro de uma realidade geométrica a quatro
é o corpo frio ser aquecido pelo corpo mais quente. Em dimensões. Desta forma, como os fenômenos fı́sicos
outras palavras, a energia térmica é sempre transferida são constituı́dos de eventos que se sucedem e se harmo-
naturalmente do corpo de temperatura mais elevada nizam no espaço-tempo, as leis básicas que descrevem o
para o corpo de temperatura mais baixa. É uma trans- comportamento essencial das transformações da natu-
formação se realizando no sentido natural, e que indica, reza devem, necessariamente, ser expressas em lingua-
ao mesmo tempo, o sentido da evolução natural dos gem quadridimensional para que seu significado formal
estados do sistema, na sua tendência ao equilı́brio. alcance sua maior generalidade.
Com estes dois exemplos podemos imaginar que há Para que se possa exprimir a soma dos momentos
uma infinidade de transformações satisfazendo a pri- lineares de um sistema de partı́culas, devemos inicial-
meira lei, mas nem todas são fisicamente viáveis. É mente escrever as expressões relativı́sticas do momento
esta a razão de que tenha se imaginado uma espécie e da energia. Tendo em conta que a massa de uma
548 Baptista

partı́cula depende da velocidade, a expressão do mo- Para α = 1, 2, 3, teremos a conservação dos mo-
mento tridimensional relativı́stico pode ser escrita como mentos lineares (relativı́sticos), e para α = 4 temos a
expressão da conservação da energia total do sistema
m0
pi = m v i (i = 1, 2, 3) → m =  ,  
1− v2 Pf = pfi = K f e P4 = p4i = K 4 ,
c2
i i

onde m0 é a massa de repouso da partı́cula. onde K j e K 4 são quatro constantes. Os ı́ndices f = 1,


Esta partı́cula transporta uma quantidade de ener- 2, 3 caracterizam as três componentes espaciais dos mo-
gia total dada por mentos lineares. A segunda relação representa a soma
das energias das partı́culas do conjunto
m0 c2
E =  = m c2 .
v2
1 − c2 E  Ei
P4 = = → E = m1 c2 + m2 c2 + ...
c c
O momento linear (quadridimensional) de uma i
partı́cula se apresenta agora como um vetor a quatro + mn c2 = K  .
componentes e se escreve como
Estas relações valem para o observador próprio e
E para todos os observadores em translação uniforme em
P α = (p1 , p2 , p3 , p4 = ), relação ao primeiro, ligados por transformações de Lo-
c
que engloba na mesma expressão matemática as com- rentz.
ponentes do momento linear definido mais acima e a Devemos observar que a aplicação do princı́pio de
energia carregada pela partı́cula. É o chamado quadri- conservação é feita num referencial escolhido, enquanto
vetor impulso-energia. que a sua forma é invariante para todos os referenciais
Por outro lado a energia total de uma partı́cula pode inerciais. São duas situações distintas. Em particular,
ainda ser escrita sob a forma se as relações forem escritas num referencial em movi-
mento relativo com respeito ao referencial mais acima, a
 soma dos momentos e a soma das energias serão expres-
E = c p2 + m20 c2 , sas com os termos modificados pelas transformações de
e, sendo Ek a sua energia cinética, a sua energia total Lorentz e terão valores constantes K j e K  diferentes
também poderá ser escrita como das constantes escritas acima.
A aplicação dos princı́pios de conservação na análise
E = Ek + m0 c2 . da colisão entre partı́culas permite escrever, para o caso
de duas partı́culas em choques elásticos observados num
Consideremos agora um sistema isolado formado referencial fixo que
por partı́culas de momentos lineares p1 , p2 , etc., e
de energias E1 = m1 c2 , E2 = m2 c2 , etc., então,  
desprezando as energias das interações, as leis de con- ( p̄i )antes do choque = ( pi )depois do choque ,
i i
servação do momento e da energia se escrevem como
e
 
 ( Ei )antes do choque = ( Ei )depois do choque
Piα = P1α + P2α + . . . + Pnα = K α , i i
i
Este balanço de momentos e energias é feito num
onde K α são quatro constantes (α = 1, 2, 3, 4) e Piα mesmo referencial. Para o caso de duas partı́culas, te-
são as quatro componentes do vetor Impulso-energia mos
da i -ésima partı́cula, cujas componentes como vimos
mais acima são as componentes espaciais dos momen- p1 + p2 = p1 + p2
tos lineares relativı́sticos e a componente temporal é a
e, para as energias, usando a expressão para a energia
energia total da i -ésima partı́cula dividida por c.
Ei = Ek(i) + m0(i) c2 , podemos escrever
Embora a expressão formal da lei de conservação
se escreva no espaço-tempo de forma compacta, englo- Ek1 + m01 c2 + Ek2 + m02 c2 =
bando simultaneamente a conservação do momento, da 
Ek1 + m01 c2 + Ek2

+ m02 .
energia e da massa, a sua aplicação prática envolvendo
as medidas efetivas das grandezas envolvidas requer a Esta expressão envolve, além da energia cinética, a
escolha de um referencial onde estas medidas são toma- energia de repouso das partı́culas. Deve ser notado que,
das. Neste caso, neste referencial a expressão quadridi- numa interação por colisão, as massas de repouso das
mensional se decompõe em três expressões espaciais e partı́culas em geral não se conservam, o que significa
uma temporal. evidentemente que a soma das massas de repouso do
Os princı́pios fundamentais ao longo da História da Fı́sica 549

sistema depois do choque não é igual à soma das mas- nos processos de colisão. Além das transformações
sas antes do choque. produzidas por colisões ocorre também transformações
Para as colisões não elásticas, a soma das energias espontâneas conseqüência da instabilidade de certas
cinéticas sofre uma alteração como conseqüência da co- partı́culas produzindo relações de decaimento. Nes-
lisão, isto é, a soma das energias cinéticas depois do tes casos as equações que expressam esses decaimen-
choque não é igual à soma das energias cinéticas an- tos satisfazem também a princı́pios de conservação en-
tes do choque, de modos que podemos escrever para a volvendo grandezas quânticas associadas às partı́culas
variação total da energia cinética componentes das relações de decaimentos. Assim,
além das expressões dos princı́pios de conservação já
apresentados mais acima, vêm se somar os princı́pios:
∆Ek = {(m01 + m02 ) − (m01 + m02 )} c2 Conservação da carga; Conservação dos léptons; Con-
ou servação dos bárions; Conservação do spin isotópico e
∆Ek = c2 ∆m. Conservação da estranheza.
Estas leis estão claramente ligadas às interações que
Um exemplo bastante ilustrativo desta reação é a co- intervêm nos processos. Porém, como já dissemos, os
lisão entre quatro núcleos de hidrogênio que se fundem princı́pios de conservação mencionados anteriormente
após um choque não elástico e produzem um núcleo de são de aplicabilidade universal e independem da natu-
um átomo de hélio e mais duas partı́culas leves [9]. reza das interações que intervêm nos processos estu-
Neste caso ocorre uma variação apreciável da massa dado.
própria e a reação libera uma quantidade enorme de
energia correspondente à transformação em energia do
4.2. Princı́pio de conservação em presença de
defeito de massa, (da diferença de massa)
gravitação
c2 ∆m ≈ 26, 7 MeV, As expressões formais dos princı́pios de conservação que
14
e que produz a fabulosa energia de 6,6.10 J por quilo temos visto até agora, ganham nova e sofisticada rou-
de hidrogênio usado na reação. É um dos exemplos pagem quando os eventos são observados numa região
mais conhecidos da fusão nuclear. onde existe um campo de gravitação cuja intensidade
Constatamos aqui uma alteração da lei da con- não pode ser desprezada.
servação da massa de Lavoisier. Aqui a massa não Os novos procedimentos fazem uso de relações de
se conserva, mas como a massa relativı́stica tem um conservação já desenvolvidas no estudo de mecânica de
equivalente energético, o que rigorosamente se conserva meios contı́nuos. A expressão mais simples e de inter-
é a energia. A lei de Lavoisier é aplicável às reações pretação imediata é a chamada equação da continui-
quı́micas porque nestas reações a energia envolvida é dade
pequena e a variação de massas das moléculas é insig-
nificante. ∂ρ
+ ∇.(ρv) = 0,
As colisões entre partı́culas, realizadas em potentes ∂t
aceleradores, se revelaram um processo bastante útil e escrita para um fluido de densidade ρ e sendo v a veloci-
que fornece aos cientistas importantı́ssimas informações dade de um elemento qualquer do fluido. O significado
sobre a estrutura da matéria e sobretudo para o estudo desta equação pode ser expresso facilmente.
das partı́culas elementares. Dessas colisões foram re- Consideremos uma quantidade de matéria encer-
veladas informações sobre estabilidades e instabilida- rada no interior de uma esfera. Então a equação de
des de partı́culas, suas composições e estruturas mais continuidade diz que a variação por unidade de tempo
ı́ntimas, pelo exame dos sub-produtos das reações por da quantidade de matéria no interior da esfera é igual
colisão. Em todo o caso, sempre, e inevitável, a energia à quantidade de matéria que, no mesmo intervalo de
total do processo se conserva. Muitas partı́culas novas tempo, atravessa a superfı́cie da esfera. Ou seja, se a
foram descobertas por este processo, isto é, pela sua quantidade de matéria no interior da esfera diminui, au-
submissão ao princı́pio de conservação da energia. tomaticamente a mesma quantidade correspondente à
O avanço da fı́sica teórica detectou no estudo das esta diferença de matéria, atravessa a superfı́cie aban-
partı́culas elementares novos princı́pios de conservação, donando a esfera, no mesmo intervalo de tempo. Vamos
por exemplo, o princı́pio da conservação da carga to- escrever a forma matemática desta equação para que
tal das partı́culas envolvidas na colisão, isto é a carga tenhamos uma idéia de como se constrói relações se-
total das partı́culas antes do choque deverá ser igual à melhantes mais sofisticadas em presença de gravitação.
carga total das partı́culas resultante do choque, ou que Vamos integrar ambos os membros da equação de con-
o número total de léptons (partı́culas leves) é preser- tinuidade em todo o volume da esfera,
vado durante o choque.
 
O estudo da fı́sica das partı́culas descobriu outros ∂ρ
atributos das mesmas e que devem ser levados em conta ( )dV + (∇.(ρv))dV = 0.
∂t
550 Baptista


E tendo em conta que ρdV é igual à massa total M presença de um campo de gravitação, ou em presença
contida na esfera e tendo ainda em conta um precioso de um campo eletromagnético, vai inevitavelmente tra-
teorema do cálculo que transforma a segunda integral tar com grandezas representadas por campos, como foi
numa integral de fluxo através da superfı́cie da esfera, o caso de exemplo acima.
temos que Um outro excelente exemplo deste formalismo é a
 representação das leis de conservação em teoria da re-
dM
= − ρ v . dS, latividade restrita.
dt S Para isto define-se uma grandeza mais rica em com-
onde o primeiro membro representa a variação da quan- ponentes, uma grandeza tensorial: o tensor de impulso-
tidade de matéria por unidade de tempo e o segundo energia, um tensor de 16 componentes que estão asso-
membro representa o fluxo total de matéria por unidade ciadas às densidades de impulsão e densidades de ener-
de tempo através da superfı́cie S. gia.
Vemos claramente que esta expressão informa que Se este tensor for representado por T αβ onde os
a quantidade de matéria que passa pela superfı́cie da ı́ndices tomam valores de 1 a 4, e, dependendo dos
esfera e por unidade de tempo, não foi criada ali mas valores destes ı́ndices, teremos componentes densidade
provém da diminuição da massa por unidade de tempo de impulsão ou densidade de energia. Assim, a “di-
da massa total contida no interior da esfera. Se o in- vergência” quadridimensional deste tensor de impulso-
terior da esfera for vazio, nenhuma matéria atravessa a energia pode ser escrita, tendo em conta que usamos a
superfı́cie, isto é, ... do nada, nada se tira! convenção (x, y, z, ct) → (x1 , x2 , x3 , x4 ) é escrita como
A equação da continuidade fornece expressões usa-
das na mecânica dos meios contı́nuos para fixar uma
condição de conservação e que será empregada em todo ∂ αφ ∂ ∂
T = T 1β + T 2β +
o desenvolvimento no estudo dos sistemas fı́sicos com ∂xα ∂x1 ∂x2
distribuições contı́nuas, ou como veremos nos sistemas ∂ ∂
3
T 3β + T 4β = 0.
fı́sicos que pressupõem a presença da gravitação. Va- ∂x ∂x4
mos desenvolver a expressão da equação da continui-
dade, teremos que Neste ponto é necessário sublinhar uma observação.
Assim como as equações de Newton foram construı́das
em conformidade com as leis de conservação de Descar-
∂ρ ∂ ∂ ∂ tes, as teorias modernas que usam formalismo tenso-
+ (ρ vx ) + (ρ vy ) + (ρ vz ) = 0.
∂t ∂x ∂y ∂z rial devem ser necessariamente construı́das em confor-
midade com a expressão
Esta equação nos permite compreender como, for-
malmente, ela pode ser usada para expressar uma lei
∂ αβ
de conservação. Suponhamos que no exemplo citado T = 0.
∂xα
mais acima, a quantidade de matéria no interior da es-
fera não varia, permanece constante no tempo. Esta Que podem ser aplicadas diretamente desde que se
restrição pode ser representada pelas condições conheça as componentes do tensor de impulso-energia.
Isto é nesta teoria que envolve o tensor T αβ , a sua
divergência é nula o que garante a conservação da
∂ρ ∂ ∂ ∂
= 0 ⇒ (ρ vx ) + (ρ vy ) + (ρ vz ) = 0. impulso-energia da teoria.
∂t ∂x ∂y ∂z
Então, substituindo os valores das componentes do
A segunda equação, denominada de divergência da tensor verificamos que para valores de β = 4 ou β =
densidade de fluxo, é conseqüência do fato de que a 1, 2 ou 3 obtemos as relações de conservação clássicas.
quantidade de matéria no interior da esfera é constante Por exemplo, para o valor 4, a equação acima seria
(não varia no tempo, a derivada temporal da densidade equivalente à equação da continuidade. As expressões
é nula) e é equivalente à divergência nula da densidade formais das leis de conservação são deduzidas destas
de fluxo. Ou seja, o fluxo total das densidades de mo- equações do modo como vimos no exemplo mais acima.
mentos através da superfı́cie esférica é nulo. Como exemplo ilustrativo suponhamos que o tensor
Nestas equações as grandezas fı́sicas são representa- T αβ seja o tensor de impulso-energia de uma distri-
das por campos matemáticos. A densidade por exem- buição de matéria incoerente, isto é, onde a pressão é
plo, é um campo escalar, cujo valor em cada ponto é o praticamente nula13 . Neste caso as componentes deste
valor da função densidade ρ(x, y, z, t) naquele ponto. É tensor são
a mesma situação para a densidade de impulso, ou den-
sidade de momento ou de velocidades. O estudo das leis
de conservação envolvendo processos que se realizam em T ij = ρ v i v j ; T i4 = T 4i = cρ v i ; T 44 = − ρ c2 .
13 Em teoria da gravitação einsteiniana esta distribuição material é chamada de poeira, isto é, um agregado de partı́culas à pressão

nula.
Os princı́pios fundamentais ao longo da História da Fı́sica 551

Introduzindo estas componentes na expressão acima 5. Do nada, nada se tira?


da divergência tensorial, teremos, para o valor β = 4,
(com ε = ρ c2 ) Uma das mais extraordinárias conquistas da Fı́sica feita
através da teoria da relatividade geral, foi a descrição
do nosso Universo, na recém criada disciplina moder-
∂ ∂ na: a cosmologia. Segundo esta teoria o modelo de uni-
(ε v i ) + (ε) = 0.
∂ xi ∂t verso adotado se apresenta como uma esfera de matéria
descrita no espaço com quatro dimensões em expan-
Esta equação nos diz que se a variação da energia são14 contı́nua e com uma densidade média atual muito
no interior de uma esfera for nula, o fluxo de energia pequena, da ordem de 10−29 gramas por centı́metro
que atravessa a superfı́cie é também nulo, isto é, a di- cúbico.
vergência da densidade do fluxo de energia (εv i ) é nula. Este modelo sugere que houve um tempo no passado
em que a matéria toda do Universo se encontrava con-
No caso da presença de gravitação, as expressões
centrada praticamente num ponto, quando ocorreu a
matemáticas não diferem muito destas escritas acima,
explosão que provocou esta expansão, ainda hoje em
porém o significado sofre grandes alterações. As ex-
ação.
pressões do tensor de impulso-energia não sofrem al-
Esta esfera se expande, sua temperatura média di-
teração formal, mas nas equações de divergência as de-
minui, sua densidade de matéria também diminui. Se
rivadas parciais devem ser substituı́das pela chamada
imaginarmos o universo como uma esfera isolada, todo
“derivada covariante”. Esta derivada tem uma ex-
o processo que ela está sendo submetida é uma trans-
pressão própria e sua aplicação às grandezas tensoriais
formação adiabática, então a primeira lei da termo-
fornece duas informações: a) A variação absoluta da
dinâmica estabelece a conservação da energia e, como
grandeza e b) A variação que sofre a grandeza em con-
não há troca de calor com o “meio exterior”15 ,
seqüência da aceleração do referencial onde o processo
é estudado.
∆U + W = 0,
Isto é essencial, pois em presença de gravitação não
existe mais referenciais em movimento de translação ou seja, o trabalho de expansão do Universo é igual à
uniforme, e todos os observadores, como estão sujei- diminuição da sua energia interna.
tos à ação do campo de gravitação, são observadores Se, por outro lado aplicarmos um raciocı́nio seme-
acelerados. Os elementos necessários para se escrever lhante ao que foi feito com a equação da continuidade,
a expressão completa destas derivadas covariantes, são escolhemos uma esfera que envolve o Universo, e como o
obtidos depois de resolvida a equação da gravitação fluxo de partı́culas através desta esfera é nulo, e tendo
aplicável à região, pois os potenciais de gravitação fi- em vista que a quantidade de matéria e energia con-
guram explicitamente na expressão matemática da de- tida no interior da esfera não é nulo, concluı́mos que a
rivada covariante. matéria total contida na esfera é invariável, constante
no tempo.
As expressões formais das leis de conservação em
A expansão deste Universo é cada vez mais lenta,
teoria da relatividade geral (em presença de gravitação)
desacelerada pela gravitação que tende a aglutinar as
não diferem das mesmas escritas em relatividade res-
partes materiais do universo. Quando a energia interna
trita. Porém é muito mais difı́cil elaborar uma inter-
se anular o universo cessará de se expandir, e, depen-
pretação semelhante à que foi dada no caso da equação
dendo das condições sob as quais ele evoluiu, poderá
da continuidade mais acima.
passar a se contrair.
Os termos adicionais que figuram nestas deriva- Entretanto em 1981, um jovem cientista americano
das covariantes, acompanhando as derivadas parciais, lançou uma teoria muito interessante sobre a expansão
proı́bem interpretações simples. Os pesquisadores de do universo16 .
questões associadas com a gravitação procuram contor- Supõe-se que o universo, no inı́cio de sua expansão,
nar a dificuldade usando expressões aproximadas dos tenha sofrido um “super-resfriamento” atingindo tem-
valores dos campos. peraturas muito baixas sem ser submetido a trans-
Vemos então, a que ponto de sofisticação as ex- formações de fases apropriadas para estas temperatu-
pressões das leis de conservação evoluı́ram desde os sin- ras17 . Resultando que seu conteúdo material, prótons,
gelos enunciados dos pensadores da idade romântica da nêutrons, neutrinos, elétrons, pósitrons e mésons, entre
Fı́sica, como Helmholtz entre outros. outros, sofreu uma rarefação tão pronunciada que o
14 Este modelo cosmológico foi elaborado depois da descoberta, em 1920 do fenômeno de recessão das galáxias por E. Hubble e sua

equipe.
15 Neste modelo o “meio exterior” não existe.
16 A teoria do universo inflacionário de Alan Guth [10 ].
17 Este fenômeno é semelhante ao que ocorre quando se congela lentamente uma garrafa de cerveja, levando sua temperatura abaixo

do ponto de congelamento do lı́quido. Ao ser retirada do refrigerador vemos que a cerveja está ainda no estado lı́quido, porém, à menor
perturbação, ela muda de estado. Começa a congelar.
552 Baptista

conteúdo energético do Universo neste perı́odo se re- magnética já estivessem teoricamente bem estrutu-
duziu quase que exclusivamente à energia do vácuo. A radas, apresentando todas elas seus princı́pios funda-
energia do vácuo, já descrita pela mecânica quântica, mentais, ainda não era visı́vel uma generalização tão
figura nos modelos saı́dos da relatividade geral como profunda como a que Helmholtz propunha. A evolução
uma energia repulsiva, por conseguinte, neste instan- da Fı́sica ao longo do meio século seguinte daria razão
te, o Universo passa por uma mudança de estado a este cientista alemão19 .
acompanhada de uma violenta explosão com eventos A história da Ciência registra os nomes e as obras
simultâneos de criação de partı́culas. É a teoria da de vários pesquisadores que dirigiram suas investigações
inflação. Esta segunda e violenta explosão viria forne- na procura de um princı́pio geral que pudesse represen-
cer possibilidades de explicações para alguns problemas tar o elo de ligação entre os vários processos de con-
que preocupam bastante os que se dedicam ao estudo versão de energia já plenamente estudados em muitos
da cosmologia, que sem esta explosão suplementar, pa- ramos da ciência. Era a busca de uma Conexão entre
recem não ter soluções. as partes da Ciência, segundo Kuhn20 , referindo-se a
Considerando a ocorrência deste fenômeno, a in- uma publicação inglesa de 1834.
flação, a quantidade de matéria do Universo não se con- Thomas Kuhn analisa e avalia a importância dos
serva. Isto é: a matéria é criada a partir do nada! trabalhos desta plêiade de cientistas: J.P. Joule, J.
Entretanto temos que levar em conta que no balanço Mayer, M. Faraday. C.F. Mohr, W. Grove. S. Car-
total das energias envolvidas na evolução do Universo not e outros, (Kuhn relaciona uns doze pioneiros, além
é necessário que seja incluı́da a energia do vácuo. E de Helmholtz) que partiram da análise dos processos de
assim a expressão clássica do princı́pio da conservação conversão de Força (Energia) nos diferentes processos
da energia é mantida em sua forma18 mais pura. - mecânicos, quı́micos, elétricos, magnéticos - e culmi-
Finalmente uma descoberta recente permitiu supor naram na elaboração de um princı́pio de conservação,
com certa segurança que o Universo se expande, mas sem no entanto, atingirem uma formulação geral como
não se desacelera! Se esta teoria se confirmar vemos a proposta de Helmholtz. São trabalhos notáveis e inte-
que a energia do vácuo ainda está presente, isto é ainda ressantes que foram produzidos por vias distintas, des-
não foi totalmente exaurida, fornecendo combustı́vel pertando em Thomas Kuhn a idéia de que constituem,
para a manutenção da aceleração da expansão cósmica, na realidade, descobertas simultâneas21 , conforme ele
a energia do vácuo continua sendo usada! analisa em seu artigo mencionado acima.
O exame desses trabalhos, segundo pesquisadores
da história da Ciência, dá a impressão que estes cien-
6. A busca do princı́pio universal
tistas falam de coisas distintas, porém empregando a
Na história da Fı́sica os acontecimentos envolvendo a terminologia e conceitos modernos, concluiu-se que to-
procura de expressões gerais que traduzem o princı́pio dos referem-se ao mesmo aspecto da natureza.
de conservação da energia são muito variados e cu- Para muitos pesquisadores, os trabalhos de Helm-
riosos. Muitos pesquisadores participaram da busca holtz apresentam uma concepção geral, matematica-
deste princı́pio e depararam com uma variedade de mente bem formulada, do princı́pio da conservação da
fenômenos que exigia um tratamento de forma a impor energia. Igualmente as pesquisas de todos estes pionei-
uma certa ordenação conceitual. Um dos que destaca- ros também culminaram na definição de uma “força”
ram foi Helmholtz como veremos a seguir. comum aos processos de conversão estudados.
Num artigo lido na Sociedade de Fı́sica de Berlim, Entretanto, o trabalho de Helmholtz foi muito bem
em 1847, sob o tı́tulo Sobre a Conservação da Força recebido por ter sido concebido e formulado com uma
Hermann Von Helmholtz (1821-1894), afirma pela pri- fundamentação filosófica e epistemológica bem elabo-
meira vez que: rada.
Por outro lado, o direcionamento cientı́fico do tra-
A conservação da energia é um princı́pio balho conduziu a uma concepção completamente meca-
universal da natureza. nicista da natureza, onde, obrigatoriamente, todas as
interações são mediadas através de forças newtonianas.
Entretanto sua publicação na famosa e conceituadı́s- Esta caracterı́stica conflita com a formalização proposta
sima revista Annalen der Physik foi recusada [11]. pela teoria da relatividade geral.
Apesar de que a mecânica teórica, a termodinâmica, Apesar da roupagem cientı́fica moderna com que o
a teoria da gravitação, a Quı́mica e a teoria eletro- princı́pio de conservação da energia é apresentado nas
18 Entretanto a questão não se resolve assim tão facilmente pois ao incluirmos a energia do vácuo introduzimos neste cenário interações

quânticas, com suas peculiaridades que dificultam interpretações clássicas, como por exemplo, o efeito túnel.
19 O advento da teoria da relatividade viria, não só confirmar a universalidade do Princı́pio da Conservação da Energia, como revelar

o papel basilar deste princı́pio.


20 T.S. Kuhn, Energy Conservation as an Example of Simultaneous Discovery [12].
21 Instalou-se também uma acirrada disputa pela primazia da autoria da formulação da lei de conservação reivindicada ao mesmo

tempo por J. Mayer e J. Joule conforme já mencionado em [7].


Os princı́pios fundamentais ao longo da História da Fı́sica 553

várias disciplinas da ciência, o seu significado profundo, referentes às expressões de leis de conservação em teo-
o seu conteúdo, permanece como foi descoberto. Toda- rias que se desenvolvem em meios contı́nuos, incluindo a
via a expressão formal deste princı́pio sofreu alterações teoria da gravitação. Assim torna-se simples compreen-
óbvias, conseqüentes das generalizações e evoluções for- der por que a condição para que uma teoria seja con-
mais das teorias. servativa se revela na existência independente de uma
Já examinamos as variações nas formas dos prin- expressão que exprima a nulidade da divergência do
cı́pios, associando-as à conservação da energia e à con- tensor de impulsão-energia da dita teoria. Finalmente
servação do momento, impostas pela própria generali- vimos que a expressão das leis de conservação escrita
zação das teorias que se sucedem desde Newton até em relatividade e em presença de gravitação tem um si-
Einstein. Porém, como já foi dito, independentemente gnificado que se aproxima muito da idéia sugerida por
da sofisticação formal que reveste estes princı́pios, o sig- Helmholtz sobre um princı́pio de conservação funda-
nificado epistemológico permanece o mesmo desde os mental da natureza
mais primórdios tempos da história da ciência.
Do ponto de vista prático estes princı́pios funcionam
Referências
como um critério que permite identificar o modo como
a natureza funciona. [1] E. Mach, La Mécanique (J.Hermann, Paris, 1925).
Por outro lado, estes princı́pios também funcionam
[2] Platão, The Great Books of the Western World (Ency-
como um critério de separabilidade visando isolar, entre
clopaedia Britannica Inc., Chicago, 1989).
os processos imagináveis que possam ocorrer na natu-
reza, aqueles considerados como cientificamente viáveis. [3] J. Burnt, O Despertar da Filosofia Grega (Editora Si-
São, poderı́amos dizer, condições restritivas e esta si- ciliano, São Paulo, 1994).
tuação é ilustrada pelo princı́pio chamado de segunda [4] A. Koyré, Estudos Galilaicos (Bertrand Editores, Lis-
lei da termodinâmica e pelos princı́pios aplicados às in- boa, 1986).
terações entre partı́culas elementares. [5] M.A. Tonnelat, Histoire du Prncipe de Relativité (Fla-
marion, France, 1971).
7. Conclusão [6] K. Symon, Mechanics (Addison-Wesley Publishing
Company Inc., Japan, 1963).
O que se destaca de tudo o que foi exposto é a idéia [7] R.A. Martins, Cadernos de Hist. e Filos. da Ciência 6,
simples e direta que afirma que se pode aplicar um prin- 63 (1984).
cı́pio em qualquer circunstância desde que a situação
[8] N.W. Zemansky, Calor e Termodinâmica (Editora Ga-
fı́sica seja apropriada e em qualquer teoria sem nenhu- nabara 2, Rio de Janeiro, 1978).
ma necessidade de elaboração teórica a não ser o co-
nhecimento das expressões que identificam as grandezas [9] J. Aharoni, The Special Theory of Relativity (The Cla-
rendon Press, Oxford, 1965).
envolvidas no princı́pio.
Vimos também que expressões antigas manifestando [10] A. Guth, O Universo Inflacionário (Editora Campus
um ou outro aspecto de conservação continuam presen- Campinas, 1997).
tes em nossas elaborações de cálculos em Fı́sica. Por [11] E. Whittaker, A History of the Theories of Aether
exemplo da expressão do nada, nada se tira é a base and Electricity (Tomash Publishers, Nova York, 1951),
empı́rica da interpretações de muitos teoremas da fı́sica v. II.
teórica como foi o caso da equação da continuidade. [12] T. Kuhn, in Critical Problems in the History of Science,
Com o auxı́lio desta antiga proposição ficamos com- edited by M. Clagget (University of Wisconsin, Madi-
preendendo o significado empı́rico das relações teóricas son, 1959).

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